Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:755/07.1BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:03/21/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PRESCRIÇÃO.
INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL.
INFRACÇÃO INSTANTÂNEA.
INFRACÇÃO CONTINUADA.
DANOS NOVOS.
Sumário:I - O início do prazo prescricional de 3 anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo Direito, bastando que aquele tenha a consciência da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade - a existência de facto ilícito e culposo e a verificação dos prejuízos, com nexo de causalidade entre aquele e estes;
II - Para a aferição do que seja o conhecimento pelo lesado do seu direito de indemnização, importa apurar, casuisticamente, das circunstâncias que objectivamente justificam que aquele lesado deva ter tal conhecimento. Haverá que avaliar se aquelas circunstâncias concretas permitiriam a um qualquer hipotético lesado, usando de uma diligência média, percepcionar ou consciencializar da existência de um direito a ser indemnizado.
III- Ocorrendo uma infracção instantânea, o prazo da prescrição inicia-se a partir da data em que ocorre o evento danoso. Se a infracção for continuada, o prazo da prescrição mantém-se iniciado na data em que o lesado, pela primeira vez, tomou conhecimento do seu direito indemnizatório, ainda que desconhecesse da respectiva extensão dos danos. Por conseguinte, para todos os danos que decorram do facto ilícito inicialmente constatado, que se sucedam a esse facto e que dele derivem directamente, porque danos de uma mesma espécie ou tipo, para os danos que representem um mero agravamento – qualitativo ou quantitativo – de danos anteriores já verificados, o prazo de prescrição mantém-se a contar a partir da data inicial em que o lesado tomou conhecimento do seu direito indemnizatório;
IV – Ressalvam-se, no entanto, os danos novos, os danos que não decorram dos anteriores, que não sejam um mero agravamento dos mesmos, a danos não previsíveis e expectáveis, pois relativamente a estes danos novos, não poderia o lesado, no momento inicial do facto ilícito e danoso, ter conhecimento ou prever a sua ocorrência. Aqui, o prazo da prescrição para a globalidade dos danos não pode ser encontrado apenas por reporte para o prazo especial do art.º 498.º, n.º 1, do CC, mais curto, de 3 anos, mas tem de conjugar-se com o prazo da prescrição ordinária, de 20 anos, devendo entender-se que o direito de indemnização prescreve 20 anos após o início do evento danoso, ainda que o correlativo direito de indemnização relativamente aos novos danos tenha de ser invocado até 3 anos após a data em que o lesado toma conhecimento da verificação dos novos danos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO
O.... interpôs recurso da decisão do TAF de Leiria, que julgou verificada a excepção de prescrição.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”1 - A douta sentença, proferida pelo Tribunal a quo, decidiu pela absolvição dos Réus Estado português, Município de Caldas da Rainha e Freguesia do N......, por entender ter-se verificado a prescrição da responsabilidade do Estado português e que a mesma aproveita aos demais réus;
lI - Acontece que, tal interpretação revela-se deturpada e redutora do conteúdo e sentido da PI intentada pelo Autor;
III- O Tribunal a quo considerou que o Autor invocou como facto ilícito o alagamento do tio da Cal ocorrido no ano 1999 e que a partir desse facto se provocaram todos os danos cujo ressarcimento exige, entendendo que, uma vez que o Autor tinha conhecimento desses factos desde 1999, como terão decorrido mais de três anos até à interposição da acção, o seu direito prescreveu;
IV - No entanto, a verdade é que o Autor, na PI, apresentou diversos factos praticados, uns por acção, outros por omissão, por diversas entidades, os aqui Réus, tendo apresentado os danos sofridos, como fruto da sucessão e conjugação desses factos;
V - Contrariamente ao que consta da douta sentença, que terá assentado numa incorrecta leitura da PI, o alagamento do rio, verificado em 2000, cujas águas invadiram a propriedade do Autor, tomando-a, nesse ano inutilizável para o fim agrícola, não constitui o único facto que o Autor indica para fundamentar, de resto, o Autor referiu-se a diversos factos, ocorridos nos anos subsequentes, como provocadores dos danos cuja também reparação exige;
VI - O Autor imputa ao Réu, Estado português, a prática de vários factos, cuja verificação se reiterou todos os anos subsequentes a 1999 e com a verificação de uma nova realidade, ocorrida no ano de 2006 e traduzida na contaminação dos solos e a sua inutilização definitiva;
VII - Na PI destaca-se a referência a novos factos em 2006, as quais não se reportam ao verificado no ano 1999, não sendo já uma decorrência do mesmo facto, nem sequer o seu agravamento;
VIII - Não é, por isso, verdade que o Autor tenha invocado um único facto, uma única causa, a ocorrida em 1999, pois, a cada ano que passou, o Autor teve conhecimento que o rio voltou a alagar e as culturas a perderem-se, ou seja, em 2000 teve conhecimento do ocorrido nesse ano, em 2001 da respectiva ocorrência e consequente dano e assim sucessivamente, ocorrências que tiveram origem em novas actuações omissivas dos RR, sendo certo que em cada ano apenas teve conhecimento do dano verificado nesse ano, desconhecendo se no ano seguinte se repetia o mesmo facto e idêntico dano;
IX- Já em 2006 teve conhecimento dos factos que se traduziram em perdas futuras e irreversíveis, com a contaminação do solo e com consequências futuras, as quais provocaram: a) a perda definitiva das colheitas futuras, b) o dano ambiental, c) a ameaça ao seu bem estar físico e da sua saúde, d) a afectação da qualidade de vida;
X- O Autor imputa responsabilidade ao Estado Português por factos omissivos diferentes, ocorridas em anos diferentes;
XI- Também o pedido formulado pelo Autor não consubstancia um único dano, proveniente de um único facto, o Autor peticionou a indemnização pelos danos causados em cada ano, pela perda dos lucros provenientes da venda dos produtos, dos subsídios e rendas que deixou de auferir, também a perca das colheitas para os próximos 20 anos, ainda a inutilização do solo e o dano ecológico;
XII - Por tudo quanto se disse, não se pode aceitar que o direito do Autor tenha prescrito, com o fundamento de o Autor ter tido conhecimento do facto gerador do dano no ano 1999, não se podendo aceitar a subsunção do facto ao art.0 498.0 do CC e muito menos, a consequência daí decorrente;
XIII - Não pode, nomeadamente, operar a prescrição, pelo menos dos factos ocorridos a partir de 2003 e particularmente em 2006.
XIV- O Autor imputa aos Réus factos diferentes, causadores de consequências também distintas, simplesmente, comutou tudo na mesma acção, por pretender exigir a reparação da totalidade do dano sofrido;
XV- Para além do mais, a prescrição mesmo que ocorresse em relação ao Estado Português, não se verifica em relação aos restantes réus, porquanto, a estes são imputados factos diferentes.
NORMAS VIOLADAS
A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, viola os art.ºs 483.0 e 498.1 do CC, art.º 41.0 da Lei 11/87, de 7 de Abril.”

O Recorrido Estado Português (EP) nas contra-alegações formulou a seguinte conclusão: “ 1. O prazo de prescrição do direito à indemnização resultante de responsabilidade extracontratual é de três anos e inicia-se a partir a partir da data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos em que assenta tal responsabilidade – art. 498º nº 1 do Código Civil.
2. É entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência que o prazo em causa se inicia a partir do momento em que o lesado teve conhecimento dos elementos constitutivos do direito à indemnização, ainda que nessa data não conheça a extensão dos danos.
3. O ora recorrente refere que os factos que alegadamente são constitutivos da responsabilidade extracontratual ocorreram em meados de 1999, tendo o mesmo sofrido prejuízos desde 2000.
4. A data a partir da qual o interessado teve conhecimento do seu alegado direito à indemnização por violação do direito a obter decisão em prazo razoável coincide com o início dos prejuízos que alega ter sofrido, ou seja, o ano 2000, momento em que se inicia a contagem do prazo de prescrição.
5. O Réu Estado Português foi citado para a presente acção em 3/8/2007,
6. Pelo que já há muito se mostrava esgotado o prazo de prescrição do direito à indemnização.
7. O modo como o ora recorrente articula a acção por si interposta e os factos que alega configuram uma situação de litisconsórcio passivo necessário – art. 28º e 29º do CPC.
8. O que desde logo resulta claro do pedido formulado, a saber, a condenação solidária dos Réus no pagamento da indemnização peticionada.
9. Assim sendo a prescrição ocorrida aproveita a todos os Réus, conforme decorre do preceituado no art. 301º do Código Civil.
10. Em face do quer fica exposto deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida.”

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.


II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 483.º, 498.º do Código Civil (CC) 41.º da Lei n.º 11/87, de 07-04, 27.º e 28.º do CPC, porque para além do alagamento do Rio da Cal no ano de 1999 e 2000, resultante da omissão do dever do Estado de cuidar das margens de tal rio, como facto ilícito, o A. e ora Recorrente invocou alagamentos nos anos sucessivos e a contaminação dos solos no ano de 2006, factos novos que lhe provocaram novos danos face aos que resultaram do alagamento inicial, e porque a prescrição não aproveita os demais RR., a quem se imputou acções ou omissões diferentes das imputadas ao EP.

Conforme o art. 498.º, n.º 1, do CC, “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
Por seu turno, nos termos do art.º 306.º, n.º 1, do CC, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Por conseguinte, atendendo aos termos dos citados preceitos legais, tem-se entendido, que o início do prazo prescricional de 3 anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo Direito, bastando que aquele tenha a consciência da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade - a existência de facto ilícito e culposo e a verificação dos prejuízos, com nexo de causalidade entre aquele e estes.
Nestes termos, considera-se que o lesado passa a conhecer do seu direito indemnizatório e que o pode exercitar logo que saiba que determinado evento ilícito ocorreu, se concretizou, e desde que verifique a existência de danos, daí decorrentes. Exige-se uma mera percepção subjectiva, que se alheia à certeza do Direito, isto é, não tem o lesado de estar ciente dos fundamentos legais, da razão jurídica que justifica o seu Direito, bastando-lhe o conhecimento fáctico da situação que funda os prejuízos e a consciência da possibilidade legal de ser ressarcido desses prejuízos através de uma indemnização.
Conforme o Ac. do STA, P. 44595, de 20-04-1999, “o conhecimento do direito de indemnização de que fala o n.º 1 do art. 498º, do Cód. Civil, verifica-se sempre que ocorra um circunstancialismo objectivo seja susceptível de levar qualquer homem médio, colocado em situação idêntica, a tal conhecimento daquele direito, sem que o mesmo tenha que abranger a extensão integral dos danos” (cf. também, entre muitos, os Acs. do STA, P. 950/02, de 18-04-2002 ou P. 0597/04, de 01-6-2006, ou do TCAS n.º 8572/12, de 22-06-2017).
É também jurisprudência pacífica que “a lei tornou o início daquele prazo independente da extensão dos danos, concedendo ao lesado a possibilidade de formular pedido genérico de indemnização, na intenção de aproximar, quanto possível, a data de apreciação dos factos em juízo do momento em que estes se verificaram” (in Ac. do STA n.º. 37634, de 09-07-1998 ou n.º 0597/04, de 06-07-2004).
Portanto, para a aferição do que seja o conhecimento pelo lesado do seu direito de indemnização, importa apurar, casuisticamente, das circunstâncias que objectivamente justificam que aquele lesado deva ter tal conhecimento. Haverá que avaliar se aquelas circunstâncias concretas permitiriam a um qualquer hipotético lesado, usando de uma diligência média, percepcionar ou consciencializar da existência de um direito a ser indemnizado.
Quanto ao início da contagem do prazo prescricional, ocorrendo um só acto ou conduta danosa, apurado num dado momento temporal - ocorrendo uma infracção instantânea - o prazo da prescrição inicia-se a partir da data em que ocorre o referido evento danoso. Por seu turno, se a infracção tiver natureza continuada ou permanente, porque a violação do direito se perpetua no tempo, o prazo da prescrição não se “renova” ininterruptamente no tempo, mas mantém-se iniciado na data em que o lesado, pela primeira vez, tomou conhecimento do seu direito indemnizatório, ainda que desconhecesse da respectiva extensão dos danos. Por conseguinte, para todos os danos que decorram do facto ilícito inicialmente constatado, que se sucedam a esse facto e que dele derivem directamente, porque danos de uma mesma espécie ou tipo, para os danos que representem um mero agravamento – qualitativo ou quantitativo – de danos anteriores já verificados, o prazo de prescrição mantém-se a contar a partir da data inicial em que o lesado tomou conhecimento do seu direito indemnizatório.
A única ressalva ocorre relativamente a danos novos, que não decorram dos anteriores, que não sejam um mero agravamento dos mesmos, a danos não previsíveis e expectáveis, pois relativamente a estes danos novos, não poderia o lesado, no momento inicial do facto ilícito e danoso, ter conhecimento ou prever a sua ocorrência. Aqui, o prazo da prescrição para a globalidade dos danos não pode ser encontrado apenas por reporte para o prazo especial do art.º 498.º, n.º 1, do CC, mais curto, de 3 anos, mas tem de conjugar-se com o prazo da prescrição ordinária, de 20 anos, devendo entender-se que o direito de indemnização prescreve 20 anos após o início do evento danoso, ainda que o correlativo direito de indemnização relativamente aos novos danos tenha de ser invocado até 3 anos após a data em que o lesado toma conhecimento da verificação dos novos danos.
Como se defende no Ac. do STJ n.º 180/2002.S2, de 22-09-2009, “partir do momento em que toma conhecimento dos danos que sofreu, o lesado dispõe do prazo de três anos para exercitar judicialmente o direito à respectiva indemnização, sem prejuízo de o prazo poder estender-se até 20 anos relativamente a danos – a novos danos – de que só tenha tomado conhecimento no triénio anterior.
Ao prever a aplicação do prazo de prescrição ordinário relacionando-a com o facto ilícito danos, reservando o prazo trienal para os casos de conhecimento do direito, a lei despreza, no prazo curto, a relevância data do facto ilícito danoso, como início do prazo extintivo, fazendo-a depender apenas do conhecimento do dano.
Prazo que, então, se justificará por o lesado, conhecendo o dano, estar de posse de todos os pressupostos de reparabilidade. Não sendo esse o caso, aplicar-se-á o prazo de prescrição ordinário, a contar da data do facto danoso, que será o elemento relevante.
Convergentemente, como se fez notar no acórdão impugnado, se a lei tornou o início do prazo independente do conhecimento da extensão integral dos danos, tendo em consideração a possibilidade de o lesado formular um pedido genérico de indemnização, tal pressuporá a verificação dos inerentes pressupostos, vale dizer, que não podendo ainda as consequências – dano e sua extensão total - do facto ilícito danoso ser determinadas de modo definitivo, há-de estar-se perante uma situação em que se perfilem danos futuros previsíveis (arts. 471º-1-b), 564º-2, 565º e 569º C. Civil).
