Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07020/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/30/2014
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:IVA – VIES – AQUISIÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS OU INTRA-UE
Sumário:
i. O regime geral das transacções intracomunitárias de bens é aplicável a todas as transacções intra-UE de bens efectuadas entre sujeitos passivos de IVA, independentemente do tipo de bem em causa, desde que este tenha sido expedido ou transportado de um Estado-Membro para outro Estado-Membro.
ii. A transmissão intra-UE de bens, à semelhança das operações de exportação, é isenta no Estado-Membro de origem, conferindo o direito à dedução do IVA suportado a montante para a respectiva realização (isenção completa).
iii. A aquisição intra-UE de bens, à semelhança das operações de importação, é uma operação tributável no país de destino, conferindo o direito à dedução do IVA liquidado;
iv. Os sujeitos passivos que fazem transacções intra-UE de bens tem as seguintes obrigações:
a. Autoliquidar o IVA devido nas aquisições intra-UE;
b. O envio de uma declaração recapitulativa das transmissões intra-UE de bens que efectuaram no seu período de tributação
c. Fazer constar das facturas, designadamente, a aposição do prefixo dos Estados-Membros do transmitente e do adquirente, seguido dos respectivos números de identificação fiscal e a indicação do local de destino das mercadorias;
v. Para além dos demais mecanismos de cooperação administrativa existentes, o VIES – VAT Information Exchange System – é um sistema de intercâmbio electrónico de transmissão de informações relativas ao registo do IVA dos operadores económicos situados na União Europeia e das entregas comunitárias de bens isentas (cfr. art.º 138.º da Directiva 2006/112/CEE ou Directiva IVA), sendo estas transmitidas pelo sistema VIES às administrações tributárias dos Estados-Membros envolvidas nas operações.
vi. O registo no VIES de uma dada operação por um agente económico depende de um número válido de identificação para efeitos de IVA.
vii. Como o sujeito passivo que acede ao sistema VIES não tem acesso à identificação do nome associado ao número de identificação fiscal, pode suceder que determinada entidade que faça transmissões intra-UE utilize um número de contribuinte existente e válido que não corresponda ao número de contribuinte do sujeito passivo que efectivamente fez as correspondentes aquisições intracomunitárias de bens.
viii. O VIES visa reforçar o combate à fraude no domínio do IVA, sendo essencial na chamada fraude carrossel, a qual depende, em regra, de quatro elementos fundamentais: (i) transmissão intracomunitária de bens isentos de IVA, com direito à dedução do IVA suportado; (ii) aquisição intra-UE desses bens; (iii) venda desses bens com IVA; e, (iv) não pagamento desse IVA ao Estado.
ix. O VIES padece de fragilidades associadas à falta de harmonização das normas nacionais de registo de não residentes e ao atraso com que os modelos de IVA são preenchidos, em combinação com a isenção de IVA nas transmissões intra-EU, que permitem que o sistema de fraude carrossel se complete antes que o missing trader desapareça.
x. A fiabilidade dos dados transmitidos pelo VIES não é total, pois estes dependem das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos.
xi. As informações do VIES devem, por regra, ser apoiadas em elementos complementares obtidos em território nacional que demonstrem a existência das operações ou, pelo menos, a sua plausibilidade e que permitam suportar, designadamente, uma liquidação adicional decorrente de uma acção inspectiva.
xii. Todavia, no caso de não existir qualquer registo contabilístico da ou das operações no(s) operador(es) interno ou outro elemento probatório adicional obtido em território nacional, tais informações não devem ser pura e simplesmente desconsideradas. Tudo depende das circunstâncias de cada caso concreto e, nomeadamente, do grau de credibilidade das declarações apresentadas pelo sujeito passivo e da colaboração prestada por este e da existência ou não dos pressupostos para a passagem para a fixação da matéria tributável por métodos indirectos.


O relator
Benjamim Barbosa
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

a) - As partes e o objecto do recurso

A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença do TT de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra si por ... - ... , LDA, relativa às liquidações de IRC e juros compensatórios, relativas aos anos de 2005 e 2006, veio interpor recurso jurisdicional cujas alegações remata com estas conclusões:
(1) Salvo o devido respeito, que é muito, entende a Administração Tributária que a douta sentença procedeu à errónea interpretação dos factos, tendo incorrido em erro de julgamento.
(2) Estabelece a douta sentença que: "(...) a Inspecção Tributária não efectuou circularização de clientes, nem recolheu amostra suficiente de dados, nem dispõe de qualquer documento de suporte. Pelo que, não há indícios de que a lmpugnante exerceu a actividade, no ano de 2006 (...)".
(3) Mais, considera a douta sentença proferida pelo Tribunal "a quo" que "(...) proceder à fixação do lucro tributável tomando por base, somente, o valor obtido em troca de informações VIES (...) não é suficiente para indicar que a Impugnante, ora recorrida, exerceu actividade, no ano de 2006.
(4) Ora, salvo o devido respeito que nos merece, que é muito, não pode de todo a Administração Tributária concordar com tal entendimento.
(5) É de extrema importância referir que, os dados constantes do sistema VIES resultam de uma política de cooperação entre administrações tributárias europeias e não de uma simples auto-recriação da administração tributária portuguesa.
(6) Após diversos cruzamentos aos elementos constantes no sistema informático da Administração Tributária verificou-se que o sujeito passivo realizou a generalidade das aquisições de mercadorias a fornecedores comunitários, sobretudo a operadores franceses.
(7) Perante a informação obtida no VIES, de acordo com a qual os fornecedores franceses declararam que o sujeito passivo fez aquisições intracomunitárias, no montante de € 921.659,00, no decorrer do ano de 2006, os Serviços de Inspecção Tributária procederam às correcções que culminaram na fixação do lucro tributável, em € 497.448,85, para o referido ano.
(8) Importa ainda referir que os fornecedores não nacionais do sujeito passivo são alvo de tributação pelos lucros obtidas com essas vendas nos países onde se encontram sedeados, pelo que, não alcançamos qualquer interesse por parte dos ditos fornecedores em declarar falsas vendas, uma vez que tal atitude conduziria a um valor superior de impostos sobre os lucros obtidos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste TCAS o EMMP emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso

Foram dispensados os vistos.


