Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4531/23.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/19/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG
AUTORIZAÇÃO RESIDÊNCIA
REJEIÇÃO LIMINAR
Sumário:I - O artigo 109º do CPTA prevê os requisitos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
II - O A./recorrente invoca a demora no exercício do seu direito à emissão da autorização de residência, na sequência da manifestação de interesse que dirigiu ao Recorrido, ao abrigo do artigo 88º nº 2 da Lei nº 23/2007, sem alegar factos concretos demonstrativos da exigida especial urgência na obtenção de uma decisão definitiva, pelo que podia e devia ter instaurado acção administrativa de condenação à prática do acto devido e providência adequada a assegurar a utilidade da decisão de procedência a obter naquela.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

M…, devidamente identificado como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P [AIMA, IP], inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 13.12.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que decidiu indeferir liminarmente o requerimento inicial.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem ipsis verbis:
«A) Impunha-se uma revisão da posição processual do Distinto Magistrado de primeira instância face a decisões exatamente idênticas e votadas ao insucesso no TCA SUL.
B) O tribunal a quo recusa-se a acatar jurisprudência do STA e TCA SUL, TCA NORTE, fazendo uma interpretação errada da lei sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
C) A Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias é o ÚNICO instrumento legal adequado para a defesa dos interesses do Requerente os quais estão
D) É o instrumento legal mais adequado na defesa dos valores constitucionais em jogo.
E) O uso de providência cautelar, pela sua precariedade é incerto no seu desfecho.
F) A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma procedência do pedido feito no processo principal.
G) Depende de uma Ação principal que poderá demorar anos e anos.
H) Somado a isso o R. AIMA, IP recorre atualmente das providências cautelares.
I) O que aumenta ainda mais a incerteza do A.
J) O Existe jurisprudência no STA e no TCA-SUL assente sobre a idoneidade do presente instrumento legal
K) Existe desde 2019 uma reversão jurisprudencial, processo n° 1899/18.0 BELSB de 11.09.2019 e Acórdão do STA de 16.05.2019, proferido no processo número 02 762/17.7 BELSB.
L) O Recorrente vê ameaçada a sua identidade em território nacional, o seu emprego, saúde, liberdade circulação, acesso à justiça, entre outros direitos e está a pagar impostos e não vendo reconhecidos os supra direitos.
M) Sobre a inutilidade das providências cautelares, especial enfâse para o processo n° 2906/22.7 BELSB de 23.02.23 e processo n° 3682/22.9 BELSB de 31.03.23 do TCA SUL.
N) Não existe tempo a perder devendo o R. AIMA IP ser devidamente intimado a decidir e a emitir o respetivo título de residência do Autor.
O) O tribunal a quo cita jurisprudência desatualizada e recusa-se a acatar a posição do STA.
P) O Tribunal a quo não leu com rigor o Processo 455/23.5 BELSB do TCA Sul e STA, fazendo uma interpretação errada de ambos.
Q) Violaram-se os artigos 1º,2º,12°,13°, 15°,26°, 27°,36° 44°,53°,58°,59°, 64°,67°,68, 268°,4 da Constituição da República Portuguesa, bem como as nomas ínsitas nos artigos 7º, 15°, n° 3, 41° ,45º, n°2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e artes 6º, 14° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e ainda o artigo 109° CPTA e ainda o art.° 88° n° 2 das Leis 23/2007 de 4/7, lei 59/17 e da lei 102/17 e da lei 18/22 de 25/8 e ainda artes 5º, 8º, 10°, 13° todos do CPA e ainda art.° 637° e 639° do CPC.»
Requerendo,
«TERMOS EM QUE SE CONCLUI E REQUER, COM O MUI DOUTO PROVIMENTO DE V. EXAS:
A) SER CONSIDERADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO
B) DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA A QUO.
C) DEVE SER RECONHECIDA EM DEFINITIVO A INTIMAÇÃO PARA DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS COMO O ÚNICO INSTRUMENTO LEGAL PARA MELHOR SALVAGUARDA DOS INTERESSES DO REQUERENTE E NA DEFESA DA LEI, E DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E DOS VALORES EUROPEUS E INTERNACIONAIS.
D) DEVE AINDA O R. AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, IP, (AIMA) SER INTIMADO OU CONDENADO A DECIDIR DE IMEDIATO.
E) DEVE, AINDA, SER O R. AIMA IP CONDENADO A EMITIR A RESIDÊNCIA LEGAL DO AUTOR COM URGÊNCIA.».

