Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:185/19.2BEPDL
Secção:CA
Data do Acordão:05/28/2020
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL;
PROCURAÇÃO;
PODERES DO MANDATÁRIO;
PROPOSTA.
Sumário:i) No âmbito da contratação pública é exigido que, para além destes poderes para a representação em contratos, sejam conferidos poderes específicos para obrigar/vincular a concorrente no âmbito da contratação electrónica, poderes que devem ser expressos, como se retira do n° 4 do artº 260° do CSC.
ii) A procuração que confere genericamente poderes para “negociar” e “enviar” propostas de contratos, não confere ao procurador o poder de, por si, obrigar a sociedade mandante.
iii) Sendo a proposta apresentada em violação do disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CCP, deve ser excluída nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

W... PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA. (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença de 29.02.2020 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual intentada contra a REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES, por referência ao procedimento de concurso público, com publicidade internacional, para "Aquisição de Serviços de acesso a bases de dados de legislação e conteúdos jurídicos”.

Na petição inicial a ora Recorrente havia alegado a título principal que na procuração do concorrente D... não foram atribuídos poderes ao subscritor da proposta para vincular a sociedade, designadamente para assinar documentos da proposta e em particular a declaração que corresponde ao Anexo I do CCP (documentos relativos aos atributos e termos e condições da proposta da contrainteressada). O que, por violação da norma constante no n° 4 do artigo 57° do CCP, determinaria a exclusão da mesma nos termos do disposto na alínea e) do n.° 2 do artigo 146° do CCP.

As alegações de recurso que agora apresentou, culminam com as seguintes conclusões:

A. Na posição de um declaratário normal, não era possível apreender do texto da procuração que foram conferidos poderes para assinar propostas de contratos e vincular a sociedade mandante;

B. Caso fosse essa a vontade da Contrainteressada D... constaria essa mesma menção expressa na procuração.

C. A procuração outorgada pela contrainteressada D... não confere poderes ao Sr. L... para vincular a sociedade, nomeadamente, assinar propostas em procedimentos de contratação publica;

D. Pelo que a proposta da contrainteressada D... viola o disposto no n.º4 do artigo 57.º do CCP, o que deve acarretar a exclusão da mesma nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP;

E. Pelo exposto, deve ser anulada a decisão de adjudicação à proposta da Contrainteressada e, em consequência, deve o Recorrido ser condenado a proferir decisão de adjudicação à proposta da Recorrente por ser a melhor classificada de entre as admitidas;

Subsidiariamente,

F. Ainda que se entenda que a proposta da Contrainteressada não deve ser excluída nos termos supra exposto – o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona – cumpre referir que foi estabelecido em sede de esclarecimentos um parâmetro base máximo de utilizadores a apresentar no procedimento sub judice.

G. O modelo de avaliação de propostas avalia e pontua um subfator que não tem ligação ao objeto do contrato;

H. Em face desta situação, estamos perante uma violação do disposto no n.º 1 do artigo 75.º do CCP.

A Contra-interessada Recorrida, D..., apresentou contra-alegações expendendo conclusivamente o seguinte:

I – A sentença recorrida constitui uma detalhada, coerente e inteligível descrição de todo o processo intelectual que conduziu à decisão, no qual se não vislumbra erro de julgamento, hiato lógico, contradição ou contra senso, sendo, por isso, insusceptível de crítica. Assim acontecendo, reflectir sobre os argumentos que intentam pô-la em causa reveste um cunho primordialmente de urbanidade e depende estritamente do mérito da recorrente, evidenciado na forma como expõe o problema, no cuidado com que o faz e na seriedade da convicção que exprime sobre a existência das acusadas faltas ou erros.

I-1. Afigura-se-nos inexistir qualquer mérito para o almejado efeito, ou sorte para o que a recorrente se abalança, quando o que se colhe das alegações é um mero “atirar de barro à parede”, numa descuidada, injusta e patentemente infundada reedição das pretensões levadas à petição inicial, devida e fundadamente rechaçadas.

II – A procuração conferida pelo único gerente da contrainteressada, com poderes bastantes e certificados, ao autor da submissão dos documentos à plataforma electrónica concedeu-lhe, em conjunto, num todo coerente em que as diversas fases se integram e se complementam, poderes para negociar, para enviar, receber e responder às propostas que resultem dessas negociações e para outorgar o contrato que materialize o resultado das mesmas, devendo, pois e por isso, tais poderes serem interpretados conjuntamente, e, sobretudo, logica e sequencialmente, de acordo com os poderes precedentes e subsequentes, em ordem ao fim visado que é a concretização do contrato a celebrar entre a mandante e a entidade que recebe os serviços por aquela prestados, nas condições acertadas.