Haverá, na verdade, que distinguir entre o agravamento previsível, a estabilização da extensão de um dano verificado e a ulterior verificação de novos danos previsíveis, por um lado, e os danos novos não previsíveis, por outro lado:
Na primeira hipótese estar-se á perante um caso de formulação de pedido genérico, a concretizar por meio de liquidação, em que é conhecido o dano, apenas se ignorando a sua extensão e evolução, justificando-se a prescrição de caso curto que tem como ratio a intenção do legislador “de aproximar, quanto possível, a data da apreciação da matéria em juízo do momento em que os factos se verificara” (A. Varela, ob. cit., 650);
Na segunda, porém, ocorrem novos factos constitutivos ou modificativos do direito a alegar e provar pelo autor, que escapam ao âmbito da liquidação (salvo havendo acção pendente e possibilidade de oferecimento de articulado superveniente – art. 506º CPC), incidente que pressupõe que os danos tenham ocorrido, embora não estejam, concretamente determinados (art. 661º-2).
Acolá, na primeira hipótese colocada, estaremos perante um único dano que se vai prolongando e manifestando no tempo, eventualmente com agravamento, cuja extensão, apesar de desconhecida, “pode ser prevista com razoáveis probabilidades, podendo, por isso, o tribunal fixar uma indemnização que abranja, também com razoáveis probabilidades, também o dano futuro”; o prazo prescricional curto inicia-se e corre, mesmo que o dano se não tenha “ainda consumado por completo”, pois que o lesado pode determinar, com probabilidade razoável, o dano total.
No último caso, sobrevém um novo dano ao facto ilícito ou o dano revelado por ocasião da prática desse facto, “que parecia limitado, mostra-se mais tarde ter diferente amplitude; aqui, a prescrição só começa a correr, “relativamente a este outro dano, na data em que dele tem o prejudicado conhecimento”, pois que o prejudicado está impossibilitado de determinar ou prever a totalidade dos danos (VAZ SERRA, “Prescrição do direito de indemnização” – BMJ- 87º-44).” (cf. também, o Ac. do STJ n.º 02B950, de 18-04-2002, n.º 2449/10.1TBAMT-A.P1, de 20-09-2012 ou n.º 1545/13.8TVLSB.E1, de 12-07-2016).
Também nas palavras do Ac. do TCAN n.º 00905/12.6BEPRT, de 03-05-2013, “A questão de determinar o «termo inicial de contagem» do prazo de prescrição implica, pois, essencialmente, a ponderação da factualidade provada, mediante recurso a regras da vida e experiência comum, de modo a poder ser formulado o juízo sobre o momento em que o concreto lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. Ressuma, pois, que o momento inicial de contagem do prazo de prescrição de três anos, prazo regra, coincide com o momento do conhecimento empírico dos pressupostos da responsabilidade pelo lesado concreto, conhecimento que deve enraizar suficientemente nos factos provados e deve potenciar ao lesado o exercício do seu direito”
(…) A nossa mais alta jurisprudência tem sublinhado que o prazo de prescrição é um só, e será dentro dele que tem de ser exercido o direito de indemnização relativamente à «extensão integral» dos danos, o que se percebe, e se louva nas razões de certeza e segurança que justificam o instituto em causa [entre outros, o AC STA 01.06.2006, Rº0257/06].
Assim, uma conduta lesiva, mesmo sendo de natureza «continuada», não é susceptível de afectar o «termo inicial» de contagem do prazo de prescrição aqui em causa, seja de modo a deferir o seu início para o momento da cessação da conduta danosa, seja de modo a gerar o contínuo surgir de novos prazos de prescrição relativos a cada dano instantâneo.
Todavia, se assim é, pela perspectiva da acção lesiva, já assim não terá de ser, necessariamente, pela perspectiva do dano, já que é este que, constatado pelo prejudicado, despoleta o fluxo cognitivo e volitivo que o leva a conhecer o seu direito e a reagir, ou não, contra o responsável pela agressão da sua esfera jurídica.
Destarte, se um determinado dano, porque leve ou tolerado, pode não desencadear qualquer reacção do respectivo prejudicado, tal não pode obstar a que novo dano, causado pela acção lesiva continuada, possa pôr termo a essa tolerância inicial, sendo certo que o «início do prazo de prescrição» relativo ao direito de indemnização por este «novo dano» não poderá, cremos, ficar refém do conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe competia relativamente aos «danos iniciais».
Tudo depende, assim, de estarmos perante «novo dano», ou seja, perante um dano que não se traduza em mero agravamento quantitativo ou qualitativo de danos anteriores, iniciais. E neste sentido restritivo deverá, a nosso ver, ser interpretada a expressão «extensão integral dos danos» presente no nº1 do artigo 498º do CC.” Nos mesmos termos deste acórdão, vide os Acs., proferidos posteriormente, do STA n.º 0619/15, de 01-10-2015 e do TCAS n.º 8088/11, de 23-10-2014.
Conforme carimbo aposto sobre a PI de fls. 1, a presente acção deu entrada no TAF de Leiria em 30-07-2007 e os RR. foram citados em 03-08-2007.
Através desta acção o A. e ora Recorrente pretende efectivar a responsabilidade civil extracontratual do EP, do Município das Caldas da Rainha e da Junta de Freguesia do N......, por terem omitido as condutas devidas para manter limpas as margens do Rio da Cal.
Alega o A. e Recorrente que desde meados do ano de 1999 verifica-se um progressivo assoreamento do Rio da Cal, que levou ao à subida do leito do rio e ao acumular de areias e lixos nas suas margens, que anualmente foram invadindo a sua propriedade. Esta situação fez com que desde o ano de 2000 o uso da propriedade para o fim agrícola não pudesse ser plenamente alcançado. Segundo o Recorrente, situação culminou com o arrombamento definitivo das margens do Rio, ocorrido em Novembro no ano de 2006, data a parir da qual o Rio passou a correr na propriedade do A. e Recorrente, inutilizando-se totalmente o seu uso, verificando-se também uma contaminação dos solos, derivada dos lixos que ali ficaram.
Considera o A. e Recorrente que todos os RR. tinham a obrigação de limpeza e conservação do Rio, assim contribuindo para o seu não assoreamento.
Diz o A. e Recorrente que o Município das Caldas da Rainha e a Junta de Freguesia ao alcatroarem uma estrada, antes de terra batida, a oeste da sua propriedade e ao reconstruírem duas pontes, de forma defeituosa, concorreram para o agravamento da situação.
Igualmente, alega o Recorrente que o Município não cuida devidamente dos esgotos e fez descargas de esgotos domésticos directamente para o Rio, assim agravando o problema, situação que reportou ao Director Nacional da DRAOT em 11-03-2003 e em 24-09-2003 e que se continuou a verificar nos anos seguintes e no ano de 2006.
Mais alega o A., ora Recorrente, que desde 19-04-2001 e até 2007 tem vindo a queixar-se dos prejuízos que estava a ter, à DRARN em 19-04-2001, em 17-09-2001 e constantemente no ano de 2002, à CCDR em 11-03-2003, em 24-09-2003 e constantemente nos anos 2004 e 2005 e em 10-01-2006, à Câmara Municipal de Caldas da Rainha em 27-04-2007 e à QUERCUS em 2007.
Ora, da conjugação do facto provado em C), com o teor do doc. 45 junto à PI, dado por reproduzido no âmbito daquele facto, resulta que em 05-11-2002 o A. dirigiu à DRARN uma exposição invocando o “entulhamento da Vala Real” e a completa inundação do seu prédio, o que não permitia o seu “amanho”.
Por seu turno, dos facto provados em facto C) e D) e do teor do doc. 43 junto à PI, dado por reproduzido no facto C), resulta que em 11-03-2003 o A. dirigiu à CCDR uma exposição invocando que “desde que a Vala Real foi atravessada pelo tubo da estação depuradora, ETAR de Caldas da Rainha, para o mar”, o seu prédio nunca mais foi drenado, porque subiu a cota da vala, com “acumulação de resíduos”, a inundação do seu terreno e que “desde há três anos, o Requerente não tem podido cultivar o seu prédio (…) o que lhe vem causando elevados prejuízos elevados”.
Também do facto provado em facto C) e do teor do doc. 44 junto à PI, dado por reproduzido no âmbito daquele facto, resulta que em 24-09-2003 o A. dirigiu à CCDR uma outra exposição reafirmando que o seu prédio desde há quatro anos está inundado e transformado num “enorme pântano”, o que o impede de o cultivar e o “que lhe vem causando elevados prejuízos”, assim como, refere que a ruptura do Rio da Cal “deve-se ao facto de servir de esgoto a céu aberto de tudo que devia passar pela estação de tratamento de resíduos, que não funciona”.
Por conseguinte, face às alegações feitas na PI e aos factos dados por provados em C), D), E) e F), teremos de concluir que pelo menos desde 19-04-2001, a data em que o A. e Recorrente afirma ter começado a apresentar queixas à DRARN, a invocar prejuízos derivados do assoreamento e da subida do Rio da Cal, com o acumular de areias e lixos nas suas margens e com a consequente inutilização da sua propriedade para os anteriores fins agrícolas, e seguramente após as exposições feitas em 2003, acima citadas, mencionadas no facto C), o mesmo terá tido conhecimento da verificação dos pressupostos do seu direito de indemnização.
No que concerne à referência constante da alínea H) da fundamentação de facto, inserta na decisão recorrida, porque se reporta a uma conclusão de direito e não a uma realidade puramente fáctica, não pode agora ser levada em consideração.
Não obstante, pelo teor das exposições acima indicadas resulta claro que em 2003 o A. e Recorrente tinha pleno conhecimento do seu direito, pois invoca a inundação constante e a acumulação de resíduos na sua propriedade como causa dos danos decorrentes da inutilização da mesma para um fim agrícola. O A. indica esses ilícitos como ocorrendo desde 1999 e como permanecendo no tempo. O A. mostra, pois, uma percepção subjectiva dos pressupostos do seu direito à indemnização.
Mais se note, como resulta da PI, que todos os danos invocados decorrem da mesma circunstância: o assoreamento e subida do Rio da Cal, com o acumular de areias e lixos nas suas margens, decorrentes da falta de limpeza e conservação do rio pelos RR., do alcatroamento de uma estrada e da reconstrução de duas pontes pelo Município das Caldas da Rainha e pela Junta de Freguesia, assim como decorrente das descargas esgotos domésticos que foram sendo feitas para o Rio da Cal.
De referir, ainda, que na PI o A. não assinala como facto novo a existência de uma contaminação de solos, só ocorrida no ano de 2006. Diversamente, na PI o A. alega que os solos foram sendo contaminados por areias e lixos desde 1999, afirmando que tal situação foi-se agravando de ano para ano. Nos art.º 85 e 86.º da PI o A. aduz claramente que em 24-09-2003 já reclamou por o Rio da Cal estar a “servir de esgoto a céu aberto” e que tal “problema manteve-se” nos anos de 2004 e 2005. Nos art.º 102 e 103.º da PI, afirma que em 2006 se mantinha o problema “continuando parte dos esgotos da cidade de Caldas da Rainha a correr directamente e a céu aberto para o terreno do A” e que se mantinham a “serem efectuadas constantes descargas de outros esgotos para o Rio da Cal”.
Ou seja, contrariamente ao invocado no recurso, na PI o A. não alegou que apenas em 2006 ocorreram descargas de esgotos para o Rio de Cal ou que só teve conhecimento destas descargas em 2006, assim aduzindo um facto novo, do qual tenham resultado distintos prejuízos para o A., diferentes daqueles que já resultavam da subida do Rio, do assoreamento, da falta de limpeza e do lixo naquele Rio, ocorridos desde 1999. Diversamente, na PI o A., ora Recorrente, imputa a contaminação da sua propriedade às areias e lixos que se iam acumulando desde 1999 e ao esgoto a céu aberto em que se transformou a sua propriedade e se apresentava pelo menos desde 24-09-2003.
O que o A. aduz na PI é que a situação foi de progressivo assoreamento do Rio da Cal e de progressiva invasão e contaminação da sua propriedade, que culminou com o arrombamento definitivo das margens do Rio, ocorrido em Novembro no ano de 2006.
Mais se indique, que não obstante o A. alegar que o alcatroar de uma estrada e a reconstrução de 2 pontes, agravaram os prejuízos, não precisa a data em que tais obras ocorreram, deixando pressuposto que essas intervenções foram anteriores às suas primeiras queixas.
Quanto aos danos que o A. quer ver ressarcidos através desta acção, são todos da mesma espécie e tipo. São danos que se sucedem no tempo, constituindo um mero agravamento dos danos já tidos desde o início, por corresponderem à sucessão temporal em que as águas poluídas do Rio da Cal se mantém, anualmente, a invadir a propriedade do A., tornando-a imprópria para o fim agrícola que ali vinha fazendo. Portanto, os danos que o A. invoca, mesmo os mais recentes, não são danos novos, mas danos que se podiam estimar desde o início, constituindo um mero agravamento da situação danosa anteriormente verificada.
Em conclusão, os danos invocados na PI e relativos aos ocorridos no ano de 2006, de contaminação dos solos da propriedade que é pertença do A. não são danos novos. Tais danos não se afiguram como diferentes dos anteriores e imprevisíveis ou não expectáveis. Isto é, não são danos que o A. e Recorrente não pudesse ter conhecimento – ou prever – desde a data em que teve conhecimento do seu direito de indemnização, mas pelo contrário, são danos perfeitamente previsíveis desde o início e que constituem um mero agravamento da anterior situação.
Portanto, em 03-08-2007, a data em que os RR. foram citados, já havia decorrido o prazo de prescrição, de 3 anos, que vem indicado no art. 498.º, n.º 1, do CC, relativamente a todos os danos.
No demais, na PI o A. alega e pede de forma indiscriminada que todos os RR. sejam responsáveis pelos prejuízos que quer ver ressarcidos na acção. O A. formula um único pedido contra todos os RR., que demandou, e não diferentes pedidos indemnizatórios, por faça decorrer de diferentes factos ilícitos, que impute a cada R. e que entenda serem factos praticados em datas diferentes. Assim, não podem proceder as alegações de recurso relativas ao erro decisório por ter sido intentada uma única acção, mas visando a efectivação de diferentes pedidos indemnizatórios contra cada um dos RR., pedidos esses que se individualizam por corresponderem a diferentes factos ilícitos. Tal como vem formulada a acção, na PI, da sua causa de pedir e pedidos, decorre que o A. imputa a responsabilidade civil por facto ilícito a todos os RR., por entender que todos concorreram para os mesmos factos danosos, da mesma forma e na mesma proporção e que esses mesmos factos remotam a 1999. O pedido formulado a final da PI é um pedido solidário, contra todos os RR. Ou seja, na PI não se individualizou qualquer alegação e qualquer pedido relativo a certos e determinados factos ilícitos apenas cometidos pela Junta de Freguesia e pelo Município e que ocorreram a partir de 2006.
Mas ainda que assim não se entendesse, por aplicação do art.º 301.º do CC, a prescrição sempre tinha que aproveitar a todos os RR.
Há, pois, que confirmar a decisão recorrida.

Atendendo aos termos dos articulados apresentados, não extremamente extensos e prolixos, aos interesses em jogo nestes autos e à sua importância económica para cada uma das partes, não obstante vir peticionada uma indemnização pelo valor de €836.814,73, considera-se que a especificidade da situação justifica a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e a consideração das custas do recurso pelo limite do valor de €275.000,00, tal como vem indicado no art.º 6.º, n.º 7, do RCJ.
Assim, nas custas deste recurso determinar-se-á a dispensa no seu cálculo do remanescente da taxa de justiça.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 6.º, n.º 7, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).
Lisboa, 21 de Março de 2019.

(Sofia David)
(Helena Telo Afonso)
(Pedro Nuno Figueiredo)