Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07929/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/05/2015
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:GARANTIA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I – A Administração está vinculada ao conteúdo dos seus próprios actos unilaterais (princípio da auto-vinculação) e está obrigada a respeitar os efeitos resultantes das situações jurídicas que ela própria definiu aos particulares pela prática de actos unilaterais, concretos e definitivos.
II – Pretendendo o Executado obter a dispensa de garantia é sobre si que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, por se tratar de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
III – O não estabelecimento de uma inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344.º do Código Civil, revela claramente que a dificuldade de prova dos factos negativos comparativamente com a dos factos positivos, comumente reconhecida, não foi atendida pelo legislador no momento em que cometeu ao executado a prova da sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens.
III – Todavia, a consciência da acrescida dificuldade da prova de factos negativos não pode deixar de ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, a quem está imposto nesta situação um especial dever de ponderação, de relacionamento e valoração dos factos apurados (principais e instrumentais), sendo dessa menor exigência probatória e especial dever de ponderação que há-de resultar o necessário juízo quanto à elevada probabilidade de a conclusão de direito a alcançar (ausência de culpa) se verificar.
IV - Se a Administração Fiscal, na pendência da execução, e após ter procedido à penhora de todos os bens (moveis e imóveis) da Executada, excepto os saldos das suas contas bancárias e os créditos sobre clientes detidos pela devedora, a dispensa, por despacho de Novembro de 2011, da prestação de garantia quanto ao valor remanescente (não garantido), julgando verificados os requisitos de insuficiência de bens e irresponsabilidade da devedora nessa situação, não pode, um ano depois, comprovado pela Executada que a sua situação financeira e patrimonial é idêntica e que a sua conduta empresarial não sofreu qualquer alteração, indeferir “a renovação” desse pedido de dispensa com fundamento numa eventual responsabilidade por aquela insuficiência anterior à instauração da própria execução.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

“....................................................., LDA”, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação por si apresentada contra o acto praticado pelo órgão de execução fiscal pelo qual lhe foi indeferido o pedido de dispensa parcial da prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal n.º.......................... e aps, que contra si foi insaturada para cobrança de dívidas provenientes de actos de liquidação adicional de IRC, dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, no montante de 1.456.141,21.

Termina as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

«A) - A douta sentença recorrida julgou improcedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento do pedido de dispensa parcial de garantia com fundamento na recorrente não ter feito prova de que não foi por culpa sua que o património é insuficiente para prestação de garantia.

B) - Entendimento adotado na douta sentença recorrida da falta de prova de culpa da recorrente, por não ter sido demonstrada de forma inequívoca e direta uma relação necessária entre o montante das dívidas e o património do devedor.

C) - Entendimento este, da forma de provar a falta de culpa do devedor na insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis, que torna inexequível o uso do direito à dispensa de garantia.

D) - Com efeito, a exigência ao devedor fiscal de uma relação necessária entre o montante da dívida e o seu património e que demonstre que não tem culpa na insuficiência ou inexistência de património para prestação de garantia apenas é exigível quando se trate de dívidas por si declaradas e ou apuradas.

E) - Tratando-se de dívidas que provêm de liquidações adicionais (como é o caso dos autos) não é possível nem exigível que o devedor prove a existência duma relação necessária entre o montante da dívida e o seu património para que não seja responsabilizado pela prestação de garantia.

F) - Resultando o maior ou menor património do devedor da conjugação de diversos fatores, quer internos quer externos à própria empresa, aquele não conseguirá dar cumprimento ao requisito da prova de falta de culpa na insuficiência de património para prestação de garantia ao credor tributário na estrita medida em que ele próprio não controla os fatores do seu crescimento.

G) - Atendendo a que a quantificação e valorização, em termos contabilísticos, do valor de uma empresa é dado pelo valor da sua situação líquida, significa que aquela que apresente anualmente valores de situação líquida positivos idênticos de uns anos para outros usufrui de estabilidade.

H) - Usufruindo de estabilidade o devedor que apresenta uma situação líquida positiva, tal fato traduz que não é por culpa sua que o património é insuficiente para prestar garantia.

I) - Encontrando-se provado nestes autos que o património da recorrente é igual antes e depois da instauração das execuções fiscais, a recorrente apenas vislumbra que lhe seja possível demonstrar que a insuficiência de bens para prestar garantia não é da sua responsabilidade mediante a invocação de fatos que não lhe permitiram que antes da prestação de garantia estivesse ao seu alcance ter aumentado o seu património, de modo a que este fosse suficiente para garantia da dívida.

J) - Só que a invocação dos factos que não permitiram ao devedor ter obtido o património que fosse suficiente para garantia da dívida pressupõe uma condição que não é controlável nem previsível pelo próprio devedor.

K) - O fato de competir ao devedor provar que não foi por culpa sua que o património não é insuficiente ou inexistente para prestar garantia, terá de ter em conta um grau de exigência menor e inferior na avaliação e julgamento da própria prova.

L) - Encontrando-se penhorado e hipotecado todo o património da empresa de natureza móvel e imóvel, excepto os créditos de clientes e as contas bancárias, cujos valores são muito inferiores ao próprio valor a garantir de € 1.300.716,80, e não tendo a recorrente praticado atos destinados a colocá-la em condições de não ter meios para prestar garantia à Autoridade Tributária, tal circunstancialismo traduz uma situação de falta de responsabilidade do devedor pela insuficiência de bens penhoráveis para garantia da dívida.

M) - A douta sentença recorrida violou a parte final do nº 4 do artigo 52º da LGT.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências».

A Fazenda Pública apresentou contra-alegações que encerrou com o seguinte quadro conclusivo:

«I. A douta sentença recorrida julgou improcedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento do pedido de dispensa parcial de garantia por não estar reunido o pressuposto a que alude a parte final do artigo 52º, nº4, da LGT;

II. Se bem compreendemos, o ora R. alega apresentar uma situação económico financeira estável nos últimos anos para daí inferir a sua alegada irresponsabilidade pela insuficiência do património para garantir a dívida exequenda;

III. O Mmº Juiz o quo concluiu o seu douto entendimento no sentido de que a reclamante não convocou factos que permitissem sustentar que a insuficiência de bens não era da sua responsabilidade, pois que se limitou a alegar que o património que existia antes da data limite de pagamento das dívidas em execução era o mesmo património que está penhorado e hipotecado pelas Finanças e a alegar que a situação anual económica e fiscal da reclamante, nos últimos exercícios, se teria mantido idêntica.

IV. O facto do património ser o mesmo no momento anterior e posterior à instauração, não foi entendido pelo Mmº Juiz como permitindo evidenciar que a insuficiência de bens não foi da sua responsabilidade.

V. Pois, ainda segundo o entendimento do Mmº Juiz, o legislador pretendeu estabelecer uma relação necessária entre o montante das dívidas tributárias e o património do devedor tributário.

VI. Ora, com o devido respeito, o entendimento do ilustre julgador deve prevalecer na ordem jurídica.

VII. Com efeito, a estabilidade da situação patrimonial da sociedade nos últimos anos não consubstancia um facto de onde se possa inferir, com o devido respeito, a irresponsabilidade da executada na insuficiência do património.

VIII. Imagine-se, por mera hipótese académica, que a situação patrimonial da sociedade poderia inclusivamente ter sofrido uma diminuição considerável devido a ter cumprido com o pagamento da dívida exequenda de determinado processo de execução fiscal.

IX. Outrossim, a situação financeira aparentemente estável da sociedade poderia, com o devido respeito, significar, tal como a FP pugnou em articulados anteriores, que a sociedade não apresenta uma situação de insuficiência patrimonial e que os montantes que constam das rubricas de capital próprio da sociedade poderiam ter sido relevados para esse efeito.

X. Vem ainda a R., nesta sede, alegar não ser possível nem exigível ao devedor a prova com base na existência duma relação necessária entre o montante da dívida e o seu património, quando se está perante dívidas provenientes de liquidações adicionais.

XI. Acontece, porém, que a informação sobre a proveniência das dívidas tributárias não consta da matéria dada como provada.

XII. Nem tão pouco se tratou de matéria levada ao probatório, pois nem sequer foi indicada na petição inicial.

XIII. Pelo que o Mmº Juiz a quo não poderia, inevitavelmente, valorar tal factualidade no seu douto juízo.

XIV. Pelo exposto, entende a Fazenda Pública que a decisão sob recurso deve ser integralmente cumprida, porque de JUSTIÇA e de DIREITO».

Por Acórdão de 19 de Novembro de 2014, o Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do mérito do recurso, atribuindo a competência para esse efeito a este Tribunal Central Administrativo.

Recebidos os autos neste Tribunal Central, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer aí concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza do processo (artigo 707º do CPC e artigo 278º, nº5 do CPPT), cumpre agora apreciar e decidir, visto a tal nada obstar.

2. Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n°1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, o objecto do mesmo se esgota numa única questão: saber se, face aos factos que nos autos se mostram apurados, o Tribunal a quo errou ao julgar que a Reclamante não logrou provar que a insuficiência do património para solver os créditos exequendos não lhe era imputável e, consequentemente, ao declarar improcedente com esse fundamento a presente reclamação.

3. Fundamentação de facto

Em 1ª instância foram considerados como relevantes e provados para a apreciação e decisão da causa os seguintes factos:

A. No dia 10-6-2011, foram instaurados no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha os processos de execução fiscal n°........................ e apensos (............................... e .......................................), contra a reclamante, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de atos de liquidação de IRC de 2007, 2008 e 2009, no montante global de € 1.456.141,21 (um milhão, quatrocentos e cinquenta e seis mil, cento e quarenta e um euros, e vinte e um cêntimos - processo de execução fiscal apenso).

B. Na sequência de despacho do chefe de finanças datado de 6-9-2011, para garantia da quantia mencionada no ponto anterior, foi efectuada a penhora dos seguintes bens:

1 - Veículos automóveis com as matrículas .................., ......................., .............., .............., ................., ............... e .....................

O imobilizado constante do seu mapa de amortizações, com o valor líquido de €105.720,60.

2 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................. sob o artigo ..........., com o VPT actual de € 53.858,70, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

3 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ........... sob o artigo .........., com o VPT actual de € 53.858,70, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

4 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................. sob o artigo ..........., com o VPT actual de € 34.496,88, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

5 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................ sob o artigo ........., com o VPT actual de €50.837,50, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

6 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .................... sob o artigo ........, com o VPT actual de € 29.589,50, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

7 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ............... sob o artigo ........., com o VPT actual de €82.211,50, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

8 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................. sob o artigo ........., com o VPT actual de € 64.926,75, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

9 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................ sob o artigo ........, com o VPT actual de € 7.179,50, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

10 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................... sob o artigo ........, com o VPT actual de € 6.681,50, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

11 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................... sob o artigo .........., com o VPT actual de € 12.543,38, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

12 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................... sob o artigo ............., com o VPT actual de € 12.149,13, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

13 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................. sob o artigo ........, com o VPT actual de € 6.847,50, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

14 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ..................... sob o artigo ..........., com o VPT actual de € 4.731,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

15 - Fracção autónoma designada pela letra "......" do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................... sob o artigo ........., com o VPT actual de € 4.731,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

16 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .................. sob o artigo .........., com o VPT actual de € 3.133,25, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

17 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................. sob o artigo ......., com o VPT actual de € 5.270,50, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

18 - Fracção autónoma designada pela letra "..." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................ sob o artigo ......., com o VPT actual de € 9.011,13, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

19 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................ sob o artigo .........., com o VPT actual de € 5.218,63, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

20 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .................. sob o artigo .........., com o VPT actual de €4.575,38, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

21 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .................. sob o artigo .........., com o VPT actual de € 3.631,25, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

22 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ............. sob o artigo .........., com o VPT actual de € 51.870,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

23 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da................. sob o artigo ........., com o VPT actual de € 7.096,50, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