II-1. A conclusão aqui tirada flui, salvo melhor opinião, da análise da procuração posta em causa, à luz das regras da hermenêutica negocial que decorrem dos art./s 236.º a 238.º do C.Civil, conforme foi e bem determinado na decisão recorrida.

III – O direito de definir o caderno de encargos da entidade adjudicante, pertence exclusivamente a esta, estando apenas subordinado aos critérios legalmente definidos, nomeadamente no CCPúblicos.

III- 1. O pedido de esclarecimentos a que refere o art. 50.º do CCPúblicos, destina-se “à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento e (…)” à identificação de “os erros e as omissões das peças do procedimento”, não a alterar as regras e os critérios estabelecidos; Como bem se estatui na douta decisão recorrida, a exigência legal constante do n.º 1, do art 75.º, do CCPúblicos, “quanto aos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, é que os mesmos tenham ligação ao objecto do contrato”, de acordo com as directrizes constantes dos n.º/s 4 e 5 do mesmo normativo, o que claramente acontece in casu.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou.


Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em saber:

- Se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter concluído que a proposta apresentada pela Contra-interessada devia ser excluída, por a procuração exibida não conter poderes para a submeter, devendo, em consequência, ser o Recorrido condenado a proferir decisão de adjudicação à proposta da Recorrente por ser a melhor classificada de entre as admitidas; e, subsidiariamente,

- Se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter concluído que o modelo de avaliação de propostas avalia e pontua um subfator que não tem ligação ao objeto do contrato.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, a qual se reproduz ipsis verbis:

A- Em 26/09/2019, por despacho do Secretário Regional Adjunto da Presidência para os Assuntos Parlamentares, aposto sobre a Informação INT-GSRAPAP/2019/24, de 26 de setembro, por referência ao “Procedimento de concurso público para aquisição de serviços de acesso a bases de dados de legislação e conteúdos jurídicos'', foi tomada a decisão de contratar, de autorização da despesa, de escolha do procedimento, de aprovação das peças do procedimento e de designação do júri.

(fls. 65 a 68 do PA)

B- Em 01/10/2019 foi publicado na II série do Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, n.º 189, o anúncio do procedimento, com o n.º 278/2019, que se dá por reproduzido.

(fls. 102 a 108 do PA)

C- Em 01/10/2019 foi publicado na II série do Diário da República, n.º 188, o anúncio do procedimento, com o n.º 10335/2019, que se dá por reproduzido.

(fls. 97 a 100 do PA)

D- Em 03/10/2019 foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia o anúncio do procedimento, com o n.º 2019/S 191-464243, que se dá por reproduzido.

(fls. 109 a 112 do PA)

E- No programa do procedimento, que se dá por integralmente reproduzido, refere-se designadamente o seguinte:


«Imagem no original»

G- Em 18/10/2019, por despacho do Secretário Regional Adjunto da Presidência para os Assuntos Parlamentares, aposto sobre a Informação INT-GSRAPAP/2019/26, de 17 de outubro, por referência ao “Procedimento de concurso público para aquisição de serviços de acesso a bases de dados de legislação e conteúdos jurídicos'', foi aprovada a retificação de erros e omissões detetados no programa do procedimento e no caderno de encargos, em termos de que se destaca o seguinte:

H- Em 16/10/2019 o júri do procedimento respondeu aos pedidos de esclarecimento apresentados pelos interessados, em termos que se dão por reproduzidos e de que se destaca o seguinte:

(fls. 132 a 138 do PA)

I- Foram apresentadas, através da plataforma acinGov, as seguintes propostas:

28/10/2019, 18.22.29h – W... Portugal, unipessoal, Ld.ª;

29/10/2019, 15.34.01h – D..., Direito e Informática, Ld.ª

30/10/2019, 17.07.40h – P... Informática, SA

(Anexo 8 do PA)

J- Os documentos que constituem a proposta da concorrente D..., Direito e Informática, Ld.ª (D...) foram subscritos e assinados, manual e digitalmente, por L... Amorim e acompanhados de procuração outorgada por M..., da qual se extrai o seguinte:


«Imagem no original»

K- M… é o único gerente da sociedade por quotas denominada D..., Direito e Informática, Ld.ª, a qual se obriga pela intervenção do referido gerente.

(Certidão permanente a fls. 169 a 180)

L- No que respeita ao subfator A5 – número de utilizadores abrangidos, do fator A – Qualidade técnica da proposta, do critério de adjudicação, os concorrentes apresentaram os seguintes atributos: D... – 40.000 utilizadores; P... – 5.000 utilizadores; W... – 18.182 utilizadores.

(fls. 161, 197 e 226 do PA)

M- Em 08/11/2019 o júri do procedimento elaborou o relatório preliminar, que se dá por integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:


«Imagem no original»

N- Em 21/11/2019, a Autora apresentou exposição em sede de audiência prévia, que se dá por integralmente reproduzida e de que se extrai o seguinte:


«Imagem no original»

O- Em 04/12/2019 o júri do procedimento elaborou o relatório final, que se dá por integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:

«Imagem no original»

P- Em 05/12/2019, sobre o relatório final do júri, foi aposto pelo Secretário Regional Adjunto da Presidência para os Assuntos Parlamentares, o seguinte despacho:

“Concordo com o presente relatório, pelo que adjudico nos termos e com os fundamentos constantes do mesmo, ao abrigo da competência delegada do Presidente do Governo Regional, através do despacho n.º 520/2019, de 15 de abril”.

(fls. 302 do PA)

Q- Em 05/12/2019, o Secretário Regional Adjunto da Presidência para os Assuntos Parlamentares aprovou a minuta do Contrato de aquisição de serviço de acesso a base de dados de legislação e conteúdos jurídicos.

(Conforme documento 4 da contestação)



II.2. De direito

II.2.1. Do mérito do recurso

O tribunal a quo julgou improcedente a presente acção de contencioso pré-contratual por entender que a procuração exibida no concurso mandatava devidamente o subscritor da proposta submetida no concurso em causa para o efeito. Escreveu-se, neste capítulo, na sentença recorrida:

A D... é uma sociedade por quotas e os atos praticados pelos seus gerentes vinculam-na (cfr. artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais) com a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados atos ou categorias de atos, sem necessidade de cláusula contratual expressa (cfr. artigo 252, nº 6, do Código das Sociedades Comerciais).

No caso dos autos quem assinou, manual e digitalmente, os documentos da proposta, foi L..., na qualidade de procurador, conforme decorre do ponto J do probatório.

A assinatura digital aposta nos documentos não permite relacionar o assinante com a concorrente, pelo que, nos termos do disposto no artigo 54.º n.º 7 da Lei 96/2015, de 17 de agosto, estava a entidade interessada obrigada a submeter à plataforma eletrónica um documento eletrónico oficial indicando o poder de representação e a assinatura do assinante, tendo junto a procuração constante do ponto J do probatório.

Do instrumento de mandato que juntou com a proposta, resulta que foram conferidos ao procurador, na parte que interessa para os presentes autos, poderes para representar a sociedade: “(…) na negociação e correspondente envio de propostas de contratos, bem como na outorga de contratos de prestação de serviços na área da informática jurídica, ou da radiodifusão de conteúdos do mesmo jaez, nomeadamente, no primeiro caso, no acesso às bases de dados, e, no segundo, a divulgação de informação Jurídica, contratos estes que poderá outorgar, sejam a celebrar por instrumento publico ou não e quer se tratem de entidades públicas, quer privadas, independentemente do valor do contrato e do seu tempo de duração (…)”

Cumpre assim verificar se tais poderes se mostram suficientes para habilitar o designado procurador a assinar os documentos da proposta e vincular a empresa ao seu cumprimento, dando assim cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CCP.

A procuração confere expressamente poderes para negociar e enviar propostas de contratos e outorgar os contratos sejam a celebrar por instrumento publico ou não e quer se tratem de entidades públicas, quer privadas.

Trata-se de uma questão de interpretação da declaração negocial, pelo que nos devemos socorrer das regras constantes dos artigos 236.º a 239.º do Código Civil (CC).

(…)

Quando na procuração em análise se referem poderes para negociar propostas, associados a poderes para as enviar e outorgar os respetivos contratos, sejam públicos ou privados, resulta que o declarante pretendeu conferir todos os poderes necessários para a realização de um determinado negócio jurídico.

Com efeito, da expressão “negociação” retira-se que foram conferidos os poderes necessários à realização de todos os atos preparatórios necessários à celebração dum determinado negócio jurídico, como sejam, a formulação de propostas contratuais, ou, no caso da contratação pública, a elaboração dos atributos da proposta.

Da mesma forma, o mandato para “envio de propostas contratuais” abrange a apresentação da proposta ao outro contraente e não à sua mera submissão eletrónica, a qual não tem qualquer suporte no texto da procuração, ou o seu envio postal, para o qual era absolutamente irrelevante.

Sendo conferidos poderes de elaboração da proposta e poderes de apresentação da mesma, neles têm que se entender incluídos os poderes de assinatura da proposta.

Este sentido que acabámos de enunciar, ainda que imperfeitamente expresso no texto da procuração, é aquele que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, retira da procuração apresentada.

Começa a Recorrente por alegar que a sentença errou, uma vez que a um declaratário normal não era possível apreender do texto da procuração que haviam sido conferidos poderes para assinar propostas de contratos e vincular a sociedade mandante. Alega que caso fosse essa a vontade da Contra-interessada essa mesma menção deveria constar expressa na procuração.

Conclui a Recorrente que a procuração outorgada pela D... não confere poderes ao Sr. L... para vincular a sociedade, nomeadamente, assinar propostas em procedimentos de contratação publica. Pelo que a proposta por si apresentada viola o disposto no n.º4 do artigo 57.º do CCP, e deveria ter sido excluída nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP.

É nosso entendimento, lida a procuração em causa, que a razão está do lado da Recorrente.

Com efeito, o caso em análise é similar, nos seus contornos fácticos, ao caso tratado no acórdão de 28.07.2017 deste TCAS, no proc. n.º 10568/13, o qual seguiu Jurisprudência do STA. Nele se escreveu, ao que aqui importa:

O artigo 57.º, nº 4 do Código dos Contratos Públicos (doravante designado CCP) prescreve que a declaração referida na alínea a) do nº 1 deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.

O interesse visado pela lei com a exigência da assinatura da proposta é garantir a vinculação jurídica do proponente à mesma. Visa evitar que uma empresa ganhe o concurso e depois desista, sem que lhe possa ser assacada qualquer responsabilidade.

Mais relevante que a simples falta de assinatura é a falta de poderes para obrigar e comprometer a concorrente ao concurso, pois tais poderes são imprescindíveis e devem ser expressos de acordo com o disposto no artigo 260.º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais.

Por sua vez, estabelece o nº 3 do artigo 27.º da Portaria nº 701-G/2008, que “ nos casos em que o certificado digital não possa relacionar directamente o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve a entidade interessada submeter à plataforma um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante”.

No caso sub judice, da leitura e da análise do documento “Procuração” não resulta que a H... tenham sido atribuídos poderes para que este represente a sociedade opositora ao concurso porquanto não sendo ele gerente da sociedade em questão não detém os poderes necessários para a obrigar.

Assim, tais poderes não resultam do documento a que aludimos tendo ali apenas ficado consignado que lhe foram conferidos os poderes necessários para representar a sociedade para efeitos de contratação electrónica.

Sobre a exigência substantiva decorrente do nº 4 do artigo 57.º do CCP podemos invocar o Acórdão do STA de 8 de Março de 2012, no âmbito do Processo nº 01056/11, que passamos a citar na parte que interessa:

“I - O CCP introduziu uma importantíssima alteração na forma de processamento dos procedimentos relativos à formação dos contratos públicos a qual consistiu na desmaterialização integral dos seus termos o quer dizer que, desde a sua entrada em vigor, as comunicações, trocas e arquivo de dados e informações relacionados com aqueles procedimentos terão de ser feitas através de Plataformas electrónicas, isto é, através de um conjunto de meios, serviços e aplicações informáticos que constituem as infra-estruturas sobre as quais aqueles se desenrolam.

II - Plataformas que tendo de assegurar todas as funcionalidades inerentes a esses procedimentos têm também de assegurar que o seu processamento é feito com observâncias das regras e princípios que os disciplinam.

III - A apresentação da proposta [e documentos anexos] no âmbito de procedimento concursal desenvolvido sob a égide de Plataforma electrónica tem de ser produzida por meio de transmissão electrónica e a sua assinatura deve ser feita electronicamente, sendo que no caso do certificado digital não relacionar directamente o assinante com a sua função e poder de assinatura é obrigatório que o candidato/concorrente submeta à Plataforma um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante.

IV - A certificação e a assinatura electrónicas não são confundíveis, visto a certificação funcionar como um bilhete de identidade indispensável ao acesso à Plataforma e a assinatura constituir a forma de vinculação dos concorrentes às propostas e documentos apresentados, sendo uma condição de validade das mesmas.

V - A proposta um elemento fundamental do procedimento concursal e ela só é válida se o seu conteúdo e formulação observarem as prescrições legais exigidas. Ora, a primeira dessas prescrições, que é uma condição da sua validade, é a da assunção dos seus termos pelo concorrente que a apresenta, assunção essa que só é plena quando a sua assinatura e a sua apresentação observam as formas legalmente exigidas.”

E, na sua fundamentação, justifica-se: “ (…)O que está em causa, como se acaba de ver, é a questão de saber se o regime legal instituído pelo Código dos Contratos Públicos (CCP) exige que as propostas apresentadas nos procedimentos relativos à formação dos contratos públicos tenham de ser assinadas electronicamente sob pena de exclusão, por violação das disposições conjugadas dos art.º 146.º/2/l) do CPP e do art.º 27.º da Portaria 701-G/2008. Ou se, pelo contrário, as formalidades exigidas por estas normas não são essenciais pelo que se podem ser ultrapassadas sem que daí resultem as consequências sublinhadas no Acórdão recorrido.

Vejamos, pois.

2. O CCP introduziu uma importantíssima alteração na forma de processamento dos procedimentos relativos à formação dos contratos públicos a qual consistiu na desmaterialização integral dos seus termos, o quer dizer que a partir da sua entrada em vigor e da entrada em vigor do DL 143-A/2008, que neste aspecto o complementou, as comunicações, trocas e arquivo de dados e informações relacionados com aqueles procedimentos terão de ser feitas através de plataformas electrónicas, isto é, através de um conjunto de meios, serviços e aplicações informáticos que constituem as infra-estruturas sobre as quais aqueles se desenrolam.

Plataformas que tendo de assegurar todas as funcionalidades inerentes a esses procedimentos têm também de assegurar que o seu processamento é feito com observâncias das regras e princípios que os disciplinam. Só assim não será, isto é, só será dispensado o uso dos referidos meios informáticos quando os documentos que integram a proposta não possam, pela sua natureza, ser apresentados na plataforma electrónica, situação em que essa apresentação deve ser feita num suporte compatível com o seu encerramento em invólucro opaco e fechado (art.º 62.º/5 do CCP).

Com efeito, nos termos do art.º 62.º do citado Código “os documentos que constituem a proposta são apresentados directamente em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante, através de meio de transmissão escrita e electrónica de dados ... ” (n.º 1), a “recepção das propostas é registada com referência às respectivas data e hora, sendo entregue aos concorrentes um recibo electrónico comprovativo dessa recepção.” (n.º 3) e “os termos a que deve obedecer a apresentação e a recepção das propostas nos termos do disposto nos n.ºs 1 a 3 são definidos por diploma próprio.” (n.º 4).

Sendo que, nos termos dos seus art.ºs 146.º e 148.º, “após a análise das propostas, a utilização de um leilão electrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente” um relatório onde propõe a sua ordenação, devendo propor a exclusão daquelas que “não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57.º” [art.º 146.º/2/d)] “que não cumpram o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.ºs 1 e 2 do artigo 58.º [art.º 146.º/2/e)] e que “não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no art.º 62.º ” [art.º 146.º/2/l)].

(…)

Por outro lado, e no que toca aos documentos que integram a proposta, o mencionado art.º 57.º obriga a que dela faça parte uma “declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao presente Código” [seu n.º 1/a)] e os documentos que expõem os seus atributos, termos ou condições (n.º 1, al.ªs b) e c), sendo que aquela declaração “deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar” (n.º 4) ou, sendo a proposta apresentada por um agrupamento, deve a mesma ser assinada pelo representante dos membros que o integram, caso em que devem ser juntos à declaração os instrumentos de mandato emitidos por cada deles ou, não existindo representante comum, deve ser assinada por todos os seus membros ou respectivos representantes (n.º 5)

( Dispõe o art. 57º do CCP


“Documentos da proposta

1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:

a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante;

b) Documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;

c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento que contenham os termos ou condições, relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;

d) Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento.

2 ...

3 - Integram também a proposta quaisquer outros documentos que o concorrente apresente por os considerar indispensáveis para os efeitos do disposto na parte final da alínea b) do n.º 1.

4 - A declaração referida na alínea a) do n.º 1 deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.

5 - Quando a proposta seja apresentada por um agrupamento concorrente, a declaração referida na alínea a) do n.º 1 deve ser assinada pelo representante comum dos membros que o integram, caso em que devem ser juntos à declaração os instrumentos de mandato emitidos por cada um dos seus membros ou, não existindo representante comum, deve ser assinada por todos os seus membros ou respectivos representantes.” ). O que é inteiramente compreensível na medida em que, podendo ser concorrentes agrupamentos de pessoas singulares ou colectivas sem que entre elas exista qualquer relação jurídica de associação, importa que a adjudicante tenha garantias de que elas honrarão a proposta o que só se alcançará pela assinatura conjunta de todas pela constituição de um representante legal que o faça.

Já acima ficou dito que o CCP determinou que os termos a que devia obedecer a apresentação e a recepção electrónica seriam definidos por diploma próprio” (art.º 62/n.º 4) e esse diploma foi o DL 143-A/2008, de 25/07, o qual, logo no seu art.º 2.º, veio estabelecer que as comunicações, trocas e arquivo de dados e informações previstas naquele Código, em particular, a disponibilização das peças do procedimento, bem como o envio e recepção dos documentos que constituem as candidaturas, as propostas e as soluções se processavam “através de plataformas electrónicas que obedecem aos princípios e regras definidos no presente decreto-lei ...” as quais definiu como sendo “um conjunto de meios, serviços e aplicações informáticos necessários ao funcionamento dos procedimentos prévios à adjudicação de um contrato público, constituindo as infra estruturas sobre as quais se desenrolam os procedimentos de formação daqueles contratos.” [vd. seus n.ºs 1 e 2]. E, no seu art.º 11.º, estatuiu que “as propostas, candidaturas e soluções devem ser autenticadas através de assinaturas electrónicas cujo nível de segurança exigido, salvo razão justificada, deve corresponder ao nível mais elevado que, em termos tecnológicos, se encontre generalizadamente disponível à data da sua imposição” (n.º 1)

E, na sequência desse diploma, a Portaria 701-G/08, de 29/07, fixou que “a identificação de todos os utilizadores perante as plataformas electrónicas efectua-se mediante a utilização de certificados digitais” (art.º 26.º/1) e que os “… utilizadores podem, para efeitos de autenticação, utilizar certificados digitais próprios ou utilizar certificados disponibilizados pelas plataformas electrónicas. “ (art.º 26.º/2). Exigindo no seu art.º 27.º que todos os documentos carregados naquelas plataformas fossem “assinados electronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura electrónica qualificada” (n.º 1) e que “nos casos em que o certificado digital não possa relacionar directamente o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve a entidade interessada submeter à plataforma um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante.” (n.º 3).

3. Deste modo, como assinalam M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira, “tudo se passa como se as plataformas electrónicas constituíssem as instalações físicas da entidade adjudicante - as vitrinas, o balcão de recepção, os gabinetes e a arrecadação onde funcionam os seus serviços, se afixam as suas comunicações e armazena a sua papelada – e substituíssem os dossiês (ou caixas) onde se autuam e conservam os procedimentos de contratação pública em curso, relativos quer aos actos dos órgãos administrativos encarregados da sua condução, instrução e decisão, quer aos interessados que nele participam.” ( “Concursos e Outros Procedimento de Contratação Pública”, pg. 667.)

É, pois, nestas Plataformas que se recepcionam, conservam e divulgam os documentos que constituem as candidaturas, propostas e soluções dos concorrentes sendo certo que estas devem ser autenticadas através de assinaturas electrónicas cujo nível de segurança deverá corresponder ao nível mais elevado que, em termos tecnológicos, se encontre generalizadamente disponível (vd. seu art.º 11.º do DL 143-A/2008). O que força a que cada utilizador (seja o adjudicante sejam os concorrentes) tenha de ter uma identificação perante ela, a qual é feita mediante a utilização de certificados digitais (art.º 26.º/1 da Portaria 7001-G/2008), os quais são “diferentes dos que os utilizadores da plataforma usam para proceder à assinatura electrónica dos documentos que aí carregam, incluindo assinatura de propostas, candidaturas e soluções.”(Citada Obra, pg. 675.)

A certificação e a assinatura electrónicas não são, assim, confundíveis, visto a certificação funcionar como um bilhete de identidade indispensável ao acesso à Plataforma - podendo ser feita através de certificados disponibilizados pela própria Plataforma ou de certificados próprios que identificam permanentemente os utilizadores perante quaisquer Plataformas – e a assinatura constituir a forma de vinculação dos concorrentes às propostas e documentos apresentados, sendo uma condição de validade das mesmas.

É, pois, seguro, que, por força dos citados normativos, todos os documentos carregados nas Plataformas devem ser assinados electronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura electrónica a qual por força, do art.º 7.º/1 do DL 290-D/99 “equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que:

a) A pessoa que apôs a assinatura electrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa colectiva titular da assinatura electrónica qualificada;

b) A assinatura electrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento electrónico;

c) O documento electrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura electrónica qualificada.”

Sendo certo que, nos casos em que a assinatura não relacione o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve o interessado submeter à Plataforma um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante (art.º 27.º/3 da citada Portaria) pois que, se o não fizer, a Plataforma rejeita a proposta ou documento que se quer submeter (art.º 19.º do mesmo diploma).

4. O regime normativo acabado de expor evidencia que, no âmbito de procedimento concursal desenvolvido sob a égide da Plataforma electrónica, não só a proposta deve ser transmitida por meios electrónicos como a sua assinatura deve ser feita electronicamente, sendo que o momento da sua submissão se efectiva com a sua assinatura electrónica por utilizador autorizado e identificado e que no caso do certificado digital não relacionar directamente o assinante com a sua função e poder de assinatura é obrigatório que o candidato/concorrente submeta à plataforma um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante.

(…)

Com efeito, obrigando aquele regime a que o processamento dos concursos se faça exclusivamente por meios electrónicos, nela se incluindo a assinatura das propostas, não faria sentido admitir que determinados aspectos do mesmo, designadamente o que se refere à assinatura da sua peça mais importante, pudessem ser subtraídos àquele regime. Se assim não fosse por-se-ia em causa sem justificação razoável a intenção do legislador em desmaterializar integralmente o processamento dos procedimentos relativos à formação dos contratos públicos e, ao mesmo tempo, criar-se-ia uma zona de insegurança e de incerteza jurídicas na medida em que se iria permitir que o descrito regime legal pudesse ser violado de acordo com os interesses (e, porventura, a arbitrariedade) do adjudicante.

Acresce que o processamento de cada procedimento tem de ter regras claras não sendo admissível que o mesmo possa ser regido, simultaneamente, por dois regimes diferentes. No caso, por um lado, pelo decorrente do CPP e dos diplomas que o complementaram que estatui aquele que procedimento se faça através de meios electrónicos e, por outro, pelo regime que vigorava anteriormente à publicação desse regime onde não estava prevista uma forma de processamento através dos referidos meios.

(…)

5. As Recorrentes sustentam, porém, que no nosso ordenamento jurídico inexiste norma que obrigue a que o mandato para representação seja feito em plataforma electrónica mas que, se assim se não entender, haverá que concluir que a assinatura manuscrita da proposta constitui uma irregularidade meramente formal que pode, e deve, ser corrigida nada impedindo que o Júri se pudesse certificar se a B…… e a C…… se haviam vinculado, convidando-as a exprimir a sua vontade de vinculação às propostas apresentadas. Ademais, a declaração de concordância com as cláusulas do Caderno de Encargos junta por todas as Recorrentes dispensava a junção de qualquer tipo de instrumento de mandato.

Mas não têm razão.

Desde logo, porque não se pode afirmar que a falta de assinatura de uma proposta constitua uma formalidade não essencial, um mero lapso susceptível de ser corrigido através do convite à sua regularização e que, por isso, seria incompreensível a exclusão das propostas das Recorrentes, tanto mais quanto era certo que o prejuízo maior que daí advinha era o da entidade adjudicante já que esta, desse modo, ficaria privada de propostas que poderiam ser as que melhor serviriam os seus interesses.

E isto porque, sendo proposta um elemento fundamental do procedimento concursal - é nela que os concorrentes assumem de forma séria e firme não só a vontade de contratar mas também o modo como se dispõem a fazê-lo (art.º 56.º/1 do CCP) - a mesma só é válida se o seu conteúdo e formulação observarem as prescrições legais. Ora, a primeira dessas prescrições, que é uma condição da sua validade, é a da assunção dos seus termos pelo concorrente que a apresenta, assunção essa que só é plena quando a sua assinatura e a sua apresentação observam as formas legalmente exigidas. De resto, sem essa assinatura não se pode afirmar a existência de uma proposta mas tão só a existência de meros documentos que fazem presumir que alguém tem vontade de se apresentar a um concurso e sem a sua apresentação na forma legal a mesma não pode ser atendida.”

Concluímos do exposto que a falta de cumprimento do disposto no nº 4 do artigo 57.º do CCP determina a exclusão da proposta, nos termos expressos no artigo 146.º, nº 2, als. d) e e) do mesmo diploma.

A propósito, refere-se ainda na fundamentação do citado Acórdão do STA de 8 de Março de 2012, o seguinte: “E também não se argumente que o Júri devia ter convidado as Recorrentes a suprirem a mencionada irregularidade e isto por que muito embora seja certo que aquele “pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito de análise e da avaliação das mesmas” (art.º 72.º/1 do CCP) também o é que estes pedidos não se destinam a suprir omissões ou insuficiências que determinem a invalidade substancial da proposta e que conduzam à sua exclusão nos termos do disposto na al.ª a) do n.º 2 do art.º 70.º ou do art.º 146.º/2 do CCP mas, tão só, a tornar mais claros os atributos da proposta ou os termos ou condições relativos a aspectos da execução do contrato. Isto é, a tornar mais compreensível o que nela já se encontrava, ainda que de forma menos inteligível já que tais esclarecimentos têm, unicamente, por função aclarar ou fixar o sentido de algo que já se encontrava na proposta e não de alteração do seu conteúdo ou dos elementos que com ela tenham sido juntos

(…)”.

Foi também esse o sentido do decidido no ac. do TCAN de 26.05.2017, proc. nº 440/16.3BEVIS, no qual se concluiu que: “[n]o âmbito da contratação pública é exigido que, para além dos poderes para a representação em contratos, sejam conferidos poderes específicos para obrigar/vincular a concorrente no âmbito da contratação electrónica, poderes que devem ser expressos, como se retira do n° 4 do artº 260° do CSC (“Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”).

Como nesse aresto se concluiu:

No âmbito da contratação pública é exigido que, para além destes poderes para a representação em contratos, sejam conferidos poderes específicos para obrigar/vincular a concorrente no âmbito da contratação electrónica, poderes que devem ser expressos, como se retira do n° 4 do artº 260° do CSC (“Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”);

(…)

Esta omissão não redunda em mera irregularidade, sanável através da junção de documento no âmbito da fase de esclarecimentos, pois são as als. d) e) do n° 2 do artº 146° do CCP que sancionam a omissão dos poderes específicos para vincular a concorrente no instrumento de mandato, com a exclusão do concurso”.

Ora, pelo instrumento aqui em causa, ao que aqui releva, foram conferidos ao mandatário os seguintes poderes: “- na negociação e correspondente envio de propostas de contratos, bem como na outorga de contratos de prestação de serviços na área da informática jurídica, ou da radiodifusão de conteúdos do mesmo jaez, nomeadamente, no primeiro caso, no acesso às bases de dados, e, no segundo, a divulgação de informação Jurídica, contratos estes que poderá outorgar, sejam a celebrar por instrumento publico ou não e quer se tratem de entidades públicas, quer privadas, independentemente do valor do contrato e do seu tempo de duração”.

Do que se retira que os poderes conferidos ao Senhor L... estão restringidos apenas a “negociar” e “enviar” propostas de contratos e não vincular a sociedade, isto é, não confere poderes para assinar as propostas de contratos, nem para vincular a mandante a essas propostas, no âmbito de um determinado procedimento pré-contratual.

Como também se esclareceu no acórdão do TCAN citado: “a qualidade de administrador pode ser aferida pela certidão permanente da concorrente, já assim não sucedendo nos casos em que, como o presente, a assinatura aposta não pertence aos administradores, situação em que os poderes concedidos a quem represente a sociedade e o que devem abranger têm de estar devidamente discriminados e concretizados”.

E, no caso, como alegado pela Recorrente, não fazendo o Senhor L... parte dos órgãos sociais da sociedade, deveria o instrumento de mandato especificar e pormenorizar os poderes conferidos ao mandatário e o âmbito da sua atuação. Não o fazendo corretamente, como no presente caso, deve considerar-se que a procuração é insuficiente para extrair da mesma que foram conferidos ao mandatário poderes para representar e vincular a sociedade mandante, neste concreto procedimento.

Na verdade, do termo “negociação” não se pode retirar que foram conferidos os poderes necessários à realização de todos os actos preparatórios necessários à celebração dum determinado negócio jurídico, como sejam, a formulação de propostas contratuais, ou, no caso da contratação pública, a elaboração dos atributos da proposta. Da mesma forma, o mandato para “envio de propostas contratuais”, por si só, não implica necessariamente poderes para a sua submissão eletrónica.

Por outro lado, a expressão “outorga de contratos de prestação de serviços” não se refere já à fase pré-contratual, mas à sua fase posterior. Não releva, pois, para a fase do procedimento aqui em apreciação.

Mas mesmo se se entendesse que a procuração conferia poderes para elaborar, apresentar e submeter propostas/documentos na plataforma electrónica onde correria o procedimento pré-contratual, sempre se não poderia concluir que estava conferido ao procurador o poder de, por si, obrigar a sociedade. Neste exacto sentido o acórdão do STA de 9.04.2014, proc. nº 40/14, onde se concluiu que tal instrumento “cingia-se à função de submeter documentos na plataforma electrónica onde correria o procedimento pré-contratual, não conferindo ao procurador o poder de, por si, obrigar a sociedade”.

Assim, tem o recurso que proceder e a sentença do tribunal a quo revogada, pois que a proposta da Contra-interessada D..., aqui Recorrida, viola o disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CCP, o que acarreta a exclusão da mesma nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP;

E, anulada a decisão de adjudicação impugnada, em face do que vem provado, deve a Entidade Demandada ser condenada a proferir decisão de adjudicação à proposta da ora Recorrente por ser a melhor classificada de entre as admitidas.

Nada mais cumpre apreciar, por ter ficado prejudicado.



III. Conclusões

Sumariando:

i) No âmbito da contratação pública é exigido que, para além destes poderes para a representação em contratos, sejam conferidos poderes específicos para obrigar/vincular a concorrente no âmbito da contratação electrónica, poderes que devem ser expressos, como se retira do n° 4 do artº 260° do CSC.

ii) A procuração que confere genericamente poderes para “negociar” e “enviar” propostas de contratos, não confere ao procurador o poder de, por si, obrigar a sociedade mandante.

iii) Sendo a proposta apresentada em violação do disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CCP, deve ser excluída nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e condenar a Entidade Demandada no pedido.

Custas pelos Recorridos, não sendo devido o pagamento da taxa de justiça nesta instância pelo Recorrido Público, uma vez que não contra-alegou.


Lisboa, 28 de Maio de 2020


Pedro Marchão Marques

Alda Nunes


Lina Costa