*

2 - Fundamentação

a) De facto
(1) Em 25/02/2008, foi emitido aviso com marcação de hora certa (art. 240.°, n.° 1 do CPC), assinado por funcionário e duas testemunhas, com o seguinte teor:
"Tendo-me deslocado hoje, dia 25 de Fevereiro de 2008, pelas 11 horas e 00 minutos à R. ... n.° 70 5.° Dto, 1050-180 Lisboa, a fim de entregar ao sujeito passivo ... ... , Lda, com o NIPC ... 5, com sede na morada supra mencionada, as Ordens de Serviço n.° 01200703990/1 de 11/06/2007 nos termos do art. 46.° do RCPIT, relativa ao início da Acção de Inspecção Tributária, dos exercícios de 2005 e 2006, não pude levar a efeito essa diligência, em virtude de não ter encontrado qualquer gerente, empregado ou colaborador, deixo-lhe Hora Certa, nos termos do disposto no art. 240.° do Código de Processo Civil, ficando desse modo avisado que, no próximo dia 26/2/2008, pelas 11.00 horas o procurarei neste local, para levar a efeito a entrega da referida Ordem de Serviço que hoje me propunha entregar, ficando ainda avisado que, se no dia atrás designado não se encontrar presente, nesse mesmo dia e valendo como notificação, considerar-se-á a mesma efectuada por afixação". - cfr. fls. 382 do processo administrativo apenso;
(2) No dia 26 de Fevereiro de 2008, foi emitida certidão de verificação hora certa, assinado por funcionário e por duas testemunhas, com o seguinte teor:
"Certifico que hoje dia 26 de Fevereiro de 2008 pelas 11 horas, dia e hora que designei por Aviso de Notificação marcando hora certa nos termos do art. 240.° do Código do Processo Civil, voltei à R. ... n.° 70 5.° Dt.° 1050-180 Lisboa, a fim de efectuar a entrega das Ordens de Serviço n.° 01200703990 e 01200703991 de 11/06/2007 ao Sujeito Passivo ... ... , Lda, NIF/NIPC ... 5, relativa ao início da Acção de Inspecção Tributária, dos exercícios de 2005 e 2006.

A notificação foi efectuada:

Como o notificando não se encontrava presente, verifiquei a notificação por afixação à porta da sua sede, da Nota onde constava o objecto da Notificação.
De todas as diligências e da Cópia da Ordem de Serviço lhe são enviadas cópias, em carta registada, nos termos do art. 241.° do CPC". - cfr. fls. 383 do processo administrativo apenso;
(3) Em 26/02/2008 foi emitida Nota de notificação (com hora certa - art. 240.°, n.° 3, CPC), assinada por funcionário e duas testemunhas, com o seguinte teor:
"Ficou o Sujeito Passivo ... ... , Lda, NIPC ... 5, com sede em R. ... n.° 70, 5.° Dt.° 1050-180 Lisboa, notificado do início da Acção de Inspecção Tributária dos exercícios de 2005 e 2006, por afixação de hora certa à porta da sua sede.
De todas as diligências e da cópia da notificação, lhe são nesta data enviadas cópias em carta registada, nos termos do art. 241.° do Código Civil." - cfr. fls. 384 do processo administrativo apenso;
(4) Foi enviado o ofício 015367 de 26/02/2008, dirigido à Impugnante – "Assunto: Comunicação nos termos do art. 241.° do Código de Processo Civil
Comunica-se a V. Exa. que se procedeu à sua notificação nos termos do n.° 3 do art. 240.° do CPC, no dia 26/2/2008 de ... ... , Lda, referente ao início da Acção Inspectiva com a entrega da Ordem de Serviço, respeitante aos anos de 2005 e 2006 referente a IRC/IVA por afixação, em virtude de o não ter encontrado na sede/residência na data e hora marcada quando o procurava para realizar esta diligência. A Nota do objecto da Notificação ficou afixada na porta da sede/residência do Sujeito Passivo acima indicada.

Juntam-se em anexo:

Fotocópia do (Aviso) certidão Marcando Hora Certa;

Fotocópia da Certidão de Verificação de Hora Certa;

Fotocópia da Nota de Notificação;

Ordem de Serviço n.° 01200703990 e 01200703991 de 2007/06/11 referente à acção inspectiva aos exercícios de 2005 e 2006, com 2 folhas" - cfr. fls. 381 do processo administrativo apenso;
(5) Em 04/03/2008, foi emitido aviso – Nota de marcação de hora certa (art. 240.°, n.° 1, do CPC), assinado por funcionário e duas testemunhas, com o seguinte teor:
"Tendo-me deslocado hoje, dia 4 de Março de 2008, pelas 11 horas e 10 minutos à R. ... n.° 70, 5.° Dto, 1050-180 Lisboa, a fim de entregar ao sujeito passivo ... ... , Lda, com o NIPC ... 5, com sede na morada supra mencionada, as notas de diligência referentes às Ordens de Serviço n.°s 01200703990/1 de 11/06/2007 nos termos do art. 61.° do RCPIT, relativa à conclusão da Acção de Inspecção Tributária, dos exercícios de 2005 e 2006, não pude levar a efeito essa diligência, em virtude de não ter encontrado qualquer gerente, empregado ou colaborador, deixo-lhe Hora Certa, nos termos do disposto no art. 240.° do Código de Processo Civil, ficando desse modo avisado que, no próximo dia 5/3/2008, pelas 11.10 horas o procurarei neste local, para levar a efeito a entrega das referidas Notas de Diligência que hoje me propunha entregar, ficando ainda avisado que, se no dia atrás designado não se encontrar presente, nesse mesmo dia e valendo como notificação, considerar-se-á a mesma efectuada por afixação". - cfr. fls. 375 do processo administrativo apenso;
(6) Foi emitida certidão de verificação hora certa, assinada por funcionário e por duas testemunhas, com o seguinte teor:
"Certifico que hoje dia 5 de Março de 2008 pelas 11 horas, dia e hora que designei por Aviso de Notificação marcando hora certa nos termos do art. 240.° do Código do Processo Civil, voltei à R. ... n.° 70, 5.° Dt.° 1050-180 Lisboa, a fim de efectuar a entrega das notas de diligência referentes à Ordem de Serviço n.s° 01200703990/1 de 11/06/2007 ao Sujeito Passivo ... ... , Lda, NIF/NIPC ... 5, relativa à conclusão da Acção de Inspecção Tributária, dos exercícios de 2005 e 2006.

A notificação foi efectuada:
Como o notificando não se encontrava presente, verifiquei a notificação por afixação à porta da sua sede, da Nota onde constava o objecto da Notificação.
De todas as diligências e da Cópia da Ordem de Serviço lhe são enviadas cópias, em carta registada, nos termos do art. 241.° do CPC". - cfr. fls. 376 do processo administrativo apenso;
(7) Em 05/03/2008 foi emitida Nota de notificação (com hora certa - art. 240.°, n.° 3, CPC), assinado por funcionário e duas testemunhas, com o seguinte teor:
"Ficou o Sujeito Passivo ... ... , Lda, NIPC ... 5, com sede em R. ... n.° 70, 5.° Dt.° 1050-180 Lisboa, notificado da conclusão da Acção de Inspecção Tributária dos exercícios de 2005 e 2006, por afixação de hora certa à porta da sua sede.
De todas as diligências e da cópia da notificação, lhe são nesta data enviadas cópias em carta registada, nos termos do art. 241.° do Código Civil." - cfr. fls. 377 do processo administrativo apenso;
(8) Foi emitida Nota de Diligência (art. 61.° do RCPIT) n.° ND0200842645, relativa à ordem de serviço n.° 01200703990, inspecção iniciada 2008/02/26 às 11.00 e concluída 2008/03/05 – cfr. fls. 378 do processo administrativo apenso;
(9) Foi enviado o ofício 017843 de 06/03/2008, dirigido à Impugnante – "Assunto: Comunicação nos termos do art. 241.° do Código de Processo Civil
Comunica-se a V. Exa. que se procedeu à sua notificação nos termos do n.° 3 do art. 240.° do CPC, no dia 5/3/2008 de ... ... , Lda, referente à conclusão da Acção Inspectiva com a entrega da Nota de diligência, respeitante aos anos de 2005 e 2006 referente a IRC/IVA por afixação, em virtude de o não ter encontrado na sede/residência na data e hora marcada quando o procurava para realizar esta diligência.

A Nota do objecto da Notificação ficou afixada na porta da sede/residência do Sujeito

Passivo acima indicada.

Juntam-se em anexo:

Fotocópia do (Aviso) certidão Marcando Hora Certa;

Fotocópia da Certidão de Verificação de Hora Certa;

Fotocópia da Nota de Notificação;

Nota de Diligência ND0200842645 e ND0200842646 de 2008/03/05 referente à acção inspectiva aos exercícios de 2005 e 2006, com 2 folhas" - cfr. fls. 374 do processo administrativo apenso;
(10) Em 07/04/2008, a Impugnante foi notificada do relatório de inspecção tributária, nos termos do qual foi fixada matéria tributável de IRC, por métodos indirectos, no exercício de 2005, no montante de € 507 731,71 e no exercício de 2006 no montante de € 497 448,85 "nos termos dos artigos 87.° a 90.° da LGT, por remissão do artigo 52.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas" - cfr. fls. 303 a 307 do processo administrativo apenso;
(11) Em resultado da acção inspectiva externa, em sede de IRC, aos exercícios de 2005 e 2006, foram efectuadas correcções por métodos indirectos às vendas no montante de € 3 236 021,08 para o ano de 2005 e de € 3 170 483,45 para o ano de 2006, tendo sido fixado o lucro tributável em € 507 731,71 para o ano de 2005 e em € 497 448,85 para o ano de 2006 – cfr. relatório de inspecção de fls 49 a 76 do processo administrativo apenso;
(12) Em cumprimento das ordens de serviço n.° 012007039990 e n.° 01200703991, ambas de 11/06/2007 foi realizada a acção de inspecção externa à Impugnante, para os exercícios de 2005 e 2006 – cfr. relatório de inspecção de fls. 49 a 76 do processo administrativo apenso;
(13) A acção de inspecção externa resultou de proposta de abertura dum procedimento de inspecção externo na sequência do ofício n.° 8401737, de 21/02/2007 da Direcção de Finanças de Aveiro, por a Impugnante, em 27/03/2006, ter alterado a sua sede da Zona Industrial da Taboeira, em Esgueira, Aveiro, para a Rua ... , n.° 70 - 5.° Dto, em Lisboa, morada correspondente ao escritório de um dos advogados da empresa, tendo a mudança da sede para Lisboa ocorrido, após o envio da notificação para regularização das faltas declarativas em sede de IVA - cfr. relatório de inspecção de fls. 49 a 76 do processo administrativo apenso;
(14) A Impugnante tem como actividade o comércio por grosso de perfumes e de produtos de higiene, com início de actividade em 06/01/1995 – cfr. relatório de inspecção de fls. 49 a 76 do processo administrativo apenso e print de fls. 481;
(15) A Impugnante não entregou a declaração modelo 22 e anual de informação contabilística e fiscal, relativas aos exercícios de 2005 e 2006 – cfr. relatório de inspecção de fls. 49 a 76 do processo administrativo apenso;
(16) Foram efectuadas as seguintes diligências: "Foi contactada a empresa no sentido de regularizar a sua situação tributária. Das notificações enviadas, para a actual sede, para a antiga sede e para o domicílio fiscal do sócio-gerente, com o intuito de serem facultados os elementos contabilísticos necessários ao apuramento da situação tributária do contribuinte, não resultou a recepção de qualquer elemento solicitado;
As tentativas de contacto com o sócio gerente, Sr. Carlos Manuel Pereira Gonçalves Coito, NIF 194575225, via telefone, fax e pessoalmente, redundaram em insucesso; Foram solicitados aos senhores Mário Silva (TOC) e Tiago Mendes (contabilista) esclarecimentos sobre a contabilidade da empresa, nomeadamente o seu paradeiro e se estava devidamente organizada, e sobre a respectiva situação fiscal. Em resposta não obtiveram nenhuma informação útil para os esclarecimentos pretendidos;

Perante a solicitação de extractos contabilísticos e balancetes analíticos da ... , relativos aos exercícios de 2001 a 2005, ao TOC, apenas obtiveram uma resposta, via fax, afirmando que tal seria impossível em virtude de, em 27 de Janeiro de 2006, ter entregue as pastas com os documentos e as seguranças da contabilidade dos referidos anos à empresa. Afirma ainda que não possui no seu computador qualquer ficheiro relativo à contabilidade da empresa, facto que veio a ser confirmado no local pelos Inspectores da Direcção de Finanças de Aveiro. No mesmo fax afirma também que deu conhecimento do seu teor ao Sr. Carlos Coito. Não obstante o fax, foi o TOC notificado pessoalmente para proceder à apresentação dos elementos contabilísticos solicitados, bem como, dos comprovativos do envio das declarações em falta." - cfr. relatório de inspecção de fls. 49 a 76 do processo administrativo apenso;
(17) Em informação do NIC – Núcleo de Investigação Criminal da Direcção de Finanças de Aveiro, de 24/01/2008, consta que na execução dos mandados de busca e de apreensão à Impugnante, que decorreu no dia 07/11/2006 "...não foi apreendida a contabilidade da sociedade ... - ... , Lda - NIF ... 5.
Os bens apreendidos durante essa acção...encontram-se exaustivamente identificados em duas listagens anexas ao auto de apreensão elaborado, sendo que, de tudo isso, foi deixada cópia nas instalações das buscadas. E, toda essa documentação e cópias de arquivos informáticos foram entregues na Direcção de Finanças de Lisboa (...)

Como nota final, da lista n.° 01, onde se relacionam os bens físicos apreendidos, em forma de papel, relacionados com a « ... » apenas se registam documentos avulso, como sejam os casos de cheques, extractos bancários, letras comerciais, correspondência com clientes, notas de crédito, listagens de mapas-resumo de IVA, conjunto avulso de facturas e pastas de arquivo com facturas, conta-correntes e balancetes, listagens contabilísticas, recibos, listagens c/conferências mensais, recibos de salários e notas de lançamentos respeitantes a clientes. No caso dos suportes informáticos, as apreensões foram apenas temporárias, por forma a garantirem a sua cópia fiel com valor jurídico e cópias de outros ficheiros de possível execução no local." - cfr. informação do NIC­ Núcleo de Investigação Criminal da Direcção de Finanças de Aveiro, a fls. 579 e 580 e Auto de Apreensão a fls. 581 a 588, todas do processo administrativo apenso cujo teor integral dou aqui por reproduzido;
(18) No Auto de apreensão de 07/11/2006, efectuado a bens da ora Impugnante, foram apreendidos cheques, extractos bancários, letras comerciais, correspondência com clientes, notas de crédito, listagens de mapas-resumo de IVA, conjunto avulso de facturas e pastas de arquivo com facturas, contas correntes e balancetes, listagens contabilísticas, recibos, listagens com conferências mensais, recibos de salários e notas de lançamento respeitantes a clientes. - cfr. Auto de Apreensão a fls. 581 a 588, do processo administrativo apenso, cujo teor integral dou aqui por reproduzido;
(19) No relatório de inspecção quanto à descrição da análise efectuada consta:
"Na relação dos bens apreendidos constantes no auto de apreensão, já referido no ponto 2.1, não consta a contabilidade propriamente dita nem a maior parte dos elementos de suporte à contabilidade, tais como facturas ou documentos equivalentes, recibos, documentos bancários e outros documentos de suporte aos registos contabilísticos. Através da consulta aos elementos apreendidos pela Administração Fiscal de Aveiro, na sequência da autorização concedida pela Magistrada do Ministério Público de Aveiro, em despacho de 19 de Junho de 2007, pudemos constatar a inexistência da contabilidade e dos seus elementos de suporte.
Através da consulta ao sistema informático da DGCI, nomeadamente os cruzamentos de informação dos anexos O e P e do sistema VIES, confirmámos que a empresa laborou normalmente nos exercícios de 2004 e 2005, verificando-se uma diminuição da actividade em 2006.
Perante esta informação efectuámos uma circularização aos principais clientes conhecidos, quer através do cruzamento dos anexos O e P da declaração anual quer através dos elementos constantes do auto de apreensão, nomeadamente uma listagem de clientes.
A amostra para 2005 foi constituída tendo em conta os seguintes critérios:
clientes que declararam na declaração anual ter efectuado compras à ... no ano de 2005;
clientes que constavam na listagem de clientes;
clientes cujo volume de compras total declarado (na declaração anual) foi superior a 100 000 €.
Com base nestes critérios procedemos à notificação destes sujeitos passivos com o intuito de obtermos as transacções comerciais efectuadas com a empresa em análise. Em resultado dessas notificações foi possível constituir uma amostra relativamente ao exercício de 2005 com 63 clientes, tendo como critério o envio de cópias de facturas a acompanhar o extracto de conta corrente (junta-se, a título exemplificativo, cópias no anexo 2). A amostragem obtida é objecto de análise no ponto 6 deste relatório e constitui o anexo 1.
Para o ano de 2006 não foi possível recolher uma amostra por insuficiência de dados.
Na sequência dos diversos cruzamentos aos elementos constantes no sistema informático da DGCI verificámos que o sujeito passivo efectua a generalidade das aquisições de mercadorias a fornecedores comunitários, principalmente a operadores franceses. Da conjugação da informação dos cruzamentos dos anexos O e P e ainda da informação do VIES, verificámos que os fornecedores nacionais são essencialmente prestadores de serviços. As compras a operadores intracomunitários no ano de 2005 ascenderam a 1 390 974,00 €, sendo que as compras relativas ao exercício de 2006 foram no montante de 921 659,00 € (anexo 3).
5. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS:
No decurso da acção e de acordo com o descrito anteriormente, foram apuradas várias situações susceptíveis de conduzir à aplicação de métodos indirectos conforme estipulado no artigo 88.° da Lei Geral Tributária (LGT):
A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo 87.° da LGT, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções, quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a. Inexistência ou insuficiência de elementos da contabilidade ou declaração, falsa ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b. Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação.
Ora, o que aconteceu foi que a contabilidade não foi exibida, muito embora o sujeito passivo tenha sido expressamente notificados para o efeito. Relativamente às obrigações fiscais declarativas verificámos (...) No que se refere ao imposto sobre o rendimento do sujeito passivo não entregou a declaração Modelo 22 nem a declaração anual dos exercícios de 2005 e 2006, tendo contudo entregue o anexo J do exercício de 2005.
Não tendo sido apresentada a contabilidade, será esta situação tratada como recusa de exibição de escrita prevista e punida nos termos do artigo 113.° do RGIT.
Assim, pelos motivos descritos encontram-se preenchidos os pressupostos previstos na alínea b) do artigo 87.° e alíneas a) e b) do artigo 88.°, ambos da LGT que conduzem à aplicação de métodos indirectos, em conformidade com o disposto nas alíneas a) e d) do n.° 1 do artigo 90.° da LGT.
Em face do exposto, vai ser promovida a fixação dos rendimentos auferidos, conforme o disposto no artigo 17.° do CIRC e sujeitos a tributação, de acordo com o disposto nos artigos 52.° e 54.° do CIRC, para os exercícios de 2005 e 2006.
6. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
6.1 - ANO 2005
6.1 - CORRECÇÕES EM SEDE DE IRC
Perante a recusa de exibição dos elementos que constituem a contabilidade do sujeito passivo recorremos aos elementos disponíveis, nomeadamente a amostra de facturas recolhida junto dos clientes através da circularização efectuada, para determinação do lucro tributável.
Da circularização obtivemos uma amostra constituída por 2340 facturas registadas por 63 clientes, num total de vendas do sujeito passivo em análise (sem IVA) de 1 428 464,31 (anexo 1).
Da análise da amostragem permite concluir que pelo menos foram emitidas pela ... 5 301 facturas. A primeira factura conhecida do ano de 2005 é a factura n.° 37004 de 14 de Janeiro de 2005 (contabilizada pelo cliente em 3/02/2005), sendo a última factura conhecida a n.° 42304, de 30 de Novembro de 2005 (anexo 4). As facturas incluídas na amostra representam 44,14% do número total de facturas que são conhecidas.
A partir do valor total das facturas incluídas na amostra apurámos o valor médio por factura sem IVA de 610,45 € (81 428 463,31/2 340=610,454835).
Dada a representatividade da amostra podemos extrapolar o valor médio apurado por factura para o universo das facturas conhecidas, obtendo assim o montante das vendas estimadas:
Valor estimado das vendas = Total de facturas conhecidas x Valor médio por factura Valor estimado das Vendas = 5 301 € x 610,45 € = 3 236 021,08 €
Nota – para efeitos de cálculo foram utilizadas todas as casas decimais
De modo a comprovar a fiabilidade dos resultados obtidos através da amostra procedemos ao cálculo do valor médio por factura conhecida partindo da margem bruta média nacional a preços de custo (MgBpc) aplicada ao custo das mercadorias vendidas. Utilizou-se a margem bruta média nacional em virtude das características da actividade do sujeito passivo: âmbito nacional das suas vendas e representação exclusiva para o mercado nacional das marcas comercializadas.
Para a determinação das vendas estimadas, partimos do custo apurado com os valores das compras declaradas pelos seus fornecedores no sistema de troca de informação comunitária VIES (anexo 3), em conformidade com o referido no ponto 4 deste relatório, com as existências iniciais (existências finais declaradas pelo sujeito passivo em 2004) e com o valor estimado de existências finais.
Considerando que o sujeito passivo não apresentou a declaração anual de informação contabilística e fiscal, a tendência decrescente do stock final de mercadoria verificada nos últimos anos e que existiu actividade em 2006 (compras e vendas) é legítimo concluir que transite para o ano seguinte um stock de mercadorias.
Assim procedemos à estimativa do montante das existências finais utilizando a tendência de decréscimo dessas existências verificada nos últimos anos (10% - 2003; 12% - 2004). Deste modo consideramos um decréscimo de 14% de forma a manter o ritmo de decréscimo verificado nas existências finais. Assim temos:
Cálculo das existências finais estimadas
Ano
Exist. Finais DeclaradasVariação % (n-(n-1)) /(n-1)Exist. Finais Estimadas
2002
772 217,20--
2003
697 121,15-10%
2004
610 135,16-12%-
2005
--14%524 716,24
Com a determinação do valor das existências finais da empresa - 524 716,24 € estamos em condições de proceder ao apuramento do custo das mercadorias vendidas:
CMVMC
AnoExistências iniciaisComprasRegularização ExistênciasExistências FinaisCusto Mercad
Vendidas
2005610.135,161.390.974,00524.716,241.476.392,92

A margem média nacional para o ano de 2005 (anexo 5) é:

MgBpv =54,38% a que corresponde:

MgBpc = 119,202%

Sendo que MgBpv = Vendas-Custo das mercadorias vendidas


Vendas

E MgBpc = Vendas-Custo das mercadorias vendidas

Custo das mercadorias vendidas

O que resolvendo o sistema de equações temos a fórmula de conversão directa das

margens:

MgBpc = MgBpv/(1-MgBpv)

Aplicando a margem ao custo das mercadorias (corrigido) obtemos o valor das vendas

estimadas:
Ano
Custo mercadorias vendidas
MgBpc
Vendas estimadas
2005
1 476 392,92
119,202%
3 236 282,81
Dividindo o montante das vendas estimadas calculadas através da margem pelo número de facturas conhecidas obtemos o valor médio por factura de 610,50 C.
Sendo este valor muito próximo (0.05 C) do obtido através da amostra recolhida, concluímos que as vendas estimadas, a partir dos valores reais de vendas recolhidos junto dos clientes, estão de acordo com a realidade. Podemos igualmente concluir que o montante estimado das existências finais está determinado com objectividade.
Deste modo o valor das vendas estimadas por métodos indirectos para o exercício de 2005 é de 3 236 021,08 E.
Em virtude de não conhecermos todos os custos de funcionamento da empresa, dispomos apenas do custo das mercadorias vendidas e dos custos com o pessoal constantes do anexo J, procedemos ao apuramento do lucro tributável recorrendo ao rácio da rentabilidade fiscal das vendas. A média nacional deste rácio para o ano de 2005 é de 15,69% (anexo 5). Sabendo que a Rentabilidade Fiscal é igual ao Lucro Tributável a dividir pelo Volume de Negócios temos:

Lucro Tributável Fixado
Lucro Tributável = Rentabilidade Fiscal x Volume de Negócios
      Rentabilidade fiscal - média nacional15,69%
      Total do volume de negócios estimado3 236 021,08
      Lucro tributável fixado507 731,71
O Lucro Tributável fixado para o exercício de 2005 é de 507 731,71 . (...)

6.2. ANO DE 2006

6.2.1 - CORRECÇÕES EM SEDE DE IRC
Perante a recusa de exibição dos elementos que constituem a contabilidade do sujeito passivo recorremos aos elementos disponíveis para determinação do lucro tributável. Conforme já referido no ponto 4, da circularização não obtivemos dados que permitissem constituir uma amostra. No entanto o sujeito passivo encontrava-se em actividade no ano de 2006 visto ter efectuado aquisições intracomunitárias no montante de 921 659,00 €, conforme pudemos constatar pelos montantes declarados pelos seus fornecedores franceses no sistema de trocas de informação comunitária – VIES (anexo 3).
Dado que não foram detectados dados no sistema informático da DGCI que nos permitam concluir que a ... continue a sua actividade, presumimos que quer as existências iniciais quer as compras efectuadas em 2006 foram totalmente vendidas. Deste modo, procedemos ao apuramento das vendas estimadas partindo da margem bruta média nacional a preços de custo (MgBpc) aplicada ao custo das mercadorias vendidas. Utilizou-se a margem bruta média nacional em virtude das características da actividade do sujeito passivo: âmbito nacional das suas vendas e representação exclusiva para o mercado nacional das marcas comercializadas. Saliente-se que foi utilizada a margem bruta média nacional do ano de 2005 por não existir esse indicador para o exercício em análise.

Deste modo, para determinação das vendas estimadas, partimos do custo apurado com os valores das compras declaradas pelos seus fornecedores e das existências iniciais (existências finais estimadas em 2005), considerando que não existem existências finais. Assim temos:

CMVMC
AnoExistências iniciaisComprasRegularização ExistênciasExistências FinaisCusto Mercad
Vendidas
2006524 716,24921 659,001 446 375,24

A margem média nacional utilizada para o ano de 2006 é a de 2005 (anexo 5):

MgBpv =54,38% a que corresponde:

MgBpc = 119,202%

Sendo que MgBpv = Vendas-Custo das mercadorias vendidas


Vendas

E MgBpc = Vendas-Custo das mercadorias vendidas

Custo das mercadorias vendidas

O que resolvendo o sistema de equações temos a fórmula de conversão directa dasmargens:

MgBpc = MgBpv/(1-MgBpv)

Aplicando a margem ao custo das mercadorias (corrigido) obtemos o valor das vendas estimadas:
Ano
Custo mercadorias vendidasMgBpcVendas estimadas
2006
1 446 375,24119,202%3 170 483,45
Deste modo o valor das vendas estimadas por métodos indirectos para o exercício de 2006 é de 3 170 483,45 €.
Em virtude de não conhecermos todos os custos de funcionamento da empresa, dispomos apenas do custo das mercadorias vendidas, procedemos ao apuramento do lucro tributável recorrendo ao rácio da rentabilidade fiscal das vendas. Foi utilizado o valor da média nacional para o ano de 2005 (15,69%) (anexo 5, por não existir este indicador
para 2006. Sabendo que a Rentabilidade Fiscal é igual ao Lucro Tributável a dividir pelo Volume de Negócios, temos:

Lucro Tributável Fixado

Lucro Tributável = Rentabilidade Fiscal x Volume de Negócios
Rentabilidade fiscal - média nacional15,69%
Total do volume de negócios estimado3 170 483,45
Lucro tributável fixado497 448,85
O Lucro Tributável fixado para o exercício de 2006 é de 497 448,85 €."- cfr. relatório de inspecção de fls. 49 a 76 do processo administrativo apenso;
(20) Em 06/05/2008, a Impugnante deduziu pedido de revisão da matéria colectável do acto de fixação da matéria tributável de IRC, relativa aos exercícios de 2005 e 2006 – cfr. fls. 402 a 419 do processo administrativo apenso;
(21) Na decisão do pedido de revisão, referido em T, foi mantido o valor previamente apurado pelos serviços de inspecção tributária de € 507 731,71 para o exercício de 2005 e de € 497 448,85, para o exercício de 2006 – fls. 456 a 468 do processo administrativo apenso;
(22) Na sequência de acção de inspecção, a Impugnante foi notificada da liquidação de IRC e juros compensatórios, relativa ao ano de 2005 n.° 2009 8310010209, no montante a pagar de € 140 404,46 – cfr. fls. 32;
(23) Na sequência de acção de inspecção, a Impugnante foi notificada da liquidação de IRC e juros compensatórios, relativa ao ano de 2006 n.° 2009 8310010217, no montante a pagar de € 141 139,10 – cfr. fls. 35;
(24) A Impugnante entregou em 2008, declaração de cessação de actividade, declarando a cessação em IVA, em 01/01/2006, "nos termos do artigo 33.°, n.° 1, alínea a) do CIVA" – cfr. declaração de cessação a fls. 38 a 40 dos autos e print de fls. 481 e fls. 489 a 493 do processo administrativo tributário apenso.

Aditam-se, nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do CPC, os seguintes factos:
(25) Nos documentos referidos supra em (18) encontram-se:

Pasta de arquivo preta, com a indicação “facturas corrigidas ... 2006”, contendo vários documentos

Pasta de arquivo verde, com a indicação “Análises 2006 Vendas Custos”, contendo vários documentos

Pasta de arquivo verde, com a indicação “Vendas 2005/2006” contendo vários documentos
(26) A gerência, sede efectiva, contactos, actividade e local da mesma eram comuns, pelo menos para o ano de 2006, à “ ... ” e à “ ... ” – fls. 566 do PA.


*

b) De Direito

A única questão que importa apreciar diz respeito ao segmento da sentença que considerou procedente a impugnação no que toca à liquidação do ano de 2006.

A Fazenda Pública não se conforma com o entendimento vertido na sentença, que considerou que as informações obtidas através do VIES não eram suficientes por si sós, sem outros dados obtidos internamente, para suportar a referida liquidação.

A tese da FP é de que as informações fornecidas pelo VIES são fidedignas, visto que nenhum operador económico iria inscrever operações que não tivesse realizado.

Será assim?

Passemos a enquadrar a situação no contexto do funcionamento do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

Em traços gerais, poderemos caracterizar o regime geral das transacções intracomunitárias de bens da seguinte forma(i):

a) Aplica-se a todas as transacções intra-UE de bens efectuadas entre sujeitos passivos do imposto, independentemente do tipo de bem em causa, desde que este tenha sido expedido ou transportado de um Estado-Membro para outro Estado-Membro;

b) A transmissão intra-UE de bens, à semelhança das operações de exportação, é isenta no Estado-Membro de origem, i.e., no Estado-Membro onde se iniciou a expedição ou transporte do bem com destino a um outro Estado-Membro, conferindo o direito à dedução do IVA suportado a montante para a respectiva realização (isenção completa);

c) A aquisição intra-UE de bens, à semelhança das operações de importação, é uma operação tributável no país de destino, ou seja, o Estado-Membro onde termina a expedição ou transporte do bem, conferindo o direito à dedução do IVA liquidado;

d) Deixa de existir a intervenção dos serviços aduaneiros, dado o desaparecimento das fronteiras fiscais e passa a ser o sujeito passivo que faz a aquisição intracomunitária de bens quem liquida o IVA. Ou seja, passa a existir, também neste caso, uma autoliquidação do IVA;

e) Os sujeitos passivos que fazem transacções intra-UE de bens, passam, assim, a ter como novas obrigações”, em geral:

– A liquidação do imposto devido nas aquisições intra-UE;

– Uma nova obrigação declarativa: o envio de um anexo recapitulativo das transmissões intra-UE de bens que efectuaram no seu período de tributação (que, entretanto, passou a ser uma declaração recapitulativa);

– Novos requisitos a constar das facturas, designadamente, a aposição do prefixo dos Estados-Membros do transmitente e do adquirente, seguido dos respectivos números de identificação fiscal e a indicação do local de destino das mercadorias;

f) Como mecanismos de controlo substitutivos das fronteiras fiscais temos, sobretudo, o sistema VIES de troca de informações sobre as transacções intracomunitárias de bens e os instrumentos estatísticos, para além dos mecanismos de cooperação administrativa já existentes.

O VIES – VAT Information Exchange System – é um sistema de intercâmbio electrónico de transmissão de informações relativas ao registo do IVA dos operadores económicos situados na União Europeia e das entregas comunitárias de bens isentas (cfr. art.º 138.º da Directiva 2006/112/CEE ou Directiva IVA), sendo estas transmitidas pelo sistema VIES às administrações tributárias dos Estados-Membros envolvidas nas operações, sendo “uma ferramenta indispensável à concretização das operações – transmissões de bens e prestações de serviços intracomunitárias – entre sujeitos passivos com sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio a partir do qual, ou para o qual as mesmas são realizadas, localizados em Estados-membros distintos” (cfr. Ofício-Circulado nº 30.148/2013, de 25 de Julho, da AT).

O funcionamento do VIES, isto é, o registo no VIES de uma dada operação por um agente económico depende de um número válido de identificação para efeitos de IVA, dado que ao pedido de registo corresponde uma solicitação ao Estado-Membro que atribui tal número inquirindo da sua validade. Note-se, todavia que, por motivos óbvios ligados ao sigilo, o sujeito passivo quando acede ao sistema VIES não tem acesso à identificação do nome associado ao número de identificação fiscal mas, tão apenas e tão somente, se poderá certificar, através deste sistema, da existência desse numero como válido. Isto é, pode perfeitamente suceder que determinada entidade que faça transmissões intracomunitárias de bens (ou melhor dizendo, transmissões intra-UE), utilize um número de contribuinte existente e válido que não corresponda ao número de contribuinte do sujeito passivo que efectivamente fez as correspondentes aquisições intracomunitárias de bens. Ai reside uma das apontadas fragilidades deste sistema instituído para substituir o mecanismo de controlo físico das mercadorias abolido, como é sabido, a partir de 1 de Janeiro de 1993, como natural consequência da abolição das fronteiras fiscais entre Estados-Membros.

O VIES, como ferramenta de cooperação administrativa visa reforçar o combate à fraude no domínio do IVA, sendo essencial na chamada fraude carrossel, a qual depende, em regra, de quatro elementos fundamentais: (i) transmissão intracomunitária de bens isentos de IVA, com direito à dedução do IVA suportado; (ii) aquisição intracomunitária desses bens; (iii) venda desses bens com IVA; e, (iv) não pagamento desse IVA ao Estado.

Todavia, a fraqueza do VIES neste combate reside na sua própria estrutura: por um lado as normas nacionais de registo de não residentes não estão harmonizadas ao nível da União Europeia, o que faz com que existam empresas que estão registadas em vários Estados-Membros, nos quais não têm actividade económica ou têm actividade reduzida, o que facilita a existência de empresas fraudulentas; por outro lado os modelos de IVA são preenchidos no fim do mês seguinte ao qual a transmissão intracomunitária de bens ocorreu. Este atraso, em combinação com a isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens, constitui um grande incentivo à prática da fraude carrossel, já que oferece tempo suficiente para que todo o esquema se processe e consequentemente o missing trader(ii) desapareça. Além disso a fiabilidade dos dados transmitidos não é totalmente assegurada, dado que estes dependem das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos.

Por isso alguns autores, como Christophe Grandcolas(iii), defendem que o sistema VIES não é adequado para o combate à fraude no IVA.

Sendo o VIES incapaz de fornecer dados completamente fiáveis relativos às operações intracomunitárias isentas ou tributadas em sede de IVA, logo se vê que os mesmos não permitem demonstrar, por si sós, a existência ou inexistência de um facto tributário relacionado com o sistema de IVA que, quando se conexiona com mais do que um ordenamento jurídico, implica que a recolha de informação seja realizada em mais do que um país, nos termos do Regulamento (CE) n.º 1798/2003 do Conselho, de 7 de Outubro de 2003 (actualmente substituído pelo Regulamento UE n.º 904/2010), cujo art.º 12.º permite até o controlo simultâneo em relação a mais do que um sujeito passivo.

O que fica dito permite concluir que as informações do VIES devem, por regra, ser apoiadas em elementos complementares obtidos em território nacional que demonstrem a existência das operações ou, pelo menos, a sua plausibilidade e que permitam suportar, designadamente, uma liquidação adicional decorrente de uma acção inspectiva. O que não quer dizer que, no caso de não existir qualquer registo contabilístico da ou das operações no(s) operador(es) interno ou outro elemento probatório adicional obtido em território nacional, tais informações devam ser pura e simplesmente desconsideradas. Tudo depende das circunstâncias de cada caso concreto e, nomeadamente, do grau de credibilidade das declarações apresentadas pelo sujeito passivo e da colaboração prestada por este e da existência ou não dos pressupostos para a passagem para a fixação da matéria tributável por métodos indirectos.

Vejamos então o caso presente.

