Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1146/20.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/12/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PEDIDO DE ASILO INFUNDADO;
RETOMA A CARGO DE ESPANHA.
Sumário:I.Não procede o défice de instrução, se não é possível extrair da alegação do recurso e das suas respetivas conclusões qualquer relato factual sobre a situação do requerente de proteção internacional ou sobre as condições do Estado de acolhimento, que permitam fundar o défice de instrução.

II. Não cabe a responsabilidade ao Estado português pela apreciação e decisão do pedido de proteção internacional, se outro país é o responsável pela retoma a cargo.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

B......, natural da Costa do Marfim, com a demais identificação nos autos de ação administrativa urgente, instaurada contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 07/08/2020, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação improcedente, absolvendo a Entidade Demandada dos pedidos de anulação da decisão da Diretora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e de substituição dessa decisão por outra, que julgue procedente o pedido de proteção internacional.


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Formula o Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“A) Vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, o qual julgou a acção, intentada por B......, ora Recorrente, improcedente, absolvendo assim o Ministério da Administração Interna, Entidade Requerida, dos pedidos por si formulados.

B) Perante os motivos que constam do pedido de asilo formulado pelo Recorrente, estamos perante uma situação que na nossa perspectiva reúne condições para fundamentar o pedido.

C) Os motivos invocados pelo Autor são suficientes para enquadrar o seu pedido de protecção às Autoridades Portuguesas, devendo ser considerado procedente por provado o pedido de asilo formulado pelo mesmo no posto de fronteira do Aeroporto Internacional de Lisboa.do douto despacho datado de 24.04.2020, do Mme. Juiz que recusou a admissão do Recurso Extraordinário de Revisão apresentado pelo Arguido/Condenado e aqui Recorrente.

D) Violou, assim, a Sentença em crise, entre outros, os Artigos N.ºs 7º, 19º e 34º, todos da Lei N.º 27/08 de 20 de Agosto.

E) Existe pois um déficit de instrução procedimental gerador da ilegalidade do acto final do procedimento, e violação dos Artigo N.º 18º, N.ºs 1 e 4, da Lei N.º 27/2008, e do Art.º 87º, N.º 1, do Código de Procedimento Administrativo.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso.


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O Recorrido não contra-alegou o recurso, nada tendo dito ou requerido.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida, por manifesta improcedência do recurso.

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O processo vai sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, por défice de instrução procedimental.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“1. B......, ora Requerente, é nacional da República da Costa do Marfim – cfr. fls. 1 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

2. Nascido em Maminigui – cfr. fls. 1 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

3. No dia 25 de dezembro de 1992 – cfr. fls. 1 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

4. Em 11 de março de 2020, o Requerente solicitou proteção internacional em Portugal – cfr. fls. 14 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

5. Por consulta ao sistema Eurodac – Fingerprint Form, o SEF verificou a existência de um “Hit” referente a outro pedido de proteção internacional efetuado pelo Requerente em Madrid (Espanha) no dia 23 de agosto de 2011 – cfr. fls. 3 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

6. Em 20 de abril de 2020, foi solicitado pelo SEF às autoridades espanholas a retoma a cargo do Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 18.º n.º 1 al. b) do Regulamento (UE) n.º 604/2013 – cfr. fls. 18-23 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

7. Em 21 de abril de 2020, as autoridades espanholas aceitaram o pedido de retoma a cargo do Requerente – cfr. fls. 24 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

8. Em 19 de maio de 2020, o Requerente prestou entrevista junto do SEF, tendo, nessa sequência, sido elaborado auto de entrevista/transcrição, cujo teor se dá por reproduzido – cfr. fls. 26-35 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

9. Após a realização da entrevista acima referida, foi comunicado ao Requerente o seguinte relatório e projeto de decisão:


«imagens no original»


(…)

– cfr. fls. 33-35 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

10. Em 27 de maio de 2020, o SEF elaborou a informação n.º 1181/GAR/2020, cujo teor aqui se dá por reproduzido – cfr. fls. 42-46 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

11. Em 27 de maio de 2020, o Diretor Nacional Adjunto do SEF proferiu decisão com o seguinte teor:


«imagens no original»


– cfr. fls. 47 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

12. Em 21 de junho de 2020, o Requerente tomou conhecimento da decisão mencionada no ponto que antecede e da informação n.º 1181/GAR/2020 – cfr. fls. 49 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;


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Conforme individualmente especificado supra, os factos provados foram dados como assentes com base no exame dos elementos constantes dos autos, incluindo o PA apenso.

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Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em apreço, atento o objeto do processo.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do recurso jurisdicional.

Erro de julgamento, por défice de instrução procedimental

Vem o Recorrente pôr em crise a sentença recorrida, invocando que o ato impugnado enferma de défice de instrução procedimental, reunindo o requerente de proteção internacional os requisitos para o deferimento do pedido, o qual, por isso, deve ser julgado provado.

Entende o Recorrente que os motivos invocados pelo Autor são suficientes para enquadrar o seu pedido de proteção às autoridades portuguesas, devendo o pedido apresentado ser considerado procedente, por provado.

Vejamos.

A questão que ora vem colocada como fundamento do recurso consiste em determinar se incorre a sentença recorrida em erro de julgamento ao indeferir o fundamento de ilegalidade do ato impugnado, de incorrer em défice de instrução.

Porém, não obstante a alegação do fundamento do recurso, o Recorrente abstém-se de concretizar quaisquer factos que considera deverem ter sido considerados pela Entidade Recorrida na fase procedimental e não foram, em prejuízo do ora Recorrente, ou que devessem ter sido considerados na sentença recorrida.

O ora Recorrente limita-se a uma alegação vaga e inconcretizada do fundamento do recurso, desconhecendo-se sobre que matéria entende que deveria ter recaído o dever de instrução.

Nem tão pouco invoca na alegação recursiva ou nas suas conclusões do recurso quaisquer factos que permitam a esta instância de recurso perceber a que factos o Recorrente se refere, no sentido de compreender que instrução deveria ter ocorrido, se sobre a sua situação particular, atinente ao requerente de proteção internacional, se sobre o país responsável pela apreciação do pedido, in casu, Espanha, por rigorosamente nada ser referido.

O ora Recorrente limita-se a alegar que reúne os requisitos para ver a sua pretensão deferida, devendo ser deferido o pedido de asilo, mas não refere quaisquer circunstâncias de facto donde se possa suportar esse juízo conclusivo.

Limita-se, por isso, a alegar incorrer o ato impugnado em défice de instrução, sem concretizar quaisquer factos sobre os quais devesse ter recaído a instrução.

Neste sentido, nem sequer se mostra invocado no presente recurso que o Estado espanhol não reúna as condições para a apreciação do pedido, por não ter condições para o acolhimento do Recorrente ou que tenha condições deficitárias ou degradantes, impeditivas da retoma do requerente de proteção internacional.

Assim, no caso do presente recurso, não é possível extrair da alegação do recurso e das suas respetivas conclusões qualquer relato factual sobre a situação do requerente de proteção internacional ou sobre as condições do Estado de acolhimento, que permitam fundar o alegado défice de instrução.

No demais, não cabe a responsabilidade ao Estado português pela apreciação e decisão do pedido de proteção internacional, se outro país é o responsável pela retoma a cargo, como no presente caso.

Por conseguinte, falecem in totum as conclusões do recurso, sendo de julgar improcedente, por não provado, o fundamento do recurso e, em consequência, de manter a sentença recorrida.


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Termos em que, em face de todo o exposto, será de negar provimento ao recurso interposto e em manter a sentença recorrida.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Não procede o défice de instrução, se não é possível extrair da alegação do recurso e das suas respetivas conclusões qualquer relato factual sobre a situação do requerente de proteção internacional ou sobre as condições do Estado de acolhimento, que permitam fundar o défice de instrução.

II. Não cabe a responsabilidade ao Estado português pela apreciação e decisão do pedido de proteção internacional, se outro país é o responsável pela retoma a cargo.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.

Sem custas – artigo 84º da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marques e Alda Nunes.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)