Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:598/10.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA INFORMAÇÃO DO Nº 1 DO ART. 208º DO CPPT
NULIDADE PROCESSUAL.
Sumário:I - As informações prestadas nos termos do art. 208.º, n.º 1 do CPPT, bem como os documentos anexos a essa informação, devem ser notificados ao Oponente logo que juntas aos autos, aplicando-se-lhes o regime previsto nos art. 115.º, n.º 2 e 3 do CPPT;
II - O não cumprimento daquela formalidade viola o princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 3 do CPC, ex vi, art. 2.º, alínea e) do CPPT), e constitui uma nulidade processual quando possa influir no exame ou na decisão da causa nos termos do art. 201.º do CPC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem M........., Lda., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente improcedente a oposição à execução fiscal n.º …..078 e apensos, instaurada por dívidas de IVA e IRS de 2002, no montante de € 29.298,91.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“1- A Recorrente discorda de parte da sentença proferida a 06/11/2012, pelo Tribunal a quo,
2- A Fazenda Pública admitiu a prescrição de parte das dívidas.
3- O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência parcial da oposição por falta de notificação válida do ato tributário relativamente ao IRS.
4- A Recorrente não foi notificada dos documentos a folhas 20 a 22 dos autos, nem dos documentos a folhas 84 e 85 dos autos para se poder pronunciar e exercer o princípio do contraditório.
5- No entanto, concorda com a prescrição das dívidas anteriores a 2002.
6- Também não reconhece o direito à Fazenda Pública do montante de 29.298,91 Euros, nem dos respetivos juros.
7- A Fazenda Pública alega que a citação pessoal foi efetuada em 20/01/2010, não tendo sido notificada a Recorrente para se pronunciar do documento a folhas 84 e 85 junto aos autos.
8- A citação só ocorreu em 26/01/2010 e 27/01/2010, data do conhecimento na pessoa dos sócios-gerentes.
9- A Recorrente veio deduzir oposição dentro do prazo invocando prescrição e caducidade das alegadas dívidas fiscais.
10- Pelo que, a Recorrente tem o direito de ser informada dos montantes que a Executada peticiona, estando especificados os impostos e período de tributação em causa.
11- A Fazenda Pública não referindo que impostos e a que período se referem, veio peticionar um montante global, que a Executada considera não ser devido, fere o dever de fundamentação.
12- A Recorrente considera ainda não devidos os juros peticionados pela Fazenda Pública.
13- Invocou ainda nulidade processual de conhecimento oficioso, prevista no artigo 165º, nº 1, b) do Código de Procedimento e Processo Tributário, tendo como efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, nos termos do nº 2 do mesmo artigo.
14- Aplica-se o artigo 165.° e 176.° nº1, b), c) do CPPT.
15- Quanto a esta a matéria o Tribunal a quo não se pronunciou, consubstanciando-se numa omissão de pronúncia e no dever de fundamentação da sentença,
16- A Recorrente não impugnou os documentos juntos aos autos, porque não foi notificada para se pronunciar relativamente aos mesmos nem para exercer o princípio do contraditório, constituiu uma violação básica do direito de contradizer e de justiça equitativa.
17- Cumpria solucionar a questão das nulidades arguidas pela Recorrente, nomeadamente a falta de títulos executivos na citação, e a falta de fundamentação da dívida e da caducidade de 4 anos invocada pela Recorrente.
18- Pois aplica-se o prazo mais curto, o da caducidade, e só depois o da prescrição.
19- Relativamente às nulidades e caducidade invocada, o Tribunal a quo não se pronunciou, constituindo uma omissão de pronúncia e de fundamentação na sentença, que menciona a colocação da questão da caducidade pela Oponente no primeiro parágrafo da sentença, mas não desenvolve mais a questão, nem a soluciona.
20- A Recorrente concorda com a prescrição das dívidas constituídas até ao ano de 2001.
21- Relativamente ao parágrafo a Recorrente discorda: “Quanto às dívidas de IVA, como bem refere o D.M.M.P. no seu douto Parecer, tratando-se de imposto apurado pelo s.p., não se impunha qualquer dever de notificação daqueles actos tributários, antes determina a simples emissão da certidão de dívida (cfr nº 5, do artigo 27.° do C1VA).
22- O contribuinte entrega a declaração de IVA, a Repartição de Finanças tem de emitir nota de liquidação do imposto, e depois tem de notificar a liquidação do imposto ao contribuinte, emitir certidão de dívida e notificar o contribuinte da mesma e do seu prazo de pagamento.
23- Não existe nada nos autos que prove que existiu a notificação da liquidação do imposto de IVA, nem se entende a razão da aplicação do artigo 27º nº5 do IVA que apenas se refere à emissão de certidão de dívida.
