Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1547/08.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:FATURAÇÃO FALSA;
REPARTIÇÃO DA CARGA PROBATÓRIA.
Sumário:1. Quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, cabe-lhe provar que existem indícios sérios de que a operação faturada não corresponde à realidade.
2. Feita esta prova, recai sobre o sujeito passivo o encargo de provar a veracidade da transação.
3. Demonstrados os indícios de falsidade, cabe ao Impugnante provar a materialidade das operações faturadas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


RECORRENTE: F…. M…… & Filhos, Lda.
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Lisboa que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 2003 e 2004, por indiciação de faturação falsa.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
I. O presente recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada, pretendendo a recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto e, consequentemente, sobre a matéria de direito.
II. A ora Recorrente foi sujeita a um procedimento de inspeção tributária, mediante o qual, vieram a ser efectuadas correcções à matéria tributável, relativamente ao que havia sido declarado, tempestivamente, na declaração periódica de rendimentos (mod. 22) junto aos autos.
III. A ação inspectiva à impugnante resultou de uma informação prestada pela Direção de Finanças de Santarém, na qual constava a emissão de “faturas de favor”, com liquidação de IVA, por parte de M…….. a vários clientes, entre os quais, a sociedade “F….. M….. , Lda.” (cfr. relatório de inspeção, junto a fls. 147 a 173 do PAT).
IV. A impugnante ora recorrente deduziu impugnação contra os atos de liquidação de IRC nº 2008 8310033… e nº 2008 8310033…, respetivamente, referente ao ano de 2003 e 2004, petecionando a anulação dos atos de liquidação e respetivos juros compensatórios,
V. Foi realizada diligência de inquirição de testemunhas, sendo ouvidas 4 testemunhas, H…., R……, F….., e P……,.
VI. O O Tribunal a quo considerou, apenas os documentos juntos aos autos e constantes do PAT, tendo desvalorizado por completo o depoimentos das testemunhas.
VII. Entende o impugnante ora recorrente que, atendendo à prova documental e testemunhal produzida, a sentença relativa à matéria de facto não cumpre a lei substantiva, nem processual, porquanto dela constam como não provados alguns factos , os quais, de acordo com as regras da produção da prova, e da experiência comum, deveriam ser dados como provados.
VIII. Portanto, existe, no entender do recorrente, um erro na apreciação da prova produzida que, atendendo à existência dos elementos probatórios no processo, devem ser corrigidos por este Douto Tribunal e tidos em conta na adoção de outra decisão.
IX. Assim sendo, no nosso modesto entendimento, do depoimento das testemunhas produzido em sede de audiência e julgamento, conjugados com a prova documental carreada para os autos impunham-se dar como provados os seguintes factos:
i. M……., NIF 104948…, conhecido apenas por "M…." trabalhou/ prestou serviços par a a sociedade F…. M….. e Filhos, Lda, razão pela qual era conhecido de H....., R....., F..... e de P.....;
ii. M....... prestava serviços de corte, rechega e empilha da madeira para outras entidades, inclusive para a testemunha P…..;
iii. M....... prestava serviços de corte, rechega e empilha da madeira, desde 2000, em regime de empreitada para a F....... M..... e Filhos, Lda.;
iv. Nos anos de 2003 e 2004 M....... prestou serviços para a impugnante;
v. Para realizar as empreitadas acordadas com a F….. M…. e Filhos, Lda, M....... contratava os seus trabalhadores e tinha as máquinas necessárias para o trabalho prestado. M....... tinha diversos trabalhadores, em determinadas alturas tinha mais de 20 trabalhadores, mas em média teria 15 trabalhadores;
vi. O transporte das madeiras, cortadas rechegadas e empilhadas por M....... era realizado pelo impugnante F....... M..... e Filhos, Lda ou por empesas contratadas para o efeito;
vii. Os serviços prestados por M......., nos anos de 2003 e 2004, foram essencialmente prestados na zona do Alqueva, Alentejo;
viii. O valor da prestação de serviços que a impugnante pagava a M....... reportava-se ao corte, rechega e empilha da madeira, sendo tal valor variável, entre os € 15 e os € 20 a tonelada ou metro cúbico, mediante acordo prévio entre as partes;
ix. Tais pagamentos eram realizados em numerário, cheque e/ ou depósito bancário;
x. Os pagamentos em numerário eram feitos a pedido do próprio M......., uma vez que este pagava aos seus trabalhadores semanalmente, sendo mais fácil fazê-lo em numerário, atendendo a que se encontrava nas matas toda a semana;
xi. O pagamento da empreitada, por parte da impugnante a M......., era feito semanalmente ou quinzenalmente, principalmente em numerário, e era entregue por pessoas da confiança da impugnante, ou por H…… ou por R…..;
xii. Por motivos bancários era impossível levantar um cheque da C.C.A.M. de Torres Vedras na C.C.A. do A…. C…., pois aquela C…. não faz parte da c…. c…. e os sistemas não estão interligados.

X. Pois que, do depoimento das testemunhas, que se encontram registados na gravação áudio, em uso no tribunal a quo de dia 07 de Julho de 2015, H….. ( com inicio às 14h 18 e fim às 14h41 ), R….. (com início de gravação às 14h41 e fim 15h25), F….. (com início de gravação às 15h25 e fim 15h44) e P….. (com início de gravação às 15h44 e fim às 15h56), conjugado com a analise da documentação e experiencia comum resultaram exatamente os factos supra enumerados.
XI. Ora, uma vez devidamente analisados os depoimentos das testemunhas supra identificadas, é do entendimento do recorrente que, e sem pretender fazer qualquer tipo de interpretação senão a que resulta directamente do depoimento prestado pelas mesmas, deveria dar-se como provado que M....... prestava serviços para a impugnante e, consequentemente, era pago pelos serviços que prestava, que as facturas emitidas refletem a totalidade dos trabalhos prestados por M....... à Impugnante; não sendo “faturas de favor”, mas sim facturas verdadeiras por corresponderem a transações reais.
XII. As faturas emitidas por M....... correspondem efetivamente aos serviços prestados na sua totalidade à Impugnante e não só quanto ao valor do IVA, bastando um mero raciocino matemático para perceber que tendo o M....... trabalhadores por sua conta, jamais poderia apenas receber o valor do IVA..
XIII. As correções efetuadas pela administração tributária são ilegais, pois os custos desconsiderados correspondem a trabalhos efetivamente prestados por M......., tendo a administração tributária errado ao corrigir a matéria coletável do IRC, dos exercícios de 2003 e 2004, com fundamento no artigo 23º, do CIRC, por ter considerado que as faturas emitidas por M....... não correspondiam a uma operação real.
XIV. Na verdade, ficou indubitavelmente demonstrado pelas testemunhas que M....... prestou efetivamente serviços para a impugnante, tendo trabalhadores ao seu serviço sendo as transações em causa reais.
XV. Assim, e considerando-se reais as transações em causa, há que considerar que as liquidações do imposto, resultante das correções, são por sua vez ilegais, Isto porque, tendo já sido as mesmas declaradas e pagos os respetivos impostos, é ilegal proceder a nova tributação, devendo tal tributação ser anulada, pois violam o estatuído no art.º 23.º do CIRC, desde logo porque os custos suportados pela impugnante com a prestação de serviços consubstanciam um custo nos termos do referido artigo
XVI. Assim tendo o recorrente feito prova da existência dos factos tributários impunha-se uma decisão diferente.
XVII. Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se concebe, sempre se dirá que houve violação do art.º 39.º da LGT, uma vez que os serviços de inspeção tributaria partiram do pressuposto que M....... era emitente de “faturas de favor” e que emitiu faturas falsas para todos os seus clientes, nomeadamente para a impugnante.
XVIII. A administração tributaria não carreou para o procedimento indícios objetivos que permitissem concluir que as operações em causa fossem simuladas; Neste ponto, releva o facto de M....... trabalhar para a impugnante há já vários anos, mais o facto de ser pago por cheque e receber outros valores da impugnante, sendo estes independentes do que ganhava na impugnante como prestador de serviços, conforme consta do próprio relatório.
XIX. Desde logo, uma dúvida nos assiste, por um lado, no Relatório consta que M....... passava faturas sem prestar serviços, ou seja, sem que fosse um subempreiteiro, por outro lado, no mesmo Relatório, consta que este prestava serviços de corte, rechega e empilha para a impugnante, como prestador de serviços e sem faturar.
XX. Do mesmo Relatório consta uma contradição, pois, por um lado, assume que M....... trabalhava sem receber, por outro, concebe que M....... recebia sem trabalhar?
XXI. Não se entende, pois, tal contradição, cumprindo pois reiterar que, na verdade, M....... trabalhava para a impugnante em regime de empreitada recebendo pelo corte da madeira efetuado., de qualquer modo, não tendo os serviços de inspeção realizado diligências para apurar a realidade, não podemos olvidar a confissão de M......., pela qual confirma que trabalhava para a impugnante.
XXII. Existe pois falta de fundamentação quando os serviços de inspeção se referem que as faturas emitidas pelo M....... são “faturas de favor” apenas por aquele estar indiciado como emitente de “facturas de favor”.
XXIII. Sobre esta questão veja-se os Ac. do TCAS de de 16/11/2004, proc 01098/03 consta que “A circunstância de a emitente das facturas não ter declarado ao Estado o IVA correspondente não tem qualquer significado para este efeito, não traduzindo um facto adequado a extrair qualquer conclusão quanto à (in)existência dos serviços titulados por tais facturas.(…) a insuficiência de meios de pagamento (cheques) detectados na contabilidade da impugnante para liquidação das facturas, não é suficiente para fazer convencer, com a necessária e elevada probabilidade, que as respectivas operações sejam simuladas.(…) Por fim, a afirmação de que existem fortes indícios que as citadas facturas não tinham subjacente uma real prestação de serviços, constitui, por si só, um facto conclusivo e, nessa medida, irrelevante, para o efeito pretendido. (sublinhado nosso)
XXIV. No Ac. do TCAS de 05/03/2002 proc. 5500/01 é referido que “(…) os indícios apontados pela AF não são concludentes no sentido de esclarecer se a impugnante adquiriu ou não a madeira em causa, pelo que, para ele, as irregularidades ou desfasamentos na contabilidade da impugnante,(…) pagamentos em dinheiro, tudo isso, não bastam para implicar a impugnante num acordo simulatório com vista a ludibriar o fisco, sendo, ainda, irrelevante que os emitentes das facturas estejam referenciados como passadores de facturas falsas, pois que um sujeito conotado como emitente de facturas falsas pode passar facturas verdadeiras, como, de resto, a própria Administração admite ao considerar que algumas facturas da C..... & M…., Lda encontradas na contabilidade da impugnante deveriam considerar-se verdadeiras.” (sublinhado nosso).
XXV. No Ac. do TCAN de 16/02/2006, proc. 00043/04 consta que “(…) a circunstância das facturas terem sido pagas em dinheiro não constitui, por si só, elemento suficientemente forte e consistente para ancorar qualquer conclusão fundada e legítima sobre a simulação das operações subjacentes. Razão por que a questão relativa à legalidade do agir da AT terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência da operação económica tituladas por essas concretas facturas.” (sublinhado nosso).
XXVI. Na senda dos acórdãos supra citados , os serviços de inspeção, para poderem concluir que as facturas emitidas eram falsas, deveriam ter ido muito além das escassas diligências realizadas.
XXVII. “(…)«Não importa só que a administração se diga convencida, mas também que diga porque é que se deixou convencer e que este resultado possa ser objectivamente apreciado e controlado pelo tribunal à luz dos critérios adequados (…) in Ac. do TCAS de 16/11/2004, proc. 01098/03
XXVIII. “E, assim, porque cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, compete-lhe, no caso de liquidação adicional de IRC por falta de reconhecimento de facturas contabilizadas pelo contribuinte, o ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação ao abrigo do art. 23º do CIRC (….) “
XXIX. «Se não conseguir fazer essa prova, designadamente a da realidade dos elementos em que apoiou o seu juízo quanto à inexistência de tais custos ou a da adequação entre esses elementos e o juízo que formulou, a questão relativa à legalidade do seu agir terá que ser resolvida contra ela, não por força do disposto no art. 121º do CPT, (….)”
XXX. A afirmação de que existem fortes indícios que as citadas facturas não tinham subjacente uma real prestação de serviços, constitui, por si só, um facto conclusivo e, nessa medida, irrelevante, para o efeito pretendido.
XXXI. A fundamentação do acto administrativo tem como escopo fundamental evitar tratamento discriminatório e a permissão do administrado do uso correcto de todos os meios processuais de defesa em relação à Administração, defesa essa que só é susceptível de ser bem sucedida se àquele for dada a conhecer a razão de ser do procedimento tomado e que ao caso se ajuste.
XXXII. Impende sobre a Administração a obrigação de fundamentar os seus actos que possam afectar os direitos e os interesses legalmente protegidos do contribuinte sob pena de tais actos serem susceptíveis de anulação.
XXXIII. É que a fundamentação do acto constitui um meio importante para a realização do princípio da verdade material ao obrigar a Administração Tributária a aprofundar as razões da sua conduta, a buscar a conformidade completa entre o direito e a realidade na consideração de que a realização do interesse público exige o respeito pela legalidade e a obediência ao princípio da igualdade perante a lei.
XXXIV. Ora o relatório da inspecção não está devidamente fundamentado, uma vez que parte de erróneos pressupostos, ou seja, toma como certo que as facturas emitidas por M....... não correspondem a operações reais, não tendo desenvolvido toda a fundamentação nesse sentido, não procurando a verdade material, nem atendendo às incongruentes e insuficientes declarações proferidas pelo M........
XXXV. Sobressaindo a dúvida, pois por um lado afirma-se que M....... prestava serviços/trabalhava para a recorrente, por outro desconsiderou-se por completo as facturas emitidas.
XXXVI. Assim, se os serviços de inspeção reconhecem a dúvida por não conseguir concretizar a que titulo M....... trabalhou para a impugnante, a referida dúvida reverte a favor da impugnante e não dos serviços, nos termos do art.º 100.º do CPPT.
XXXVII. Sobre a dúvida refira-se a jurisprudência firmada nos Tribunais Superiores, nos Ac. do TCAS de 21/11/2006, proc. n.º 00264/04, refere que “(…) Em caso de fundada dúvida, o acto tributário não subsistirá na ordem jurídica. Ou seja, a regra "in dubio pro fisco" foi substituída pela oposta:
"in dubio pro contribuinte ". Com efeito, o artigo 100 n.º 1 do CPPT dispõe que sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.” (sublinhado nosso).
XXXVIII. Ainda sobre a fundada dúvida o Ac. do TCAS de 19/09/2006, proc. n.º 01290/06, em que “(…) se, em face da contraprova produzida pela Fazenda Pública a respeito dos mesmos factos, o resultado fosse duvidoso, o desiderato teria de se resolver em desfavor da Recorrente, dando-se por assente o facto contrário, isto é, a inexistência de erro sobre os pressupostos e quantificação do facto tributário. No artº 100ºdo CPP acolhe-se claramente o princípio da verdade material, vinculante para a própria AF que só deverá praticar o acto tributário quando «formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável» devendo, em caso de subsistência de dúvida «acerca do objecto do processo (..) abster-se de praticar o acto tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum»(Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 150, 158 e 169). (sublinhado nosso).
XXXIX. Ora, a conclusão que se retira destes dois arestos é tão só que o acto não pode subsistir na ordem jurídica deste que haja fundada dúvida, pelo que se requer a anulação do mesmo, com o fundamento invocado.
XL. Nestes termos, seja qual for o entendimento perfilhado, deve o presente recurso ter provimento, absolvendo-se integralmente o recorrente

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá conceder-se provimento ao presente Recurso, revogando a decisão recorrida, e consequentemente ser julgada procedente a impugnação
Fazendo-se desta forma justiça,

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente as liquidações de IRC com base na falsidade indiciada de faturação dos exercícios de 2003 e 2004.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) O serviço de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, com base nas ordens de serviço n.º OI2007001… e OI2007001…, realizou uma acção inspectiva externa à impugnante relativa ao IRC e IVA dos exercícios de 2003 e 2004, resultante de uma informação prestada pela Direcção de Finanças de Santarém, na qual foi apurada a emissão de “facturas de favor, com liquidação de IVA, a vários clientes, entre os quais, a sociedade “F..... M.....& Folhos, Lda.”, por parte de M....... (cfr. relatório de inspecção, junto a fls. 147 a 173 do PAT).

B) Em 07-04-2008 a impugnante foi notificada do projecto de relatório da inspecção – cfr. fls. 109 a 111, 276-A a 278 do PAT.

C) Em 23-04-2008 foi elaborado o relatório final de inspecção (fls. fls.

147 a 173 do PAT) cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:

«(...)

B. Motivo, âmbito e incidência temporal

As atrás citadas ordens de serviço prevêem a inspecção parcial, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 14° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), a IVA e IRC, relativamente aos exercícios de 2003 (01-2007001…) e 2004 (01-2007001…).

A emissão destas ordens de serviço resultou de uma informação prestada pela Direcção de Finanças de Santarém, na qual foi apurada a emissão de “facturas de favor, com liquidação de IVA, a vários clientes”, entre os quais, a sociedade F....... M..... & Filhos, Lda, por parte de M......, com o NIF 104948…. .

Estas facturas consubstanciavam a realização de operações simuladas, pelo que o IVA Liquidado nas mesmas não pode ser objecto de dedução nos respectivos adquirentes, face ao estipulado no n.º 3 do art.º 19° do CIVA.

C. Outras situações


Caracterização do sujeito passivo


O sujeito passivo F....... M..... & Filhos, Lda é uma sociedade por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Torres Vedras sob o n.º 1639/910…., com o capital social de € 7.481,98, dividido em quatro quotas, uma de € 5.237,38, detida pelo Sr. F....... M..... (NIF 112 385 …), e as restantes três de € 748,20 cada, detidas pelos seus filhos: Sr. S…… (NIF 122 342 …), D.a A….. (NIF 194 299 ….) e Sr. H…… (NIF 203 361 …), sendo a gerência exercida de direito pelo Sr. F....... M..... e de facto pelos Sr. S…… e Sr. H…… .

A sua actividade económica está registada no CAE 016… – “S…. de M….” (tendo correspondido ao antigo código 0515… – “C… G…. M…. B…”).

IVA


Relativamente a IVA, o sujeito passivo iniciou actividade em 01/03/1991, estando registado no regime normal, com periodicidade mensal e com direito à dedução total de IVA nas suas aquisições.


Através de consulta à base de dados da DGCI, constatou-se que o sujeito passivo tem procedido com regularidade à entrega das declarações periódicas de IVA, não evidenciando dívidas por liquidar.

IRC


Em sede de IRC, o sujeito passivo está registado no regime geral de tributação, tendo, igualmente, entregue, com regularidade as declarações de rendimentos modo 22 de IRC, bem como, as respectivas declarações anuais de informação contabilística e fiscal.

III - Descricão dos factos e fundamentos das correcções meramente

aritmética s à matéria tributável

1. Introdução

Conforme já foi anteriormente indicado, a emissão destas ordens de serviço resultou de uma informação prestada pela Direcção de Finanças de Santarém, na qual foi apurado que o sujeito passivo M....... (NIF 104 948 …) procedeu à emissão de "facturas de favor, com liquidação de IVA, a vários clientes", entre os quais, a sociedade F....... M..... & Filhos, Lda.

Estas facturas apresentavam como descritivo a compra de “m…. e…. c… e……”, tendo sido verificado que tal não correspondia a operações reais e efectivas, pelo que foi considerado que traduzem operações simuladas, não podendo o respectivo IVA Liquidado nas mesmas ser objecto de dedução pelo sujeito passivo adquirente, face ao estipulado no n.º 3 do art.º 19° do CIVA.

No decurso do processo desencadeado sobre o Sr. M......., foram apreendidos os originais destas facturas, tendo o visado afirmado que, relativamente às facturas que emitia à ordem de F....... M..... & Filhos, Lda, “... contactava com todos os sócios, o Sr. F....... M..... e os filhos o Sr. S….. e Sr. H…. ... trabalha para esta empresa em empreitadas de corte de eucaliptos há vários anos não sendo objecto de facturação esses trabalhos. Todas as facturas ... foram preenchidas pelo próprio com dados previamente fornecidos por alguém da empresa. Recebia por cada factura o valor total correspondente ao IVA. A forma de receber era sempre em cheque que depositava na sua conta e outras vezes levantava. Afirma que nunca vendeu quaisquer toneladas ou m3 de madeira de eucalipto porque não é negociante nem possuí eucaliptais em local nenhum. Os valores ... , que recebia, eram independentes daquilo que ganhava nessa empresa como prestador de serviços”.

O Sr. M…… acrescentou, mais tarde, que os “... trabalhos realizados para a Sociedade F....... M..... e Filhos, Lda se processavam da seguinte forma, negociava o corte de árvores nas matas, geralmente com o Sr. S……, pelo preço variável conforme o terreno e que podia ir de 6 € a 20 €. ... tinha pessoal a trabalhar por conta dele podendo chegar a duas dezenas. Passados geralmente 15 dias ... dirigia-se aos gerentes da Sociedade F....... M..... & Filhos, Lda e pedia dinheiro para pagar ao pessoal que andava por ...” sua conta.

O Sr. M....... indicou ainda que “prontificava-se a passar-lhes uma factura em que o IVA da mesma, fosse o valor do dinheiro pedido, ou seja, o IVA constante de cada factura que recebia era na realidade o total a que de facto tinha direito a receber pela prestação de serviços realizada pelo seu pessoal. A descrição que consta das facturas, o histórico não corresponde em nenhum caso à realidade dos factos. À medida que fazia os trabalhos ia pedindo dinheiro aos gerentes da Sociedade F....... M..... e Filhos, Lda e por vezes iam até depositar o dinheiro na sua conta, afirma que de todo o dinheiro recebido foi sempre emitida factura em que o valor recebido correspondia ao valor constante de IVA”.

Por outro lado, na Direcção de Finanças de Lisboa, encontram-se em curso diversos procedimentos de inspecção ao sector de comércio por bruto de madeiras, tendo-se constatado que diversos operadores adquirem madeira, alegadamente, a particulares (silvicultores) que não emitem qualquer documento justificativo da venda (operação isenta de IVA, nos termos do n.º 36 do artigo 9º do Código do IVÁ, conjugado com o n.º IV da Lista A anexa ao respectivo Código), nem recorrem a autofacturação.

Para justificar as aquisições, estes operadores recorrem a vários sujeitos passivos para a emissão de facturas que lhes documentem as aquisições, sujeitos passivos esses que, normalmente, apresentam situação económica deficitária e situação fiscal irregular, quer do ponto de vista declarativo, quer de pagamento.

Estas facturas não correspondem a operações reais, configuram operações simuladas, dado que os emitentes das facturas não são os reais fornecedores das mercadorias.

As vantagens económico-financeiras para os utilizadores das facturas apresentam duas vertentes: por um lado, documentam a compra que realizaram ao particular (silvicultor) e, por outro lado, o facto do IVA nelas mencionado ser deduzido (apenas a aquisição ao produtor silvícola é isenta de IVA, as transmissões subsequentes não são isentas do imposto) com a consequente diminuição das receitas do Estado, já que o emitente das facturas não entregou nem tem a menor intenção de entregar o imposto nelas mencionado nos cofres do Estado.

É entre os utilizadores das facturas que se encontra o sujeito passivo objecto do presente procedimento, tendo sido concluído em procedimentos inspectivos realizados aos fornecedores E….., S….., J….. T…… - Transportes, Lda, que estes procediam a emissão de facturação falsa, sendo que, nalguns casos, se tenha detectado o exercício de alguma actividade “real”.

(…)


3.4. - Situação específica com o fornecedor M.......

Após o sujeito passivo ter sido confrontado com as diversas irregularidades detectadas, o mesmo anuiu em regularizá-Ias, de forma voluntária, através do envio das respectivas declarações de substituição, com excepção das facturas respeitantes ao fornecedor M....... .

Dado que não tinham sido exibidas provas da veracidade das respectivas operações, foi o sujeito passivo notificado para apresentar esclarecimentos complementares, através do ofício n.º 0021… de 10/01/2008 (ver Anexo II).

Na resposta recepcionada a 12/02/2008, o sujeito passivo afirmou que relativamente ao fornecedor M....... “ ... desde há cerca de 8 anos tem um contrato verbal ... em que se limita a fornecer os serviços de cortar, rechegar (juntar) e empilhar a madeira, toros de madeira, a fim de ser possível a carga e o transporte da madeira feita”.


Quanto ao transporte de mercadorias, indicou que “nunca o Sr. M....... efectuou para o exponente tal serviço de transporte”, acrescentando que “o transporte de mercadorias, designadamente de madeira feita, sempre foi efectuado pelas viaturas do exponente bem como através do recurso à contratação de outras empresas, conforme as cópias em anexo que comprovam o transporte, local de origem e de destino ... as toneladas/metros cúbicos, transportadas”, indicando ainda que “a pesagem das cargas é feita no destino”.

No que concerne aos funcionários que “supostamente” teriam realizados os serviços em causa, o sujeito passivo declarou que “deverá ser questionado o Sr. M....... pois os funcionários que laboravam eram contratados por ele … desconhecendo quer os nomes quer a sua identificação fiscal dos trabalhadores envolvidos” .

Relativamente ao tipo de máquinas e ferramentas utilizadas, assim como a identificação do proprietário das mesmas, foi indicado que “a maquinaria neste sector de actividade, de grosso modo, resume-se a moto-serras, máquinas de rechegar (juntar), camiões de transporte e veículos de apoio no terreno, v…. 4x4”, acrescentando que “... a sociedade F....... M..... & Filhos Lda dispõe de camiões de transporte e veículos de apoio no terreno … pelo que os outros equipamentos são, possivelmente, da propriedade dos subcontratados. Na questão decidenda foram utilizadas as máquinas do Sr. M.......”.

Por fim, o sujeito passivo confirmou que “as operações foram negociadas ... com o Sr. M........ Quanto a quem assinou as facturas, as mesmas foram assinadas pelo Sr. M....... ...”, tendo apresentado cópias de apontamentos manuscritos relativos a pagamentos, uns efectuados em dinheiro e outros por cheque, que funcionariam, aparentemente, como uma conta-corrente com este fornecedor.

O sujeito passivo elaborou ainda uma relação de cheques justificativos dos pagamentos das facturas ao fornecedor M......., acompanhada da devida autorização para obter, junto da C.C.A.M. de Torres Vedras, fotocópias da frente e do verso dos referidos cheques emitidos, através da sua conta bancária n.º 2040041…., domiciliada na Agência de A-dos-C….. .

3.5. - Diligências junto da C... de Torres Vedras

Para o efeito atrás descrito, a C... de Torres Vedras foi notificada em 25/03/2008, via fax.

Refira-se que já, anteriormente, fora esta instituição bancária notificada, por via postal, através do ofício n.º 096… de 22/11/2007, para a apresentação de fotocópia da frente e do verso dos cheques emitidos sobre outros fornecedores, na sequência da devida autorização do sujeito passivo, tendo sido fornecidos os devidos elementos.

Da análise às cópias dos cheques entregues, “supostamente” emitidos para pagamentos de facturas emitidas por M......., destaca-se o facto de inúmeros cheques, na sua maior parte emitidos ao portador, terem sido levantados por familiares dos sócios da empresa F....... M..... & Filhos, Lda,, nomeadamente o Sr. H….., irmão do sócio-gerente F….., (neste caso, muitos dos cheques eram nominativos, constando o nome de “H…..”) e o Sr. R….., sobrinho do Sr. F……, assim como, um cheque emitido ao Sr. R…… (e mobilizado por este) e um outro cheque ao portador que foi levantado pelo sócio Sr. S……, conforme listagem de cheques a seguir discriminada, pelo que facilmente se conclui que estes cheques, ao contrário do alegado pelo sujeito passivo, não serviram para pagar qualquer crédito junto do Sr. M....... (ver ANEXO III):

(…)


4. Conclusões

Após a análise efectuada aos elementos recolhidos durante a presente acção inspectiva, conclui-se que o sujeito passivo deduziu indevidamente IVA nas seguintes situações:

a) no montante de € 233,89, na factura n.º 0020…/04 emitida em 30/09/2004 pela sociedade L….-R…., S.A., referente à comissão cobrada por esta, relativa à aquisição de uma viatura de turismo, violando o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 210 do CIVA;
b) no montante global de € 43.358,03 em diversas facturas consideradas

“falsas”, emitidas pelos fornecedores a seguir indicados, resultantes de operações simuladas, violando o disposto no n.º 3 do art.º 19º do CIVA.

De igual modo, os valores constantes nestas facturas (alínea b) e que foram contabilizados como custo, não são aceites em termos fiscais, conforme o disposto no art.º 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), a estas facturas acrescem os recibos considerados no ponto 3.3.2., relativos a J…….. e J……., não sendo aceites como custos, respectivamente, os montantes de € 20.000 e € 5.000.

4.1. - Fornecedores emitentes de facturação "falsa" (…)

4.1.6. - M.......

    Nome Fornecedor
    NIF
Fact.Data Fact.Valor Fact.
    IVA
    Total da
FornecedorN.º
    Fact.
M....... 104948....4020-01-2003
    17.000,00
    3.230,00
    20.230,00
M....... 104948....4320-02-2003
    10.000,00
    1.900,00
    11.900,00
M....... 104948....7002-04-2003
    10.500,00
    1.995,00
    12.495,00
M....... 104948....7119-04-2003
    10.500,00
    1.995,00
    12.495,00
M....... 104948....7213-05-2003
    7.500,00
    1.425,00
    8.925,00
M....... 104948....7513-06-2003
    10.500,00
    1.425,00
    11.925,00
M....... 104948....7805-07-2003
    10.500,00
    1.425,00
    11.925,00
M....... 104948....7917-07-2003
    10.500,00
    1.425,00
    11.925,00
M.......104948....
    81
10-08-2003
    5.250,00
    997,50
    6.247,50
M.......104948....
    11
08-09-2003
    18.000,00
    3.420,00
    21.420,00
M.......104948....1309-09-2003
    18.000,00
    3.420,00
    21.420,00
M.......104948....1516-10-2003
    18.000,00
    3.420,00
    21.420,00
M.......104948....1709-11-2003
    18.000,00
    3.420,00
    21.420,00
M.......104948....1817-11-2003
    19.000,00
    3.610,00
    22.610,00
M.......104948....
    21
30-11-2003
    20.000,00
    3.800,00
    23.800,00
M.......104948....2423-12-2003
    19.000,00
    3.610,00
    22.610,00
M.......104948....2630-12-2003
    17.000,00
    3.230,00
    20.230,00
M.......104948....9802-02-2004
    19.000,00
    3.610,00
    22.610,00
M.......104948....
    99
05-03-2004
    11.000,00
    2.090,00
    13.090,00
M.......104948....10210-04-2004
    8.000,00
    1.520,00
    9.520,00
M.......104948....10409-05-2004
    8.000,00
    1.520,00
    9.520,00
M.......104948....10501-06-2004
    16.000,00
    3.040,00
    19.040,00
M.......104948....10628-06-2004
    16.000,00
    3.040,00
    19.040,00
M.......104948....148330-06-2004
    4.800,00
      0,00
    4.800,00
M.......104948....10826-07-2004
    16.000,00
    3.040,00
    19.040,00
M.......104948....10914-08-2004
    15.000,00
    2.850,00
    17.850,00
M.......104948....11317-09-2004
    10.000,00
    1.900,00
    11.900,00
M.......104948....11103-09-2004
    12.000,00
    2.280,00
    14.280,00
M.......104948....11901-10-2004
    14.000,00
    2.660,00
    16.660,00
M.......104948....12326-10-2004
    16.000,00
    3.040,00
    19.040,00
M.......104948....12416-11-2004
    15.000,00
    2.850,00
    17.850,00
M.......104948....12626-11-2004
    11.000,00
    2.090,00
    13.090,00
M.......104948....12814-12-2004
    12.000,00
    2.280,00
    14.280,00
M.......104948....13030-12-2004
    17.000,00
    3.230,00
    20.230,00
M.......104948....13531-12-2004
    20.000,00
    3.800,00
    23.800,00
TOTAL
    480.050,00
88.587,50568.637,50

4.2. - Correcções Propostas


Perante as irregularidades descritas no ponto anterior, o sujeito passivo concordou com a justeza das mesmas, tendo procedido à respectiva regularização voluntária, através do envio de declarações de substituição, quer de IVA como de IRC, que se descrevem mais à frente no capítulo VI, excepção feita às irregularidades respeitantes ao fornecedor M........

Importa analisar com acuidade as facturas contabilizadas pelo sujeito passivo emitidas pelo fornecedor M....... (indicado no ponto 4.1.6 e cujas cópias constituem o ANEXO IV).

(…)

Com a excepção do recibo n.º 14…, datado de 30/06/2004, referente à venda de um eucaliptal no montante de € 4.800,00, todas as facturas apresentam como descritivo “M…. e…. c….. e….”, não apresentando
qualquer diferença no preço unitário, consoante seja a medida em causa, tonelada (Ton) ou metro cúbico (m3).

Refira-se que a factura n.º 7…, emitida em 13/05/2003, não foi objecto de apreensão pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Santarém, em virtude da mesma estar, por lapso, contabilizada com o código de um outro fornecedor.

Acrescente-se ainda, que o IVA no montante de € 1.425,00, constante as facturas n.º 7.., 7… e 7…, está erradamente calculado, pois deveria corresponder a € 1.995,00 (mas que para a correcção é irrelevante, pois o valor a considerar é o que foi contabilizado).

Relembrem-se os factos descritos no ponto 3.4., no qual o sujeito passivo, após confrontado com a veracidade das operações constantes nestas facturas, afirmou que o Sr. M....... “... se limita a fornecer os serviços de cortar, rechegar (juntar) e empilhar a madeira, toros de madeira”, que “... nunca ... efectuou ... serviço de transporte”, pois o transporte de mercadorias era assegurado por F....... M..... & Filhos, Lda, através de viaturas próprias, ou através do recurso à subcontratação de empresas transportadoras.

Da comparação entre o descritivo das facturas em causa e o tipo de operações relatadas pelo sujeito passivo, uma dúvida ressalta de imediato: tratam-se de compras de madeiras de eucalipto ou de serviços de cortar e rechegar?

Da análise à documentação entregue pelo sujeito passivo para, alegadamente, justificar tais operações, não se consegue atestar da veracidade das mesmas.

Com efeito, foram enviados diversos documentos de transporte, relativos ao transporte de madeira, muitos deles sem cumprirem com os requisitos previstos no art.º 4° do Decreto-Lei n.º 147/2003 de 11 de Julho, pois não indicam os locais de carga e de descarga, nem a identificação do tipo de madeira, e sobretudo, em nenhum deles foi mencionada qualquer referência ao Sr. M........ Deste modo, nenhum dos destes documentos permite obter qualquer conclusão quanto ao facto do Sr. M....... ter “supostamente” vendido madeira de eucalipto (conforme consta nas facturas) ou ter “supostamente” prestado qualquer serviço acessório (conforme o afirmado pelo sujeito passivo).

De igual modo, os documentos manuscritos apresentados como justificativos dos pagamentos “supostamente” efectuados a este fornecedor não podem ser tidos em conta, pois enfermam de expressões, tais como “falta ver os (cheques) que o pai passou”, “falta pôr dinheiros depositados na conta da mulher dele, dinheiros dados em mão e outros mandados para o Alentejo para ele”.

Aliás, são relacionadas diversas importâncias, umas em dinheiro e outras em cheque, sem qualquer referência a nenhuma factura, nem a qualquer compra de mata, nem a qualquer serviço, nem sequer qualquer local onde pudesse supostamente ter sido realizada qualquer operação comercial (fosse compra de madeira, fosse serviço prestado), pelo que estes documentos não apresentam qualquer elemento que permita validar e sustentar as veracidades das operações “supostamente” realizadas.

De igual modo, a análise descrita no ponto 3.5 aos cheques indicados pelo sujeito passivo para “alegadamente” pagar créditos do Sr. M......., foi sintomática quanto ao facto de, por um lado, em momento algum foi estabelecida qualquer relação/correspondência entre os valores dos cheques e os valores das facturas em causa; e, por outro lado, inúmeros destes cheques (a maior parte emitidos ao portador) terem sido mobilizados (depositados/levantados) por terceiros.

Em suma, conclui-se que à falta de elementos apresentados pelo sujeito passivo que justificassem a realização das operações em análise, acrescem os factos recolhidos, junto do respectivo emitente, que confirmam a simulação das facturas emitidas, conforme foi descrito no ponto 1 do capítulo III, tendo, relembre-se, o Sr. M....... reconhecido que “nunca vendeu quaisquer toneladas ou m3 de madeira de eucalipto porque não é negociante nem possui eucaliptais em local nenhum”.

Esta posição é corroborada pelo sujeito passivo em análise, pois em momento algum afirma que tenha comprado qualquer tonelada ou metro cúbico de madeira ao Sr. M......., pelo que está inequivocamente demonstrado que as operações descritas nas facturas em causa (compra de madeira de eucalipto cortada e empilhada) jamais se realizaram.

Deste modo, está evidenciada a simulação das operações descritas nas facturas contabilizadas pelo sujeito passivo em análise, pelo que esta conduta constitui um crime fiscal de fraude qualificada, punível nos termos do n.º 2 do art.º 104º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), não podendo ser aceite, em termos fiscais, em sede de IRC, o custo contabilizado no montante global de € 480.050,00 (€ 239.250,00 em 2003 e € 240.800,00 em 2004), em resultado do disposto no art.º 23° do CIRC, assim como, a dedução de IVA efectuada no montante global de € 88.587,50 (€ 43.747,50 em 2003 e € 44.840,00 em 2004) é indevida nos termos do n.º 3 do art.º 19° do CIVA.

(…)


VI - Regularizações efectuadas pelo sujeito passivo no decurso daacção inspectiva

Perante a posição assumida pelo sujeito passivo, descrita no ponto 4.2. do capítulo III, e as declarações prestadas pelo sócio H......, descritas no ponto 3.2. do mesmo capítulo, foram enviadas as respectivas declarações de substituição de IVA e de IRC, regularizando as infracções detectadas e relatadas no presente relatório (ver ANEXO V), com excepção da descrita no ponto 4.1.6. (referente ao fornecedor M.......).

(…)

IX - Direito de Audição

De acordo com o art.º 60° da LGT - Lei Geral Tributária e o art.º 60º do RCPIT - Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, foi o sujeito passivo notificado para exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre o projecto de conclusões do relatório que foi enviado junto ao ofício n.º 027… de 07/04/2008.

Para o efeito, procedeu-se à notificação pessoal do sujeito passivo, na pessoa do seu sócio-gerente Sr. F....... M..... (NIF 112 385 … e bilhete de identidade n.º 11433… de 05/02/2001 do arquivo de identificação de Lisboa).

1. Exposição apresenta da pela procura do ra do sujeito passivo

No dia 11/04/2008, o sujeito passivo em análise apresentou, via fax, uma procuração forense, na qual, através do seu sócio-gerente Sr. F…., constituiu como sua procuradora a Dr.ª R….., advogada, com a cédula profissional n.º 447….L e o NIF 225 487 …, a quem conferiu poderes forenses gerais incluindo o de substabelecer.

Neste mesmo dia, e pela mesma via fax, a atrás citada advogada enviou uma exposição, na qual “solicita à Administração Tributária que o sujeito passivo seja validamente notificado, pelo que desde já vai requer certidão nos termos do art.º 37º do CPPT”.

De forma sucinta, é alegado que a notificação efectuada no dia 07/04/2008, anteriormente descrita, consubstancia um acto nulo, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, nos termos do n.º 1 do art.º 1340 do CPA - Código do Procedimento Administrativo, em virtude do mandado, que ordenou a notificação em causa, havia sido assinado pela Chefe de Divisão A……, que mormente a indicação aposta no mandado de que estava a agir “por subdelegação de competências do Director de Finanças Adjunto”, não indicou o seu sentido e a sua data, o que no entendimento da referida advogada implicaria a nulidade do acto de notificação para o sujeito passivo exercer o direito de audição.

2. Resposta à exposição apresentada

No dia 15/04/2008, a Dr.ª R…… foi notificada, via fax n.º 261 313 …, do Despacho de Indeferimento emanado em 15/04/2008 pelo Ex.mo Sr. Director de Finanças de Lisboa, acompanhada da correspondente fundamentação e dos respectivos meios de defesa, relativamente ao pedido de certidão apresentado pelo sujeito passivo.

3. Conclusões

Além da exposição descrita no ponto 1, uma vez findo o prazo dado de dez dias para o exercício do direito de audição, não foi recebida qualquer resposta, que contrapusesse os factos apurados e respectiva fundamentação.

Na verdade, o sujeito passivo absteve-se de exercer o direito à audição prévia previsto nos art.ºs 60º da LGT e 60° do RCPIT, pelo que são mantidas as correcções propostas.

(…)»


D) Sobre o relatório referido na alínea anterior, em 23-04-2008 foi prestado parecer pela chefe da equipa 50 do serviço de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa (cfr. fls. 147 do PAT), o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:

« Confirmo.

De acordo com o teor do presente relatório, constatou-se que foram contabilizadas facturas referentes à aquisição de madeiras e prestações de serviços conexos, emitidas por diversos operadores, que não titulam qualquer transacção comercial, havendo indícios reais e credíveis que se tratam de facturas falsas, cuja a realidade económica subjacente foi simulada, com o objectivo do sujeito passivo obter vantagens patrimoniais indevidas, e subtrair receitas ao erário público, assim resultaram correcções técnicas em sede de IV A e IRC conforme o descrito nos pontos 3.3 a 4.2 do capítulo III presente relatório.

O direito dedução do imposto (IVA) contido na referida facturação encontra-se vedado nos termos do n° 3 do art. 19° do CIV A., e não pode ser aceite como custo fiscal para a determinação do lucro tributável em sede de IRC nos termos do art. 23° do CIRC.

No decorrer do procedimento inspectivo, o sujeito passivo regularizou voluntariamente quer em sede de IVA quer de IRC, a facturação falsa emitida por diversos operadores, com excepção da facturação emitida pelo M......., enviando declarações de substituição.

Face ao exposto procedeu-se às respectivas correcções:

Imposto sobre o Valor Acrescentado

2003 - Imposto em falta ........... ..43.747,50 €

2004 - Imposto em falta ..............44.840,00€

IRC

2003 Lucro Tributável corrigido ......419.335,50€ 2004 Lucro

Tributável corrigido ..... 395.615,76€
Foram preenchidos os respectivos DC-únicos,


Não foi levantado Auto de Notícia dado se encontrar a decorrer um processo de inquérito de crime fiscal, onde consta como arguido M......., (emitente de facturação falsa)NUIPC n° 54/….3 IDCTR. »

E) Em 23-04-2008, o Chefe de Divisão V, no uso de competências subdelegadas pelo Director de Finanças Adjunto, proferiu sobre o relatório descrito na alínea B), o despacho junto a fls. 147, do PAT, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:

« Concordo com o parecer da Chefe de Equipa, e com o relatório da acção inspectiva, em anexo.

Dos fundamentos deles constante resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, mantendo-se a avaliação directa da matéria colectável, proceder às correcções técnicas propostas, nos termos da parte final dos artigos 16° n.º 1 e 17° n.º 1 do Código do IRC, conjugados com os artigos 81° a 84° da LGT.

Desta forma, com os fundamentos referenciados, determino que se proceda à alteração do prejuízo fiscal/lucro tributável/matéria colectável, conforme vontade declarada, nos termos propostos.

Demonstra-se também que foram desrespeitadas normas técnicas estatuídas no CIVA com reflexo no apuramento do IVA devido e a final, derivando consequentes liquidações adicionais nos termos e fundamentos do diploma referido.

Proceda-se à recolha e processamento do DC-único, para efeitos de liquidação correctiva.

Enviar cópia do relatório à Divisão dos Processos Criminais e Fiscais para remessa ao Serviço de Investigação Criminal Fiscal da Direcção de Finanças de Santarém.»

F) Em 24-04-2008, os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa notificaram a impugnante do relatório final da acção inspectiva (cfr. fls. 142 e 143 do PAT).

G) Na sequência das correcções efectuadas pela inspecção tributária, a administração tributária procedeu à liquidação adicional de IRC nº 2008 8310033… referente ao ano de 2003 e nº 2008 8310033… referente ao ano de 2004, nos montantes de € 142.808,08 e € 108.529,56, com data limite de pagamento em 23-06-2008 e 09-07-2008, respectivamente (cfr. Fls. 94 a 101 do PAT).

*

Com relevância para a decisão da causa, nada mais resultou provado.

*


A convicção do tribunal, quanto à prova dos factos, fundou-se nos documentos juntos aos autos e constantes do PAT.

Os depoimentos das testemunhas, três delas familiares do sócio-gerente da impugnante, foi genérico, limitando-se a afirmar que entregaram dinheiro ao Sr. M......., mas não revelaram elementos concretizadores quanto aos contornos do negócio subjacente a essas entregas, nem sobre a relação contratual estabeleci da entre a impugnante e o Sr. M....... .

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
F....... M..... & Filhos, Lda. deduziu impugnação judicial contra as liquidações de IRC relativas aos exercícios de 2003 e 2004, apuradas na sequência do RIT que corrigiu a contabilização como custos da faturação emitida por M......., por considerar indiciada a sua falsidade.

Por sentença proferida no TAF de Lisboa, a MMª juiz considerou estarem verificados os indícios de faturação falsa não tendo a Impugnante provado a materialidade das operações subjacentes às faturas.

O Recorrente discorda do decidido essencialmente porque, no seu entendimento, a prova testemunhal demonstrou a materialidade das operações faturadas pelo referido emitente.

Transcreveu os depoimentos e identificou o registo da gravação com referência ao momento temporal dos depoimentos prestados em audiência de inquirição de testemunhas.

De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no nosso ordenamento processual (artigo 607º/5 do CPC), o juiz forma a sua íntima convicção acerca de cada facto, a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova disponíveis no processo e de acordo com as regras da experiência de vida; apenas quando a lei exija para prova de determinado facto uma formalidade especial ou um específico meio de prova é que não vigora o princípio da livre apreciação -Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).

A fundamentação da sentença garante a possibilidade do seu controlo endoprocessual e extraprocessual.

Na motivação da decisão de facto a sentença visa esclarecer a convicção do juiz, pela revelação do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido por este ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto dando a conhecer às partes as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro e habilitar o tribunal de recurso a sindicar o respetivo julgamento.

Mas explicar porque é que o juiz se convenceu, ou não, quanto a determinado facto, não garante, por si só, que o juiz se convenceu bem.

O recurso da decisão de facto tem como objectivo precisamente averiguar se o juiz se convenceu bem. Por isso, havendo impugnação da matéria de facto, compete ao tribunal de recurso, de acordo com o pedido formulado nas respectivas conclusões, a reapreciação do julgamento efectuado pelo tribunal recorrido, de modo a reparar o alegado erro de facto, se existir.

Assim, embora o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não corresponda a um segundo julgamento, destinando-se antes a detectar e corrigir eventuais erros (de facto) de julgamento cometidos, impõe-se uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo tribunal “a quo” quanto aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, confrontando-se o juízo sobre os factos fixados pelo tribunal recorrido com a sua própria convicção formada pela valoração autónoma das provas disponíveis nos autos.

Ou seja, o tribunal de recurso deverá formar a sua própria convicção mediante a reapreciação da prova produzida nos autos e de acordo com o pedido formulado pelo recorrente (artigo 662º do CPC).

Todavia, cumpridos que estejam os requisitos formais previstos no artigo 639º do CPC, o tribunal de recurso já não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (artigo 413º do CPC - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos no novo CPC, 2013, p. 229.

No caso de o juiz da primeira instância ter decidido (de facto) bem, embora tenha fundamentado de forma errada ou deficiente a sua convicção, o tribunal de recurso, pode preservar a sentença e confirmar a decisão, pois as eventuais deficiências na fundamentação da decisão, não inquinam a substância do julgamento.


Posto isto, pretende a Recorrente demonstrar a materialidade das operações facturadas por M....... mediante depoimento das testemunhas H……., F……. e P…. .

As três primeiras testemunhas são familiares do Sr. F…… . O Sr. H….. é irmão; os Srs. R….. e F….. são sobrinhos e só o Sr. P….. parece não ter qualquer laço familiar com o Sr. F….. .

O estatuto de familiar do sócio gerente da Impugnante não constitui qualquer inabilidade testemunhal (cfr. art.º 495º a 497º do CPC), mas não podemos deixar de registar que um depoimento desta natureza terá de ser analisado com as devidas cautelas.

E podemos desde já também adiantar que não é apenas por as testemunhas (as três acima referidas) terem ligações familiares com o sócio gerente da Impugnante que o seu depoimento não merece a mínima credibilidade.
Mas vejamos, em síntese, o conteúdo dos depoimentos e a sua credibilidade para fundar a prova da materialidade das operações faturadas.

A testemunha H….. disse ter trabalhado para a Impugnante e sempre que trabalhava para ela, pelo menos na mata de Alqueva, lá se encontrava com o Sr. M....... e com os seus trabalhadores que eram entre 9, 10, 12 ou 13 homens dependendo dos dias e das tarefas.

O irmão, e às vezes os sobrinhos, entregavam-lhe dinheiro para o M........ Outras vezes “levantava” um cheque que a Impugnante lhe dava para pagar ao M....... e depositava o dinheiro no banco N….., onde este teria a sua conta.

A testemunha diz que o irmão (ou seja, a Impugnante) também lhe pagava os serviços que prestava, mas fazia-o por cheque nominal, algumas vezes ao portador.

Vejamos agora o depoimento do Sr. R….. .
Esta testemunha é sobrinho do Sr. F....... e diz que também lhe prestou serviços, mais ou menos entre os anos de 2000 a 2006/2007. Conheceu o Sr. M....... nessa atividade para a Impugnante, na zona do Alqueva, Portel, já que ambos prestavam o mesmo tipo de serviços, fazendo a testemunha o transporte, tarefa que o M....... não fazia.

Também esta testemunha “levantava” cheques para depois entregar o dinheiro ao Sr. M........ Disse que levantava da sua conta no F…… e outras vezes da C.A. em A dos C…… para depois entregar ao Sr. M......., o qual nunca lhe entregou nenhuma fatura, apenas um “papel a dizer que recebeu”.

Mas, à semelhança do Sr. H….., também o pagamento do trabalho realizado pela testemunha era feito por meio de cheque, emitindo a testemunha a correspondente fatura, contrastando, evidentemente, com o procedimento adotado para o Sr. M........

O Sr. F……… é sobrinho do Sr. F....... e irmão do Sr. R….. .

Disse ter trabalhado como motorista para o irmão, em empreitada ao serviço da Impugnante, e sabe que o Sr. M....... lá trabalhava porque o via lá a carregar madeira.

Do mesmo modo, o Sr. P….., empresário ligado à floresta, o único que aparentemente não tem ligações familiares com o Sr. F….., sabe que o Sr. M....... prestou serviços à Impugnante porque o “via lá”. A testemunha tinha matas perto e via lá (na mata explorada pela Impugnante) o Sr. M........ Aliás, o Sr. M....... também lhe prestou serviços que a testemunha pagava em cheque e às vezes em dinheiro, recebendo sempre a respetiva factura.

O depoimento das testemunhas inquiridas não nos merece qualquer credibilidade. São depoimentos vagos (“via-o lá”), inconsistentes (“tinha uma mata perto e via-o lá”) e parece-nos injustificável o modo de pagamento ao Sr. M........
Porque razão os cheques eram emitidos pela Impugnante, e descontados ao balcão por terceiros para depois depositar o dinheiro, no banco, à ordem do Sr. M.......?
Porque razão não fazia a Impugnante esse trabalho?
E porque não adotava para com o Sr. M....... o mesmo procedimento que adotou para as duas primeiras testemunhas?
E não seria mais razoável – e porventura mais prático – a própria Impugnante depositar o dinheiro na conta do Sr. M......., alegadamente sediada no banco N……?
Porque é que não o fez?

Não se compreende a razoabilidade em pedir a terceiros para “levantar” o cheque para depois o depositá-lo na conta do Sr. M......., pelo menos de forma tão sistemática, tanto mais que este não era o procedimento habitual com os outros prestadores de serviços.

Naturalmente, quando se opta pela não utilização do sistema bancário nos pagamentos ou recebimentos, também tem de se arcar com as inerentes dificuldades de prova quanto aos fluxos inerentes às transações.

Não pode o contribuinte subtrair-se à comprovação documental bancária para depois, pela via testemunhal, obter demonstração idêntica do mesmo circuito.
Poderá fazê-lo, mas nesse caso a prova testemunhal não poderá deixar de ser escrutinada com rigor.

Rigor que, como vimos, a prova testemunhal está muito longe de ter correspondido.

Mas para além disso, como já referimos, o tribunal de recurso não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo antes atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência, cumprindo o princípio basilar de que a prova deve ser analisada no seu conjunto, e não atomisticamente, fragmentada.

Nesse contexto, notemos que não foi estabelecida qualquer relação ou correspondência entre os valores dos cheques e os valores das faturas.
As faturas não contêm qualquer diferença no preço unitário consoante seja medida em toneladas ou m3.
O próprio M....... declarou no procedimento que a descrição que consta nas faturas não corresponde em nenhum caso à realidade dos factos.
E que o IVA constante de cada fatura que recebia era na realidade o total a que tinha direito a receber pela prestação de serviços realizada pelo seu pessoal.

Em face de tudo o que deixámos exposto, resulta claro que a reapreciação da prova não altera em nada o julgamento da matéria de facto tal como foi fixada pelo tribunal "a quo", que assim se considera estabilizada.

E quanto à aplicação do direito, também não vislumbramos que a sentença tenha cometido qualquer erro.

Como tem sido decidido reiterada e uniformemente pela jurisprudência, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, cabe-lhe provar os pressupostos legais da sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.

Feita esta prova, recai sobre o sujeito passivo o encargo de provar a veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Não se exige da Administração a prova directa da simulação. Admite-se o recurso à prova indirecta, isto é, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

A AT também não tem que demonstrar a falsidade das facturas. Basta-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que revelam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem falsas, assim abalando a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

Em face deste critério de repartição do ónus probatório, resulta claro da prova produzida que a AT cumpriu satisfatoriamente o seu encargo, não sobrando a mínima dúvida de que existem fortes indícios de que as facturas emitidas pelo Sr. M....... não correspondem a operações efetivas.

Demonstrados os indícios de falsidade, cabia ao recorrente fazer a prova da materialidade das operações faturadas.

Mas não conseguiu, pelo que também quanto a esta questão entendemos que a MMª. Juiz «a quo» decidiu bem e não incorreu nos erros de julgamento que lhe são imputados, nem dos autos resulta qualquer dúvida quanto à indiciada falsidade da faturação do emitente M......., suscetível de levar à aplicação do art. 100º CPPT, como sustenta a Recorrente.

Por conseguinte, o recurso improcede na totalidade.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCA em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 31 de outubro de 2019


(Mário Rebelo)


(Patrícia Manuel Pires)


(José Vital Brito Lopes)