Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 07020/13 |
Secção: | CT - 2.º JUÍZO |
Data do Acordão: | 04/30/2014 |
Relator: | BENJAMIM BARBOSA |
Descritores: | IVA – VIES – AQUISIÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS OU INTRA-UE |
Sumário: | i. O regime geral das transacções intracomunitárias de bens é aplicável a todas as transacções intra-UE de bens efectuadas entre sujeitos passivos de IVA, independentemente do tipo de bem em causa, desde que este tenha sido expedido ou transportado de um Estado-Membro para outro Estado-Membro. ii. A transmissão intra-UE de bens, à semelhança das operações de exportação, é isenta no Estado-Membro de origem, conferindo o direito à dedução do IVA suportado a montante para a respectiva realização (isenção completa). iii. A aquisição intra-UE de bens, à semelhança das operações de importação, é uma operação tributável no país de destino, conferindo o direito à dedução do IVA liquidado; iv. Os sujeitos passivos que fazem transacções intra-UE de bens tem as seguintes obrigações: a. Autoliquidar o IVA devido nas aquisições intra-UE; b. O envio de uma declaração recapitulativa das transmissões intra-UE de bens que efectuaram no seu período de tributação c. Fazer constar das facturas, designadamente, a aposição do prefixo dos Estados-Membros do transmitente e do adquirente, seguido dos respectivos números de identificação fiscal e a indicação do local de destino das mercadorias; v. Para além dos demais mecanismos de cooperação administrativa existentes, o VIES – VAT Information Exchange System – é um sistema de intercâmbio electrónico de transmissão de informações relativas ao registo do IVA dos operadores económicos situados na União Europeia e das entregas comunitárias de bens isentas (cfr. art.º 138.º da Directiva 2006/112/CEE ou Directiva IVA), sendo estas transmitidas pelo sistema VIES às administrações tributárias dos Estados-Membros envolvidas nas operações. vi. O registo no VIES de uma dada operação por um agente económico depende de um número válido de identificação para efeitos de IVA. vii. Como o sujeito passivo que acede ao sistema VIES não tem acesso à identificação do nome associado ao número de identificação fiscal, pode suceder que determinada entidade que faça transmissões intra-UE utilize um número de contribuinte existente e válido que não corresponda ao número de contribuinte do sujeito passivo que efectivamente fez as correspondentes aquisições intracomunitárias de bens. viii. O VIES visa reforçar o combate à fraude no domínio do IVA, sendo essencial na chamada fraude carrossel, a qual depende, em regra, de quatro elementos fundamentais: (i) transmissão intracomunitária de bens isentos de IVA, com direito à dedução do IVA suportado; (ii) aquisição intra-UE desses bens; (iii) venda desses bens com IVA; e, (iv) não pagamento desse IVA ao Estado. ix. O VIES padece de fragilidades associadas à falta de harmonização das normas nacionais de registo de não residentes e ao atraso com que os modelos de IVA são preenchidos, em combinação com a isenção de IVA nas transmissões intra-EU, que permitem que o sistema de fraude carrossel se complete antes que o missing trader desapareça. x. A fiabilidade dos dados transmitidos pelo VIES não é total, pois estes dependem das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos. xi. As informações do VIES devem, por regra, ser apoiadas em elementos complementares obtidos em território nacional que demonstrem a existência das operações ou, pelo menos, a sua plausibilidade e que permitam suportar, designadamente, uma liquidação adicional decorrente de uma acção inspectiva. xii. Todavia, no caso de não existir qualquer registo contabilístico da ou das operações no(s) operador(es) interno ou outro elemento probatório adicional obtido em território nacional, tais informações não devem ser pura e simplesmente desconsideradas. Tudo depende das circunstâncias de cada caso concreto e, nomeadamente, do grau de credibilidade das declarações apresentadas pelo sujeito passivo e da colaboração prestada por este e da existência ou não dos pressupostos para a passagem para a fixação da matéria tributável por métodos indirectos. O relator Benjamim Barbosa |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório a) - As partes e o objecto do recurso A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença do TT de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra si por ... - ... , LDA, relativa às liquidações de IRC e juros compensatórios, relativas aos anos de 2005 e 2006, veio interpor recurso jurisdicional cujas alegações remata com estas conclusões: Não foram apresentadas contra-alegações. Neste TCAS o EMMP emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso Foram dispensados os vistos. * 2 - Fundamentação a) De facto A notificação foi efectuada: Como o notificando não se encontrava presente, verifiquei a notificação por afixação à porta da sua sede, da Nota onde constava o objecto da Notificação. Juntam-se em anexo: Fotocópia do (Aviso) certidão Marcando Hora Certa; Fotocópia da Certidão de Verificação de Hora Certa; Fotocópia da Nota de Notificação; Ordem de Serviço n.° 01200703990 e 01200703991 de 2007/06/11 referente à acção inspectiva aos exercícios de 2005 e 2006, com 2 folhas" - cfr. fls. 381 do processo administrativo apenso; A notificação foi efectuada: A Nota do objecto da Notificação ficou afixada na porta da sede/residência do Sujeito Passivo acima indicada. Juntam-se em anexo: Fotocópia do (Aviso) certidão Marcando Hora Certa; Fotocópia da Certidão de Verificação de Hora Certa; Fotocópia da Nota de Notificação; Nota de Diligência ND0200842645 e ND0200842646 de 2008/03/05 referente à acção inspectiva aos exercícios de 2005 e 2006, com 2 folhas" - cfr. fls. 374 do processo administrativo apenso; Perante a solicitação de extractos contabilísticos e balancetes analíticos da ... , relativos aos exercícios de 2001 a 2005, ao TOC, apenas obtiveram uma resposta, via fax, afirmando que tal seria impossível em virtude de, em 27 de Janeiro de 2006, ter entregue as pastas com os documentos e as seguranças da contabilidade dos referidos anos à empresa. Afirma ainda que não possui no seu computador qualquer ficheiro relativo à contabilidade da empresa, facto que veio a ser confirmado no local pelos Inspectores da Direcção de Finanças de Aveiro. No mesmo fax afirma também que deu conhecimento do seu teor ao Sr. Carlos Coito. Não obstante o fax, foi o TOC notificado pessoalmente para proceder à apresentação dos elementos contabilísticos solicitados, bem como, dos comprovativos do envio das declarações em falta." - cfr. relatório de inspecção de fls. 49 a 76 do processo administrativo apenso; Como nota final, da lista n.° 01, onde se relacionam os bens físicos apreendidos, em forma de papel, relacionados com a « ... » apenas se registam documentos avulso, como sejam os casos de cheques, extractos bancários, letras comerciais, correspondência com clientes, notas de crédito, listagens de mapas-resumo de IVA, conjunto avulso de facturas e pastas de arquivo com facturas, conta-correntes e balancetes, listagens contabilísticas, recibos, listagens c/conferências mensais, recibos de salários e notas de lançamentos respeitantes a clientes. No caso dos suportes informáticos, as apreensões foram apenas temporárias, por forma a garantirem a sua cópia fiel com valor jurídico e cópias de outros ficheiros de possível execução no local." - cfr. informação do NIC Núcleo de Investigação Criminal da Direcção de Finanças de Aveiro, a fls. 579 e 580 e Auto de Apreensão a fls. 581 a 588, todas do processo administrativo apenso cujo teor integral dou aqui por reproduzido;
CMVMC
A margem média nacional para o ano de 2005 (anexo 5) é: MgBpv =54,38% a que corresponde: MgBpc = 119,202% Sendo que MgBpv = Vendas-Custo das mercadorias vendidas Vendas E MgBpc = Vendas-Custo das mercadorias vendidas Custo das mercadorias vendidas O que resolvendo o sistema de equações temos a fórmula de conversão directa das margens: MgBpc = MgBpv/(1-MgBpv) Aplicando a margem ao custo das mercadorias (corrigido) obtemos o valor das vendas estimadas:
Sendo este valor muito próximo (0.05 C) do obtido através da amostra recolhida, concluímos que as vendas estimadas, a partir dos valores reais de vendas recolhidos junto dos clientes, estão de acordo com a realidade. Podemos igualmente concluir que o montante estimado das existências finais está determinado com objectividade. Deste modo o valor das vendas estimadas por métodos indirectos para o exercício de 2005 é de 3 236 021,08 E. Em virtude de não conhecermos todos os custos de funcionamento da empresa, dispomos apenas do custo das mercadorias vendidas e dos custos com o pessoal constantes do anexo J, procedemos ao apuramento do lucro tributável recorrendo ao rácio da rentabilidade fiscal das vendas. A média nacional deste rácio para o ano de 2005 é de 15,69% (anexo 5). Sabendo que a Rentabilidade Fiscal é igual ao Lucro Tributável a dividir pelo Volume de Negócios temos:
6.2. ANO DE 2006 6.2.1 - CORRECÇÕES EM SEDE DE IRC Deste modo, para determinação das vendas estimadas, partimos do custo apurado com os valores das compras declaradas pelos seus fornecedores e das existências iniciais (existências finais estimadas em 2005), considerando que não existem existências finais. Assim temos: CMVMC
A margem média nacional utilizada para o ano de 2006 é a de 2005 (anexo 5): MgBpv =54,38% a que corresponde: MgBpc = 119,202% Sendo que MgBpv = Vendas-Custo das mercadorias vendidas Vendas E MgBpc = Vendas-Custo das mercadorias vendidas Custo das mercadorias vendidas O que resolvendo o sistema de equações temos a fórmula de conversão directa dasmargens: MgBpc = MgBpv/(1-MgBpv) Aplicando a margem ao custo das mercadorias (corrigido) obtemos o valor das vendas estimadas:
Em virtude de não conhecermos todos os custos de funcionamento da empresa, dispomos apenas do custo das mercadorias vendidas, procedemos ao apuramento do lucro tributável recorrendo ao rácio da rentabilidade fiscal das vendas. Foi utilizado o valor da média nacional para o ano de 2005 (15,69%) (anexo 5, por não existir este indicador para 2006. Sabendo que a Rentabilidade Fiscal é igual ao Lucro Tributável a dividir pelo Volume de Negócios, temos: Lucro Tributável Fixado Lucro Tributável = Rentabilidade Fiscal x Volume de Negócios
(20) Em 06/05/2008, a Impugnante deduziu pedido de revisão da matéria colectável do acto de fixação da matéria tributável de IRC, relativa aos exercícios de 2005 e 2006 – cfr. fls. 402 a 419 do processo administrativo apenso; (21) Na decisão do pedido de revisão, referido em T, foi mantido o valor previamente apurado pelos serviços de inspecção tributária de € 507 731,71 para o exercício de 2005 e de € 497 448,85, para o exercício de 2006 – fls. 456 a 468 do processo administrativo apenso; (22) Na sequência de acção de inspecção, a Impugnante foi notificada da liquidação de IRC e juros compensatórios, relativa ao ano de 2005 n.° 2009 8310010209, no montante a pagar de € 140 404,46 – cfr. fls. 32; (23) Na sequência de acção de inspecção, a Impugnante foi notificada da liquidação de IRC e juros compensatórios, relativa ao ano de 2006 n.° 2009 8310010217, no montante a pagar de € 141 139,10 – cfr. fls. 35; (24) A Impugnante entregou em 2008, declaração de cessação de actividade, declarando a cessação em IVA, em 01/01/2006, "nos termos do artigo 33.°, n.° 1, alínea a) do CIVA" – cfr. declaração de cessação a fls. 38 a 40 dos autos e print de fls. 481 e fls. 489 a 493 do processo administrativo tributário apenso. Aditam-se, nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do CPC, os seguintes factos: Pasta de arquivo preta, com a indicação “facturas corrigidas ... 2006”, contendo vários documentos Pasta de arquivo verde, com a indicação “Análises 2006 Vendas Custos”, contendo vários documentos Pasta de arquivo verde, com a indicação “Vendas 2005/2006” contendo vários documentos * b) De Direito A única questão que importa apreciar diz respeito ao segmento da sentença que considerou procedente a impugnação no que toca à liquidação do ano de 2006. A Fazenda Pública não se conforma com o entendimento vertido na sentença, que considerou que as informações obtidas através do VIES não eram suficientes por si sós, sem outros dados obtidos internamente, para suportar a referida liquidação. A tese da FP é de que as informações fornecidas pelo VIES são fidedignas, visto que nenhum operador económico iria inscrever operações que não tivesse realizado. Será assim? Passemos a enquadrar a situação no contexto do funcionamento do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias. Em traços gerais, poderemos caracterizar o regime geral das transacções intracomunitárias de bens da seguinte forma(i): a) Aplica-se a todas as transacções intra-UE de bens efectuadas entre sujeitos passivos do imposto, independentemente do tipo de bem em causa, desde que este tenha sido expedido ou transportado de um Estado-Membro para outro Estado-Membro; b) A transmissão intra-UE de bens, à semelhança das operações de exportação, é isenta no Estado-Membro de origem, i.e., no Estado-Membro onde se iniciou a expedição ou transporte do bem com destino a um outro Estado-Membro, conferindo o direito à dedução do IVA suportado a montante para a respectiva realização (isenção completa); c) A aquisição intra-UE de bens, à semelhança das operações de importação, é uma operação tributável no país de destino, ou seja, o Estado-Membro onde termina a expedição ou transporte do bem, conferindo o direito à dedução do IVA liquidado; d) Deixa de existir a intervenção dos serviços aduaneiros, dado o desaparecimento das fronteiras fiscais e passa a ser o sujeito passivo que faz a aquisição intracomunitária de bens quem liquida o IVA. Ou seja, passa a existir, também neste caso, uma autoliquidação do IVA; e) Os sujeitos passivos que fazem transacções intra-UE de bens, passam, assim, a ter como novas obrigações”, em geral: – A liquidação do imposto devido nas aquisições intra-UE; – Uma nova obrigação declarativa: o envio de um anexo recapitulativo das transmissões intra-UE de bens que efectuaram no seu período de tributação (que, entretanto, passou a ser uma declaração recapitulativa); – Novos requisitos a constar das facturas, designadamente, a aposição do prefixo dos Estados-Membros do transmitente e do adquirente, seguido dos respectivos números de identificação fiscal e a indicação do local de destino das mercadorias; f) Como mecanismos de controlo substitutivos das fronteiras fiscais temos, sobretudo, o sistema VIES de troca de informações sobre as transacções intracomunitárias de bens e os instrumentos estatísticos, para além dos mecanismos de cooperação administrativa já existentes. O VIES – VAT Information Exchange System – é um sistema de intercâmbio electrónico de transmissão de informações relativas ao registo do IVA dos operadores económicos situados na União Europeia e das entregas comunitárias de bens isentas (cfr. art.º 138.º da Directiva 2006/112/CEE ou Directiva IVA), sendo estas transmitidas pelo sistema VIES às administrações tributárias dos Estados-Membros envolvidas nas operações, sendo “uma ferramenta indispensável à concretização das operações – transmissões de bens e prestações de serviços intracomunitárias – entre sujeitos passivos com sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio a partir do qual, ou para o qual as mesmas são realizadas, localizados em Estados-membros distintos” (cfr. Ofício-Circulado nº 30.148/2013, de 25 de Julho, da AT). O funcionamento do VIES, isto é, o registo no VIES de uma dada operação por um agente económico depende de um número válido de identificação para efeitos de IVA, dado que ao pedido de registo corresponde uma solicitação ao Estado-Membro que atribui tal número inquirindo da sua validade. Note-se, todavia que, por motivos óbvios ligados ao sigilo, o sujeito passivo quando acede ao sistema VIES não tem acesso à identificação do nome associado ao número de identificação fiscal mas, tão apenas e tão somente, se poderá certificar, através deste sistema, da existência desse numero como válido. Isto é, pode perfeitamente suceder que determinada entidade que faça transmissões intracomunitárias de bens (ou melhor dizendo, transmissões intra-UE), utilize um número de contribuinte existente e válido que não corresponda ao número de contribuinte do sujeito passivo que efectivamente fez as correspondentes aquisições intracomunitárias de bens. Ai reside uma das apontadas fragilidades deste sistema instituído para substituir o mecanismo de controlo físico das mercadorias abolido, como é sabido, a partir de 1 de Janeiro de 1993, como natural consequência da abolição das fronteiras fiscais entre Estados-Membros. O VIES, como ferramenta de cooperação administrativa visa reforçar o combate à fraude no domínio do IVA, sendo essencial na chamada fraude carrossel, a qual depende, em regra, de quatro elementos fundamentais: (i) transmissão intracomunitária de bens isentos de IVA, com direito à dedução do IVA suportado; (ii) aquisição intracomunitária desses bens; (iii) venda desses bens com IVA; e, (iv) não pagamento desse IVA ao Estado. Todavia, a fraqueza do VIES neste combate reside na sua própria estrutura: por um lado as normas nacionais de registo de não residentes não estão harmonizadas ao nível da União Europeia, o que faz com que existam empresas que estão registadas em vários Estados-Membros, nos quais não têm actividade económica ou têm actividade reduzida, o que facilita a existência de empresas fraudulentas; por outro lado os modelos de IVA são preenchidos no fim do mês seguinte ao qual a transmissão intracomunitária de bens ocorreu. Este atraso, em combinação com a isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens, constitui um grande incentivo à prática da fraude carrossel, já que oferece tempo suficiente para que todo o esquema se processe e consequentemente o missing trader(ii) desapareça. Além disso a fiabilidade dos dados transmitidos não é totalmente assegurada, dado que estes dependem das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos. Por isso alguns autores, como Christophe Grandcolas(iii), defendem que o sistema VIES não é adequado para o combate à fraude no IVA. Sendo o VIES incapaz de fornecer dados completamente fiáveis relativos às operações intracomunitárias isentas ou tributadas em sede de IVA, logo se vê que os mesmos não permitem demonstrar, por si sós, a existência ou inexistência de um facto tributário relacionado com o sistema de IVA que, quando se conexiona com mais do que um ordenamento jurídico, implica que a recolha de informação seja realizada em mais do que um país, nos termos do Regulamento (CE) n.º 1798/2003 do Conselho, de 7 de Outubro de 2003 (actualmente substituído pelo Regulamento UE n.º 904/2010), cujo art.º 12.º permite até o controlo simultâneo em relação a mais do que um sujeito passivo. O que fica dito permite concluir que as informações do VIES devem, por regra, ser apoiadas em elementos complementares obtidos em território nacional que demonstrem a existência das operações ou, pelo menos, a sua plausibilidade e que permitam suportar, designadamente, uma liquidação adicional decorrente de uma acção inspectiva. O que não quer dizer que, no caso de não existir qualquer registo contabilístico da ou das operações no(s) operador(es) interno ou outro elemento probatório adicional obtido em território nacional, tais informações devam ser pura e simplesmente desconsideradas. Tudo depende das circunstâncias de cada caso concreto e, nomeadamente, do grau de credibilidade das declarações apresentadas pelo sujeito passivo e da colaboração prestada por este e da existência ou não dos pressupostos para a passagem para a fixação da matéria tributável por métodos indirectos. Vejamos então o caso presente. Consta do sistema VIES que a recorrida efectuou aquisições intracomunitárias de mercadorias no ano de 2006, correspondentes a transmissões intracomunitárias de bens efectuadas por um sujeito passivo francês. Considerando que o registo das transacções no sistema VIES, efectuado pela entidade vendedora no país de origem daquelas, depende de um número de identificação válido sem o qual o próprio sistema recusa o registo, não parece credível que tal registo fosse efectuado sem que as mercadorias tivessem sido adquiridas, efectivamente transmitidas e expedidas para Portugal. Na verdade, como referimos, a inscrição no registo, se bem que possa permitir ao vendedor/transmitente a dedução do IVA em que incorreu e o isente de liquidar o IVA a jusante (cfr. art.º 138.º da Directiva IVA), não é inócua para efeitos de tributação, já que faz recair sobre o vendedor/transmitente os proveitos correspondentes, colocando-o assim no campo da incidência de normas tributárias sobre o rendimento. Mas, como se disse, só com estes elementos não poderia imputar-se à recorrida a aquisição intracomunitária dos bens, pois bem poderia suceder que se tratasse de um registo simulado com propósitos fraudulentos. Mas existem na situação controvertida elementos que nos permitam chegar a tal conclusão e duvidar da veracidade dos elementos constantes do sistema VIES? Acontece, que, não obstante a inspecção tributária ter afirmado que em relação ao ano de 2006 não foi possível obter uma amostragem dos clientes, se deverá sublinhar que existem elementos no PA apenso que indiciam com segurança a continuação da actividade económica da recorrente no ano de 2006, permitindo concluir nesse sentido. Com efeito, no caso concreto existem vários factos que permitem concluir por um comportamento inadequado por parte do sujeito passivo. Desde logo, estamos perante um caso de efectiva recusa de exibição da escrita. Acresce que existem factos concretos que permitem concluir que a recorrida se furtou não só às suas obrigações declarativas como manteve ao longo do tempo uma postura a propender para a evasão fiscal. Neste contexto, não pode o julgador sobrelevar a falta de apresentação de elementos de prova concretos cuja impossibilidade de obtenção resulta dessa conduta evasiva e duma clara intenção fraudatória, expressa na recusa de exibição da contabilidade; pelo contrário, deve relevar os indícios seguros que tenham sido coligidos para, em conjugação com os elementos objectivos de prova apurados, extrair a conclusão fáctica que a aplicação das presunções judiciais previstas no art.º 349.º do Código Civil permite suportar. O que, no caso em concreto, se resume a sopesar o acervo informativo obtido através do VIES, conjuntamente com outros dados constantes do PA e que se faz referência no ponto (25) do probatório, levando ainda em conta que a cessão de actividade da recorrida/impugnante só foi efectuada mais de dois anos depois do inicio do ano a que respeita, ou seja, depois do procedimento inspectivo ter sido ordenado. Registe-se até que, contrariamente ao que é alegado nos artigos 11.º e ss. da petição inicial, resulta da informação de fls. 564 e ss. do PA que a análise dos computadores só foi possível até ao momento em que o funcionário da ... se apercebeu que a visada era efectivamente esta entidade e não a ... , tendo então encerrado os computadores e impedido a continuação da recolha de elementos. Em suma, não merecendo a contabilidade da recorrida qualquer credibilidade, sendo total a sua falta de colaboração, face aos demais elementos constantes do PA e já referidos, não pode deixar de se concluir pela veracidade das informações obtidas através do VIES, e, consequentemente, considerar que a liquidação adicional relativa ao ano de 2006 não enferma de qualquer ilegalidade. Acresce que, quando devidamente fundamentadas e se baseiem em critérios objectivos, tais informações têm a força probatória que o art.º 76.º, n.º 1, da LGT, lhes confere, pois como refere António Lima Guerreiro em lado algum o legislador consagrou “o carácter ilimitado da força probatória das declarações ou escrita do contribuinte caso em que, aliás, a actividade inspectiva perderia todo o sentido, por inútil. Se a força probatória das declarações do contribuinte fosse “ilimitada” só pagaria impostos quem quisesse”(iv). Tendo essa força probatória, não basta a mera impugnação dos factos a que respeitam para descredibilizar esses meios de prova; ora no caso concreto o que a recorrida se limitou a fazer foi afirmar que a inspecção não cruzou os dados obtidas no VIES com dados que poderia ter recolhido em Portugal (cfr. artigos 181.º e ss. da PI). O que é insuficiente para por em crise referida força probatória das informações, sendo certo que a Inspecção se confrontou com a recusa de exibição e falta de colaboração da recorrida, conduta que de resto legitimou o recurso a métodos indirectos in casu. Neste contexto competia à recorrida provar que as informações do VIES não eram verdadeiras e não à Inspecção comprovar (adicionalmente) a sua veracidade. Ora, limitando-se a recorrida negar as informações sem alegar e provar factos que verdadeiramente pudessem por em causa a eficácia probatória legal de tais informações, tem de concluir-se que não cumpriu o ónus que sobre si recaía e que, por isso, essas informações fazem prova plena quanto aos factos tributários a que respeitam. Em resumo e para concluir, o recurso merece provimento, o que implica revogar a sentença na parte em que anulou a liquidação adicional referente a 2006, julgando-se totalmente improcedente a impugnação. * 3 - Dispositivo Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente improcedente a impugnação. Custas pela recorrida, apenas na 1.ª instância. D.n., incluindo a notificação do acórdão ao processo criminal. Lisboa, 2014-04-30 ________________________________________ (Benjamim Barbosa) ___________________________________________ (Anabela Russo) _________________________________________ (Joaquim Gameiro) |