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença fez uma interpretação errada da legislação aplicável ao decidir rejeitar liminarmente a petição inicial.

O tribunal recorrido não fixou factos provados, tendo sumariado a factualidade alegada na petição: «Alega, para tanto e em síntese, que 11.05.2023 deu entrada de um pedido para efeitos de concessão de autorização de residência, com fundamento em trabalho independente abrigo do artigo 89.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, sem que, até aos dias de hoje, tenha sido proferida decisão. Por essa razão, entende que está em causa o seu direito à liberdade e à segurança, o direito à saúde, à família e à identidade pessoal.».

Da respectiva fundamentação de direito extrai-se o seguinte:
«Ora, no caso vertente, sustenta o Requerente, de entre o mais, que se encontra a aguardar a decisão do seu pedido de concessão de autorização de residência, que apresentou em 11.05.2023.
Refere que, “(…) enquanto não for proferida uma decisão pelo AIMA, I.P., Lisboa I, a qual se encontra em falta há demasiado tempo, o Requerente permanece indocumentado e a residir em Portugal de forma ilegal precisamente porque não tem uma autorização de residência em território nacional nem dispõe de titulo de residência.”
Argui que “(…) permanecendo ilegal pode ser despedido a qualquer momento pela sua entidade empregadora, não tem liberdade de escolha laboral, se quisesse trocar de trabalho será mais um precário ilegal a trabalhar com risco de despedimento, pois, permanece ilegal (…)” e que “[s]e quiser reagrupar a sua família está-lhe vedado, pois permanece ilegal. Ou seja, na prática não tem direito à família (…)” e que “[s]e quiser circular dentro de TN, também não o pode fazer, pois, sendo fiscalizado por uma GNR, PSP ou até PJ, o mais certo será ser notificado para sair do País, pois, uma MI é um mero pedido tirado da internet, não é um titulo de residência registado e aprovado (…).”
Alega ainda que “[s]em o seu TR não tem a sua identidade reconhecida em TN (…). É do domínio público que os cuidados à saúde, em TR, não muito limitados, pelo que se estiver doente e quiser recorrer a um hospital público não é aceite, não tem o mesmo acesso a uma saúde condigna como os cidadãos nacionais e cidadãos estrangeiros portadores de TR (…).”
Antes do mais, convém realçar que o presente requerimento inicial é um decalque de vários outros já apresentados neste Tribunal Administrativo de Círculo e que as alegações aduzidas pelo Requerente, e em particular as constantes dos segmentos “Em concreto” são também feitas em outros processos, instaurados entre novembro e dezembro de 2023, nomeadamente nos processos n.º 3894/23.8BELSB, 3919/23.7BELSB, 3920/23.0BELSB e 4204/23.0BELSB de que a ora signatária também é titular.
E se, embora em abstrato, perante o requerimento inicial apresentado, o meio idóneo para a pretensão formulada possa ser a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias – e não o procedimento cautelar, porquanto esta tutela esgotaria o objeto da ação principal, na medida em que entendemos que não é possível determinar a atribuição de um título de residência, em sede cautelar, sem consumir o objeto da ação principal, pelo que não se recorre ao artigo 110.º-A do CPTA – o que é certo é que “(…) a extrema urgência inerente ao presente meio processual impõe que devamos fazer uma triagem estrita daquilo que é verdadeiramente urgente e indispensável para salvaguarda de direitos, liberdades e garantias ou outros direitos e garantias de natureza análoga. Isto sob pena de vulgarizarmos a urgência e passarmos a ter, na presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, uma espécie processual ineficiente e votada ao fracasso na proteção das verdadeiras urgências e atropelos aos verdeiros direitos, liberdades e garantias.” (sublinhados nossos) – Neste sentido, veja-se as Decisões Sumárias do TCA Sul, constantes dos processos n.º 1235/23.3BELSB de 05.09.2023 e 1190/23.0BELSB de 07.09.2023 (Ricardo Ferreira Leite), perante situações em tudo semelhantes à dos presentes autos.
Ou seja, o Requerente não alegou a indispensabilidade do presente meio processual para salvaguardar direitos, liberdades e garantias que, no seu caso concreto – Murtaza Ali Shah – estejam na eminência de ser atropelados, não se tendo também predisposto a produzir qualquer prova, nomeadamente testemunhal.
O Requerente limitou-se a alegar, de forma genérica, que o facto de o procedimento administrativo atinente à emissão de autorização de residência não se encontrar ainda concluído, impede a emissão do título de residência e do exercício de alguns direitos constitucionalmente consagrados, como o direito à saúde ou à educação, encontrando-se limitado nas suas deslocações, inclusive pela Europa, privado da companhia dos seus familiares e amigos e correndo o risco de ser detido pela Polícia.
O invocado pelo Requerente carece de densificação e, como já referido, descreve um circunstancialismo fático que é transversal a qualquer cidadão estrangeiro que se encontre em Portugal a aguardar a decisão da administração quanto à sua autorização de residência e, portanto, sente receio, ansiedade, agonia, saudades de casa e dos seus familiares. Por sua vez, limita-se a aludir à jurisprudência e doutrina selecionadas, que permitem a possibilidade de recurso ao presente meio processual em situações que, em abstrato e de forma hipotética, podem até ser semelhantes à sua, mas não aduz factos concretos que permitam a este Tribunal fazer o enquadramento fáctico-jurídico concreto habilitador de tal juízo no seu caso concreto, no caso de Murtaza Ali Shah
Ademais, outro argumento deve ser levado em linha de conta, como bem referiu o Supremo Tribunal Administrativo, no (muito recente) acórdão proferido no âmbito do processo n.º 455/23.5BELSB, datado de 16.11.2023 (embora numa situação de concessão de autorização de residência prevista no n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/20074, de 04/07), no qual se decidiu que: “(…) apesar de vir invocada uma “violação continuada” e actual, porque permanente”, resultante da omissão de decisão por parte da entidade recorrida, no que respeita ao pedido de autorização de residência requerido pelo ora recorrente, a verdade é que a chamada protecção acrescida, já não deve ser assegurada porque o próprio requerente não reagiu atempadamente contra a omissão da entidade requerida, o que só por si, permite concluir que os alegados direitos não se encontram em perigo, face ao tempo entretanto decorrido até que fosse solicitada a intervenção do Tribunal.” Entendeu-se, pois, que “(…) a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não se destina, nem visa, suprir a inércia do interessado quando este tenha deixado de reagir, quando podia, de forma atempada contra um acto negativo da Administração ou mesmo contra o incumprimento do dever de decidir, a que acresce que, o interessado nestes casos, tem sempre a possibilidade de renovar a sua pretensão, a todo o tempo, sem que lhe seja coarctado qualquer direito.” (sublinhado nosso)
Nesta medida, a pretensão do Requerente mereceria tutela através de uma ação administrativa, mais concretamente, mediante um pedido de condenação à prática do ato devido, como meio de reação à inércia e à eventual omissão do dever de decidir da Administração, tendo em consideração que o Requerente alega ter submetido a manifestação de interesse em 11.05.2023.».