24 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .................. sob o artigo ........., descrita na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n ° ....... / .............. — P, com o VPT actual de € 4.295,25, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

25 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .................. sob o artigo ........., descrita na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n º ........ / ................— O, com o VPT actual de € 5.426,13, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

26 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................. sob o artigo ........., descrita na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n º ......... / .................— R, com o VPT actual de € 4.253,75, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

27 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ............... sob o artigo ........, com o VPT actual de € 19.910,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

28 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ...................... sob o artigo ........., com o VPT actual de € 59.280,00, a qual, com exceção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

29 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................. sob o artigo ........, com o VPT actual de E 47.670,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

30 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................ sob o artigo ......., com o VPT actual de € 34.700,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

31 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................. sob o artigo ........, com o VPT actual de € 53.720,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

32 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .................. sob o artigo .........., com o VPT actual de € 47.670,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

33 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .................. sob o artigo ........., com o VPT actual de € 34.700,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

34 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................. sob o artigo ........, com o VPT actual de € 53.720,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

35 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .................. sob o artigo ........., com o VPT actual de € 47.670,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

36 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .................. sob o artigo ......., com o VPT actual de € 34.700,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

37 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................ sob o artigo ........., com o VPT actual de € 53.720,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

38 - Fracção autónoma designada ela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia de ...................... sob o artigo ........, com o VPT actual de € 15.772,91, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontra livre de ónus e encargos.

39 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................. sob o artigo ........ com o VPT actual de € 29.340,50, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontrava livre de ónus e encargos.

40 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .............. sob o artigo ....... com o VPT actual de € 20.117,13, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontrava livre de ónus e encargos.

41 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ............... sob o artigo ........, com o VPT actual de € 103.640,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontrava livre de ónus e encargos.

42 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ................ sob o artigo ........, com o VPT actual de € 7.947,25, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontrava livre de ónus e encargos.

43 - Moradia unifamiliar inscrita na matriz da freguesia de ........................ sob o artigo ........., com o VPT actual de € 86.150,00, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontrava livre de ónus e encargos.

44 - Fracção autónoma designada pela letra "....." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da ............. sob o artigo ........., com o VPT actual de € 3.631,25, a qual, com excepção das penhoras e hipotecas legais a favor da Fazenda Nacional, se encontrava livre de ónus e encargos.

45 - Fracção autónoma designada pela letra "...." do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia da .................. sob o artigo .........., descrita na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o nº .......... / ............ — P, com o VPT actual de € 4.295,25, a qual, com excepção das penhoras a favor da Fazenda Nacional, se encontrava livre de ónus e encargos (fls. 257/420 do PEF apenso).

C. No dia 3-11-2011, ponderado o valor global dos bens identificados no ponto B (€ 947.709,48) e o valor da garantia a prestar (€ 2.361.426,20), o chefe de finanças proferiu despacho a determinar a penhora do activo imobilizado da reclamante (fls. 438 do PEF apenso).

D. No dia 4-10-2011, o chefe de finanças proferiu despacho ordenando a constituição de hipotecas legais sobre os veículos automóveis identificados no ponto C (fls. 452 do PEF apenso).

E. Na mesma data, foi efectuada a penhora de bens móveis encontrados na sede da reclamante, descritos a fls. 455 do PEF apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aos quais foi atribuído o valor de € 113.000,00 (fls. 455 do PEF apenso).

F. No dia 6-10-2011, o chefe de finanças proferiu despacho ordenando a constituição de hipotecas legais sobre os bens imóveis identificados no ponto C (fls. 472 do PEF apenso).

G. No dia 2-11-2011, o chefe de finanças proferiu o despacho constante de fls. 702 do PEF apenso, determinando a concessão de dispensa parcial da garantia à reclamante, no valor de €1.300.716,80, com suspensão da execução fiscal, considerando estar penhorado todo o património da empresa de natureza móvel e imóvel, e a prestação de garantia bancária poder determinar encargos ou prejuízos irreparáveis, uma vez que a reclamante requereu que não fossem penhorados todos os créditos e contas bancárias, por risco de encerramento (fls. 702 do PEF apenso).

H. No dia 7-1-2013, a reclamante requereu a renovação da dispensa de prestação de garantia relativamente à parte não garantida pelas penhoras efectuadas no processo de execução fiscal, considerando que a dispensa parcial de garantia havia caducado e mantendo-se os pressupostos que justificaram a anterior concessão (fls. 810/821 do PEF apenso).

I. No dia 1-2-2013, o chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Leiria proferiu despacho de indeferimento deste requerimento, por extemporaneidade do pedido e não verificação dos pressupostos da dispensa, com os termos que constam de fls. 930 do PEF apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 930 do PEF apenso).

J. Apresentada reclamação junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, processo n.°426/13.0BELRA, foi a mesma julgada improcedente, por decisão datada de 17-6-2013, já transitada em julgado (fls. 18/21).

K. No dia 16-4-2013 a reclamante apresentou pedido de dispensa parcial de garantia relativamente à parte não garantida pelas penhoras e hipotecas legais efectuadas no processo de execução fiscal com fundamento em facto superveniente (fls. 106/125).

L. No dia 9-5-2013, o chefe da Divisão da Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Leiria proferiu despacho de indeferimento do pedido mencionado no ponto antecedente, do qual consta o seguinte:

- "Quanto ao mérito da questão, mantêm-se os pressupostos da primeira petição onde recaiu o meu despacho de 1 de fevereiro do corrente e que levaram ao indeferimento da petição (...) [A] executada não logrou provar o prejuízo irreparável que a prestação da garantia lhe poderia causar, desde logo porque não resulta da petição os encargos que a mesma lhe acarretaria caso fosse apresentada (fosse ela qual fosse). Quanto à insuficiência de bens penhoráveis esta é somente um indício de uma possível falta de meios económicos pelo que aquela não determina necessariamente esta, sendo que ficou por demonstrar o nexo de causalidade entre eles. Mesmo que qualquer destes requisitos se verificasse (prejuízo irreparável ou falta de meios económicos) ficou por demonstrar a ausência de responsabilidade da executada na inexistência ou insuficiência de bens. (...) Com esses fundamentos indefiro o pedido com base no n.°3 do art.170° do CPPT, não reconhecendo o direito à isenção da garantia no n°4 do art.52° da LGT" (fls. 150/153).

M. Em 31-12-2011, a reclamante tinha em caixa a quantia de € 532,86, tinha em bancos a quantia de € 5.222,94, tinha a receber de clientes a quantia de € 296.405,23, tinha a pagar a fornecedores a quantia de € 200.370,41, tinha a receber do Estado a quantia de € 304.357,68, tinha dívidas em bancos e instituições financeiras na quantia de € 206.666,12, tinha dívidas perante outras entidades na quantia de 130.153,33, tinha activos fixos tangíveis na quantia de € 42.589,35, tinha dívidas de prestações suplementares na quantia de € 350.120,21, apresentando um resultado líquido do exercício de € 36.715,25 (Doc. 2 da petição inicial).

N. Em julho de 2012, a reclamante fez vendas no montante de € 63.086,48, fez compras a fornecedores de € 126.951,90, suportou custos com pessoal de € 21.014,21, suportou custos com fornecimentos e serviços externos de € 18.794,98, suportou custos de financiamento no valor de € 3.349,55, ascendendo a diferença entre proveitos e vendas do mês de julho de 2012 ao prejuízo de - € 107.024,16 (Doc. 3 da PI).

O. Em agosto de 2012, fez vendas no montante de € 80.311.49, fez compras a fornecedores de € 141.794,05, suportou custos com pessoal de € 11.490,19, suportou custos com fornecimentos e serviços externos de € 5.686,52, suportou custos de financiamento no valor de € 1.740,30, ascendendo a diferença entre proveitos e vendas do mês de agosto de 2012 ao prejuízo de -€ 80,399,57 (Doc. 4 da PI).

P. Em setembro de 2012, a reclamante fez vendas no montante de € 105.622.42, fez compras a fornecedores de € 31.361,28, suportou custos com pessoal de € 18.124,81, suportou custos com fornecimentos e serviços externos de € 6.370,09, suportou custos de financiamento no valor de € 3.849,25, ascendendo a diferença entre proveitos e vendas do mês de setembro de 2012 ao lucro de €45.916,99 (Doc. 5 da PI).

Q. Em outubro de 2012, a reclamante fez vendas no montante de € 44.737,77, fez compras a fornecedores de € 105.594,31, suportou custos com pessoal de € 16.369,10, suportou custos com fornecimentos e serviços externos de € 13.701,76, suportou custos de financiamento no valor de € 1.419,44, ascendendo a diferença entre proveitos e vendas do mês de outubro de 2012 ao prejuízo de - € 92.346,84 (Doc. 6 da PI).

R. Em 31-10-2012, a reclamante tinha em caixa a quantia de € 9.953.15, tinha em bancos a quantia de € 37.274,09, tinha a receber de clientes a quantia de € 328.890,56, tinha a pagar a fornecedores a quantia de € 282.142,01, tinha a receber do Estado a quantia de € 389.215,85, tinha dívidas em bancos e instituições financeiras na quantia de € 190.000,00, tinha dívidas perante outras entidades na quantia de 108.184,52, tinha activos fixos tangíveis na quantia de € 47.589,35, tinha dívidas de prestações suplementares na quantia de 350.120,21, apresentando um resultado líquido do período de €36.026,31 (Doc. 6 da PI).

S. Consta dos balanços e demonstrações de resultados dos exercícios de 2009, 2010 e 2011, que o valor da situação líquida da reclamante foi respectivamente, de € 705.865,60, 717.720,55 e 770.673,24 (Docs. 2 a 6 da PI).

Mais ficou consignado, que «Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa» e que «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. No que concerne às testemunhas, não relevaram para a prova em concreto de qualquer facto, limitando-se a confirmar o que já resulta do vertido nos pontos assentes, mormente no que respeita à situação financeira da reclamante, e no mais depondo relativamente à sua expectativa quanto ao futuro da reclamante.».

4. Fundamentação de Direito

Em 1ª instância, após ter sido identificada a questão nuclear dos autos - «saber se a decisão reclamada é ilegal, por estarem reunidos os pressupostos legais para ser deferido o pedido de dispensa (parcial) de prestação de garantia» - e de se ter discorrido, num primeiro momento, sobre o regime jurídico substantivo do instituto em apreço à luz do artigo 52.º da LGT, salientando-se, em especial, os pressupostos cumulativos de que a dispensa da prestação de garantia estava dependenteComo decorre deste normativo, a dispensa de garantia tem lugar quando a sua prestação possa causar prejuízo irreparável ao executado ou perante a manifesta falta de meios económicos para a prestar. Todavia, sendo certo que se tratam de pressupostos alternativos, em qualquer dos casos deve igualmente demonstrar-se que a insuficiência ou a manifesta falta de bens não seja da responsabilidade do executado.»), depois, sobre as exigências legais relativas à tramitação do pedido de dispensa e, por fim, sobre quem recai o ónus das prova quanto ao preenchimento dos referidos pressupostos (numa interpretação conjugada dos artigos 170.º n.º 3 do CPPT, 74.º da LGT e 342.º do CC), veio a concluir-se que, face aos factos provados, pese embora se mostrasse preenchido o pressuposto relativo à insuficiência do património, a Reclamante não lograra demonstrar (nem alegar) que essa insuficiência lhe não era culposamente imputável.

Em ordem a sustentar essa conclusão de ausência de prova quanto à inexistência de culpa único segmento da sentença que se mostra questionado em recurso expendeu o Meritíssimo Juiz a quo o seguinte discurso fundamentador:

Desde logo claramente se vislumbra que o despacho sob reclamação toma uma posição distinta quanto à apreciação da concessão da dispensa, relativamente à primeira decisão de concessão, que coube ao chefe de finanças, estando em causa factualidade idêntica.

Contudo, sendo certo que a administração está vinculada ao conteúdo dos seus próprios atos unilaterais (princípio da autovinculação), estando obrigada a respeitar os efeitos resultantes das situações jurídicas que ela própria definiu aos particulares, pela prática de atos unilaterais e concretos (cf., vg, o acórdão do Tribunal Constitucional de 03/06/1998, proc. n.°682/95, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt), não estão aqui em causa poderes discricionários da administração, mas sim a interpretação de normas legais, pelo que há estrita vinculação ao princípio da legalidade. Nota-se ainda, para além do mais, que a segunda posição da administração é de órgão distinto, hierarquicamente superior, em função da alteração legislativa relativa à competência para a decisão.

Posto isto, temos que os elementos financeiros carreados para os autos pela reclamante permitem, em primeira linha, a comprovação da insuficiência económica da reclamante para prestação da garantia aqui em equação, considerado que o montante a prestar não será inferior a €1.300.716,80, montante objeto da primeira dispensa parcial.

Com efeito, o que consta dos balanços e demonstrações descritos que os resultados da reclamante, aliado à constatação de insuficiência de outros bens ainda não penhorados, permite claramente antever como inviável a apresentação de garantia no montante que se perspectiva virá a ser fixado.

Por outro lado, como decorre da própria posição da administração tributária no âmbito dos presentes autos de execução fiscal, tudo o que era possível penhorar foi penhorado, com excepção dos créditos da reclamante e dos saldos das respectivas contas bancárias.

Sucede que, como já aflorado, a dispensa de prestação de garantia está dependente da reunião cumulativa de três requisitos, embora dois deles comportem alternativas (Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 2012, pág. 427):

- que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e do acrescido;

- que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado;

- que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos.

Considerando o que até ao momento ficou explanado, fica por demonstrar, contudo, a demonstração da insuficiência de bens não ser da responsabilidade da executada / reclamante.

Na verdade, nem sequer a reclamante convoca factos que permitam sustentar esta demonstração, limitando-se, nesta sede, a alegar que o património que existia antes da data limite de pagamento das dívidas em execução é o mesmo património que está penhorado e hipotecado pelas Finanças, e que a situação anual económica e fiscal da reclamante, nos últimos exercícios, se tem mantido idêntica.

Ora, a circunstância do património da reclamante ser o mesmo no momento antes e depois da instauração da presente execução fiscal não nos permite evidentemente concluir que a insuficiência de bens não seja da sua responsabilidade.

Segundo decorre das citadas normas, o legislador quis estabelecer uma relação necessária entre o montante das dívidas tributárias e o património do devedor tributário.

Caso este não possa responder por aquelas, terá de demonstrar o porquê dessa insuficiência.

E não que no momento anterior e posterior à constituição dessas dívidas, o seu património já não era suficiente para cobrir o respectivo pagamento.

Deste modo, não se pode concluir que se mostrem reunidos todos os pressupostos a que alude o já citado artigo 52°, n°4, da LGT, para efeito de ser concedida a dispensa da apresentação de garantia.

Termos em que se conclui pela improcedência da presente reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, resultando do que fica descrito que o despacho impugnado se deve manter na ordem jurídica.» (sublinhado de nossa autoria).

É contra este julgamento que a Recorrente se manifesta, convocando, no sentido da revogação da decisão, três ordens de razão (i) a exigência ao devedor fiscal de uma relação necessária entre o montante da dívida e o seu património e que demonstre que não tem culpa na insuficiência ou inexistência de património para prestação de garantia», «apenas é exigível quando se trate de dívidas por si declaradas e ou apuradas» e não quando em causa estão «dívidas que provêm de liquidações adicionais» pois nestas situações «não é possível nem exigível que o devedor prove a existência duma relação necessária entre o montante da dívida e o seu património para que não seja responsabilizado pela prestação de garantia.»; (ii) considerando que a quantificação e valorização, em termos contabilísticos, do valor de uma empresa é dado pelo valor da sua situação líquida, deve concluir-se possuir essa empresa estabilidade financeira se apresenta anualmente valores de situação líquida positivos idênticos de uns anos para outros, o que é precisamente o caso da Recorrente já que provou possuir uma situação líquida positiva e é idêntico o seu património antes e depois de instauradas as execuções, factores que, só por si, devem relevar-se como demonstrativos de que não é por culpa sua que nesta data o património da executada é insuficiente para prestar garantia; (iii) encontrando-se provado nestes autos que o património da recorrente é igual antes e depois da instauração das execuções fiscais, a recorrente apenas vislumbra que lhe seja possível demonstrar que a insuficiência de bens para prestar garantia não é da sua responsabilidade mediante a invocação de fatos que não lhe permitiram que antes da prestação de garantia estivesse ao seu alcance ter aumentado o seu património, de modo a que este fosse suficiente para garantia da dívida, invocação que pressupõe uma condição que não é controlável nem previsível pelo próprio devedor, situação que o julgador não pode deixar de atender aquando do seu juízo sobre a prova e, em especial, que nestas situações deve ser menor o seu grau de exigência no julgamento que sobre prova se impõe realizar.

Posto isto, isto é, definido claramente que este recurso tem por objectivo único a sindicância da decisão na parte em que não considerou provada a irresponsabilidade da Reclamante pela insuficiência (assente) do património da executada para a prestar, qual foi a valoração dos factos que pré-determinou o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa a concluir pelo não preenchimento de tal pressuposto legal (e consequentemente a julgar improcedente a Reclamação) e os argumentos de facto e direito adiantados pela Recorrente no sentido de ver tal valoração e juízo afastados (a Recorrida, para além de pugnar pelo acerto da decisão e pugnar pela manutenção do decidido, nada alegou que possa entender-se como um mais daquela fundamentação) cumpre, agora, decidir a quem assiste a razão.

Adiantamos, desde já, que é à Recorrente.

Vejamos, então, porquê, começando por ter presente o teor da lei no que ora releva:

"1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda (...)

2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.

3 - A administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.

5 - A isenção prevista no número anterior é válida por um ano, salvo se a dívida se encontrar a ser paga em prestações, caso em que é válida durante o período em que esteja a ser cumprido o regime prestacional autorizado, devendo a administração tributária notificar o executado da data da sua caducidade, até 30 dias antes, (redacção da Lei n.° 66-B/2012, de 31 de dezembro)

6 - Caso o executado não solicite novo período de isenção ou a administração tributária o indefira, é levantada a suspensão do processo, (redação da Lei n°64-B/2011, de 30 de dezembro)

Em recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1), a propósito de questão idêntica à que ora nos ocupamos (dispensa de prestação de garantia), e após profunda apreciação do ónus da prova na irresponsabilidade pela insuficiência de património para prestar garantia e o grau de exigência quanto à prova a realizar que ao aplicador do direito nesta matéria é legitimo impor, veio a firmar-se um quadro jurisprudencial que, não se afastando do que a jurisprudência daquele Tribunal vinha fixando, e a que a doutrina e o próprio Tribunal Constitucional já vinham atendendo, pela sua clareza não podemos deixar aqui de convocar, transcrevendo o seu sumário, pela forma absolutamente sintética como tais questões são apresentadas e constitui, a par dos normativos já transcritos ou infra citados, a ambiência jurídica ou, se preferirmos, as gerais premissas de direito em que este Tribunal Central assentará o seu julgamento sobre a questão concreta dos autos:

«(…) - É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.

(…) - A eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC.

(…) - Na situação referida, não se está perante uma situação de impossibilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento de um direito, que, a existir, poderia contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º da CRP), pois ao executado é possível demonstrar aquele facto negativo através de factos positivos, como são as reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.

(…) - Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur».

«O que, nesta situação, se reconduzirá, no mínimo, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado» (2)

Densificando o sentido interpretativo que deve nortear o aplicador do direito face ao n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária, a doutrina salienta ainda que «A responsabilidade do executado, prevista na parte final do n° 4, deve entender-se em termos de dissipação dos bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores. E não mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens». (3)

E que «independentemente de a dispensa de prestação da garantia assentar na ocorrência de prejuízo irreparável ou na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre este que impende o ónus da alegação e prova dos pressupostos para tal dispensa: o prejuízo irreparável ou a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores», fundando tal posicionamento não só no regime geral consagrado legalmente no artigo 342.º do Código Civil, por força do qual quem invoca um direito ou pretensão tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos, como no regime especial emergente da lei fiscal, mais concretamente do artigo do n.º 3 do artigo 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [preceito em que se dispõe que o pedido de dispensa é dirigido ao órgão da execução fiscal e deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária]. (4)

No caso presente, já o vimos, a decisão recorrida concluiu pela improcedência da reclamação, com fundamento em que a Recorrente não logrou demonstrar os factos concretamente demonstrativos da sua não culpa na insuficiência de bens, afirmando mesmo que tais factos nem sequer foram alegados e os autos não revelam o imprescindível nexo de causalidade, a relação directa entre o montante das dívidas e o património do devedor.

Reafirme-se: não cremos, porém que assim seja.

Desde logo, e como vimos já, essa relação inequívoca não se mostra exigível por o princípio constitucional da proporcionalidade impor - perante a dificuldade da prova de factos negativos como os que aqui estão em causa -, que haja uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, isto é, que tenha um cuidado acrescido na avaliação da prova produzida, atribuindo um valor acrescido a provas que, num contexto de prova menos exigente, porventura não o teriam. Em suma, tendo presente a dificuldade acrescida que sobre a parte que tem o ónus da prova recai nas situações de prova de facto negativo, o que se exige ao julgador não é um facilitismo na avaliação da prova, no apuramento dos factos, mas um especial dever de ponderação, de relacionamento e valoração desses factos apurados (principais e instrumentais), inclusive de indícios, recorrendo, se necessário, às regras da experiencia, de cuja global conjugação resulte um juízo sério, uma elevada probabilidade de a conclusão de direito a alcançar (ausência de culpa) se verificar.

É este especial dever de ponderação e de relacionamento dos factos apurados e dos demais elementos constantes dos autos que nos conduzem, precisamente, a sentido diametralmente oposto ao da decisão recorrida.

Senão, vejamos.

Como se vê da petição de reclamação e se mostra, de resto, acolhido no probatório - sendo até por esse circunstancialismo que a decisão, na parte do direito, inicia o seu discurso fundamentador, como veremos, sem daí extrair as devidas consequências -, a presente reclamação nasce, pelo menos remotamente, do indeferimento da Administração de manter a dispensa de prestação da garantia quanto ao valor remanescente em dívida, por a Reclamante ter formulado esse pedido “extemporaneamente”.

Efectivamente, e como resulta dos factos provados, a Administração Tributária, a 2-11-2011, reconhecendo ter já procedido à penhora de todos os bens de que a recorrente era titular, excepto os saldos das contas bancárias e os créditos de clientes e serem estes necessários à prossecução da sua actividade comercial, concedeu à Reclamante, como oportunamente requerido, a dispensa de garantia quanto ao remanescente valor em dívida.

Todavia, e sem que no processo executivo tenha havido por iniciativa da Administração Tributária, qualquer alteração da situação, designadamente qualquer determinação no sentido de reforço de garantia, identificação de quaisquer outros bens penhoráveis ou identificados quaisquer actos dos quais resultasse indícios de tentativa de dissipação de bens, veio a ser ordenado o prosseguimento do processo executivo, decorrido o período de validade da primitiva dispensa, por a Reclamante não ter tempestivamente formulado novo pedido de isenção (para o que sido expressamente notificada) e, para além disso, não estarem verificados os pressupostos de fundo de que aquela dispensa se mostrava dependente (cfr. factos vertidos nas alíneas G, H e I do ponto III supra e fls. 702, 810-821 e 930 do PEF apenso).

Após aquele indeferimento, e quando ainda se mostrava pendente de decisão final a reclamação que dele havia interposto (cfr. factualidade assente sob as alíneas J e K do probatório), veio a Recorrente, a 16 de Abril de 2012, insistir pela dispensa parcial de prestação de garantia, invocando factos supervenientes - que nos autos e não mostram questionados e que se prendem com o facto de estar a ser confrontada por parte de entidades terceiras, designadamente bancárias, para apresentar certidão de que possuía a sua situação regularizada do ponto de vista fiscal -, alegando, em resumo (para além da imprescindibilidade de obtenção da certidão de “situação regularizada perante a Administração Fiscal”), que todo o seu património estava já penhorado à ordem da Fazenda Nacional; celebrara contratos que não tinha conseguido cumprir, designadamente de compra e venda de imóveis que construíra (actividade a que primacialmente se dedicava), por a Fazenda Pública não ter consentido no levantamento das penhoras que sobre os mesmos incidiam e cujo lucro poderia ter aplicado também no pagamento parcial da dívida como já tinha feito em alguns processos, e outros cujo cumprimento não havia sido possível por a outra parte contratante não ter logrado obter crédito/financiamento para o efeito com a consequente resolução do contrato promessa de empreitada celebrado; não tinha alienado nenhum activo e, consequentemente, continuava sem capacidade para suportar qualquer outra garantia, especialmente bancária, uma vez que as instituições de crédito bem sabiam a situação em que se encontrava e o capital que nas mesmas tinha depositado e que era insuficiente para suportar aquela garantia, sendo que, se a aquela dispensa lhe não fosse deferida, e viessem a ser penhorados os créditos que detém sobre os seus clientes ou o saldo das contas bancárias, ficaria irremediavelmente comprometida a sua actividade comercial.

Foi este novo pedido que a 9-5-2013 veio a ser objecto de indeferimento, como se colhe da alínea L do probatório, na qual se mostra transcrito parte dessa fundamentação: «Mesmo que qualquer destes requisitos se verificasse (prejuízo irreparável ou falta de meios económicos) ficou por demonstrar a ausência de responsabilidade da executada na inexistência ou insuficiência de bens. (...) Com esses fundamentos indefiro o pedido com base no n.°3 do art.170° do CPPT, não reconhecendo o direito à isenção da garantia no n°4 do art.52° da LGT" (fls. 150/153).».

Considerando, porém, que das folhas dos autos para que no probatório se remete resulta um mais não despiciente sobre o fundamento de facto e de direito do indeferimento que se sindicava, constituindo mesmo a concretização do que a Administração Fiscal afirmava ter ficado por demonstrar, deixa-se aqui também transcrita a parte omitida: «Mesmo que qualquer destes requisitos se verificasse (prejuízo irreparável ou falta de meios económicos) ficou por demonstrar a ausência de responsabilidade da executada na inexistência ou insuficiência de bens. É certo, como refere a Executada, que esta continua a ter o mesmo património que tinha antes da instauração mas a responsabilidade pela insuficiência prevista no n.º 4 do art. 52.º da LGT poderá ter ocorrido muito antes disso. Desde 2004 que a executada foi outorgante em, pelo menos, 59 actos de compra e venda ou permuta, conforme consta dos mod. 11 entregues pelos notários. Mesmo sabendo a actividade comercial da executada competia-lhe fundamentar de facto e de direito o invocado juntando a prova documental necessária e não o fez. Com esses fundamentos indefiro o pedido com base no n.°3 do art.170° do CPPT, não reconhecendo o direito à isenção da garantia no n°4 do art.52° da LGT"».

Fica, assim, agora, claro qual o raciocínio subjacente à decisão de indeferimento no que ao pressuposto de inexistência de culpa respeita: a Administração Fiscal, ainda que reconheça ser idêntica a situação patrimonial da executada antes e depois de instauradas as execuções, entende implicitamente que de tal facto nenhuma conclusão pode ser extraída por a culpa pela insuficiência patrimonial lhe pode advir de uma actuação anterior a essas instaurações, tanto mais que, desde 2004 tinha praticado pelo menos 59 actos comerciais – compra e venda e permutas imobiliárias – pelo que, mesmo sendo esse o seu objecto de actividade, exigia-se-lhe que tivesse ido mais longe em termos de prova para afastar aquela irresponsabilidade.

O Tribunal, ainda que de forma não totalmente coincidente, sancionou esse entendimento ao desvalorizar juridicamente a existência de um despacho antecedente de deferimento de dispensa de prestação de garantia e ao julgar exigível a relação necessária e inequívoca entre a insuficiência e o valor da divida.

Errou quanto a ambos.

Errou na desvalorização que fez do despacho de 2011, porque nem o facto de o despacho sindicado ter sido proferido por órgão de execução fiscal hierarquicamente superior, nem o principio da legalidade (argumentos que aduziu para o desvalorizar), desacompanhados de quaisquer factos supervenientes ou que apenas posteriormente tivessem advindo ao seu conhecimento, são suficientes para afastar um quadro de facto e de direito que se tinha consolidado na ordem jurídica e tinha como se vê do probatório e a própria Administração Fiscal não afasta, produzido os seus efeitos. Ou seja, se em Novembro de 2011 a Administração Tributária tinha decidido que estavam reunidos os pressupostos para que lhe fosse concedida a dispensa de prestação de garantia, incluindo, naturalmente, a irresponsabilidade pela inexistência de bens suficientes à satisfação dos créditos exequendos, não podia a mesma Administração, em 2013, sem qualquer alteração dos pressuposto que a determinaram - o que a própria reconhece expressamente, quando afirma ser a mesma a situação patrimonial da executada, e implicitamente quando lança mão de eventuais condutas anteriores a 2004 e que já eram obrigatoriamente do seu conhecimento (como o sejam os actos comerciais praticados, os Mod. 11 apresentados pelos notários e o objecto social da executada)-, indeferir o pedido de dispensa que lhe era formulado.

Era este respeito pela situação de facto e direito por si próprio definida através desse despacho e a impossibilidade da revogação, ainda que somente material, daquela situação juridicamente consolidada, que lhe estava vedada, designadamente pelo principio da legalidade, e não o contrário.

E esta conclusão é válida independentemente de quem seja o órgão que esteja a decidir, isto é, o mesmo ou órgão hierarquicamente superior, como foi o caso por à data ser já, em virtude de alteração legal, desse “órgão hierarquicamente superior” a competência para apreciar desse pedido.

Acresce que, mesmo que assim não fosse, sempre a revogação da decisão recorrida se imporia.

É que, como deixamos já salientado, a responsabilidade prevista no n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária não é uma qualquer responsabilidade, isto é, não é uma responsabilidade desprovida de juízo de censura. A responsabilidade do executado pela insuficiência de bens há-de, aqui sim, necessária e inequivocamente resultar de factos demonstrativos de que o devedor na gestão dos negócios da sociedade não se guiou por critérios de prudência, que a sua actuação enquanto gestor se afastou do que seria expectável nessa qualidade e dentro do âmbito da sua actividade, por natureza comercial e, consequentemente, lucrativa, que a coberto ou sob uma aparente actuação conforme esses deveres norteou a sua gestão, ainda que não exclusivamente, no sentido de ocultar ou dissipar bens através dos quais, não fora essa concreta, indevida e ilegítima actuação, seria possível ou altamente provável que fossem satisfeitas as obrigações fiscais (ainda que emergentes de liquidações adicionais, como é o caso, conforme o revela o PEF apenso) omitidas.

Ora, basta atentarmos em tudo o que anteriormente expusemos e termos em atenção os factos que foram alegados no pedido de dispensa, na reclamação deduzida, nas próprias decisões da administração referidas no probatório e nos demais factos provados para concluirmos que a Reclamante alegou e logrou provar, pelo menos suficientemente, que a insuficiência dos bens em 2013 para prestar garantia no valor remanescente e ainda em dívida não lhe era imputável: todo o seu património, com excepção dos saldos de contas bancárias e créditos sobre os clientes, mantinha-se penhorado à ordem dos processos de execução em curso; a sua actividade comercial de construção, compra e venda de imóveis matinha em termos de resultados contabilísticos, valores uniformes; sobre aqueles bens não tinham sido constituídos quaisquer outros ónus ou encargos e, pelo menos que se tenha apurado, com base neles não haviam sido reclamados outros créditos; os seus depósitos em instituições bancárias e os encargos com fornecedores não afastaram nos últimos anos dos mesmos níveis de rendimentos e de custos que anteriormente se mostravam contabilizados.

Por outro lado, e lançando agora mão de dados de conhecimento público, a situação do mercado imobiliário em Portugal entre uma e outra das datas não sofrera alteração significativa, pelo menos não positiva, para além de que, entretanto, a Reclamante tinha já liquidado parcelarmente alguma das dívidas em execução e chegara mesmo a formular pedido de pagamento daquelas dívidas em prestações (cfr. PEF apenso).

Por último, mas com extrema relevância para o julgamento que ora nos importa realizar, não pode olvidar-se que a Administração Tributária não fez, nem de resto tentou fazer, como o revelam os autos, prova positiva da concorrência da actuação da executada para a verificação daquele resultado.

Efectivamente, a Administração Tributária limitou-se, por um lado, a aventar a hipótese de a culpa pela insuficiência poder resultar da forma como a Executada gerira o seu negócio antes da instauração das execuções, designadamente porque interviera em pelo menos 59 actos de compra e venda ou permuta de imóveis, o que, naturalmente é muito pouco, para não dizemos, nada, tendo em consideração, como a própria Administração Tributária também reconhece, e até honestamente se prestou a adiantar, que essa é a principal actividade comercial da executada (para além de que, anteriormente, isto é, em 2011, não achara tal factualidade relevante para efeitos de não lhe reconhecer essa irresponsabilidade…). E, por outro lado, a defender que só existia possibilidade de reconhecimento de uma irresponsabilidade desta natureza numa situação: a insuficiência resultar exclusivamente de factos externos à gestão empresarial, como sejam as catástrofes naturais ou humanas de todo imprevisíveis, a qual é, de todo insustentável por conter, desde logo, em si mesma, um total esvaziamento do conceito de culpa e de exigência da sua avaliação que o próprio legislador erigiu como pressuposto da dispensa legalmente prevista.

Tudo, pois, para que se conclua que se a Reclamante não logrou de forma inequívoca provar a sua irresponsabilidade, definitivamente logrou provar factos bastantes a que o Tribunal, atendendo ao quadro jurídico constitucional, legal, doutrinal e jurisprudencial acolhido e ab initio salientado, devesse ter julgado provada a falta de culpa e, consequentemente, preenchido o único pressuposto que entendera como não verificado.

E, sendo assim, impõe-se, com os fundamentos expostos revogar a decisão recorrida.

5. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul, concedendo provimento ao recurso, em revogar a decisão recorrida e, julgando procedente a reclamação, anular o despacho reclamado.

Custas em ambas as instâncias pela Recorrente.

Notifique e registe.

Lisboa, 5-2-2014

_______________________________

[Anabela Russo]

________________________________

[Lurdes Toscano]

________________________________

[Ana Pinhol]

(1) Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-12-2012 e a doutrina aí citada – Jorge Lopes de Sousa, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado», Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 4 c) ao art. 170.º, págs. 233 a 235.

(2) Cfr., Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008 e de 5-7-2012 (respectivamente, processos n.ºs 327/2008 e 286/12); e da mesma Secção de 19-12-2012, proferido no processo n.º 1320/12, todos integralmente disponíveis in www.dgsi.pt

(3) Cfr., Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa na "Lei Geral Tributária - Comentada e Anotada", Vislis, 2ª edição (2002).

(4) Cfr., Neste sentido, o Acórdão já citado do Pleno do STA, de 17/12/2008, rec. nº 0327/08; o Cons. Lopes de Sousa, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário - anotado e comentado», 5ª ed., volume II, anotação 4 ao artigo 170º, pag. 183; e Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, in «Código de Procedimento e de Processo, comentado e anotado», Almedina, pág. 422.