Consta do sistema VIES que a recorrida efectuou aquisições intracomunitárias de mercadorias no ano de 2006, correspondentes a transmissões intracomunitárias de bens efectuadas por um sujeito passivo francês. Considerando que o registo das transacções no sistema VIES, efectuado pela entidade vendedora no país de origem daquelas, depende de um número de identificação válido sem o qual o próprio sistema recusa o registo, não parece credível que tal registo fosse efectuado sem que as mercadorias tivessem sido adquiridas, efectivamente transmitidas e expedidas para Portugal. Na verdade, como referimos, a inscrição no registo, se bem que possa permitir ao vendedor/transmitente a dedução do IVA em que incorreu e o isente de liquidar o IVA a jusante (cfr. art.º 138.º da Directiva IVA), não é inócua para efeitos de tributação, já que faz recair sobre o vendedor/transmitente os proveitos correspondentes, colocando-o assim no campo da incidência de normas tributárias sobre o rendimento.

Mas, como se disse, só com estes elementos não poderia imputar-se à recorrida a aquisição intracomunitária dos bens, pois bem poderia suceder que se tratasse de um registo simulado com propósitos fraudulentos.

Mas existem na situação controvertida elementos que nos permitam chegar a tal conclusão e duvidar da veracidade dos elementos constantes do sistema VIES?

Acontece, que, não obstante a inspecção tributária ter afirmado que em relação ao ano de 2006 não foi possível obter uma amostragem dos clientes, se deverá sublinhar que existem elementos no PA apenso que indiciam com segurança a continuação da actividade económica da recorrente no ano de 2006, permitindo concluir nesse sentido.

Com efeito, no caso concreto existem vários factos que permitem concluir por um comportamento inadequado por parte do sujeito passivo. Desde logo, estamos perante um caso de efectiva recusa de exibição da escrita. Acresce que existem factos concretos que permitem concluir que a recorrida se furtou não só às suas obrigações declarativas como manteve ao longo do tempo uma postura a propender para a evasão fiscal. Neste contexto, não pode o julgador sobrelevar a falta de apresentação de elementos de prova concretos cuja impossibilidade de obtenção resulta dessa conduta evasiva e duma clara intenção fraudatória, expressa na recusa de exibição da contabilidade; pelo contrário, deve relevar os indícios seguros que tenham sido coligidos para, em conjugação com os elementos objectivos de prova apurados, extrair a conclusão fáctica que a aplicação das presunções judiciais previstas no art.º 349.º do Código Civil permite suportar.

O que, no caso em concreto, se resume a sopesar o acervo informativo obtido através do VIES, conjuntamente com outros dados constantes do PA e que se faz referência no ponto (25) do probatório, levando ainda em conta que a cessão de actividade da recorrida/impugnante só foi efectuada mais de dois anos depois do inicio do ano a que respeita, ou seja, depois do procedimento inspectivo ter sido ordenado.

Registe-se até que, contrariamente ao que é alegado nos artigos 11.º e ss. da petição inicial, resulta da informação de fls. 564 e ss. do PA que a análise dos computadores só foi possível até ao momento em que o funcionário da ... se apercebeu que a visada era efectivamente esta entidade e não a ... , tendo então encerrado os computadores e impedido a continuação da recolha de elementos.

Em suma, não merecendo a contabilidade da recorrida qualquer credibilidade, sendo total a sua falta de colaboração, face aos demais elementos constantes do PA e já referidos, não pode deixar de se concluir pela veracidade das informações obtidas através do VIES, e, consequentemente, considerar que a liquidação adicional relativa ao ano de 2006 não enferma de qualquer ilegalidade.

Acresce que, quando devidamente fundamentadas e se baseiem em critérios objectivos, tais informações têm a força probatória que o art.º 76.º, n.º 1, da LGT, lhes confere, pois como refere António Lima Guerreiro em lado algum o legislador consagrou “o carácter ilimitado da força probatória das declarações ou escrita do contribuinte caso em que, aliás, a actividade inspectiva perderia todo o sentido, por inútil.

Se a força probatória das declarações do contribuinte fosse “ilimitada” só pagaria impostos quem quisesse”(iv).

Tendo essa força probatória, não basta a mera impugnação dos factos a que respeitam para descredibilizar esses meios de prova; ora no caso concreto o que a recorrida se limitou a fazer foi afirmar que a inspecção não cruzou os dados obtidas no VIES com dados que poderia ter recolhido em Portugal (cfr. artigos 181.º e ss. da PI). O que é insuficiente para por em crise referida força probatória das informações, sendo certo que a Inspecção se confrontou com a recusa de exibição e falta de colaboração da recorrida, conduta que de resto legitimou o recurso a métodos indirectos in casu.

Neste contexto competia à recorrida provar que as informações do VIES não eram verdadeiras e não à Inspecção comprovar (adicionalmente) a sua veracidade. Ora, limitando-se a recorrida negar as informações sem alegar e provar factos que verdadeiramente pudessem por em causa a eficácia probatória legal de tais informações, tem de concluir-se que não cumpriu o ónus que sobre si recaía e que, por isso, essas informações fazem prova plena quanto aos factos tributários a que respeitam.

Em resumo e para concluir, o recurso merece provimento, o que implica revogar a sentença na parte em que anulou a liquidação adicional referente a 2006, julgando-se totalmente improcedente a impugnação.


*

3 - Dispositivo

Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente improcedente a impugnação.

Custas pela recorrida, apenas na 1.ª instância.

D.n., incluindo a notificação do acórdão ao processo criminal.

Lisboa, 2014-04-30

________________________________________ (Benjamim Barbosa)

___________________________________________ (Anabela Russo)

_________________________________________ (Joaquim Gameiro)


i- Cfr. Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, “Cadernos IDEFF” n.º 1, 5.ª Edição, Reimp., Outubro 2012, pp. 286 a 290
ii- Missing trader é uma empresa-fantasma ou fictícia, que liquida o IVA mas não o entrega nos cofres do Estado nem cumpre as demais obrigações fiscais, designadamente declarativas e contabilísticas. Funciona geralmente com base numa caixa de correio que constitui a sua domiciliação ou utiliza uma morada falsa. Com actividade indefinida, a missing trader surge frequentemente sob a forma (fictícia) de sociedade de responsabilidade limitada, actuando os seus sócios, administradores ou gerentes como verdadeiros testas de ferro de empresas sedeadas em paraísos fiscais. Na cadeia de transacções aparentes em que intervém, procede a aquisições a montante no mercado intra-comunitário, a que se seguem transmissões a jusante no mercado interno a um buffer ou a um broker.
iii- “Managing VAT in a borderless world of global trade: VAT trends in the European Union- lessons for the Asia-Pacific countries”, Bulletin for International Taxation, IFBD, 2008, p.130 e ss.
iv- Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Ed.ª Rei dos Livros, 2001, p. 335.