24- Não existe razão para o IVA ter um tratamento diferente dos outros impostos, no tocante à prescrição e caducidade.
27- Aliás, o artigo 48º da LGT, refere-se a impostos de obrigação única onde é incluído o IVA.
28- A caducidade e prescrição também afetam o IVA.
29- Não ocorreu nenhuma das causas que interrompesse ou suspendesse a caducidade ou prescrição do IVA de 2002, nomeadamente a citação, reclamação, recurso hierárquico, pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo para a prescrição nos termos do artigo 49º da LGT ou para a caducidade notificação ao contribuinte da liquidação nos termos do artigo 46º da LGT.
30- A lei exige a citação pessoal e não apenas a notificação para interromper a prescrição nos termos do artigo 49º da LGT, tendo sido dado como provado que a citação apenas ocorreu em Janeiro de 2010, considerando a Recorrente que tomou conhecimento a dia 26.
31- Do exposto, o IVA de 2002, está ferido de caducidade em primeiro lugar, por terem decorridos 4 anos sem ter sido notificada a sua liquidação e depois considera-se ferido de prescrição por terem decorrido 8 anos após a citação pessoal da Recorrente.
32- Aplica-se o artigo 45º e 48º da Lei Geral Tributária.
33- Deve assim julgar-se ferido de caducidade e/ou prescrição as alegadas dívidas de IVA de 2002.
34- E alterar-se a sentença no sentido de absolvição total da Recorrente e não apenas parcialmente.
35- A Recorrente concorda com a sentença na parte em que diz: “Já quanto à falta de notificação do acto de liquidação de IRS, propendemos para considerar a Adm Fiscal não demonstrou, como era seu dever, que se tenha verificado aquela notificação ao executado, pelo que deverá proceder nessa parte a oposição deduzida.”
36- A Recorrente entende que o Tribunal a quo deveria ter aplicado o mesmo raciocínio para o IVA de 2002, isto, é que a administração fiscal não demonstrou ter notificado a executada.
37- “Quanto à prescrição das dívidas exequendas, importa considerar que tal não se verifica em razão da interrupção da mesma por força da citação do executado a que se refere o ponto 3 do probatório. - crf nº 1 artº 48º e nº 1, do artº 49°, ambos da LGT.”
38 - A Recorrente entende também que não existiram causas de interrupção ou suspensivas nem da caducidade nem da prescrição.
39- Ora, existe aqui uma contradição no raciocínio do Tribunal a quo e Administração Fiscal, para a prescrição de IVA anterior a 2002 funciona de um modo sendo necessária a citação e para o IVA de 2002, que funciona de outro modo; Afinal a Administração Fiscal já não tem o dever de notificação e citação do contribuinte, que a Recorrente discorda.
40- O dever de notificação ao contribuinte dos atos é um princípio basilar na administração e no direito fiscal que é indiscutível.
41- A LGT é clara, apenas a citação interrompe a prescrição.
42- Não resultou provado que existisse qualquer notificação ou citação anterior a Janeiro de 2010 (dia 27).
43- Aliás, as certidões de dívida nº …….09 e ……73 do IVA referente a 2002 são emitidas com data de 26/03/2010, mas com prazo de pagamentos até 16/08/2002 e 15/11/2002 respetivamente, e ferido pelo menos de caducidade por não ter sido notificada a liquidação do imposto decorrido 4 anos, entendendo a Recorrente que se encontram também prescritas.
44- A Recorrente discorda da não apreciação das nulidades processuais e ilegalidades da penhora, pois deveria ter aplicado o princípio da economia e aproveitamento processual, o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado relativamente às mesmas, constituindo uma omissão de pronúncia.
45- A Recorrente discorda ainda do despacho de rejeição do requerimento a invocar a ilegalidade de excesso de penhora pela Administração Tributária, que por uma alegada dívida de 29.298,91 Euros, penhorou mais de 75.284,00 Euros, o que constitui uma omissão de pronúncia.
46- Não citou ou notificou da penhora do montante superior a 29.298,91 Euros com junção dos títulos executivos.
47- A dívida de capital e juros não é exigível, por não ser devida.
48- Pelo que, é ilegítima, ilegal e irregular a penhora aos bens da Recorrente.
49- Deste modo, vem requerer que seja proferida decisão no sentido de não ser devido qualquer montante à Fazenda Pública e ser ordenado o levantamento/devolução das penhoras a todos os bens da Recorrente.
50- Portanto, a Fazenda Pública efetuou penhoras ilegais e excedendo a eventual dívida.
51- Do exposto, deve a sentença ser alterada para procedência total da oposição deduzida, extinguindo o processo de execução e considerar feridos de caducidade e/ou prescrição os montantes referentes às dívidas de IVA do ano de 2002.
52- Deve ainda ser absolvida na totalidade das custas do processo.

Nestes termos e nos mais de Direito, que V.Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser procedente por provado, ser alterada a decisão do Tribunal a quo no sentido de declarar ferido de caducidade e/ou prescrição das alegadas dividas de IVA do ano de 2002, extinguindo a execução e ordenar o levantamento/devolução das penhoras realizadas à Recorrente e anular-se os atos ilegais.”.

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A Recorrida não contra-alegou

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A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença recorrida padece de:
- nulidade processual por não ter sido notificada do teor dos documentos de fls. 20 a 22 e de fls. 84 e 85 dos autos, tendo sido violado o princípio do contraditório;
- nulidade por omissão de pronúncia e dever de fundamentação da sentença quanto à nulidade processual prevista no art. 165º, nº 1, alínea b) do CPPT, bem como das nulidades processuais e ilegalidades das penhoras que foram invocadas;
- erro de julgamento por ter entendido que não se encontra caducado o direito à liquidação nem ocorreu a prescrição da dívida de IVA de 2002.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:

1- A Fazenda Pública instaurou processo de execução fiscal contra a sociedade “M........., Lda” , com o n° …..078, e aps que corre termos no 2º Serviço de Finanças de Sintra, por dívida de IRS e de IVA dos anos de 1996 a 2002, para cobrança coerciva das quantias em dívida no montante de € 128.825,50., tendo-se determinado como prescritas as dívidas anteriores a 2002, mantendo-se a execução relativamente a este último ano no montante de € 29.298,91 (cfr informação constante de fls 20 a 22, dos autos e autos de exe. fiscal apenso).

2- As certidões de dívida referida em 1 foram extraídas dos títulos de cobrança relativo, entre outros, a IRS do ano de 2002 e de emissão de notas de cobrança de IVA extraídas do imposto apurado pelo sujeito passivo de imposto naquele ano. -cfr “Prints Informáticos”, de fls 86 a 89, dos autos.

3- Em 20.01.2010, foi efectuada a citação pessoal do executado para a execução. - cfr fls 84 e 85 , dos autos
X
Factos não provados
Dos factos constantes da oposição, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade acima descrita.
X
Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”.
* *
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como resulta do teor da petição inicial, a Oponente, ora Recorrente, deduziu oposição ao processo de execução fiscal nº …….078 e apensos, invocando ainda “oposição às penhoras” e apresentando para o efeito os seguintes fundamentos:
i) Desconhecimento dos processos executivos, quais os impostos e períodos de tributação a que respeitam, desconhecimento dos títulos executivos porquanto estes não lhe foram entregues nos termos dos artigos 189º, 190º, 163º, nº 1 do CPPT, afirmando tratar-se de uma nulidade processual prevista no art. 165º, nº 1, b) do CPPT de conhecimento oficioso;
ii) Invoca a prescrição da dívida na medida em que não recebeu qualquer notificação ou citação, considerando-se apenas irregularmente citada em 26/01/2010, pelo que conclui que deverão declarar-se prescritas todas as dívidas anteriores a 31 de Dezembro de 2001;
iii) Invoca a caducidade nos termos do art. 45º da LGT de todas as dívidas anteriores a 31 de Dezembro de 2005 na medida em que não recebeu qualquer notificação, nem sequer qualquer liquidação referente aos processos em causa, tendo apenas recebido uma citação irregular em 26/01/2010;
iv) Invoca a ilegalidade das penhoras efectuadas no âmbito do processo executivo pedindo o levantamento das mesmas.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou parcialmente improcedente a oposição à execução fiscal determinando que “o processo de execução prosseguisse seus termos e para efeitos da cobrança coerciva das dívidas exequendas relativas a IVA do ano de 2002”, tendo para o efeito vertido a seguinte fundamentação:
Importa agora proceder à subsunção jurídica da matéria de facto provada em ordem a posterior decisão da causa.
Em 1º lugar para afirmar que atento o conhecimento oficioso da prescrição da dívida exequenda relativamente às dívidas constituídas até ao ano de 2001, apenas cumpre conhecer das dívidas exigidas coercivamente relativas ao ano de 2002. Quanto às dívidas de IVA, como bem refere o D.M.M.P. no seu douto Parecer, tratando-se de imposto apurado pelo s.p., não se impunha qualquer dever de notificação daqueles actos tributários, antes tal determina a simples emissão de certidão de dívida (cfr n° 5, do art° 27° do CIVA). Já quanto à falta de notificação do acto de liquidação de IRS, propendemos para considerar que a Adm Fiscal não demonstrou, como era seu dever, que se tenha verificado aquela notificação ao executado, pelo que deverá proceder nessa parte a oposição deduzida. Quanto à prescrição das dividas exequendas, importa considerar que tal não se verifica em razão da interrupção da mesma por força da citação do executado a que se refere o ponto 3 do probatório.- cfr n°1, do art° 48° e n°1, do art° 49°, ambos da LGT.
Quanto ao mais para reafirmar o Parecer do D.M.M.P. quanto à apreciação dos restantes vícios invocados pelo oponente relativo às nulidades processuais e às ilegalidades da penhora efectuada, aos quais cabe o meio processual adequado, não constituindo fundamento de oposição à execução, -cfr art°s 165° e segs, art° 204° e art°s 276° e segs, todos do CPPT.”.

Contra o assim decidido veio a Recorrente interpor o presente recurso, invocando desde logo que não foi notificada do teor dos documentos a folhas 20 a 22 dos autos, nem dos documentos a folhas 84 e 85 dos autos para se poder pronunciar e exercer o princípio do contraditório, constituindo uma violação do direito de contradizer e de justiça equitativa.

Mais alega nulidade da sentença por omissão de pronúncia e dever de fundamentação da sentença quanto à nulidade processual prevista no art. 165º, nº 1, alínea b) do CPPT, bem como das nulidades processuais e ilegalidades das penhoras que foram invocadas.

A Recorrente invoca ainda erro de julgamento quanto à apreciação da caducidade e da prescrição do IVA de 2002 porquanto, em seu entender, não ocorreu nenhuma das causas que interrompesse ou suspendesse a caducidade ou prescrição do IVA de 2002, nomeadamente a citação, reclamação, recurso hierárquico, pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo para a prescrição nos termos do artigo 49º da LGT ou para a caducidade por notificação ao contribuinte da liquidação nos termos do artigo 46º da LGT.
Invocando ainda “contradição no raciocínio do Tribunal a quo e Administração Fiscal, para a prescrição de IVA anterior a 2002 funciona de um modo sendo necessária a citação e para o IVA de 2002, que funciona de outro modo; Afinal a Administração Fiscal já não tem o dever de notificação e citação do contribuinte”.

Decidindo.

A Recorrente começa por invocar violação do princípio do contraditório por não ter sido notificada do teor de fls. 20 a 22 e 84 a 85 dos presentes autos, não podendo assim pronunciar-se sobre os mesmos ou eventualmente impugnar o seu teor.

Importa antes de mais destacar que as nulidades processuais secundárias, inominadas ou atípicas previstas no nº 1 do art. 195º do CPC, que consistem na prática de um acto que a lei não admita ou na omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, têm um regime específico de arguição e devem obedecer a meio próprio: têm de ser arguidas pela parte, dentro do prazo e pelo meio processual de reclamação (cfr. art. 196º, parte final do CPC), sob pena de sanação.

No entanto não há impedimento que a nulidade secundária seja suscitada em sede de recurso, pois embora a regra seja a do conhecimento das nulidades secundárias em sede de reclamação, a deduzir no prazo geral de dez dias previsto art. 149.º do CPC, o certo é que, por força do n.º 1 do art. 199.º do mesmo Código, esse prazo tem de ser contado do conhecimento da nulidade pelo interessado. Ora, no caso sub judice, o conhecimento da invocada nulidade só ocorreu com a notificação da sentença, motivo por que o prazo para arguição da nulidade não se tinha ainda iniciado antes desse momento. (cfr. Ac. STA de 24/09/214 – proc. 0978/14)
E seguindo o entendimento do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 06/07/2011, proferido no recurso 786/10 “as nulidades do processo anteriormente ocorridas e não sanadas, conhecidas com a notificação da sentença e às quais esta implicitamente deu cobertura, têm o mesmo regime das nulidades da sentença (cfr. os nºs. 2 e 3 do art. 668° do CPC), dado que se tornaram também vício da mesma e causa da sua nulidade. Devendo, por isso, ser arguidas em recurso daquela interposto – quando admissível – que não em reclamação perante o tribunal a quo.”.

No caso em apreço verifica-se que a Recorrente, apenas com a notificação da sentença tomou conhecimento dos documentos nela mencionados, razão pela qual, tendo sido invocada a violação do princípio do contraditório no presente recurso jurisdicional, e em consonância com a jurisprudência acima exposta, iremos de seguida apreciar tal fundamento.

Compulsados os presentes autos verifica-se que os documentos de fls. 20 a 22 são referentes à informação prestada pelo órgão de execução fiscal nos termos do art. 208º do CPPT bem como documentos que a acompanham, tendo a oposição sido recebida sem que fosse efectuada a notificação à Oponente da junção aos autos dessa informação e documentação anexa. Ademais constata-se que os documentos de fls. 71 a 92 foram juntos aos autos na sequência de despacho judicial dirigido à Fazenda Pública, sem que fossem, após a sua junção aos autos, notificados à Oponente.

Por outro lado verifica-se que alguns desses documentos sustentaram todos os factos que foram dados como provados e que foram relevantes para a decisão proferida (cfr. pontos 1 a 3 do probatório).

Verifica-se desta forma que a decisão proferida teve por base os factos decorrentes da informação prestada ao abrigo do art. 208.º, n.º 1 do CPPT, bem como dos documentos que se encontram efectivamente junto aos autos, mas que nunca foram notificados à Oponente, a qual nunca teve a oportunidade de sobre eles se pronunciar.

O art. 3º, nº 3 do CPC consagra que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”.

Nessa medida o princípio do contraditório obriga a que não possa ser proferida decisão sobre questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. A única excepção prevista na lei é no caso de manifesta desnecessidade dessa pronúncia.

Em situação idêntica à dos presentes autos foi proferido o Acórdão do TCA Sul de 30/09/2020 no proc. 930/11.4BESNT, cuja fundamentação sufragamos, razão pela qual limitar-nos-emos a reproduzir, o que aí ficou dito, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr.artigo 8.º, n.º 3, do C.Civil) como de seguida se transcreve:
In casu, verifica-se a violação do princípio do contraditório, desde logo porque, no processo judicial tributário, a teor das informações oficiais, enquanto meios de prova a serem apreciados pelo juiz, devem ser sempre notificadas ao Impugnante, logo que juntas aos autos (cf. art. 115.º, n.º 3 do CPPT).
De igual modo, as informações prestadas nos termos do art. 208.º, n.º 1 do CPPT, bem como os documentos anexos a essa informação, devem ser notificados ao Oponente logo que juntas aos autos, aplicando-se-lhes o regime previsto nos art. 115.º, n.º 2 e 3 do CPPT.
Como escreve Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário - anotado e comentado, Vol. III, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 552: “As informações referidas no n.º 1 deste art. 208.º têm um alcance semelhante às referidas no art. 115.º, n.ºs 2 e 3, pelo que lhes deve ser aplicado o mesmo regime, por analogia. Por isso, quando nelas se refiram factos, deverão ser fundamentadas de acordo com critérios objetivos.
Como não se prevê a notificação do teor das informações pelo órgão da execução fiscal ao oponente, ela deverá ser efectuada pelo tribunal, podendo o oponente pronunciar-se sobre elas, como impõem os princípios do contraditório e da igualdade de meios processuais (arts. 3.º, n.º 3, do CPC e 98.º da LGT).
Como se sumariou no acórdão do STA de 27/06/2012, proc. n.º 034/12 “[d]o princípio do contraditório decorre o dever de facultar às partes a oportunidade de, antes de a decisão ser proferida, se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar, mesmo tratando-se de questões de direito e/ou que sejam de conhecimento oficioso. Só assim não será em casos de manifesta desnecessidade, por se tratar de questão simples e incontroversa.”, em sentido idêntico, vide, também, entre outros, Acórdão do STA de 29/01/2014, proc. n.º 0663/13, e Acórdão do TCAS de 16/12/2015, proc. n.º 07817/14).
Pelo exposto, não tendo sido o Oponente notificado da informação do art. 208.º, n.º 1, do CPPT, bem como dos respetivos documentos em anexo a essa informação, verifica-se a violação do princípio do contraditório, sendo certo que não estamos perante um caso de “manifesta desnecessidade”, uma vez que, assentando a decisão na intempestividade da Oposição com base naqueles documentos, o Oponente tem o direito de sobre os mesmos se pronunciar e até mesmo impugnar a sua genuinidade nos termos do n.º 4, do art. 115.º do CPPT.
As irregularidades processuais supra expostas consubstanciam, portanto, uma nulidade secundária, sujeitas ao regime dos artigos 201.º e ss do CPC (atuais artigos 195.º, e ss do CPC).
Dispunha o artigo 201.º, n.º 1, do CPC (cuja redação corresponde à do atual art. 195.º do CPC) que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Ou seja, as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm de poder influir no exame ou na decisão da causa e revestir uma de três formas: a) prática de um ato proibido; b) omissão de um ato prescrito na lei; c) realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas.
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA “decorre do citado art. 201.º, n.º 1, do CPC, na falta de norma especial que comine a sanção de nulidade para determinada irregularidade, estas só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Isto significa que, quando não há tal possibilidade de influência, não há nulidade, mas também que, para haver nulidade basta a mera possibilidade de influência da irregularidade na decisão da causa, não dependendo a existência de uma nulidade da demonstração de que houve efectivo prejuízo. No entanto, se se demonstrar positivamente que a irregularidade que tinha potencialidade para influenciar a decisão da causa acabou por não ter qualquer influência negativa para a parte a quem o cumprimento da formalidade ou o eliminação do acto indevidamente praticado podia interessar, a nulidade deverá considerar-se sanada, pois, nessas condições, seria cumprir essa formalidade ou eliminar o acto indevidamente praticado” (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 d) ao artigo 98.º, p. 87).
Portanto, in casu, a falta de notificação de informações e documentos juntos aos autos consubstancia a omissão de um ato prescrito na lei que tem a potencialidade de influir na apreciação e decisão, na medida em que existe a possibilidade de a Recorrente poder influenciar a decisão de intempestividade se lhe tivesse sido dada a oportunidade de se pronunciar, até porque, sempre lhe assiste o direito de impugnar a genuinidade desses documentos. (cfr. Acórdão do TCA Sul de 30/09/2020 – proc. 930/11.4BESNT).
Pelo exposto, importa declarar a nulidade processual por falta de notificação das informações junta aos autos nos termos do n.º 1, do art. 208.º do CPPT, e respetivos documentos em anexo. Devem, pois, os autos voltar ao TAF de Sintra, para que aí seja observado o princípio do contraditório, com a realização das notificações em falta, seguindo o processo os demais trâmites legais, e prolação de sentença.”.

Desta forma e sem necessidade de mais considerações, concede-se provimento ao recurso, declarando-se a nulidade processual por falta de notificação da informação junta aos autos nos termos do n.º 1, do art. 208.º do CPPT, e respectivos documentos em anexo, bem como dos demais documentos juntos aos autos a solicitação do tribunal e que sustentaram a decisão recorrida, e em consequência de tal nulidade processual, anula-se a sentença recorrida, devendo os autos baixar à 1ª instância, para que aí seja cumprido o princípio do contraditório, com a realização das notificações em falta, seguindo o processo os demais trâmites legais, e prolação de sentença.

Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos invocados no presente recurso.

* *
V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul conceder provimento ao recurso, declarar a nulidade processual por violação do princípio do contraditório, e, consequentemente anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao TAF de Sintra a fim de ser cumprido o princípio do contraditório, seguindo o processo os ulteriores termos.

Sem Custas
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2023
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto