Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 235/13.6 BEPNF |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 07/13/2023 |
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Relator: | ANA CRISTINA DE CARVALHO |
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Descritores: | VÍCIO DE FORMA JUROS INDEMNIZATÓRIOS |
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Sumário: | A anulação de um acto de liquidação fundamentada em vício formal de preterição da formalidade essencial do direito de audição prévia, não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, para o efeito de atribuir o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – Relatório A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por V., S. D. S.A., contra o acto de Taxa de Segurança Alimentar Mais – Ano 2012, veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo terminam as suas alegações de recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: « I) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou totalmente procedente a Impugnação Judicial deduzida contra a aplicação da taxa de segurança alimentar - Mais (TSAM) no montante de € 8.139.60 (oito mil cento e trinta e nove euros e sessenta cêntimos) titulado pela Factura n ° ../F, elaborada pelo Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território - Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais” II) Compulsado o probatório não é dado por provado que o tributo tenha sido pago. III) Analisados os documentos juntos aos autos, nomeadamente, aqueles que foram apresentados pela A, não se descortina tenha sido evidenciado o pagamento do montante em causa e a reconstituição a que alude o art. 100º da LGT terá de se reduzir à anulação do ato tributário IV) Ainda que assim não fosse e tudo quanto dissemos, enfim, não se verificasse, é sabido que os nossos tribunais superiores têm entendido que os vícios formais ocorridos no seio de um procedimento embora possam conduzir à anulação da liquidação/tributo, ou, in casu, da TSAM – não configuram erro imputável aos serviços V) Pelo que, se o Tribunal a quo julga, por um lado, procedente a presente Impugnação Judicial assente na verificada preterição de formalidade essencial (art. 60º da LGT) reconhecendo à Impugnante, por outro lado, nos termos do art. 43º da LGT o pagamento de juros indemnizatórios suportado no vício formal que apreciou – incorre em erro de apreciação jurídica. VI) Entendemos, pois, que, perante os erros de julgamento enunciados, a saber: - Insuficiência do probatório - Deficiência instrutória e, - Incorreta apreciação jurídica, mostrando-se violado o disposto nos arts. 43º, nº 1 da e 74º, nº 1, ambos da LGT VII) Não pode a douta sentença manter-se na Ordem Jurídica, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que reconhecendo o mérito trazido no presente recurso julgue parcialmente procedente a presente Impugnação Judicial, absolvendo a AT do pagamento de juros indemnizatórios Termos em que, deverá ser considerado procedente o recurso ora apresentado, revogando-se a douta sentença recorrida julgando-se parcialmente procedente a presente Impugnação Judicial.» Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a recorrida contra-alegou rematando as suas alegações formulando as seguintes conclusões: «A – Ao contrário do que a Fazenda Pública parece fazer crer, o facto de a Recorrida não ter procedido à junção do comprovativo de pagamento da TSAM de 2012, não é impeditivo da condenação da Fazenda no pagamento de juros indemnizatórios. B – O pagamento da TSAM, que a Recorrida realizou no prazo para o efeito, é do perfeito conhecimento da DGAV, entidade pública beneficiária da Taxa de Segurança Alimentar Mais. C – E por essa mesma razão é que a DGAV não instaurou qualquer processo de cobrança coerciva contra a aqui Recorrida. D – Pelo que a tese da Recorrente é violadora do princípio da verdade material, ao qual a Fazenda Pública se encontra vinculada, com vista ao apuramento real dos factos e da aplicação justa do direito. E – Se existe a obrigação de restituição do montante indevidamente pago pela Recorrida, a título de TSAM de 2012, em virtude da procedência da Impugnação Judicial – obrigação esta que a Recorrente não põe, sequer, em causa –, existe, naturalmente, um reconhecimento de que foi paga a Taxa de Segurança Alimentar Mais de 2012. Caso contrário, não seria de restituir algo que não foi previamente pago! F – Pelo que os pressupostos para o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, previstos no artigo 43.º da LGT se encontram preenchidos, in casu, pois houve pagamento do tributo (da TSAM) e erro imputável aos serviços. G – Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano resultante do facto de o sujeito passivo ter ficado privado ilicitamente, durante certo período, de uma quantia. Assim, o pagamento dos juros indemnizatórios visa colocar o sujeito passivo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que, indevidamente, lhe foi exigido. H – A distinção de “erro” e “vício” para efeitos de averiguação do direito a juros indemnizatórios, só relevando o primeiro para a sua atribuição, traduz-se na violação da teoria da reconstituição da situação actual hipotética em virtude de anulação de um acto tributário, plasmada no artigo 100.º da LGT. I – Tal distinção pode levar a um tratamento diferenciado dos contribuintes, de forma injustificada, pelo que não deve ser esse o critério utilizado para aferir da atribuição ou não de juros indemnizatórios. J – Tendo os juros indemnizatórios uma função reparadora do dano causado, esta reparação deverá ocorrer em todas as situações em que tenha resultado para o contribuinte um prejuízo ilícito – o que se verifica no caso concreto, uma vez que a Recorrida se viu obrigada a pagar uma quantia de não lhe era, sequer, exigível! K – Assim, pressupondo que exista dano resultante do pagamento indevido de uma quantia apurada numa liquidação que está inquinada por violação de disposições legais, - que é o caso! – não haverá que distinguir se o erro praticado pela administração respeita aos pressupostos de facto ou direito que inquinam a própria determinação da relação jurídica tributária, ou se tal conduta ilegal é referente a violações de normas procedimentais, que se reconduzem a vícios não substanciais. Em qualquer dos casos, poderá haver lugar à atribuição de juros indemnizatórios ao contribuinte. L – Conclui a Recorrida que são devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, nas situações em que se verifique qualquer "ilegalidade" geradora da anulação, total ou parcial de actos tributários, como é o caso da preterição de uma formalidade essencial, assim se devendo subsumir no dito "erro imputável aos serviços", enquanto pressuposto do direito a juros indemnizatórios. M – Por tudo quanto ficou dito, resulta necessariamente que o acto praticado, diga-se a liquidação, tem de ser ANULADO, devendo ser restituído o montante pago a título de TSAM, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data de pagamento da liquidação até à data de processamento da respectiva nota de crédito, Nestes Termos, Deverão V. Exas. negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida que determinou a anulação do acto de liquidação da TSAM e a consequente condenação da Recorrente na restituição do montante indevidamente pago pela Recorrida a título de TSAM, i.e, € 8.139,60, bem como no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data de pagamento da liquidação até à data de processamento da respectiva nota de crédito.» O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.
II – Delimitação do objecto do recurso O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas e tendo presente que a recorrente expressamente declara «que não colocando em causa a violação do direito de audição que o tribunal a quo deu por verificado embora não se conforme com a decisão de a condenar no pagamento de juros indemnizatórios», importa apreciar e decidir: i) se ocorre erro de julgamento por défice instrutório; ii) se incorreu em erro de julgamento de facto por insuficiência do probatório; iii) e se incorreu em erro de julgamento de direito por incorreta apreciação jurídica, em violação do disposto nos artigos 43.º, n.º 1 e 74.º, n.º 1, ambos da LGT. * III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1 – Fundamentação de facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1) A Impugnante dedica-se à exploração comercial do Hipermercado denominado E. L. sito em V., cujas instalações contêm uma área de 1.940,00 m2 respeitantes á área de comércio de produtos de origem animal e vegetal, frescos e congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados – cfr. planta, a págs. 32 do suporte digital dos autos; 2) No dia 07 de Novembro de 2012 foi emitida, em nome da Impugnante, a factura 0000…/F do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, onde consta “Qtd 1995 […] Item Taxa de Segurança Alimentar Mais – Ano 2012 (Decreto-Lei n.º 119/2012 e Portaria n.º 215/2012) […] Preço unitário 4,08 […] Valor sem IVA 8.139,60 […] Total Factura € 8.139,60” – cfr. factura, a págs. 206 do suporte digital dos autos; 3) Pelo ofício 019186 da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, de 13 de Novembro de 2012, foi a Impugnante informada que “Como é do conhecimento do V.Exª, o Decreto-lei nº 119/2012, de 15 de Junho, criou, a Taxa do Segurança Alimentar Mais, a qual constitui uma contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comercio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no n.º 1 do artigo 9.9 do mencionado diploma. Nos termos das disposições conjugadas do n 9 3 do artigo 5° e do n9 2 do artigo 10.º, ambos da Portaria n* 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direcção-Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar. Assim, fica V.Exª notificado(a) que, nos termos do n.9 1 do artigo 2 9 da portaria supracitada, o montante devido é de €8.139,60 (Oito mil cento e trinta e nove euros e sessenta cêntimos) conforme fatura n…/F em anexo, sendo este o resultado da aplicação da taxa fixada no nº 1 do artigo 10.9 do mesmo diploma, para o ano de 2012, à área de venda declarada pelo sujeito passivo, sem prejuízo da aplicação do disposto no n.9 3 in fine do artigo 10.º da mencionada portaria. O pagamento da taxa no corrente ano, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 10.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, poderá ser efetuado através de multibanco ou cheque, devendo o mesmo ser realizado no prato de 60 dias uteis, a contar da presente notificação, conforme previsto no n.9 2 do artigo 10.º do mesmo diploma. Alerta-se que, nos termos do n.º 1 do artigo 7.9 da referida portaria, a falta de pagamento da taxa no prato estabelecido constitui o devedor em mora, sendo devidos juros legais desde a data do vencimento da prestação. Por último, informa-se que a presente notificação poderá ser objeto de impugnação nos termos dos artigos 99.º c seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário, no prato de 90 dias a contar do termo do prato para o respetivo pagamento” – cfr. ofício, a págs. 205 do suporte digital dos autos; 4) Pelo registo postal RC7…..1PT foi enviada, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a petição que deu origem ao presente processo – cfr. envelope, a págs. 50 do suporte digital dos autos.» Mais se fez constar na sentença recorrida o seguinte: «Factos não provados Não se deram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da lide. Quanto à motivação sobre a matéria de facto fez-se menção de que «Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais. A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos, bem como o do PA apenso aos autos.» * III. 2 – Fundamentação de direito
A sentença que constitui o objecto do presente recurso decidiu a questão de fundo, julgando verificada a violação do direito de audição prévia, pois «não foi dada oportunidade à Impugnante de se pronunciar antes da liquidação [onde poderia invocar, como faz no presente processo, erros de cálculo ou a isenção da taxa], omissão de formalidade essencial que acarreta a invalidade da liquidação» decisão com a qual a recorrente se conformou, visto que dela não recorreu. O objecto do recurso constitui assim, a decisão quanto aos juros indemnizatórios. O Tribunal recorrido concedeu provimento ao pedido de condenação a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios sustentando-se no seguinte discurso fundamentador: «Nos termos do artigo 100.º da LGT, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a Administração Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei. Por isso, a reconstituição justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido [nesse sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de Setembro de 2015, processo 08862/15]. Assim sendo, “o contribuinte é ressarcido – relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossado do imposto pago e não devid o- por via dos juros indemnizatórios ou moratórios, a administração tributária é ressarcida – relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossada do imposto devido - por via dos juros compensatórios, cfr. artigo 35º, n.º 1 (são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária) e por via dos juros moratórios, cfr. artigo 44º, n.º 1 (são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal), ambos da LGT, sendo que os juros compensatórios se integram na dívida de imposto, cfr. artigo 35º, n.º 8 e, portanto, sobre os mesmos incidirão os respectivos juros moratórios quando devidos.” [Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 07 de Julho de 2017, processo 0279/17]. Nos termos do número 5 do artigo 61.º do CPPT, os juros “são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”. Tendo em conta o exposto, e a sobredita anulação da liquidação, tem a Impugnante direito a juros indemnizatórios, desde a data de pagamento da liquidação até à data de processamento da respectiva nota de crédito, ficando a Fazenda Pública condenada no seu pagamento.» Alega a recorrente que perante os erros de julgamento por insuficiência do probatório e deficiência instrutória que implicam que não se possa «manter a sentença na Ordem Jurídica, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que reconhecendo o mérito trazido no presente recurso julgue parcialmente procedente a presente Impugnação Judicial, absolvendo a AT do pagamento de juros indemnizatórios». Não obstante o défice instrutório e o erro de julgamento de facto se configurarem como um erro de julgamento, têm na sua génese circunstancialismos de facto e de direito diferentes. No primeiro caso, está em causa a omissão de diligências de prova que se impunha ao Tribunal realizar e que eram susceptíveis de conduzir à fixação de factos capazes de alterar a decisão de direito. Já no segundo caso, embora tenham sido realizadas as diligências de prova, o Tribunal, não retirou dessa produção as ilações de facto e de direito que devia ter extraído. Neste sentido o Acórdão deste Tribunal datado de 28/2/2019, proferido no processo n.º 1054/18.9BESNT. No caso dos autos, a recorrida invocou ter efectuado o pagamento da liquidação, conforme resulta do artigo 6º da petição inicial, declarando juntar 3 documentos que efectivamente juntou, sem que algum deles diga respeito à prova do referido pagamento e sem que tenha protestado juntar algum documento. A prova dos factos alegado deve ser efectuada com o articulado respectivo. No caso, com a petição deve a impugnante oferecer os documentos de prova de que dispuser, conforme resulta expressamente do n.º 2 do artigo 108.º do CPPT. Competindo aos serviços da administração tributária instruir os autos com as informações sobre os elementos oficiais que digam respeito à colecta impugnada e sobre a restante matéria do pedido, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 111.º do mesmo código. Persistindo dúvidas sobre os factos, e uma vez que lhe cabe apresentar a contestação nos autos, diremos nós, que a Fazenda Pública é investida no poder de solicitar esclarecimentos e o fornecimento de elementos e documentos de prova adicionais. Por fim, importa acrescentar que, estando em causa um facto essencial ou complementar em relação à decisão a causa, a persistirem dúvidas sobre eles, pode o Tribunal ordenar as diligências de prova necessárias, com fundamento no poder/dever que lhe é conferido pelo artigo 114.º do CPPT. Do que se deixou dito, impor-se-ia determinar a baixa dos autos ou a realização de diligências instrutórias por este Tribunal destinadas a complementar a prova. No entanto, resulta à saciedade a conclusão de que, na falta de prova sobre o pagamento da taxa impugnada, constituiria um acto inútil que o Tribunal deve abster-se de praticar, por força do que se dispõe no artigo 130.º do CPC, aqui aplicável por remissão operada pelo artigo 2.º alínea e) do CPPT. Seria um acto inútil, na medida em que o desfecho da decisão sobre sempre seria o mesmo, atento o fundamento da procedência da impugnação. Com efeito, caso não se tenha verificado o pagamento, não há lugar à condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Caso o pagamento tenha tido lugar, atentos os contornos do caso concreto, desde já importa adiantar que, também não se verificam os pressupostos determinantes da condenação da Fazenda Pública ao pagamento dos referidos juros. Assim sendo, passaremos à apreciação da questão da verificação do erro de julgamento de direito no que se refere ao segmento da sentença que condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios. Há muito que esta norma tem vindo a ser interpretada pelos Tribunais superiores, de forma reiterada e uniforme, no sentido de que os juros indemnizatórios não são devidos quando a impugnação do acto de liquidação procede com fundamento em vício de forma, como sucede nos casos de preterição de formalidade essencial, de natureza procedimental, constituindo um caso paradigmático a preterição do direito de audição prévia, tal como ocorre no caso dos autos. Neste sentido, pode ver-se, por todos, a decisão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário proferida em datado de 11/12/2019 em recurso por oposição de Acórdãos proferido no processo n.º 0847/14.0BEVIS que procedeu à uniformização de jurisprudência já efectuada antes, no seguinte sentido: «o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal (que o caso concreto é de preterição do direito de audição) inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.» Por inexistirem alterações legislativas que imponham solução diferente, impõe-se aderir à aludida jurisprudência, acolhendo aqui a fundamentação que determinou a solução jurídica enunciada. Conforme se afirma no referido Acórdão «O direito a juros indemnizatórios está consignado no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária e está configurado para situações de pagamento indevido da prestação tributária e para situações de erro na liquidação, imputável aos serviços da Administração Tributária. Com efeito, dispõe o referido preceito o seguinte: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». A questão agora suscitada consiste em saber se tendo sido anulado o ato de liquidação com fundamento em preterição do direito de audição prévia do contribuinte, pode tal julgamento sustentar a decisão recorrida na parte em que atribuiu juros indemnizatórios à impugnante. A questão já não é nova e tem sido decidida por este Supremo tribunal de modo uniforme (os acórdãos proferidos nos processos 080/07 de 21.01.2007, 0244/08 de 01.10.2008, 0622/08 de 29.10.2008, 0892/09 de 02.12.2009, 0945/08 de 21.01.2009, 0369/09 de 09.09.2009, 665/09 de 04.11.2009, 0942/09 de 20.01.2010, 01091/09 de 03.02.2010, 0876/09 de 08.06.2011, 0416/11 de 07.09.2011, bem como o acórdão do Tribunal Constitucional proferido no processo n.º 203/13 de 22.01.2014) em sentido contrário ao propugnado na decisão recorrida do TCANorte. Disso mesmo nos dá conta o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA de 28/11/2018 tirado no recurso nº 087/18.0 BALSB assim sumariado: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.” Não ocorrem razões ou fundamentos relevantes para alterar esta jurisprudência que vem sendo seguida ao longo do tempo, pelo que remetemos para a expressão do referido aresto do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA, o qual atendendo ao conteúdo do acórdão fundamento que considerou (considerou o acórdão do STA proferido em 7 de Setembro de 2011, no processo nº 0416/11) além do mais expressou: (…) o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Ou seja, a lei quis somente relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a Administração Tributária a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não relevando, assim, os vícios que, ferindo, embora, de ilegalidade o acto, não impliquem uma errónea definição daquela relação, não impliquem a existência de uma liquidação superior à legalmente devida (como acontece com os vícios formais ou procedimentais). Na verdade, o reconhecimento judicial de um vício formal nada diz ou revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação tributária face às normas substantivas, pois que se limita a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar, não implicando, pois, a existência de um vício na relação jurídica tributária, nem a existência de um juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração. Sobre esta questão, o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Na anotação 5ª ao artigo 61.º do “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado” a fls. 472.) pronuncia-se em termos impressivos e que, por isso, não resistimos a citar: «A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão “erro” tem um âmbito mais restrito do que a expressão “vício”. Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão “vícios” quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101º (arguição subsidiária de vícios) e 124º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos deste Código. Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão “erro”, tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios. Esta é, aliás, uma restrição que se compreende. Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento judicial de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu. Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência de esse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Por isso, justifica-se que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele. Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação. Por isso se justifica que, nestas situações, não se comprovando a existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária. Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento judicial de um vício de forma ou de incompetência fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer. Assim, compreende-se que, nos casos em que há uma anulação de um acto administrativo ou de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, casos em que há a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, seja atribuída uma indemnização (no caso sob a forma de juros), e não seja feita idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação.». Neste enquadramento, se o acto de liquidação é anulado por força de uma ilegalidade que não implica uma errada definição da situação tributária, isto é, de uma ilegalidade que não implica forçosamente que a prestação tributária seja legalmente indevida, não pode falar-se em direito a juros indemnizatórios à luz do artigo 43.º da LGT. Esta já era, aliás, a leitura que a jurisprudência vinha fazendo do preceituado no artigo 24.º do Código de Processo Tributário, pese embora o preceito fosse bem mais equívoco, dispondo, tão somente, que havia direito a juros indemnizatórios «quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços» - cfr. os Acórdãos do STA proferidos em 17/11/04, no Rec. nº 772/04, em 27/06/07, no Rec. nº 080/07 e em 5/05/99, no Rec. nº 05557A. No caso vertente, a anulação dos juros compensatórios liquidados à Impugnante resultou de vício formal de falta de fundamentação, e não de qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido dessa prestação tributária à luz das normas substantivas. Consequentemente, face às considerações que antecedem e dado que a Administração Tributária pode, perante o julgado, e desde que elimine o referido vício formal do acto de liquidação, praticar novo acto de igual conteúdo e proceder à liquidação do mesmo montante de juros compensatórios por ser esse montante legalmente devido em face das normas substantivas, não pode concluir-se, à luz do artigo 43.º da LGT, que se encontram reunidos os requisitos para a Impugnante poder ser indemnizada por ter ficado desprovida da quantia paga em resultado da liquidação anulada. (…)” Ora, também no presente recurso, o arbítrio de juros indemnizatórios à Impugnante resultou da consideração da ocorrência de um vício formal da liquidação que determinou o TCA Norte a anulá-la, e não de qualquer ilegalidade pelo que é indevido o arbítrio de juros indemnizatórios à luz das normas substantivas, sendo inteiramente transponível para o presente caso a análise jurídica do referido acórdão do Pleno.» Também no caso dos presentes autos, a procedência da impugnação foi determinada pela verificação pelo Tribunal recorrido de que foi preterido o direito de audição prévia, vício de natureza formal, já que não incide sobre a relação jurídica material e que determina a anulação do acto de liquidação para que seja praticado novo acto expurgado do vício procedimental que o Tribunal declarou padecer o acto final. Ora, sustentando-nos na fundamentação do STA supra referida, concluímos que o recurso merece provimento não se podendo manter a condenação da Fazenda Publica no pagamento de juros indemnizatório. * A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. Ficando a Recorrida vencida na acção, sobre ela impende este ónus (cf. n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT e artigo 6.º, n.º 2 , do Regulamento das Custas Processuais, aprovado e publicado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e Tabela I-B anexa ao mesmo). * IV – CONCLUSÕES
A anulação de um acto de liquidação fundamentada em vício formal de preterição da formalidade essencial do direito de audição prévia, não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, para o efeito de atribuir o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.
V – DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes que integram a Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença no segmento recorrido e julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
Custas pela Recorrida.
Lisboa, 13 de Julho de 2023. Ana Cristina Carvalho - Relatora Hélia Gameiro – 1ª Adjunta Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta |