Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:963/20.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL.
PROCEDIMENTO DE DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I. Nos termos do artigo 52.º, n.º 4 da LGT, a dispensa de prestação de garantia depende da verificação cumulativa de dois requisitos: um objetivo: a situação causar prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; e um subjetivo, consubstanciado na imputação da insuficiência ou inexistência de bens ao executado.
II. Cabe à Executada o ónus de alegação e prova de a situação causar prejuízo irreparável ou de se verificar manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Recai assim sobre a Executada o ónus de alegar e comprovar não poder oferecer garantia idónea ou qualquer outro meio suscetível de assegurar os créditos da Exequente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação deduzida por A..., Unipessoal, Lda. e anulou o despacho reclamado, que indeferiu o pedido de dispensa de garantia formulado pela Reclamante, determinando que o mesmo seja substituído por outro.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Fazenda Pública, após notificação para sintetização e simplificação, formulou as seguintes conclusões:

1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Reclamação judicial procedente, anulando o ato pelo qual a Administração Tributária indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia aduzido pela reclamante, ora recorrida, nos processos de execução fiscal n° 3301201801091018, 3301201901114204, 3301201901135473, 3301201801101692 e 3301201901153137, nos quais a reclamante, ora recorrida, é executada, por dívidas de IVA dos anos de 2017, 2018 e 2019, IRC do exercício de 2018 e coimas fiscais, no montante de 22.219,62 €.
2. O Ilustre Tribunal "a quo” julgou procedente a reclamação em questão, considerando ilegal o ato reclamado e, em consequência, anulou o despacho reclamado.
No entanto,
3. a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub judice.
Senão vejamos:
4. entendeu o Ilustre Tribunal recorrido, na fundamentação da decisão ora em crise, que no despacho reclamado refere-se que a Executada é detentora de um estabelecimento comercial, o que se traduz na indicação de um bem penhorável de forma meramente conclusiva, sem qualquer concretização valorativa, designadamente quanto aos elementos que o integram.
Por último, no despacho reclamado faz-se notar que não se encontra demonstrada a impossibilidade de a Reclamante fazer face aos encargos com a prestação de outro tipo de garantia, designadamente uma garantia bancária, mas, desde logo, como se disse, a realidade da empresa, isto é, os números contabilísticos revelados através do balancete analítico disponibilizado, não foram considerados ou analisados na decisão da Administração Tributária.
Por outro lado, perante uma reconhecida falta de meios económicos, o que é normal e expectável é que os bancos não aceitem conceder a garantia bancária.
Aliás, não constituindo a demonstração do empenho na obtenção de garantia bancária um requisito autónomo legalmente previsto no artigo 52°, n° 4, LGT, não tinha a Reclamante que instruir o requerimento com a sua prova.’
Ora,
5. consagra o n° 4 do citado artigo 52° da LGT refere que "A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.”.
6. Conforme é jurisprudência unânime e reiterada, o ónus da prova dos dois primeiros supra referidos pressupostos recai sobre o requerente da dispensa de prestação da garantia - in casu, a ora reclamante -, impendendo sobre a Administração Tributária o ónus de prova do terceiro e último pressuposto, constante da al. c) do artigo anterior.
7. No que respeita à titularidade de um estabelecimento comercial por parte da reclamante, considerou o Ilustre Tribunal recorrido o órgão de execução fiscal, na decisão reclamada, não concretizou o valor do estabelecimento comercial titulado pela reclamante, nomeadamente quanto aos elementos que o integram, inculcando, assim, a conclusão que a Administração Tributária deveria demonstrar a valor pecuniário do estabelecimento em questão.
Ora,
8. firmada a existência de um estabelecimento comercial titulado pela reclamante, ora recorrida, deveria esta, para ver a sua pretensão satisfeita, alegar a titularidade desse mesmo estabelecimento e demonstrar que o valor comercial deste seria insuficiente para satisfazer o pagamento da dívida exequenda, pois sobre ela impendia esse ónus, nos termos do disposto no n° 4 do artigo 52° da LGT, e conforme é jurisprudência unânime e reiterada.
9. O que não se verificou no âmbito do procedimento tendente à dispensa da prestação de garantia requerida pela reclamante, ora recorrida.
Ou seja,
10. não é sobre Administração Tributária que impende o ónus da prova da insuficiência de bens da reclamante para a satisfação da dívida exequenda, não tendo esta, por isso, de concretizar quais os elementos que compõe o estabelecimento comercial em questão nem tão pouco o valor destes ou do próprio estabelecimento comercial.
Posto isto,
11. mais considerou o Ilustre Tribunal a quo, na sentença ora recorrida, que no despacho reclamado faz-se notar que não se encontra demonstrada a impossibilidade de a Reclamante fazer face aos encargos com a prestação de outro tipo de garantia, designadamente uma garantia bancária, mas, desde logo, como se disse, a realidade da empresa, isto é, os números contabilísticos revelados através do balancete analítico disponibilizado, não foram considerados ou analisados na decisão da Administração Tributária’’.
12. No que a esta conclusão tecida pelo Ilustre Tribunal recorrido diz respeito, refira-se que a Administração Tributária, efetivamente, analisou e considerou a situação descrita. A Administração Tributária apenas não se pronunciou sobre a mesma porque, de acordo com factualidade apurada pelo órgão de execução fiscal no que respeita à titularidade do referido estabelecimento comercial por parte da reclamante, e de acordo com o ónus de prova que sobre ela impendia relativamente à demonstração da insuficiência do valor comercial deste para o pagamento da dívida exequenda, a pronúncia acerca dos “números contabilísticos revelados através do balancete" em questão revelou se, em absoluto, inócua para a devida e correcta apreciação do pedido de dispensa da prestação de garantia aduzida pela reclamante, ora recorrida.
Finalmente,
13. considerou o Ilustre Tribunal recorrido que perante uma reconhecida falta de meios económicos, o que é normal e expectável é que os bancos não aceitem conceder a garantia bancária", concluindo que “... não constituindo a demonstração do empenho na obtenção de garantia bancária um requisito autónomo legalmente previsto no artigo 52°, n° 4, LGT, não tinha a Reclamante que instruir o requerimento com a sua prova’’.
14. No que a esta questão diz respeito, sempre se recalque, conforme supra referido, nos termos do disposto no n° 4 do artigo 52° e no n° 1 do artigo 74°, ambos da LGT, bem como no n° 1 do artigo 342° do Código Civil, que era sobre a reclamante que recaía o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação da garantia por si peticionada, nomeadamente, do pressuposto da “manifesta falta de meios económicos” para prestar a garantia necessária.
15. Pelo que impendia sobre a reclamante o ónus de alegação e prova da inviabilidade do oferecimento de garantia bancária suficiente para ser considerada idónea nos termos do disposto no n° 6 do artigo 199° do CPPT.
16. Ónus de alegação e prova esses que a reclamante, ora recorrida, não observou ao longo do procedimento tendente à dispensa da prestação de garantia por esta peticionada.
17. Ao assim não entender o Ilustre Tribunal recorrido, com o devido respeito e s.m.e., incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito, violando, assim, o disposto no n° 4 do artigo 52° da LGT, no que ao ónus da prova do pressuposto relativo à manifesta falta de meios económicos diz respeito.
Assim sendo,
18. e pelo exposto, considera a Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, que andou mal o Ilustre Tribunal a quo, fazendo uma errada aplicação do direito e incorrendo, por isso, em erro de julgamento na matéria de direito, ao considerar que “os fundamentos invocados na decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia não se mostram conformes com o disposto no artigo 52°, n° 4, da LGT, violando, assim, o disposto nos artigos 52°, n. 4, e 74°, n° 1, ambos da LGT, bem como o disposto no n° 1 do artigo 342.° do Código Civil.
Razão pela qual,
19. deve a decisão ora em crise ser revogada e substituída por outra que declare a rectidão do despacho de indeferimento do pedido de declaração da prescrição das dívidas exequendas em questão,

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a reclamação apresentada contra o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.

Anote-se aqui que na conclusão 19 das alegações de recurso a Recorrente faz referência a despacho que indeferiu a declaração da prescrição das dívidas exequendas em questão, quando o que está em causa nos autos é o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, tal como resulta dos demais elementos do processo.

Trata-se de evidente lapso de escrita, em que se escreveu uma coisa quando se pretendia dizer outra, que retificamos aqui.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A. Em 19 de Fevereiro de 2020, apresentou a Reclamante no Serviço de Finanças de Lisboa 4 o seguinte pedido (cf. doc. junto com a p. i.):
«Imagem no original»

B. Ao pedido referido na letra anterior, juntou balancete analítico respeitante a Dezembro de 2019, igualmente junto como doc. 1 com a presente reclamação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
C. Em 16 de Março de 2020, foi a Reclamante notificada nos seguintes termos essenciais (cf. doc. junto com a p. i. e com a resposta da Fazenda Pública e acordo das partes quanto à data):
«Imagem no original»

D. É o seguinte o teor do despacho, concordante com informação dos serviços, proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4 em 9 de Março de 2020 (cf. doc. junto com a informação prestada nos termos do disposto no artigo 277°, n° 2, do CPPT):
«Imagem no original»

(...)
Tendo em vista os fundamentos apresentados, Indefiro o pedido de isenção.

E. Por mensagem de correio electrónico de 3 de Junho de 2020, veio a Reclamante deduzir a presente reclamação.




II.2 Do Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal apresentada contra o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal.

Defende a Fazenda Pública, em síntese, que ao arrepio do decidido na sentença recorrida, não estavam reunidos os pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia elencados no artigo 52/4 da Lei Geral Tributária (LGT).

Alega a Recorrente que não competia à Administração Tributária, comprovar o requisito relativo à manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

Concretiza: não é sobre Administração Tributária que impende o ónus da prova da insuficiência de bens da reclamante para a satisfação da dívida exequenda, não tendo esta, por isso, de concretizar quais os elementos que compõe o estabelecimento comercial em questão nem tão pouco o valor destes ou do próprio estabelecimento comercial (cf. conclusão 10).

Vejamos:

Tendo sido autorizado o pagamento da dívida exequenda em prestações, a Executada solicitou dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal.

Efetivamente, é legalmente admissível a suspensão do processo de execução fiscal, em virtude de pagamento em prestações, desde que prestada garantia idónea ou desde que a Autoridade Tributária e Aduaneira, a requerimento do executado, o isente de tal prestação (cf. artigo 52º CPPT).

Apresentado pela Executada o pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos do artigo 170º CPPT, o mesmo foi indeferido por despacho do órgão de execução fiscal, indeferimento com o qual não se conformou e do qual reclamou judicialmente.

Em sede de reclamação foi anulado o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação da garantia, decisão com a qual não se conforma, agora, a Fazenda Pública.

O despacho em causa, cerne de toda a controvérsia, remete para a informação elaborada pelos Serviços, que se revela como elemento estruturante da decisão.

Ora, se bem o compreendemos, o pedido foi indeferido por a sócia-gerente da Reclamante, ora Recorrida, ser dona bens imóveis, por não ter sido oferecido o estabelecimento comercial em garantia e não se encontrar demonstrado a impossibilidade de apresentação de outro tipo de garantia, nomeadamente garantia bancária, fiança ou seguro-caução.

Vejamos, então, se sentença recorrida merece a censura que lhe foi feita. Diz quanto à matéria aqui interessa:

Da (i)legalidade do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia
A suspensão da execução fiscal depende da prestação de garantia idónea nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º da LGT. Pode, porém, a Administração Tributária, mediante requerimento do executado, dispensá-lo da prestação de garantia, nos termos previstos no n.º 4 do mesmo preceito legal, de acordo com o qual (redacção introduzida pela Lei n.º 42/16, de 28 de dezembro),
“4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado".
Da letra do normativo citado resulta que o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: alternativamente, importa provar que (i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou (ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; cumulativamente, cumpre demonstrar (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
Quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre a Reclamante que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa.
Por seu turno, compete à Administração Tributária a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a actuação dolosa da Reclamante.
A Reclamante, no seu requerimento de dispensa de prestação de garantia, invocou a insuficiência de meios económicos revelada pela ausência de bens susceptíveis de penhora, nos termos que melhor constam da letra A do probatório. Como documento de prova, juntou balancete analítico respeitante a dezembro de 2019 (cf. letra B do probatório). Ora, o despacho reclamado, na análise do requisito invocado, não valorou especificamente este documento com que a Reclamante instruiu o pedido (cf. letra D do probatório). O que determinou a decisão de improcedência do requerimento de isenção de prestação de garantia formulado foi o facto de a Administração Tributária ter realizado diligências instrutórias que lhe permitiram concluir que em nome da gerente da Executada se encontravam registados bens imóveis susceptíveis de, em abstracto, serem oferecidos em garantia. Sucede, porém, que não há qualquer confusão entre o património pessoal dos sócios da sociedade comercial de responsabilidade limitada e o património desta sociedade, sendo que a regra geral do ordenamento jurídico português é a de que os bens que integram o património daqueles primeiros não respondem pelas dívidas daquela segunda (cf. artigos 5.º e 197.º do CSC) e, no regime especialmente consagrado no direito tributário, não respondem enquanto não for proferido despacho de reversão que os responsabilize subsidiariamente (artigos 22.º, 23.º e 24.º da LGT). A par daquela enunciação, no despacho reclamado refere-se que a Executada é detentora de um estabelecimento comercial, o que se traduz na indicação de um bem penhorável de forma meramente conclusiva, sem qualquer concretização valorativa, designadamente quanto aos elementos que o integram. Por último, no despacho reclamado faz-se notar que não se encontra demonstrada a impossibilidade de a Reclamante fazer face aos encargos com a prestação de outro tipo de garantia, designadamente uma garantia bancária, mas, desde logo, como se disse, a realidade da empresa, isto é, os números contabilísticos revelados através do balancete analítico disponibilizado, não foram considerados ou analisados na decisão da Administração Tributária. Por outro lado, perante uma reconhecida falta de meios económicos, o que é normal e expectável é que os bancos não aceitem conceder a garantia bancária. Aliás, não constituindo a demonstração do empenho na obtenção de garantia bancária um requisito autónomo legalmente previsto no artigo 52.º, n.º 4, LGT, não tinha a Reclamante que instruir o requerimento com a sua prova.
Conclui-se, assim, que os fundamentos invocados na decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia não se mostram conformes com o disposto no artigo 52.º, n.º 4, da LGT.

A sentença recorrida, após transcrever a norma jurídica aplicável ao caso e analisar, a nosso ver com acerto, os pressupostos em que, em abstrato, assenta a dispensa de prestação de garantia, examina, em seguida os fundamentos em que assentou a decisão recorrida, concluindo que não se mostram conformes com o disposto no artigo 52.º, n.º 4, da LGT.

Com efeito, é pacífico e não vem posto em causa nos presentes autos, que a dispensa de prestação de garantia depende da verificação cumulativa dos requisitos objetivos e os subjetivos elencados no artigo 52/4 da LGT, tal como referido na sentença recorrida, sendo que os requisitos objetivos são de aplicação alternativa, bastando que se verifique um deles: que a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

Ora, a Reclamante, ora Recorrida, instruiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, com o balancete analítico da empresa, documento sobre o despacho reclamado não emitiu qualquer pronúncia e que permitia saber a situação líquida da empresa naquele momento.

E, acrescentamos nós, também não se pronunciou sobre o valor dos veículos automóveis oferecidos em garantia no requerimento apresentado pela Executada, sendo certo que a própria menciona que um deles já se encontra hipotecado a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Também não merece censura a sentença recorrida quando refere que o património pessoal dos sócios da sociedade comercial de responsabilidade limitada e o património desta sociedade, não se confundem e que os bens que integram o património pessoal dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, enquanto não for proferido despacho de reversão que os responsabilize subsidiariamente pelas dívidas.

Na parte final da informação que suporta o despacho reclamado é ainda feita referência ao estabelecimento comercial da Executada, nada se dizendo, é certo, quanto à sua aptidão para servir de garantia de pagamento da dívida exequenda enquanto durar o plano prestacional.

Anote-se, em todo o caso, que a sociedade tem sede no mesmo local onde também funciona o escritório de advocacia da sócia-gerente (cf. procuração junta).

Porém, independentemente do conceito de estabelecimento comercial que adotemos, certo é que terá um valor de trespasse e será suscetível de penhora.

Se esse valor é ou não suficiente para garantir a dívida exequenda e acrescido, é questão que terá de ser aferida, depois, no âmbito do processo de execução fiscal.

Agora, quanto à última crítica feita à sentença recorrida, relativa a que competia à Reclamante, ora Recorrida, comprovar não poder obter garantia bancária, seguro-caução ou fiança, não acompanhamos integralmente o decidido.

Na verdade, e como alegado pela Recorrente, era sobre a Executada que incumbia o ónus de alegação e prova de que as não poderia obter junto de terceiros, entidades bancária e seguradoras, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 170º e 199º CPPT.

Embora o não refira expressamente, a sentença recorrida aparentemente seguiu o entendimento versado no Ac. TCAN de 2015.09.17, Proc. nº 00836/15.8BEPNF, quando se diz: não constituindo a demonstração do empenho na obtenção de garantia bancária um requisito autónomo legalmente previsto no art.º 52º/4 LGT, não tem o contribuinte que instruir o requerimento com a sua prova.

Todavia, no caso sobre o qual se pronunciou o acórdão, essa alegação não só tinha sido feita como tinha sido junto um documento, documento esse que não foi considerado bastante para comprovar o «empenho» na tentativa de obtenção de garantia.

Prosseguindo, refere o citado Acórdão: A lei só exige a instrução do requerimento com a prova documental necessária. (Art.º 170º/3 CPPT), não havendo em caso de omissão lugar para convite ao aperfeiçoamento (cfr. 00659/14.1BEAVR de 27-11-2014 Relator: Vital Lopes 3. A prova destinada a demonstrar a irresponsabilidade do executado na situação de inexistência ou insuficiência de bens deve ser logo apresentada ou indicada no requerimento inicial. 4. Não observando o interessado o ónus de instruir o requerimento inicial com a prova necessária ou nele indicar a prova a produzir, nenhum dever de convite recai sobre a Administração tributária para suprir deficiências probatórias do requerimento inicial.

Assim, e embora consideremos que o lacónico despacho reclamado padece de algumas insuficiências na fundamentação, essa matéria não é objeto do presente recurso nem pode ser aqui conhecida oficiosamente.

A verdade é que tal como alegado pela Recorrente, o ónus da alegação e prova da verificação dos pressupostos de que depende a dispensa de garantia, i. é, de a prestação de garantia causar prejuízo irreparável ou da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e a insuficiência ou inexistência de bens ao executado, recaem sobre a Executada/Recorrida.

Assim se concluindo, sem necessidade de mais, que o recurso merece provimento e que a sentença recorrida não se pode manter.


Sumário/Conclusões:

I. Nos termos do artigo 52.º, n.º 4 da LGT, a dispensa de prestação de garantia depende da verificação cumulativa de dois requisitos: um objetivo: a situação causar prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; e um subjetivo, consubstanciado na imputação da insuficiência ou inexistência de bens ao executado.
II. Cabe à Executada o ónus de alegação e prova de a situação causar prejuízo irreparável ou de se verificar manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
III. Recai assim sobre a Executada o ónus de alegar e comprovar não poder oferecer garantia idónea ou qualquer outro meio suscetível de assegurar os créditos da Exequente.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, com as legais consequências de manutenção do despacho reclamado.

Custas pela Recorrente, que decaiu, com dispensa da taxa de justiça por não ter alegado.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 25 de março de 2021
Susana Barreto