Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1399/12.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:03/28/2019
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS;
BENEFÍCIOS FISCAIS;
PESSOA COLECTIVA DE UTILIDADE PÚBLICA;
PRÉDIO URBANO;
FIM ESTATUTARIO
Sumário:I - A isenção a que alude o artigo 44º, n.º 1, al. e) do Estatuto dos Benefícios Fiscais apenas respeita aos prédios que estão directamente afectos aos fins estatutários da pessoa colectiva de utilidade pública, sendo o seu reconhecimento oficioso nos termos do disposto no artigo 44º, n.º 4 do mesmo EBF.
II - A isenção prevista no artigo 1º, al. d) da Lei n.º 151/99, quer permanece em vigor, apenas abrange os prédios urbanos que pertençam às pessoas colectivas de utilidade pública que se encontrem destinados à realização dos fins estatutários.
III – Se um interessado expressamente formula um pedido de isenção nos termos e com os fundamentos referidos em II, é ao órgão competente para esse efeito que compete, antes de mais, decidir do pedido formulado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I – Relatório

C… instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a presente acção administrativa especial pedindo a anulação da decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira que negou provimento ao recurso hierárquico por si interposto contra a decisão de indeferimento do pedido de isenção do IMI relativo ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5…º, da freguesia da D…, concelho da Amadora, apresentado ao abrigo da alínea d) do artigo 1º da Lei nº151/99, de 14.09, e da alínea e), do nº1 do artigo 44º do Estatuto do Benefícios Fiscais.

Julgada improcedente a acção pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e absolvida do pedido a Entidade Demandada, veio a Impugnante, doravante Recorrente, inconformada, recorrer, formulando, no final das suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:

«1. A ora Recorrente interpôs ação administrativa especial, para impugnação do despacho proferido pela Subdiretora-Geral dos Impostos, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto da decisão que indeferiu o pedido de isenção de IMI, prevista na alínea d) do artigo 1º da Lei nº151/99, de 14 de setembro.

2. Foi agora proferida douta sentença que julgou totalmente improcedente a presente ação. Sucede que,

3. Não pode a Recorrente conformar-se com a douta decisão proferida.

Porquanto,

4. A douta sentença enferma, salvo o devido respeito, que é muito, em erro quanto à matéria de facto dada como provada e quanto ao Direito aplicável.

Pois,

5. No que concerne à matéria de facto, ficou vertido na douta sentença que "nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir".

6. Com tal entendimento não concorda a Autora, pois que, sendo a pedra de toque do presente processo a afetação do imóvel dos autos aos fins da Autora, sempre teria o douto Tribunal a quo de se pronunciar expressamente quanto à prova, efetuada pela Autora, da afetação do imóvel aos seus fins, porque adquirido em reembolso de crédito próprio.

7. Na verdade, no caso dos autos, e conforme documentação junta aos mesmos, o imóvel sobre o qual recaiu a decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI foi adquirido em reembolso de crédito próprio.

8. Ora, evidente se torna que a aquisição de um bem imobiliário, em reembolso de crédito próprio, que deverá ser alienado dentro de um prazo legalmente imposto, sob pena de o valor do mesmo não mais ser contabilizado como sendo um ativo da Autora, mas sim como uma "perda", se inclui no fim estatutário desta. Assim,

9. Deverá, na fundamentação quanto à matéria de facto considerada provada, ser incluída uma alínea na qual conste o seguinte: "A fração autónoma identificada na alínea C) supra está afeta à realização dos fins da Autora."

10. Acresce que, a douta sentença, salvo o devido respeito, que é muito, procede a uma errada aplicação do Direito,

11. Não se conformando a Recorrente com a tese segundo a qual a alínea d) do artigo 1º da Lei nº151/99 apenas tinha aplicação no âmbito da então Contribuição Autárquica, sendo que, no caso dos autos, o tributo em causa é o IMI, ao qual será aplicável exclusivamente a norma constante do EBF.

Na verdade,

12. Aquando da aprovação do denominado Código do IMI, aprovação esta feita através do Decreto-Lei nº287/2003, de 12 de novembro, foi o EBF expressamente alterado, tendo sido opção expressa e inequívoca do legislador, constante do artigo 10º; deste diploma, apenas alterar os artigos 41º, 42º e 45º, tendo ainda aditado o artigo 40º-A, deixando inalterado o então artigo 40º, hoje correspondente ao artigo 44º, todos do EBF.

13. Segundo o disposto no nº1 do artigo 28º do Decreto-Lei nº287/2003, nos textos legais onde seja referida a contribuição autárquica, deverão os mesmos ser tidos como referentes ao imposto municipal sobre imóveis,

14. Acrescentando ainda o artigo 31º, nº 6 daquele diploma legal que se mantêm em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI".

15. Sublinha-se ainda o facto de a norma que, nesta data, consta na alínea e) do artigo 44º do EBF, se ter mantido inalterada desde o seu surgimento, em 1989, no então artigo 50º, aprovado pelo Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de julho, sendo certo que a Lei por cuja aplicabilidade pugna a Recorrente data de 1999.

16. Ora, se a disposição legal do EBF arredasse a aplicabilidade da norma constante na Lei nº151/99, por que motivo teria esta última surgido, quando aquela - do EBF - lhe é anterior?

17. Do exposto, forçoso será concluir, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal "a quo" que, não foi a alínea e) do artigo 44º do EBF que veio arredar aplicação da alínea d) do artigo 1º da Lei nº151/99, mas sim exatamente o contrário.

18. Ou seja, e de acordo com o disposto nos artigos 28º, nº1 e 31º, nºs 1 e 6 do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, a isenção prevista na alínea d) do artigo 1.º da Lei nº 151/99, de 14 de setembro, encontra-se em vigor, aplicando-se expressamente ao IMI.

19. Neste sentido, veio já o Venerando Supremo Tribunal Administrativo a pronunciar-se, em julgamento ampliado, por Acórdão proferido a 22 de fevereiro de 2017, no âmbito do processo nº 1658/15, da 2.ª Secção - Contencioso Tributário.

20. Aferida que fica a disposição legal aplicável, cumprirá esclarecer o que deverá ser entendido por "prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários",

21. Sendo assente, conforme supra se demonstrou, que qualquer interpretação efetuada deverá ter sempre em linha de conta a expressa vontade do legislador em não exigir uma afetação direta àqueles fins.

22. Ora, analisando a evolução histórica dos tributos que, ao longo do tempo, oneraram e oneram a propriedade e titularidade de bens imóveis, verificamos que, já no âmbito da Contribuição Predial se considerava que os rendimentos produzidos por bens imóveis, ao financiarem os fins da respetiva PCUP, integravam a previsão de "destinados à realização dos seus fins estatutários".

23. Sendo ainda assente que, em termos de IMT, a Autoridade Tributária, considerada que um imóvel se destina aos fins diretos e imediatos de uma PCUP quando o mesmo se destine a gerar rendimentos para financiar essa mesma PCUP.

24. Em tal sentido vai, igualmente, a própria sentença recorrido, quando refere que "Já quando são os rendimentos do prédio que estão afetos a utilidade pública da pessoa coletiva, a relação entre o prédio e os fins de utilidade pública não é direta, mas indireta".

25. Ou seja, o próprio Tribunal a quo advoga que, a afetação dos rendimentos gerados por um imóvel aos seus fins de utilidade pública, consubstanciará já uma afetação aos fins da pessoa coletiva, não em termos diretos, corno exigido pelo artigo 44º do EBF, mas em termos indiretos, conforme se basta a alínea d) do artigo 1º da Lei nº151/99.

26. Assim, forçoso será concluir que, não exigindo o legislador a afetação direta dos prédios, a isenção cujo reconhecimento foi requerido abrange não só os prédios que servem de instalações próprias, mas também aqueles que geram rendimentos às PCUP, tudo com vista a uma interpretação harmoniosa das normas fiscais, nomeadamente as isentivas,

27. Não devendo ser dadas interpretações diferentes a conceitos iguais, consoante o tributo ou imposto que esteja em causa, sob pena de violação do princípio da igualdade, na sua vertente de proibição de tratamento diferente de situações iguais, sob pena de essa mesma interpretação ser inconstitucional, o que desde já se alega e argui para todos os legais efeitos.

28. Encontra-se assente que a ora Recorrente, C… anexa ao M…, IPSS, foi declarada PCUP por despacho do Primeiro-Ministro, datado de 08/10/1…;

29. Nos termos do disposto no Decreto-Lei nº136/79, de 18 de maio, que vigorava à data dos factos, as C.. estão/estavam legalmente impedidas de adquirir ou possuir imóveis que não fossem "necessários às suas instalações próprias, salvo quando lhes advenham por efeito de cessão de bens, dação em cumprimento, arrematação ou qualquer outro meio legal de cumprimento de obrigações ou destinado a assegurar esse cumprimento, devendo, em tais casos, proceder à respectiva liquidação no prazo de três anos." (artigo 18.º, nº1).

30. No caso dos autos, o imóvel sobre o qual recaiu a decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI, foi adquirido em reembolso de crédito próprio.

31. O que, por si só, manifestamente comprova que a detenção de tal prédio visa a realização dos fins estatutários da Recorrente.
Assim,

32. Provada que está a afetação do imóvel identificado nos autos aos seus fins estatutários,

33. Provada que está também a qualidade de Pessoa Coletiva de Utilidade Pública da recorrente, por declaração publicada em Diário da República, à data dos factos,

34. E encontrando-se vigente e a produzir efeitos a alínea d) do artigo 1º da Lei nº151/99, de 14 de setembro,

35. Estão reunidos os pressupostos de aplicabilidade daquela isenção relativa ao IMI, devendo tal benefício ser concedido, sem mais, à ora Recorrente. Pois que,

36. Da análise às sucessivas alterações, quer à Lei nº151/99, quer ao EBF, quer ainda à Contribuição Autárquica, cujo nome foi alterado para IMI, pois que a sua ratio se mantém inalterada, resulta, a vontade expressa e inequívoca do legislador, em conceder e manter aquele referido benefício para as pessoas coletivas de utilidade pública, não sendo exigida a afetação direta aos fins estatutários.

Face ao exposto,

37. Deverá a decisão recorrida ser substituída por decisão que condene a Recorrida na prática do ato devido, isto é, a proferir decisão de deferimento do pedido de isenção de IMI apresentado pela Recorrente em relação ao imóvel identificado nos autos.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, JULGANDO PROCEDENTE, POR PROVADA, A AÇÃO E CONDENANDO O RÉU NO PEDIDO, FARÃO V.EXAS., VENERANDOS DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, UMA VERDADEIRA E SÃ JUSTIÇA.»

A Recorrida, notificada da admissão do recurso interposto, contra-alegou, pugnando pela sua improcedência, com base no seguinte quadro conclusivo:

«A. A Douta sentença recorrida, ao julgar totalmente improcedente a presente ação administrativa especial, por não provada e, em conformidade ao absolver a AT do pedido CONTENCIOSO fez uma correta interpretação e aplicação da lei aos factos, motivo pelo qual deve ser mantida.

B. Nestes termos, deverá ser rejeitado o presente recurso, em tudo se confirmando a Douta sentença recorrida.

C. Se, assim esse Douto Tribunal não entender, apenas por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que, salvo melhor opinião, não pode o Douto Tribunal atender ao pedido da Recorrente na sua totalidade e proferir decisão no sentido do deferimento do pedido de isenção de IMI.

D. Isto porque, entende a Recorrida que o Douto Tribunal, conforme o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2ª Secção - Contencioso Tributário) de 22 -02-2017 - processo n°1658/15, apenas poderá condenar a AT (entidade tributária competente) a reapreciar o pedido da Recorrente à luz do disposto na Lei 151/99, nos termos do disposto no artigo 609° do CPC.

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado improcedente em toda a sua extensão, mantendo-se na ordem jurídica a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.»


A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, notificada nos termos do disposto no artigo146 º do CPTA (aplicável ex vi alínea c) do artigo 2º do CPPT) remeteu-se ao silêncio.

Colhidos os vistos legais, submetem-se agora os autos à conferência desta Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

II – Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.°, n°1, do Código de Processo Civil) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.°, n°2 do Código de Processo Civil) esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.°3 do mesmo artigo 635.°). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir, desde logo, se a sentença recorrida e decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto por não ter dado como assente facto relevante para a decisão [o mencionado na conclusão 9. – que o imóvel em causa nos autos, adquirido em reembolso de crédito próprio, está afecto à realização dos fins da Autora, por ter sido adquirida em reembolso de crédito próprio o parecer sobre a interpretação da norma isentiva das PCUP e IPSS em sede de IMT do qual, no entender da recorrente, resulta que o mesmo não é aplicado a todas as entidades na dimensão que o mesmo comporta] e de erro de julgamento de direito, por ter concluído que a Autora não tem direito à isenção cujo reconhecimento reclama em violação do preceituado nos artigos 44º, n.º 1, al. e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais.


III - Fundamentação de facto

Consta da sentença recorrida como provada a seguinte factualidade:

A. A Autora, C…, actualmente designada “C… de Lisboa”, é uma instituição de crédito anexa ao M… [cf. D.R. III Série, n°2.., de 06.09.1…, fls. 15169/15170].

B. Em 08.10.1991 a ora A. foi reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública [cf. despacho do Primeiro-Ministro de Portugal da mesma data, publicado no Diário de República, 2ª Série, n°2…, de 22.10.1…].

C. A 08.11.2011 a A. adquiriu a fracção autónoma dedignada pela letra "J", do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5…°, da Freguesia da D…, concelho de Amadora [cf. Requerimento de fls 23 e segs, dos autos e Informação dos serviços prestado no Rec. Hier. apenso aos autos.]

D. A 02.11.2011 foi apresentado pela A. junto do Serviço de Finanças de Amadora 3, pedido de isenção de IMI referente à fracção autónoma referida supra [cf. fls.22 e segs,, dos autos].

E. Por ofício de 21.02.2012 foi a A. notificada do projecto de decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI identificado supra, com fundamento nos prédios não se ''destina aos fins estatutários " [cf. fls.33 a 36, dos autos.].

F. Por documento remetido em 24.02.2012 foi pela A. exercido o direito de audição prévia onde pugnou pela anulação da decisão de indeferimento do pedido de isenção por si formulado [cf. fls.26 e 27, dos autos.].

G. Por despacho de 02.04.2012 do Chefe do Serviço de Finanças de Amadora 3, foi indeferido o pedido de isenção de IMI, referente à fracção autónoma referidas em C), com o seguinte fundamento: "Não comprovou que o imóvel se destina directamente á realização dos fins estatutários da requerente".[cf. fls. 30 a 34, dos autos].

H. A 16.04.2012 foi pela A. apresentado recurso hierárquico contra a decisão identificada no ponto anterior [cf. fls. 35 e 36, dos autos.].

L. Em 25.09.2012 a Subdirectora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu despacho indeferindo o recurso hierárquico apresentado pela Autora, nos termos e com os fundamentos expostos na informação e pareceres dos serviços, no qual consta, além do mais, o seguinte:
"(...)
… sendo a recorrente uma instituição financeira, cujo objecto social manifestamente transcende a actividade mutualista, a alienação do prédio em causa potenciará proventos cuja afectação directa ocorrerá na esfera da actividade financeira que prossegue..

... A C…. anexa ao M…, Instituição Particular de Solidariedade social é uma pessoa colectiva de utilidade pública... no entanto o prédio em causa não está directamente afecto á realização dos fins estatutários … uma vez que o seu destino é a venda... para realização de mais-valias - cf. fls.3 8 a 42, dos autos].

J. Através do ofício n°6…, de 08.102012, do Serviço de Finanças de Amadora 3, foi a A. notificada do teor do despacho de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico identificado no ponto anterior [cf. fls.37, dos autos].

3.1. Mais ficou exarado na sentença recorrida que “Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir” e que o julgamento da matéria de facto “Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório».

IV – Fundamentação de direito

Como se vê da delimitação do recurso por nós efectuada no ponto II supra, são duas as questões a resolver. A primeira, relativa ao probatório, qual seja, saber se a alteração dos factos apurados deve ser admitida e, em caso afirmativo, se deve ser julgada procedente. A segunda, conexionada com o mérito da pretensão, isto é, com a questão de saber se deve ou não ser reconhecida à Recorrente o direito à isenção de Imposto Municipal de Imóveis pretendida.

4.1. Da impugnação do julgamento de facto

Alega a Recorrente que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra andou mal ao não ter integrado no probatório um facto, qual seja, que “A fração autónoma identificada na alínea C) supra está afeta à realização dos fins da Autora”.

Invoca, para tanto, que o imóvel sobre o qual recaiu a decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI foi adquirido em reembolso de crédito próprio, e, portanto susceptível de ser contabilizado como uma “perda” de um activo dos bens afectos à prossecução dos fins estatutários, caso o mesmo não seja alineando “ dentro do prazo legalmente imposto”. E que “esse facto” ressalta de “um conjunto de documentação” junta aos autos.

Evidentemente nem a impugnação realizada satisfaz suficientemente as exigências impostas pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil (em momento algum a Recorrente identifica qual “a vasta documentação” que suporta em concreto a sua pretensão, nem as conclusões que extrai dessa documentação permitem sustentar a sua pretensão), nem, mesmo que se admitisse como satisfazendo, pelo mínimo, o regime legal em apreço (e, consequentemente, que cumpriria a este Tribunal de recurso ir indagar dessa “vasta documentação”), sempre estaria votado ao insucesso pela simples razão de o pretenso “facto” não assumir manifestamente essa natureza.

Para que bem se compreenda o que vimos dizendo, convocamos o discurso que este Tribunal Central já por diversas vezes proferiu noutros arestos e que traduz a posição que julgamos ser de manter: factos são tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real, são «os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos) ou da mera interpretação». O apuramento dos factos não decorre, pois, de uma qualquer interpretação e «aplicação de regras de direito» e, em qualquer circunstância, os factos não podem conter em si uma valoração jurídica que «de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio» ou de parte dela.(1)

É precisamente o que ocorre no caso concreto, uma vez que estando precisamente em questão apurar qual a afectação do imóvel, é inadmissível a pretensão da Recorrente de ver integrado no probatório um “facto” que encerra em si e de forma conclusiva a sentença da questão jurídica. Como é natural, mais do que invocar conceitos ou conclusões jurídicas ou a origem do imóvel e a susceptibilidade de ser integrada contabilisticamente de uma ou outra forma, devia a Recorrente ter alegado e provado a concreta afectação do imóvel, qual a utilização que tem sido, desde que foi adquirido, dada ao imóvel (especialmente no ano a que respeita o imposto cuja isenção requer)o que, não tendo feito, determinaria sempre, não fora a rejeição do recurso nesta parte, como dissemos, a improcedência da pretensão.

4.2 Do erro de julgamento de direito

Enfrentemos agora o erro de julgamento de direito assacado ao julgado por ter concluído pela falta de prova dos requisitos previstos na alínea e) do art.º 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Como se vê da leitura da decisão sob recurso, o Tribunal de 1.ª instância começou por delimitar a questão controvertida, afirmando que A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se é legal a decisão proferida em sede do recurso hierárquico interposto pela Autora, que manteve a decisão de não concessão da isenção em sede de IMI, para a fracção autónoma designada pela letra "BQ", do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…, da freguesia da R…, concelho de Amadora.” [por mero lapso de escrita, já que da alínea C) do probatório e dos documentos que a suportam resulta que o imóvel está inscrito na matriz predial urbana da freguesia da D…, Amadora, sob o artigo 5…º]

De seguida, clarifica qual o entendimento da Autora, ora Recorrente: “Defende a Autora que se deve reconhecer "a referida isenção, quando os prédios destinados à produção de rendimentos (no caso, rendimentos prediais e/ou mais-valias) desde que alegue perante a autoridade fiscal competente para reconhecer o benefício que os proveitos assim obtidos são usados no custeio das despesas de funcionamento e para financiar e garantir modalidades mutualistas da mutualidade de que a recorrente é mero veículo instrumental, facto que pode verificar-se nos relatórios e contas que estão sujeitos a publicação na CMVM e Banco de Portugal (vide www.m... — Institucional — Informação financeira), "
Diversamente, afirma a Entidade Demandada que não se verificam os condicionalismos legais da isenção, porquanto não está demonstrado que o imóvel esteja directamente destinado à realização dos fins da Autora.”.
É com este enquadramento ou delimitação do objecto da acção, que o Tribunal a quo parte para o seu julgamento que suporta no raciocínio que se transcreve:
“Vejamos.
Divergem as partes quanto ao regime jurídico aplicável ao caso dos autos, defendendo ao Autora que será de aplicar a alínea d) do artigo 1° da Lei n°151/99, de 14 de Setembro, que actualiza o regime de regalias e isenções fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública, e defendendo o Réu a aplicação da alínea e) do n°1 do artigo 44° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
Os pressupostos objectivos da concessão do benefício de isenção contido na alínea d) do artigo 1.° da Lei n.°151/99,de 14 de Setembro e na alínea e) do n.°1 do artigo 44.° do EBF não são totalmente coincidentes na medida em que, enquanto a 1ª tem em vista prédios urbanos e pressupõe que sejam destinados à realização dos seus fins estatutários, esta reporta-se a prédios ou parte de prédios e pressupõe que sejam destinados directamente à realização dos seus fins.
Contudo, e desde a reforma da tributação do património, o âmbito destas normas não se confunde, nem se sobrepõe, uma vez que a Lei n°151/99, de 14 de Setembro consagra uma isenção de Contribuição Autárquica e o artigo 44,° do EBF consagra uma isenção de IMI, não se mantendo aquele anterior beneficio fiscal por o legislador fiscal haver regulado "ex novo" o regime de tais benefícios relativamente aos bens imóveis ( cfr art° 17°, da Lei n° 30-G/2000, de 29.12. ( autorização legislativa); e art° 40° e segs, do Dec.-Lei n° 198/2001, de 03.07. (lei autorizada) .
No caso dos autos, não é controvertido que a Autora pretende o reconhecimento de uma isenção de IMI e, como tal, o seu pedido deve ser apreciado à luz da alínea e) do n°1 do artigo 44° do EBF.
Feito o enquadramento normativo, vejamos se, como pretende a Autora, lhe deve ser reconhecida a isenção consagrada na referida norma legal. “ (sublinhado nosso)

Concluindo, depois de adoptar a posição expressa no Acórdão do TCAN, de 9 de Junho de 2015, proferida no processo nº0699/13.8BECBR, que transcreveu abundantemente, que:

“ (…) Consequentemente, e face à fundamentação supra citada, deve a norma enunciada na alínea e) do nº1 do artigo 44º do EBF, ser interpretada no sentido de que a isenção de IMI só abrange o imposto que incida sobre os prédios ou a parte dos prédios que, em si mesmos, sejam destinados aos fins de utilidade pública prosseguidos pela pessoa colectiva.
No caso concreto, a Autora não logrou alegar e provar que o imóvel em causa está, directamente, afecto à realização dos seus fins estatutários.
Pelo contrário, a Autora alega que serão as rendas ou as eventuais mais-valias obtidas pela sua alienação que constituirão rendimentos da pessoa colectiva.
Não tendo a Autora, nem em sede do pedido de concessão de isenção de IMI que apresentou junto do Serviço de Finanças de Amadora, nem no âmbito dos presentes autos, demonstrado que o imóvel estava directamente afecto aos fins de utilidade pública por si prosseguidos, não pode ser-lhe reconhecida a isenção consagrada na alínea e) do n.°l do artigo 44.° do EBF.
Por último, diga-se que também não procedem as alegações da Autora relativas ao entendimento firmado no parecer sancionado superiormente, assente no parecer da Direcção de Serviços Jurídicos e do Contencioso da Direcção-Geral dos Impostos, de 14.05.2003, sancionado por despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 2003/06/24. Sobre este ponto também se pronunciou no acórdão anteriormente referido que:
"(...) o teor do despacho invocado, ainda que tivesse por objecto normas de IMT, nunca podia valer como orientação genérica quanto a normas de IML O que nos dispensa também de aferir as consequências da inobservância de uma instrução administrativa numa acção judicial onde seja discutida a legalidade de uma decisão que a contrarie .".
Em conformidade se conclui que improcedem, na totalidade, as alegações da Autora, não merecendo provimento o seu pedido. (…)”.

Tal como decorre da fundamentação da sentença acima transcrita, equacionava-se, nesta acção, a questão de saber qual a lei aplicável, isto é, saber se é aplicável a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro, ou a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais em vigor, e saber se, a ser aplicável (apenas) a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o que se devia entender por «prédios destinados directamente à realização dos seus fins

E, como igualmente decorre do probatório, [concretamente do documento que suporta a alínea D.] a referida isenção foi requerida a coberto daquelas duas disposições e foi indeferida por não estarem reunidos os pressupostos legais exigidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (ou seja, a coberto apenas desta última disposição).

Nesta acção administrativa, neste recurso, a ora Recorrente insiste que a isenção é devida porque se lhe aplica a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro, não fazendo qualquer sentido discutir-se a aplicação de uma norma que será inaplicável (a alínea e) do n.º 1 do art. 44º do EBF).

A questão em dissidio, como está bem de ver, passa por saber se à isenção de IMI relativa a pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) se aplica, a partir de 1/12/2003 (data do início da vigência do CIMI, em substituição do CCA), o disposto na al. d) do art.1º, da Lei nº 151/99, de 14/9, ou se aplica o disposto na al. e) do art. 44º do EBF ou, ainda, se ambos os regimes serão aplicáveis; e saber que realidades estão subsumidas na expressão legal «prédios destinados directamente à realização dos seus fins», prevista na al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF, [isto, caso se entenda que é aplicável o disposto nesse normativo, em exclusividade ou em conjunto com o regime da Lei 151/99].

Considerando que no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de Fevereiro de 2017, proferido no Recurso nº01658/15, em julgamento ampliado da revista, foi dada resposta às questões supra enunciadas, é essa a posição que aqui acolhemos [revendo, também nós, mais uma vez, a posição em tempos perfilhada), que se passa a transcrever:

«(…) Dispõe o artigo 44º, n.º1, al. e) do EBF, sob a epígrafe “Isenções” (relativas a bens imóveis) que, estão isentas de imposto municipal sobre imóveis as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins.
Por sua vez dispõem os n.ºs. 2, al. b) e 4, do mesmo inciso legal, que as isenções se iniciam a partir do ano, inclusive, em que se constitua o direito de propriedade e são reconhecidas oficiosamente, desde que se verifique a inscrição na matriz em nome das entidades beneficiárias, que os prédios se destinem directamente à realização dos seus fins e que seja feita prova da respectiva natureza jurídica.
Também dispõe o artigo 1º, al. d) da Lei n.º 151/99 (Actualiza o regime de regalias e isenções fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública) que, sem prejuízo de outros benefícios previstos na restante legislação aplicável, pode ser concedida às pessoas colectivas de utilidade pública isenção de contribuição autárquica de prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários.
As instâncias tiveram como certo, e não vem agora posto em causa pelas partes, que se verifica o elemento subjectivo das previsões legais.
A primeira questão que importa resolver passa por saber, face aos termos em que se fundamentou o acórdão recorrido, se a norma da Lei n.º 151/99 se mantém ou não em vigor.
Desde já se pode dizer que o disposto nesta Lei, relativamente à isenção prevista na alínea d) do n.º 1, não foi expressamente revogado por qualquer Lei posterior de igual valor nos termos do disposto no artigo 7º, n.º 1 do Código Civil, nem se deve considerar revogado nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal (A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior) tal como vem referido no acórdão recorrido.(…)»
«(…)
Aquando da publicação da Lei n.º 151/99, de 14/09, já há muito se encontrava em vigor o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) -DL n.º 215/89, de 01/07/1989-, que consagrava no seu artigo 50º, n.º 1, al. e), hoje artigo 44º, n.º 1, al. e), a isenção de contribuição autárquica das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública relativamente aos prédios, ou parte de prédios, destinados directamente à realização dos seus fins.
Este preceito do EBF tem as suas raízes nos artigos 7º, n.ºs. 3º e 4º, 8º, 8º § único e 10º do Código da Contribuição Predial (CPP) e do Imposto sobre a Indústria Agrícola. O regime das isenções fiscais prediais das pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa encontrava-se regulado não só naquele Código da Contribuição Predial mas ainda na Lei n.º 2/78, de 17/01 e DL n.º 260-D/81, de 02/09 (este veio revogar a Lei 2/78 e introduzir alterações aos artigos acima referidos do CPP).
Esta isenção esteve condicionada à afectação directa dos prédios à realização dos fins da pessoa colectiva de utilidade pública (como no caso dos autos) como bem se percebe do Preâmbulo do Projecto de Lei n.º 599/VII (apresentado pelo PCP em Janeiro de 1999 e que veio a dar origem à Lei n.º 151/99).
Aí se referiu expressamente que, “O mesmo decreto-Lei (DL n.º 460/77, de 07/11,que aprovou o estatuto das pessoas colectivas de utilidade pública) atribuiu às pessoas colectivas de utilidade pública um conjunto de regalias…e remeteu para legislação futura as isenções fiscais, que viriam a ser definidas pela Lei n.º 2/78 de 17 de Janeiro.
Aí se estabeleceu que as pessoas colectivas de utilidade pública poderiam beneficiar das seguintes isenções: imposto do selo, imposto sobre as sucessões e doações e de sisa pela aquisição de edifícios necessários à instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos seus fins estatutários, contribuição predial pelo rendimento colectável de prédios urbanos onde se encontrem instalados a sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários… Estas isenções, que poderiam ser totais ou parciais, ficavam dependentes de despacho conjunto dos Ministros da Administração Interna, das Finanças e da Tutela. após parecer favorável da câmara municipal do concelho da sede da pessoa colectiva interessada.
Em 1981, a lei n.º 2/78, de 17 de Janeiro, viria a ser revogada pelo Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro, que regulou o estatuto de utilidade pública de forma um tanto diversa: as isenções fiscais passaram a depender apenas de despacho do Ministro das finanças e alterou-se a tramitação necessária para o requerimento das isenções, que passaram a ser as seguintes: imposto do selo, sisa e imposto sobre as sucessões e doações, contribuição predial…
Passados que foram mais de 20 anos sobre a lei n.º 2/78 e quase 17 sobre o Decreto-Lei n.º 260-D/81, é hoje manifesta a sua desactualização. Não apenas porque os impostos sobre que incidiam as isenções foram sendo substituídos por outros sem que as isenções acompanhassem tais substituições, mas também porque o quadro legal não acompanhou a realidade associativa.
Assim, o que hoje se verifica é que a concessão do estatuto de utilidade pública a uma associação, sendo uma honra e representando um reconhecimento público do mérito da sua acção social, tem um efeito meramente simbólico, não representando, em termos práticos, qualquer benefício real para a associação em causa.
Estando assim desvirtuado o sentido que inicialmente foi dado à declaração de utilidade pública, que fazia corresponder a esse reconhecimento um conjunto de regalias, importa revalorizar de alguma forma esse estatuto, actualizando a legislação que lhe é aplicável. É esse o objectivo do presente projecto de lei do PCP.
Como tal, não se propõe qualquer alteração no regime de reconhecimento do estatuto de utilidade pública nem no regime de concessão de isenções, propondo-se, porém, o seguinte:
A actualização das isenções fiscais de acordo com os impostos actualmente existentes: imposto do selo, imposto municipal de sisa pela aquisição de imóveis, imposto sobre as sucessões e doações relativo à transmissão de imóveis e contribuição autárquica pelo rendimento colectável de prédios urbanos, desde que, em todos os casos, sejam destinados à realização dos fins estatutários das associações…”, cfr. Diário da Assembleia da República, 08-01-1999, II Série-A, n.º 27, págs. 742 e 743.
O debate parlamentar deste Projecto de Lei não foi consensual, tendo o deputado do PS, que interveio nesse mesmo debate, formulado as seguintes objecções, além de outras suscitadas pelos restantes deputados intervenientes, no que respeita à isenção de contribuição autárquica, cfr. Diário da Assembleia da República, 01/07/1999, I Série, n.º 100, págs. 23 e 24:
“O projecto de lei n.º 599/Vll tem, em nosso entender, um mérito, que reconhecemos, mas também um erro de concepção, que criticamos.
Tem o mérito de pretender actualizar o Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro, cuja aplicação é actualmente dificultada pelas reformas fiscais que se registaram, nos últimos 18 anos, em Portugal.
Cai, ao arrepio da prática e das preocupações recentes, no erro de, implicitamente, voltar a disseminar normas e regras dos impostos por diplomas avulsos, quer em termos de produção legislativa quer de coerência do sistema e até de aplicação dos diplomas no dia-a-dia.
É hoje consensualmente defendido que deverá ser no código de cada imposto ou em legislação que abranja todo o sistema fiscal, como, por exemplo, a lei geral tributária, que devem estar contidas as regras e as excepções, as incidências e as isenções.
Por outro lado, se algumas das medidas avançadas no projecto de lei n.º 599/VII podem ser apreciadas em termos políticos globais ou enquadradas na actual conjuntura, outras há que devem ser afastadas, pelas seguintes razões: por violarem directivas comunitárias (alínea f) do artigo 1.º); por terem sido matéria de legislação recente (por exemplo, o artigo 3.°); por nada trazerem de novo e terem um efeito inverso ao esperado (por exemplo, o artigo 4.°).
Mas analisemos mais em pormenor os aspectos apreciados neste projecto de lei.
O artigo 1.° diz respeito às isenções fiscais que podem ser concedidas às pessoas colectivas públicas, mas, em nosso entender, é pouco inovador.
(…)
De igual modo a alínea e) do artigo 50.° dos Estatuto dos Benefícios Fiscais é mais abrangente do que o agora proposto pelo PCP na alínea d), que pretende limitar a isenção apenas aos prédios urbanos. A formulação apresentada pelo PCP é, para além do mais, tecnicamente incorrecta, porque a contribuição autárquica incide sobre os prédios e não sobre o seu eventual rendimento.
(…)
Por outro lado, as regras para a concessão de isenções já se encontram previstas nos diversos códigos.
Em matéria de contribuição autárquica, o regime proposto é mais burocrático que o vigente, uma vez que se prevê que o despacho de concessão pertença ao Ministro das Finanças e o Estatuto dos Benefícios Fiscais estabelece que a isenção é reconhecida oficiosamente, logo, é da competência do Chefe da Repartição de Finanças, o que permite maior celeridade no procedimento.
(…)
Terceira, as pessoas colectivas de utilidade pública, desde a entrada em vigor da contribuição autárquica, sempre beneficiaram de isenções deste tributo em termos mais abrangentes do que os propostos, uma vez que permite o reconhecimento de isenção para todos os tipos de prédios.
Quarta, tais benefícios encontram-se devidamente regulados nos respectivos códigos, regulamentos e Estatuto dos Benefícios Fiscais, pelo que não faz sentido criar uma regulamentação autónoma, sobretudo se a regulamentação a criar for mais burocratizante do que a que já existe, como parece ser o caso…”.
Apesar destas objecções a Lei n.º 151/99 veio a ser aprovada com o texto final, de iniciativa do grupo parlamentar do PS, tal como hoje o conhecemos.
Não há dúvida, assim, que a Assembleia da República pretendeu estabelecer um regime “especial” para as pessoas colectivas de utilidade pública, no tocante à isenção de contribuição autárquica, diferente daquele que se encontrava estabelecido no artigo 50º, n.º 1, al. e) do EBF.
Como já vimos, este regime perdurou até à entrada em vigor do CIMI - aprovado pelo DL n.º 287/2003, de 12/11-, ou seja, esteve vigente na pendência do Código da Contribuição Autárquica e mantém-se em vigor na vigência deste novo código do IMI por força do disposto no artigo 28º, n.º 1 daquele diploma legal - Todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).
Sendo certo, também, que a redacção do EBF respeitante à isenção de IMI respeitante às pessoas colectivas de utilidade pública, -actualmente artigo 44º, n.º 1, al. e)- mantém inalterada a redacção inicial que havia sido dada ao artigo 50º, n.º 1, al. e), pelo que, também agora não há qualquer contradição entre o texto do EBF e o texto da Lei 151/99, como anteriormente não havia à data da edição desta Lei.
Na verdade as situações abrangidas por este artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF respeitam àqueles prédios que estão directamente afectos aos fins estatutários da pessoa colectiva, v.g., no dizer da Lei 2/78, de 17/01, os necessários à instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários e por essa razão é que presentemente o seu reconhecimento é oficioso nos termos do disposto no artigo 44º, n.º 4 do EBF.
Só esta interpretação da norma, com apoio expresso no elemento literal, é que respeita o disposto no artigo 9º, n.º 1 do Código Civil, caso contrário, estar-se-ia a fazer uma interpretação em violação do disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal..
E tal reconhecimento já era oficioso à data da edição da dita Lei 151/99, uma vez que idêntico preceito do artigo 50º foi alterado para uma redacção próxima da actual por via da Lei do Orçamento de Estado de 1998.
Portanto, o regime de isenção estabelecido pela Lei n.º 151/99, tratou-se de um regime de isenção diverso daquele que se encontrava previsto no EBF, destinado a abranger (1)somente os prédios urbanos, (2)que se encontrem destinados à realização dos fins estatutários e (3)que carece de reconhecimento por parte do órgão competente, dependente de pedido expressamente formulado nesse sentido pelo interessado (como resulta do preâmbulo do projecto de lei acima mencionado não foi intenção do legislador introduzir qualquer alteração no regime de concessão das isenções, pelo que, não cabendo o reconhecimento desta isenção na categoria daquelas que são reconhecidas oficiosamente apenas pode ser incluída na regra geral), ou seja, no dizer do corpo do artigo 1º “Sem prejuízo de outros benefícios previstos na restante legislação aplicável, podem ser concedidas às pessoas colectivas de utilidade pública as seguintes isenções”, cfr. artigo 65º, n.º 1 do CPPT.
Temos, assim, que concluir que o regime dos benefícios fiscais respeitantes a IMI de que usufruem as pessoas colectivas de utilidade pública tem duas vertentes, uma, e que respeita aos prédios directamente afectos à realização dos seus fins estatutários, encontra-se regulada no EBF, outra, e que respeita aos prédios urbanos destinados à realização dos fins estatutários, encontra-se regulada na Lei n.º 151/99.
Aqui chegados, podemos desde já afirmar que no acórdão recorrido se decidiu correctamente a questão da não aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF, uma vez que o prédio em causa nestes autos não é enquadrável no grupo daqueles que se encontram directamente afectos aos fins estatutários da autora, mas, por outro lado, decidiu-se menos bem a questão da não aplicação ao caso concreto do disposto na Lei n.º 151/99 por se ter considerado extinto o benefício aí previsto.
E a consideração do disposto em tal Lei era essencial para a decisão da presente acção uma vez que a autora quando formulou o pedido de isenção relativamente ao prédio em questão, junto da entidade tributária competente, invocou expressamente o disposto em tal Lei, que no seu entender lhe concedia o benefício da isenção pretendida.
E relativamente aos prédios rústicos, e à parte rústica dos prédios mistos, é manifesto e evidente não ser de aplicar tal Lei 151/99, por os mesmos terem sido expressamente afastados da sua previsão pelo legislador.
Portanto, não tendo o órgão decisor da AT emitido pronúncia quanto a saber se a situação concreta é subsumível ao disposto na Lei n.º 151/99, estando o mesmo incumbido por lei de o fazer, deve agora emitir tal pronúncia, uma vez que isso lhe foi expressamente pedido pela autora.
A autora pretende com a presente acção que lhe seja reconhecida a isenção de IMI relativamente ao seu prédio com fundamento na Lei 151/99 e/ou com fundamento no EBF; já vimos que a isenção pretendida não cabe na previsão da norma do EBF, mas pode caber na previsão da norma da Lei n.º 151/99, contudo a apreciação “primária” de tal pretensão não cabe ao Tribunal, mas antes à entidade tributária competente, o que, como também já vimos, não o fez e deveria ter feito.
Assim, e porque o pedido não pode ser julgado procedente nos precisos termos em que vinha formulado, o Tribunal condenará a entidade ré a reapreciar o pedido da autora à luz do disposto na Lei n.º 151/99, nos termos do disposto no artigo 609º do CPC. (…)»

É este, pois, o entendimento que, insiste-se, aqui se acolhe relativamente às questões suscitadas nos nossos autos e que aqui assumimos expressamente como fundamento da nossa decisão, entendendo-se, pois, que é de revogar a sentença recorrida e de julgar parcialmente procedente a acção, condenando-se, também em conformidade, a Entidade Demandada a reapreciar o pedido da autora à luz do disposto na Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro nos termos apontados.

V- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:

- Conceder provimento ao recurso jurisdicional e, em conformidade, em revogar a sentença recorrida;

- Julgar, em substituição, parcialmente procedente a presente acção administrativa especial, condenando-se a entidade demandada a reapreciar o pedido da autora à luz do disposto na Lei n.º 151/99, nos termos expostos no ponto IV. deste acórdão.

Custas na 1ª instância e neste Tribunal Central por ambas as partes e em partes iguais.

Registe e notifique.

Lisboa, 28 de Março de 2019


(Anabela Russo)

(Ana Pinhol)

(Tânia Meireles da Cunha)


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(1) Neste sentido, Manuel A. Domingues Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1963, pp. 180/181, e Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, p. 268; na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2008 e 7 de Maio de 2009, ambos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt.