Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:502/21.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
LEGITIMIDADE PROCESSUAL ATIVA
INTERESSE LEGALMENTE PROTEGIDO
Sumário:I - Têm legitimidade para intervir no processo judicial tributário os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
II - Não é titular de um interesse passível de justificar a sua intervenção e para ser admitido a discutir a legalidade do ato de liquidação, quem não é diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, porquanto não é sujeito passivo da liquidação impugnada, nem é responsável subsidiário.
III - Se qualquer das partes carecer de legitimidade o Tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - Relatório

A., com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou o Impugnante e ora Recorrente, parte ilegítima ativa no processo de impugnação e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, formula as seguintes conclusões:

A. O artigo 9.º do CPPT, que determina que têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
B. Violou o art.º 18.º da LGT. Entende-se que por sujeito passivo se deve ter a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável. No caso dos presentes autos o ora recorrente está a ser responsabilizado criminalmente pelo alegado não pagamento dos impostos. Nessa medida tem a legitimidade que lhe advém do art.º 18.º da LGT.
C.
B. Violou o artigo 9.º, n.º 1 e n.º 3 do CPPT, pois o processo crime, por via do não alegado pagamento de impostos reflecte-se directamente na esfera jurídica do ora recorrente, em termos de responsabilidade penal. Dado que o impugnante é sujeito tributário e interessado na legalidade dos actos tributários que introvertidos nesta acção. E alegou factos que o constituem nessa posição jurídica. Aliás, dá-se aqui como reproduzida a resenha feita nestas alegações, ab initio. O impugnante é responsabilizado pelos impostos em causa de modo directo no processo crime já acima identificado, onde é arguido. Donde resulta que tem todo o interesse pessoal em demandar a acção tributário como demandou nos presentes autos. E foi isso que o ora recorrente fez. Provou que, por via do processo crime contra si instaurado, tem interesse legalmente protegido, o da sua defesa da acusação crime, em que o tribunal afira da legalidade dos actos tributários praticados pela Autoridade Tributária. Verifique-se este é um conceito amplo de legitimidade para o processo judicial tributário que não pode, por via jurisprudencial, vir a ser limitado. Tal limitação jurisprudencial não encontra respaldo nem na letra da lei, nem no seu espírito. A intenção do legislador era mesmo permitir aos cidadãos defenderem-se de actos ilegais da Administração Tribuária.

D. Donde resulta que deve este tribunal decidir pela legitimidade processual do ora recorrente e mandar prosseguir os autos até final, para decisão das restantes questões.

Fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA


A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: (i) se incorre em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou o Impugnante, ora Recorrente parte ilegítima e absolveu a Fazenda Pública da instância; (ii) depois, e em caso de resposta afirmativa, e revogando-se a sentença recorrida, se os autos fornecem os necessários elementos para em substituição, este Tribunal conhecer dos fundamentos da impugnação.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A. Em 2012, a sociedade “A. Sociedade Taurina Lda.” foi objeto de uma ação inspetiva, de âmbito geral, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Setúbal, aos anos de 2009 e 2010, titulada pela Ordem de Serviço n.º OI201201103, da qual resultaram correções tributárias, em sede de IVA, no ano de 2009 (100.266,67 €) e 2010 (90.175,88€), extraindo-se do Relatório de inspeção, o seguinte:

III - 1.2.1.3 M. Lda. NIPC 51….; P., Lda. NIPC 50…; M… Pro Lda. NIPC 50….;
Os clientes cima mencionados, que constam dos anexos O e P, foram notificados para apresentar informações referentes às operações realizadas entre estas empresas e a A. Sociedade Taurina Lda. (…)
A empresa anteriormente designada por M. Importação e Comercio de Parafusos Lda. na resposta apresentou extrato da conta do fornecedor "A. Sociedade Taurina Lda", cópia das faturas, cópia da frentes dos cheques e cópia do protocolo celebrado entre as duas sociedades (Anexo 11 ).

A M., apesar de notificada não respondeu, tendo sido efetuado contacto telefónico posterior, tendo a sociedade solicitado que o pedido de informações fosse efetuado via email, o qual foi enviado em 04-12-2012, não tendo sido obtida qualquer resposta (Anexo 12).
A M. Lda. foi notificada através do oficio nº 13531 de 24-05-2012 para apresentar informações referentes às operações realizadas entre esta empresa e a A. Sociedade Taurina Lda., não tendo sido obtida resposta (Anexo 13).
(…)
III.2.1 CORREÇÕES EM SEDE DE IVA
(…)
Ano 2009:
(…)
IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS

– cf. fls. 64 a 144 dos autos [fls. 9 a 37 – numeração interna do PA], aqui se dando por integralmente reproduzido o teor do Relatório de Inspeção.

B. Na sequência dessa ação inspetiva, foram emitidas liquidações adicionais de IVA, em nome da sociedade “A. Lda.” – cf. fls. 64 a 144 dos autos [fls. 69 a 79 – numeração interna do PA].

C. A 27.04.2013, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 2160 2013 01 045903, contra a sociedade “A. Lda.” para cobrança das liquidações adicionais de IVA decorrentes da ação inspetiva, referida na alínea A) do presente probatório – cf. fls. 64 a 144 dos autos [59 – numeração interna do PA].

D. O processo de execução fiscal referido na alínea antecedente foi preparado para reversão fiscal, mas a mesma nunca se chegou a realizar – cf. fls. 64 a 144 dos autos [66 – numeração interna do PA].

E. O Impugnante é, conjuntamente com a sociedade A., arguido processo n.º 92/13.2IDPRT que corre termos no Tribunal judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Vila do Conde – Juiz 2 –, aí estando em questão a veracidade das faturas n.ºs 313 e 368, emitidas pela sociedade A. Sociedade Taurina Lda. à sociedade M.



- cf. artigo 2.º da petição inicial, não impugnado.


Quanto a factos não provados, a sentença exarou o seguinte:

Não se provaram quaisquer outros factos alegados que, passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das várias possíveis soluções de direito, importe registar como não provados.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consigna:

O Tribunal fundou a sua convicção na análise dos documentos e informações oficiais, constantes do processo administrativo e do suporte físico do processo judicial, que não foram impugnados, para os quais se remete no final de cada facto e que, pela sua natureza ou qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal, bem como no teor da posição expressa pelas partes nos respetivos articulados, conjuntamente com o princípio da livre apreciação da prova.


II.2 Do Direito

O Impugnante e ora Recorrente impugnou judicialmente as liquidações adicionais de IRC e IVA relativas ao ano de 2009, emitidas em nome da contribuinte A…. Sociedade Taurina, Lda., na sequência de ação inspetiva.

Na petição inicial alegou ter sido acusado de, em conjunto com a referida empresa, terem emitido duas faturas que não correspondem a trabalhos efetuados e, logo, do cometimento de um crime de fraude fiscal qualificada.

Na contestação a Fazenda Pública defendeu-se por exceção, alegando que o Impugnante e ora Recorrente não tinha legitimidade para deduzir a presente impugnação judicial, por ser a sociedade e não ele o sujeito passivo das liquidações de imposto impugnadas e as dívidas dos tributos não terem sido contra ele revertidas.

E, a sentença recorrida, louvando-se na jurisprudência deste TCAS, nomeadamente no Ac. TCAS de 2021.03.11, proferido no processo nº 1971/16.0BELRS, deu-lhe razão e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública da instância.

Alega o Recorrente que ao ser constituído arguido, está a ser responsabilizado pelos impostos em causa de modo direto no processo crime para cumprimento da obrigação tributária, passou a ter legitimidade para intentar a presente impugnação, e logo, ter interesse pessoal em demandar a Autoridade Tributária e Aduaneira e deter um interesse legítimo e legalmente protegido, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 9.º do CPPT (cf. artigos 35º a 37º das alegações de recurso).

Vejamos então se o Autor e ora Recorrente tem legitimidade ativa para impugnar judicialmente as liquidações adicionais de IRC e de IVA do ano de 2009, da sociedade A… Sociedade Taurina, Lda., da qual era gerente.

Dispõe o artigo 18/3 da Lei Geral Tributária (LGT): o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.

E, diz o artigo 9º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT):
Artigo 9.º
Legitimidade
1 - Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
2 - A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal.
3 - A legitimidade dos responsáveis subsidiários resulta de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários.
4 - Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.

Em princípio, são, pois, partes legítimas o titular ativo e o titular passivo da relação material controvertida.



Além da administração tributária, têm, assim, legitimidade no processo judicial tributário, os contribuintes incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.

Como expende Jorge Lopes de Sousa (1) em anotação a este artigo 9º CPPT:

«Em matéria tributária, é de considerar ser titular de um interesse susceptível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser directamente afectado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico (2) (…), o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que lhes disserem respeito (art. 267.º, n.º 5, da CRP), como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão directa na sua esfera jurídica .
Para haver legitimidade, estes interesses têm de ser afectados, positiva ou negativamente, pela decisão que possa ser tomada no procedimento tributário.»

Ora, no caso, o ora Recorrente não é o sujeito passivo da relação jurídica tributária vinculado ao cumprimento da prestação tributária, não é o responsável subsidiário não tendo sido ordenada contra si a reversão no âmbito do processo de execução fiscal e não é, pois, titular de um interesse legalmente protegido, porquanto não é na sua esfera jurídica que se projetam os atos de liquidação impugnados.

Não é assim titular de um interesse passível de justificar a sua intervenção e para ser admitido a discutir a legalidade do ato de liquidação, na medida em que não é diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, porquanto nem é sujeito passivo da liquidação impugnada, nem é responsável subsidiário.

Como é entendimento jurisprudencial: “A legitimidade activa em recurso contencioso pressupõe a existência de um interesse directo, pessoal e legítimo em impugnar. Não se verifica a existência de tal interesse directo se o benefício decorrente da anulação do acto não tiver uma «repercussão imediata no interessado» mas apenas mediata, eventual ou meramente possível”(3) (Apud: acórdão do STA de 16-6-99, processo n.º 23630).

No mesmo sentido veja-se, a título meramente exemplificativo o recente acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 2021.01.28, Proc nº 1894/18.9BELRS.

Desde já adiantaremos que a sentença recorrida não é merecedora da censura que lhe é feita. Diz no segmento que aqui nos interessa:

(…)
No que concerne à legitimidade processual, importa, por um lado, saber quem são os sujeitos da relação jurídica controvertida, isto é, quem são as pessoas a quem a relação realmente respeita, assumindo que esta (relação) existe tal qual o autor a representou; e, por outro lado, a posição dessas pessoas em face do processo em concreto, ou seja, o interesse de cada uma delas em determinado processo.
Neste desiderato, “[a] legitimidade processual singular é, pois, uma qualidade adjectiva da parte processual definível como a titularidade, activa ou passiva, de um conteúdo assente num interesse em agir para a prossecução ou contestação de um determinado objecto inicial do processo.
Assim, se a legitimidade, processualmente encarada, não constitui uma qualidade pessoal das partes, referente aos processos em geral, mas uma posição delas em face do processo concreto (…) ser parte legítima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível (A. Varela, Man. Proc. Civ., l.ª ed.-122; 2.ª ed.-129). A parte terá legitimidade como autor se for ela quem juridicamente pode fazer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida (ibid.).” – cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 03783/10, datado de 09.03.2010, disponível para consulta em www.dgsi.pt
Em face do disposto no artigo 9.º do CPPT, têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
Nesse contexto, entende-se por sujeito passivo a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável (cf. artigo 18.º, n.º 3 da LGT).
No caso concreto, o sujeito passivo de imposto é a sociedade Aficcion, a pessoa coletiva da qual se exige o cumprimento da prestação tributária.
Ao invés, a legitimidade dos responsáveis subsidiários resulta de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários (cf. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT).
Contudo, compulsados os autos, constata-se que o ora impugnante não é revertido no processo de execução fiscal subjacente aos atos tributários que visa impugnar.
Dito de outra forma, a Administração Tributária nunca exigiu do Impugnante, direta ou subsidiariamente, o pagamento referente aos atos tributários que tiveram como destinatário (sujeito passivo) a sociedade A…, ora controvertidos.
A este respeito, cumpre ainda assinalar que “[r]ecai sobre o interessado o ónus de alegar os factos que integram a sua legitimidade que, no caso da impugnação de actos de liquidação se limitam à sua identificação no acto como sujeitos passivos do tributo liquidado.” – cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo n.º 02025/11.1BEPRT, datado de 26.03.2015, disponível para consulta em www.dgsi.pt
Ademais, em termos que se acolhem e subscrevem, na esteira da jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, em especial no que concerne à (in)existência de interesse legalmente protegido, veja-se o seguinte:
“Nos termos do disposto nos nºs. 1 e 4 do art. 9º do CPPT, têm legitimidade no processo judicial tributário, além da AT, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais, quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.
Ora, dado o acima exposto, mesmo perante este conceito amplo de legitimidade para o processo judicial tributário (quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido) e perante o próprio conceito de interesse legalmente protegido, não se vê que tal pressuposto processual possa ser atribuído à recorrente: nem é sujeito passivo da liquidação impugnada, nem é responsável subsidiária (não está a ser responsabilizada subsidiariamente pois não foi contra ela ordenada reversão no processo de execução fiscal - nº 4 do art. 23º da LGT; nº 3 do art. 9º do CPPT), nem, conforme acima se concluiu, é titular de interesse legalmente protegido, na medida em que, por um lado, como bem refere o MP, o acto tributário de liquidação (autoliquidação), objecto desta impugnação judicial, projecta os seus efeitos na esfera jurídica e patrimonial do sujeito passivo de IVA, sociedade B……., Lda. e não na esfera jurídica e patrimonial da recorrente, mera representante legal dessa sociedade e, por outro lado, a notificação que lhe foi feita no âmbito do processo 177/06.11DLSB a correr termos no 2º Juízo Criminal de Loures não incorpora qualquer liquidação de imposto operada em nome da recorrente, nem lhe confere legitimidade para intervenção no processo judicial tributário.”(destacados nossos) – cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 1971/16.0BELRS, datado de 11.03.2021, disponível para consulta em www.dgsi.pt
Com efeito, em rigor, e em face do exposto, os atos tributários ora controvertidos não se refletem, direta ou indiretamente, na esfera jurídica e patrimonial do Impugnante.
Por último, refira-se ainda que as faturas n.ºs 313 e 368 emitidas pela sociedade Aficcion, cuja veracidade (ou falta dela) o Impugnante assume como objeto do processo crime tramitado no Tribunal judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Vila do Conde – Juiz 2, não se encontram tratadas, em concreto, em sede do procedimento inspetivo subjacente às liquidações ora controvertidas – cf. alínea A) da factualidade assente.
Por assim ser, forçosa é a conclusão que o Impugnante, não sendo sujeito passivo dos atos tributários controvertidos, nem responsável solidário ou subsidiário pelo pagamento dos mesmos, não detém legitimidade para a presente ação.
A ilegitimidade constitui uma exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da Fazenda Pública da instância, nos termos dos artigos 577.º, alínea e) e 576.º, n.º 2 e 278.º, n.º 1, alínea d), do CPC aplicável “ex vi” artigo 2.º alínea e) do CPPT.
Sentido no qual adiante se decide.
A solução dada à presente questão concretamente conhecida prejudica o conhecimento de outras questões.
(…)

A sentença recorrida encontra-se bem fundamentada e segue a jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Sul sobre a matéria, concluindo, a nosso ver bem, que a notificação efetuada no âmbito do processo de inquérito/criminal não confere ao Autor, ora Recorrente, legitimidade para intervir no processo judicial tributário e impugnar as liquidações adicionais de IRC e de IVA do ano de 2009.

Acresce, neste âmbito, que o próprio, o interesse em agir é um requisito que tem de ser verificado no momento do exercício do direito de ação, e tal como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2012.11.28, proferido no proc. n.º 0648/12, disponível em www.dgsi.pt, não foi ainda proferido - e pode nem vir a ser - na execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da dívida, despacho de reversão contra si.

Se e quando a execução fiscal for contra si revertida poderá, então, exercer os direitos conferidos aos executados e/ou impugnar as liquidações.

A sentença recorrida não merece, pois, a censura que lhe foi feita, e não enferma do erro de julgamento que o Recorrente lhe imputa.

Assim, e sem necessidade de maiores considerações, conclui-se que o presente recurso não merece provimento.

Na verdade, tendo verificado que o Impugnante carecia de legitimidade para demandar, por não ser o sujeito passivo da relação tributária ou titular de um interesse legalmente protegido, o Tribunal deve abster-se de mais conhecer e absolver a Impugnada da instância.

Improcede, pois, o recurso, e confirma-se, nesta parte, a sentença recorrida, ficando prejudicadas as questões relativas ao mérito da impugnação.


Sumário/Conclusões:

I. Têm legitimidade para intervir no processo judicial tributário os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
II. Não é titular de um interesse passível de justificar a sua intervenção e para ser admitido a discutir a legalidade do ato de liquidação, quem não é diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, porquanto não é sujeito passivo da liquidação impugnada, nem é responsável subsidiário.
III. Se qualquer das partes carecer de legitimidade o Tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, que decaiu.

Lisboa, 16 de fevereiro de 2023
Susana Barreto

Patrícia Manuel Pires

Jorge Cortês




_____________________
(1)Aut. Cit., CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO: Anotado e Comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág. 120
(2)No sentido de a fórmula «interesse legalmente protegidos» ter, quando comparada com a fórmula «interesse legítimo», potencialidade expansiva para abranger todas as situações de vantagem» derivadas do ordenamento jurídico, podem ver-se J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, de 3.º edição, página 937.”
(3)Op. Cit, pág. 135