E o assim decidido é para manter, até porque o alegado e concluído em sede de recurso, traduzindo discordância, não vai além da argumentação já expendida na petição, a qual foi apreciada e recachada pelo tribunal recorrido, suportado em adequada e pertinente Doutrina e Jurisprudência.
Com efeito, ao contrário do que alega o Recorrente o presente meio processual não é o único idóneo a assegurar a sua pretensão nem a jurisprudência é pacífica no que respeita à idoneidade do mesmo em situações de demora na decisão de pedidos de autorização de residência.
Existe jurisprudência deste Tribunal divergente na matéria como, por exemplo, a que resulta dos acórdãos v., designadamente, os acórdãos de 25.5.2023, proc. nº 806/22.0BEALM, de 7.6.2023, proc. nº 166/23.1BEALM, de 13.7.2023, proc.s nºs 489/23.0BELSB e 1151/23.9BELSB, de 26.7.2023, proc.s nºs 18/23.5BESNT e 458/23.0BELSB - consultáveis em www.dgsi.pt -, de 25.5.2023, proc. nº 140/23.8BESNT, de 13.7.2023, proc. nº 866/23.6BELSB, de 13.9.2023, proc.s nºs 3866/22.0BELSB e 924/23.7BELSB, e de 11.1.2024, proc.s nºs 180/23.7BECBR, 477/23.0BELSB, 1777/23.0BELSB, 741/23.4BELSB – não publicados, consultáveis no SITAF.
Do teor do prolatado no referido proc. nº 140/23.8BESNT extrai-se, a propósito e por respeitar a uma situação idêntica à do Recorrente, o seguinte: «(…) // 21. O requerente, e ora recorrente, afirma que tem direito a que a entidade requerida decida a pretensão por si formulada em 27-4-2022 e, consequentemente, emita o seu título de residência, e que se verifica uma violação desse direito, por já ter sido ultrapassado o prazo legal para o processamento do seu pedido, o que, por si só, justifica o direito de recorrer ao presente processo de intimação.
Contudo, não lhe assiste razão.
22. Com efeito, está em causa a alegada omissão do SEF em apreciar o pedido de autorização de residência formulado pelo recorrente e, segundo este alega, emitir a correspectiva autorização. Porém, é patente que o recorrente não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual, por não ser possível, em tempo útil, o recurso a uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, complementada com um pedido cautelar.
23. Percorrendo novamente quer o requerimento inicial, quer a alegação de recurso, constata-se que o requerente/recorrente não alega um único facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão ser apreciada no âmbito da acção administrativa e, portanto, de uma decisão final com trânsito em julgado numa tal acção poder demorar, pelo menos – atendendo aos prazos previstos para a sua tramitação e à possibilidade de recurso jurisdicional – vários meses, tal circunstância seja susceptível de retirar utilidade à apreciação do seu pedido de autorização de residência que só nessa data seja efectuado.
24. Com efeito, o requerente/recorrente não alegou – e, consequentemente, não provou – que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito a residir em Portugal), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e directa sobrevivência pessoal de alguém. O recorrente limitou-se a alegar está a fazer descontos e a pagar impostos desde Março 2022 em território nacional, não tem a sua identidade reconhecida em Portugal, tem o seu trabalho em risco, pelo que estar a propor outro tipo de acção não tem qualquer sentido e, pior, vem aumentar o sofrimento do autor, sendo certo que este, não tem só deveres, mas também direitos e aplicáveis por via do artigo 15º da CRP.
25. De tudo quanto se afirmou, resulta inequívoco que o requerente/recorrente não alegou – e também não alega no presente recurso – um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito a obter a autorização de residência não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em acção administrativa, eventualmente cumulada com um pedido de natureza cautelar, isto é, que estas acções não são suficientes para assegurar o exercício em tempo útil desse direito. Ou, dito por outras palavras, o requerente/recorrente não invoca qualquer facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão vir apenas a ser apreciada no âmbito duma acção administrativa, ficará sem qualquer utilidade a eventual condenação dos réus que aí possa vir a ocorrer, de deferimento do pedido de autorização de residência oportunamente formulado.
26. A inadequação do meio processual “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” decorre ainda da possibilidade da acção administrativa poder ser acompanhada de um pedido de decretamento de providência cautelar, pois tal como salientou a sentença recorrida, o decretamento de uma providência cautelar que intime a entidade requerida a emitir um título de residência provisório mostra-se suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que o recorrente invoca, além de não esgotar o objecto da acção principal[sublinhados nossos].
Todas estes acórdãos [incluindo os referidos pelo Recorrente] partem do pressuposto de que a verificação dos requisitos da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no artigo 109º do CPTA, é efectuada por referência a um caso específico.
O mesmo é dizer que os pressupostos de admissibilidade deste meio processual se aferem relativamente ao que concretamente é alegado, provado e pedido na petição, em cada acção de intimação instaurada ao abrigo do referido artigo 109º, não sendo admissível afirmar apenas por referência a um determinado tipo de pretensão – como a emissão de uma autorização de residência, excedido o prazo previsto na lei para a Administração decidir o correspondente pedido – que tais requisitos se encontram verificados.
Mais, ainda que na petição sejam indicados direitos, tipificados na CRP como fundamentais ou direitos análogos, é ónus do requerente alegar e provar factos que permitam concluir pela verificação por referência ao seu caso concreto dos pressupostos de admissibilidade da presente acção – indispensabilidade e subsidiariedade -, enunciados no artigo 109º do CPTA.
Não basta, por isso, o mandatário do Requerente invocar que já instaurou muitas outras acções de intimação parecidas ou para o mesmo efeito, e obteve várias decisões favoráveis em 1ª instância e em recurso, e, limitar-se a enunciar, em termos genéricos [e repetidos de petição em petição, de recurso para recurso], a violação de determinados direitos, liberdades e garantias - ou, como, no caso em apreciação, os direitos à segurança, à identidade pessoal, à estabilidade no trabalho, à protecção na saúde, à famíliaou que beneficia de uma protecção multinível no que respeita a direitos fundamentais, sem observar o ónus, que recai sobre o requerente que representa, de densificar essa violação/ameaça e de juntar prova para o efeito..
Ónus que o Requerente/recorrente, ao contrário do que vem alegado no recurso, não logrou cumprir, não demonstrando a pretendida urgência do uso desta acção excepcional de intimação.
Quanto ao requisito da subsidiariedade também não assiste razão ao Recorrente porquanto a tutela cautelar adequada permitirá [ao contrário do que entende o juiz a quo], de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 112º do CPTA, assegurar a utilidade da sentença a proferir na acção principal, o que não resulta infirmado pela alegação de que é transitória e precária, ou mesmo que a Recorrida tem vindo a interpor recurso das decisões cautelares proferidas, aumentando a incerteza.
A tutela cautelar caracteriza-se, precisamente por ser provisória, sumária e instrumental, não pretendendo resolver o litígio de forma definitiva, mas sim até à decisão que venha a ser proferida na acção de que depende.
Como resulta da fundamentação do sumariado acórdão proferido no proc. nº 1151/23.9BELSB: “(…), concessão da autorização de residência a título provisório não contende com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória, pois, de acordo com o estatuído no art. 75º n.º 1, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 18/2022, de 25/8 (cfr. ainda art. 153º, da Lei 12/2022, de 27/6), a autorização de residência aqui em causa é válida pelo período de dois anos contados a partir da data da emissão do respectivo título e é renovável por períodos sucessivos de três anos, pelo que, caso a acção principal improceda, tal implicará a caducidade da autorização de residência concedida a título provisório (ou da respectiva renovação), ou seja, é possível reverter os efeitos criados, isto é, a concessão de autorização de residência a título cautelar não se tornaria irreversível.
Dito por outras palavras, os limites da tutela cautelar, impostos pela provisoriedade que a estruturam, consentem a concessão da autorização de residência a título provisório, por esta não conduzir a uma situação definitiva e irreversível, isto é, por não levar ao esgotamento da respectiva acção principal.».

Por fim, sendo a decisão recorrida de rejeição liminar da petição, não foi conhecido do mérito da causa. O mesmo é dizer não tendo o juiz a quo apreciado dos fundamentos em que o Recorrente suporta a sua pretensão, mormente da verificação das ilegalidades que imputa à actuação da Recorrida, não se pode extrair as conclusões de que a decisão recorrida beneficiou o infractor ou violou as normas nacionais e comunitárias indicadas, como vem alegado no recurso.
Atendendo ao que o presente recurso não pode proceder.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 19 de Março de 2024.


(Lina Costa – relatora)

(Carlos Araújo)

(Pedro Figueiredo)