Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:689/07.0BELSB-R1
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IMPOSTO SOBRE SUCESSÕES E DOAÇÕES; LIQUIDAÇÃO CORRECTIVA; EXECUÇÃO DE JULGADO; PRAZO DE EXECUÇÃO.
Sumário:Nas situações em que haja anulação parcial do acto de liquidação, a AT não está impedida (pelo contrário, a lei impõe-lhe o poder dever de o fazer) de praticar novo acto de liquidação (correctiva) referente ao mesmo facto tributário, sempre que cumpra as normas respeitantes à execução de decisões anulatórias (artigos 102.º da LGT, 172.º e 173.º do CPTA, aplicável ex vi do referido artigo 102.º da LGT), ou seja, o faça dentro do prazo para a execução das sentenças e no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública deduzir recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a acção de execução de julgados interposta por M.E.M.S., exequente nos autos, e, em consequência, anulou a liquidação correctiva de ISSD e a extinção do PEF.
Para tanto, apresentou as seguintes conclusões de recurso:

“ 50º
A sentença a quo está ferida de ilegalidade ao considerar que a liquidação correctiva deverá ser anulada por caducidade do direito à liquidação prevista no artigo 39º do CIS.
51º
A liquidação em que os serviços da AT procedem, por decisão judicial, à correcção de outra liquidação da mesma natureza, não releva para se assumir a eventual ultrapassagem do prazo de caducidade.
52º
De outro modo ficaria a AT, após o reconhecimento da ilegalidade (parcial) da liquidação inicial, impossibilitada de concretizar a correcção do acto de liquidação anteriormente praticado e reconhecido como ilegal, sendo essa correcção favorável ao contribuinte.
53º
A liquidação posta em causa na sentença recorrida foi operada de acordo com o prolatado na sentença proferida na impugnação 689/07.0BELSB, não se reconhecendo a caducidade do direito à liquidação suscitado pelo Tribunal, atendendo a que não se está perante uma liquidação com dados novos, a uma nova liquidação, mas a uma liquidação que corrige os erros praticados na anterior, com a supressão dos dados que foram considerados ilegais pelo Tribunal.
Nos termos supra expostos e nos demais de Direito que V.Exªs doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e a sentença, ora recorrida, ser revogada.”
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A Exequente apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado, entendeu não ser de emitir pronúncia sobre o mérito do Recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“ Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:

1. Em 02.06.1997, faleceu o pai da Exequente, A. J. S., sucedendo-lhe cônjuge e cinco filhos – cfr. fls. 22 a 25 do PAT anexo ao proc. 689/07.0BELSB;

2. Em consequência, em 01.07.1997, foi instaurado o processo de imposto sucessório nº 1212 – cf. fls. 21 do PAT anexo ao proc. 689/07.0BELSB;

3. Em 22.11.2006, foi emitida, em nome da ora Exequente, a liquidação impugnada no proc. 689/07.0BELSB, sendo a base de tributação global constituída pelas seguintes parcelas: € 2.493.989,31 relativos a dinheiro; € 598.504,20, a título de quotas e estabelecimentos; € 1.477.189,97, a título de outros créditos, e € 159,73 relativo a prédios rústicos, sendo a base tributável respeitante à ora Exequente de € 685.326,84, resultando no valor de imposto a pagar de € 153.549,57 – cfr. fls. 187 a 197 do PAT anexo ao proc. 689/07.0BELSB;

4. Na liquidação mencionada, os bens mobiliários contemplados na base tributável são assim repartidos: o cônjuge, no valor de € 1.142.171,48 e cada um dos cinco filhos, no valor de € 685.302,89 cada – cfr. fls. 171 a 182 dos autos;

5. A ora Exequente recebeu a comunicação da liquidação de imposto sucessório mencionada nos números anteriores em 27.11.2006 – cfr. fls. 187 e 188 do PAT anexo ao proc. 689/07.0BELSB;

6. Para cobrança coerciva da liquidação mencionada nos números anteriores foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3085200701027956 – cfr. doc.4, junto aos autos com o requerimento inicial e fls. 188 e 189 dos autos;

7. Em 13.03.2007, a ora Exequente deduziu, conjuntamente com os irmãos, impugnação judicial contra a mencionada liquidação, a qual correu termos neste Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº 689/07.0BELSB – cfr. respectiva folha de rosto;

8. Em 29.01.2014, foi proferida sentença no proc. 689/07.0BELSB, que se dá por integralmente reproduzida, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida e da qual consta, entre o mais:

“Resultando do exposto que nada faz supor que o falecido não fosse detentor, à data do seu óbito, da quota na referida sociedade, antes pelo contrário, donde resulta que a sua inclusão na relação de bens constitui a decorrência lógica dos factos assentes.

Já quanto à existência do sinal e princípio de pagamento, invocam os Impugnantes que à data do óbito, já o falecido não dispunha do referido valor.

De facto, compulsados os autos, existem documentos que comprovam o depósito da maior parte do referido valor na conta pessoal do autor da herança, contudo nada faz pressupor, que à data do óbito tal valor integrasse a sua esfera jurídica patrimonial.

Se nenhuma prova foi feita pela administração tributária de que aquele montante existia na conta bancária do falecido à data do óbito, ou seja quando a sucessão foi aberta, não pode ser objecto de imposto sucessório.

Não se provando tal facto e cabia à Fazenda Pública tal prova (cf. artigo 74º da LGT), o acto é parcialmente anulável.

IV Decisão

Termos em que se decide julgar a acção parcialmente procedente e em consequência se anula parcialmente o acto impugnado.” – cfr. doc.1, junto aos autos com o requerimento inicial;

9. Ambas as partes interpuseram recurso contra a sentença mencionada – cfr. fls.190 a 247 dos autos;

10. Em 7.06.2018 foi proferida decisão sumária no recurso 7965/14, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que negou provimento a ambos os recursos, confirmando a sentença recorrida – cfr. fls. 190 a 247 dos autos;

11. Ambas as partes apresentaram reclamação para a conferência – cfr. fls. 190 a 247 dos autos;

12. Em 19.12.2018, foi proferido no recurso 7965/14, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em sede de reclamação para a conferência, acórdão que desatendeu as reclamações apresentadas e confirmou a decisão objecto de reclamação – cfr. fls.190 a 247 dos autos;

13. O acórdão mencionado foi notificado por correio registado expedido em 21.12.2018 – cfr. fls. 190 a 247 dos autos;

14. Os Impugnantes e a Fazenda Pública não interpuseram recurso do referido acórdão – facto não controvertido;

15. Em 27.12.2019, foi emitida em nome da ora Exequente a liquidação de imposto sobre as sucessões e doações considerando a base tributável global de 2.386.234,39, incluindo € 2.075.694,17, a título de bens mobiliários e € 159,73 a título de bens imobiliários – cfr. fls.178 a 184 dos autos;

16. A liquidação mencionada imputa à Exequente, a título de base tributável, € 357.935,16, apurando imposto a pagar pela mesma no valor de € 71.701,65 – cfr. doc. 2, junto aos autos com o requerimento inicial, e fls. 182 a 184 dos autos;

17. Com data de 27.12.2019, foi emitido o ofício nº O3-15220, enviado à ora Exequente por correio registado com aviso de recepção do qual, consta, entre o mais:

“Assunto: NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOAÇÕES/EXECUÇÃO DA SENTENÇA DA IMPUGNAÇÃO PROC. Nº689/07.0BELSB […] fica notificada da liquidação a que se procedeu no processo de imposto sucessório nº 1212, conforme se discrimina, em cumprimento da sentença proferida no Processo de impugnação Judicial nº 689/07.0BELSB […] imposto apurado […] € 71.701,65 […] o restante imposto, no valor de € 81.847,92, será anulado em sede de processo de execução fiscal nº 3085200701027956” – cfr. doc.2, junto aos autos com o requerimento incial, e fls. 182 a 184 dos autos;

18. O ofício mencionado no número anterior foi recebido pela ora Exequente em 13.02.2020 – cfr. fls. 183 e 184 dos autos.


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Matéria de facto não provada:

Inexistem factos com relevância para a decisão a tomar que importe destacar como não provados.”

- De Direito
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento ao considerar que a liquidação correctiva foi efectuada para além do prazo de execução espontânea, concluindo pela sua anulação. Entende a Recorrente que a sentença errou nos pressupostos de facto, por ter entendido, afirma, estar-se perante uma liquidação nova.
Vejamos, então.
A ora Recorrida, conjuntamente com os irmãos, deduziu impugnação judicial do acto de liquidação de imposto sobre sucessões e doações peticionando a sua anulação.
Por sentença proferida em 29 de Janeiro de 2014, no âmbito do processo nº 689/07.0BELSB, foi considerada parcialmente procedente a impugnação judicial e anulada parcialmente a liquidação impugnada.
Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso jurisdicional daquela decisão para este TCAS, onde correu termos sob o nº 7965/14.
Em 7 de Junho de 2018 foi proferida decisão sumária, pelo TCAS, que decidiu manter a decisão recorrida, negando provimento a ambos os recursos.
Ambas as partes apresentaram reclamação para a Conferência, as quais vieram a ser desatendidas, por Acórdão proferido em 19 de Dezembro de 2018 e que confirmou a decisão sumária reclamada.
O Acórdão foi notificado às partes por correio registado, expedido em 21 de Dezembro de 2018.
Em 6 de Maio de 2020, a ora Recorrida deduziu, no TT de Lisboa, a presente acção de execução de julgados, nos termos do preceituado no artigo 176º e seguintes do CPTA.
Por sentença proferida em 20 de Julho de 2021 foi considerada procedente a acção e anulado o acto de liquidação de imposto sobre as sucessões e doações, emitido em 27 de Dezembro de 2019, com as consequências legais de vinculação da administração tributária à plena reconstituição da legalidade, designadamente a total extinção do PEF nº 3085.2007/01027956, no prazo de 30 dias.
Para tanto, entendeu-se que resulta manifesto que a liquidação correctiva não foi praticada dentro do prazo de execução espontânea da sentença previsto no nº1 do artigo 175º do CPTA e que, na data em que foi praticado – 27 de Dezembro de 2019 – já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação.
É desta decisão que vem interposto o presente recurso.
Dissente a Recorrente Fazenda Pública do decidido, uma vez que entende que, ao assim concluir, a sentença gera erro grave e notório, com elevado prejuízo para o interesse público, atendendo que, para a liquidação do imposto em causa, constam outros bens sujeito a imposto, bens que, conforme liquidação correctiva, resulta imposto a pagar de € 71.701,65.
Refere que a AT está vinculada ao princípio da legalidade pelo que, o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, coloca-a perante causa legítima de inexecução.
Adiante-se que não tem razão a Recorrente.
Importa salientar que a sentença recorrida sempre qualificou o acto de liquidação praticado em 27/12/2019 como um acto de liquidação correctiva, não obstante vir a Recorrente pretender afirmar o contrário.
O raciocínio efectuado na sentença recorrida, considerando tal facto, limitou-se a aplicar as normas legais relativas ao prazo de execução do julgado (de 90 dias úteis), tendo concluído que o mesmo foi largamente ultrapassado.
E este entendimento não só está correcto, como em momento algum, em sede recursiva a AT o põe em causa.
Não tem cabimento, aqui, falar em ponderação do interesse público, já que, e como a Recorrente bem refere, a AT está vinculada ao princípio da legalidade, o que significa, no caso, cumprir os prazos legalmente estabelecidos, sob pena de violação dos princípios da segurança e certeza jurídicas.
Mais se diga que a sentença recorrida, depois de verificar que o prazo de execução tinha sido ultrapassado, teve o cuidado de aferir se, porventura, ainda assim, teria o acto de liquidação correctiva sido praticado dentro do prazo de caducidade, tendo concluído, a nosso ver, bem, que o não foi.
Aliás, a Recorrente não logra infirmar tais conclusões a que chegou a sentença.
É que, a circunstância de se tratar de uma liquidação correctiva não significa que a AT não esteja vinculada aos prazos legais para a sua prática. Não os tendo cumprido, bem andou a sentença ao decidir como decidiu.
Sobre esta matéria já se pronunciou o STA, em Acórdão de 12 de Fevereiro de 2020, proferido no âmbito do processo nº 188/14.3 (embora aí se não tenha dado razão ao Impugnante), do qual se destaca o seguinte:
“(…) ocorrendo anulação do acto de liquidação – como sucedeu aqui – a AT não está impedida (pelo contrário, a lei impõe-lhe o poder dever de o fazer) de praticar novo acto de liquidação referente ao mesmo facto tributário, sempre que cumpra as normas respeitantes à execução de decisões anulatórias (artigos 102.º da LGT, 172.º e 173.º do CPTA, aplicável ex vi do referido artigo 102.º da LGT), ou seja, o faça dentro do prazo para a execução das sentenças (à data de três meses) e no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado.(…)” (negrito nosso).
Veja-se, ainda, o Acórdão do TCAN de 21703/2019, proferido no âmbito do processo nº 829/16, onde se escreveu o seguinte:
“(…) Sucede, porém, que revestindo o acto de liquidação natureza correctiva, a sua prática não está sujeita à limitação dos prazos de caducidade fixado na lei, desde que, o acto reintegrativo seja praticado no período de execução espontânea do julgado.(…)” (negrito nosso).
Face ao exposto é de concluir pela improcedência da argumentação recursiva, devendo ser negado provimento ao recurso, assim se mantendo a sentença recorrida.


III - Decisão

Face ao supra exposto, acordam, em conferência, os juízes da 1ª Sub-secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022


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(Isabel Fernandes)

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(Jorge Cortês)

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(Hélia Gameiro Silva)