Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:929/23.8BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ATOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
PEDIDO DE REDUÇÃO DE TAXA DE JUROS DE MORA LIQUIDADOS NO PEF
ARTIGO 6.º N.º 1 DO DL N.º 73/99 DE 16/03
IDONEIDADE DO MEIO
NULIDADE EXCESSO PRONUNCIA
Sumário:I - Como tem vindo a ser pacificamente assumido pela jurisprudência dos tribunais superiores, o conceito de “questões” a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º e bem assim, o do n.º 2 do artigo 608.º, ambos do PCP, que exclui argumentos e razões, para incorporar apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, nomeadamente, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os referentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções.
II - A Reclamação do artigo 276.° do CPPT, apesar de se referir a decisões do órgão da execução fiscal, é o meio processual adequado para impugnação da generalidade de atos materialmente administrativos praticados no âmbito do processo de execução fiscal, onde se inclui, como é bom de ver, o ato de contagem dos juros moratórios.
III - Importa ter presente que os juros de mora aqui questionados são os apurados em processo de execução fiscal.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A......., LDA., com os demais sinais nos autos, veio, ao abrigo do disposto no artigo 276° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar reclamação contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Ourém que indeferiu o pedido de correção do cálculo dos juros efetuados no âmbito dos processos de execução fiscal (PEF) n.º .........54 e apensos e n.º .........85 e apensos, por com ela, não se conformar.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, por decisão de 14 de novembro último, julgou procedente a reclamação e, em consequência, anulou o despacho reclamado, com as demais consequências legais.

Inconformada, a FAZENDA PUBLICA (FP), vem recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A) Visa o presente recurso reagir contra decisão em 1.ª instância que julgou procedente a presente reclamação de atos do órgão de execução fiscal e, em consequência, determinou a anulação do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Ourém, datado de 20/07/2023, o qual indeferiu o pedido redução de juros efetuado pela Reclamante no âmbito do Processo de Execução (PEF) n.º .........54 e apensos;

B) Conforme resulta dos autos, a Reclamante apresentou a presente ação na sequência de pedido formulado a 29/06/2023 junto do órgão de execução fiscal para a redução dos juros de mora nos processos de execução n.°s Processo de Execução (PEF) n.° .........54 e apensos;

C) Ação na qual veio a Reclamante, inequivocamente, formular o pedido de anulação dos juros mora calculados nos processos de execução fiscal acima referidos;

D) Da petição inicial apresentada pela Reclamante, resulta igualmente claro que esta pretende imputar ilegalidades ao ato de liquidação dos juros de mora, não só em resultado da alegada falta de redução da respetiva taxa a metade, nos termos do Decreto Lei n.° 73/99, de 16 de Março, mas também em resultado da alegada falta de notificação e fundamentação de tal liquidação de juros;

E) Não resultando da petição inicial da Reclamante qualquer imputação de vícios ao Despacho reclamado.

F) Estabelece o artigo 6.°, n.° 1 do referido Decreto Lei n.° 73/99, de 16 de Março que poderão os devedores reclamar contra a liquidação de juros ou impugná-la com os fundamentos e nos termos do Código de Processo Tributário” (atualmente CPPT);

G) Daqui resulta que o legislador considerou expressamente que o meio próprio para a discussão da legalidade dos juros de mora será a reclamação graciosa ou a impugnação judicial (cf. Acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proc. 6604/02, de 28/05/2002, e proc. 04704/11, de 26-06-2012);

H) Não fez o legislador qualquer distinção relativamente aos fundamentos de tal reclamação ou impugnação, pelo que terá se considerar que tais meios contenciosos poderão ter como fundamento qualquer ilegalidade que os afete, seja relativamente ao prazo de vencimento dos juros ou à sua contagem, seja relativamente à forma de cálculo dos juros ou à taxa aplicada.

I) Sendo facilmente apreensível que qualquer violação das regras estabelecidas no Decreto Lei n.° 73/99, de 16 de Março, poderá servir de fundamento para a reclamação graciosa ou impugnação judicial indicada no artigo 6.°, n.° 1 daquele diploma legal.

J) Inexistindo razão para considerar que uma eventual ilegalidade cometida quanto à redução da taxa de juros, estabelecida no artigo 3.°, n.° 4 do Decreto Lei n.° 73/99, de 16 de Março, não consubstancie fundamento para a apresentação de reclamação graciosa ou impugnação judicial.

K) Entendimento contrário parece ter o Tribunal a quo quando formula o juízo de que, em sede de reclamação graciosa ou impugnação judicial, não será possível discutir a legalidade atinente ao direito à redução a metade da taxa de juro, quanto às dívidas cobertas por garantias reais, nos termos do artigo 3.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 73/99 de 16 de março, uma vez que essa legalidade apenas se pode aferir com a constituição das garantias reais, o que, por regra, ocorre muito após a citação do executado para a execução;

L)Embora se concorde que o juízo de ilegalidade atinente ao direito à redução a metade da taxa de juro, quanto às dívidas cobertas por garantias reais, nos termos do artigo 3.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 73/99 de 16 de março, apenas poderá, em princípio, ser aferido com a constituição de garantias reais (e também com a concretização de penhoras), certo é que isso não contende com a utilização dos meios de contencioso estabelecidos naquele diploma legal;

M) Mas sim, apenas e só, com o momento de tal apresentação da reclamação ou impugnação judicial da liquidação dos juros;

N) Pois, apresentando o contribuinte uma garantia bancária, ou sendo o mesmo notificado das garantias reais constituídas por iniciativa da entidade credora, ou sendo igualmente notificado ou citado pessoalmente das penhoras efetivadas pela AT (atenta a já pacífica interpretação extensiva da expressão «dívidas cobertas por garantias reais», constante do art.° 3.°, n.° 4, do DL n.° 73/99), tais factos serão, na nossa opinião, suscetíveis de determinar o início do prazo para reclamar ou impugnar judicialmente a liquidação de juros de mora, nos termos do artigo 6.°, n.° 1 do diploma legal atrás mencionado;

O) Assim, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, inexiste qualquer impossibilidade de apreciação jurisdicional da legalidade do ato de cálculo (ou liquidação, lacto sensu) dos juros de mora executivos nos termos do Decreto-Lei n.° 73/99 de 16 de março, e, consequentemente, inexiste qualquer afronta ao princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 268.° da CRP;

P)Pelo exposto, e salvo o mui merecido e devido respeito, se entende que errou o Tribunal a quo ao julgar improcedente a exceção de erro na forma de processo suscitada pela Representação da Fazenda Pública, violando, assim, o disposto nos artigos 6.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de março, e 276.° do CPPT;

Q) De igual modo, entende-se que a sentença recorrida é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 125.°, n.° 1, in fine, do CPPT;

R) Pois, apesar de no aresto recorrido se ter determinado a anulação do despacho reclamado, por errónea fundamentação, constata-se que a Reclamante, na sua petição inicial, não apontou qualquer vício ao despacho reclamado, muito menos relativo à sua fundamentação;

S) Efetivamente, a Reclamante apontou unicamente ilegalidades ao ato de liquidação dos juros de mora, não só em resultado da alegada falta de redução da respetiva taxa a metade, mas também em resultado da alegada falta de notificação e fundamentação de tal liquidação de juros;

T) Apesar da remissão operada pela Reclamante no seu articulado para a certidão de dívida emitida pelo Serviço de Finanças, certo é que o vício de fundamentação apontado foi dirigido ao ato de liquidação dos juros moratórios;

U) Sendo igualmente certo que o ato reclamado não é a supramencionada certidão de dívida, mas sim o pedido formulado a 29/06/2023 junto do órgão de execução fiscal para a redução dos juros de mora nos processos de execução n.°s Processo de Execução (PEF) n.° .........54 e apensos;

V) Assim, embora se reconheça a deficiente ou errónea fundamentação do ato reclamado, certo é que tal questão não foi suscitada pela Reclamante;

W) Questão que não é matéria de conhecimento oficioso pelo Juiz, pelo que se entende que o Tribunal se pronunciou sobre questão de que não deveria conhecer;

X) Facto que conduz à nulidade da sentença, nos termos do artigo 125.°, n.° 1, in fine, do CPPT.

Y) Nos termos do referido artigo 125.°, n.° 1 do CPPT, estabelece-se que a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, nulidade que se encontra relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 608.°, n.° 2 do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras;

Z) Impõe-se que haja uma correspondência entre as questões suscitadas pelas partes no processo e as questões conhecidas pelo juiz, que deve pronunciar-se sobre todas aquelas questões (sem prejuízo de poder considerar prejudicadas pela resposta dada a outras questões, do que deverá dar conta), e só sobre essas, a menos que a lei processual ou substantiva lhe permita apreciar oficiosamente uma questão que não foi suscitada pelas partes - cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proc. 0936/14, de 17-09-2014;

AA) O que, no nosso entendimento, não sucedeu;

BB) Pelo exposto, entende-se que sentença é nula, nos termos do artigo 125.°, n.° 1, in fine, do CPPT.

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo e, desse modo, julgar procedente a exceção de erro na forma do processo, absolvendo a Fazenda Pública da Instância, ou, caso assim não se entenda, determinando-se a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, com o que V. Exas. farão a almejada

Justiça!»


»«

A recorrida (A......., LDA.,), devidamente notificada para o efeito, veio apresentar contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«i) Não houve ato de liquidação dos juros de mora;

ii) Esse ato inexistente, não foi notificado ao executado, e naturalmente, não foi fundamentado

iii) Não podia assim, ser impugnado;

iv) O fundamento da RFP já foi apreciado, e, não deve ser novamente apreciado, por exceção dilatória;

v) As liquidações não tendo sido notificadas, está prescritas, prescrição que é de conhecimento oficioso.

Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve Sentença recorrida manter-se na íntegra, requerendo-se assim a prolação de Acórdão que determine a improcedência do recurso interposto pelo Exequente/Recorrente, com todas as consequências daí resultantes, fazendo-se a costumada:

JUSTIÇA.»


»«

O Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto junto deste Tribunal, pronuncia-se pela procedência do recurso por considerar que o ato reclamado padece de ilegalidade, não devendo ser mantido na ordem jurídica.

»«

Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos presentes autos, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção de Execução Fiscal e recursos contraordenacionais do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, para decisão.

II – QUESTÕES A APRECIAR

Importa, nesta sede referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Termos em que, atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa aqui decidir, consiste em aferir se a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronuncia quanto à falta de fundamentação do ato recorrido e, bem assim, se o tribunal errou ao julgar improcedente a exceção de erro na forma de processo suscitada pela Fazenda Pública.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A. Corre termos na Autoridade Tributária e Aduaneira contra a sociedade «A......., Lda» o PEF n.° .........54 para cobrança de divida de IRC e juros compensatórios do exercício de 2003, com a quantia exequenda de € 317.739,87ae apensos. - (cf. fls. 6 e 7 do doc. de fls. 124 a 140 dos autos).

B. Em 22/05/2023 A......., Lda. requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Ourém a emissão de certidão com indicação (a) dos montantes em divida, (b) dos processos pendentes e (c) a relação de todos os pagamentos efetuados. - (cf. fls. 8 do doc. de fls. 124 a 140 dos autos).

C. Em 14/06/2023 o Serviço de Finanças de Ourém emitiu a certidão cujo teor é o que consta de fls. 132 a 140 e 143 a 149 dos autos.

D. Em 20/07/2023 o Chefe do Serviço de Finanças de Ourém remeteu à Reclamante através de correio eletrónico, informação com o seguinte teor:

“(...) No seguimento da petição remetida por V. Exa. por e-maii de 29-06-2023 no âmbito do Processo de Execução Fiscal .........54, cumpre informar que, compulsados os elementos que constam no Sistema Informático da Autoridade Tributária, os valores em divida nos autos apresentados na Certidão emitida em 2023-06-13 são os efetivamente devidos, não havendo lugar a qualquer redução da Taxa de Juros de Mora a 50% nos termos do disposto do n.° 3 do art.° 3° do DL 73/99, uma vez que as penhoras e/ou hipotecas que se encontram registadas no âmbito desse Processo recaem sobre os mesmos imóveis que se encontram a garantir o PEF .........85 (onde há redução de Taxa de Juros de Mora).

Mais se informa que o valor da garantia só pode ser considerado até ao somatório dos Valores Patrimoniais Tributários dos referidos imóveis, valor esse que se esgota no PEF .........85, não sendo por isso suficiente para garantir o PEF .........54 e consequentemente promover a redução Taxa de Juros de Mora a 50% nos termos do disposto do n.° 3 do art.° 3° do DL 73/99.

Assim, caso entenda que esse valor não se encontra calculado de forma adequada, deve V. Exa. nos termos do n.° 1 do art.° 74° da LGT apresentar elementos que o comprovem, designadamente a demonstração detalhada do calculo do Juros de Mora que entende serem devidos, bem como as datas e os factos que determinam a qualquer outra redução da Taxa dos Juro de Mora. (...).”. - (cf. fls. 150 dos autos).

E. Em 01/08/2023 deu entrada no Serviço de Finanças de Ourém, via correio eletrónico, a petição inicial da presente reclamação. - (cf. doc. de fls. 8 dos autos).

Factos não provados

Inexistem outros factos com relevo para a decisão da causa e que importe registar como não provados.

Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto provada fundou-se na posição assumida pelas partes nos seus articulados e na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, conforme remissão feita a propósito de cada ponto do probatório.»


»«

De Direito

Como vimos, na situação em apreço a Recorrente (FP) vem inconformada com a decisão proferida pelo TAF de Leiria, que julgou procedente a oposição deduzida no âmbito do processo de execução fiscal .........54 e apensos e n.º .........85 e apensos, por considerar que a mesma padece de: (i)nulidade por excesso de pronúncia e (ii) erro na forma de processo.

Vejamos o que nos apraz dizer, encetando pela apreciação nulidade alegada.

a) Excesso de pronúncia

Alega, nesta sede, a Recorrente que a sentença é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 125.°, n.º 1, in fine, do CPPT.- concl. Q)

Decorre da norma invocada que constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

A nulidade da sentença por excesso de pronúncia, encontra-se da mesma forma prevista no artigo 615º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC), e verifica-se nas situações em que o Tribunal aprecia e toma posição (emite pronúncia), ou dito de outra forma, toma conhecimento, sobre questões de que não deveria conhecer, por não terem sido invocadas pelas partes e não serem de conhecimento oficioso(1).

E, como tem vindo a ser pacificamente assumido pela jurisprudência dos tribunais superiores, para este efeito o conceito de “questões” é aquele a que se reporta o n.º 2 do artigo 608.º do PCP, que exclui argumentos e razões, para incorporar apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, nomeadamente, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os referentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções.

Neste sentido e nas palavras de Jorge Lopes de Sousa(2) “[O]o conceito de «questões» abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”.

Assim e como vem sublinhando a jurisprudência do STA, o que se proíbe, no referido artigo 608º nº 2 do CPC é que se conheça de “questões” não suscitadas pelas partes.

Dito isto e regressando ao caso dos autos temos que a recorrente vem dizer que “ a Reclamante, na sua petição inicial, não apontou qualquer vício ao despacho reclamado, muito menos relativo à sua fundamentação;” -concl. R)

Acrescenta em S) das conclusões recursivas, que foram unicamente apontadas “ilegalidades ao ato de liquidação dos juros de mora, não só em resultado da alegada falta de redução da respetiva taxa a metade, mas também em resultado da alegada falta de notificação e fundamentação de tal liquidação de juros”, remetendo para a certidão de dívida emitida pelo Serviço de Finanças no âmbito dos respetivos processos executivos. -(concl. T)

Refere ainda a FP que “o ato reclamado não é a supramencionada certidão de dívida, mas sim o pedido formulado a 29/06/2023 junto do órgão de execução fiscal para a redução dos juros de mora nos processos de execução n.°s Processo de Execução (PEF) n.° .........54 e apensos” – concl. U) – o sublinhado é nosso

Diga-se, desde já e, sem hesitações, que, nesta parte, a Recorrente não tem razão.

Antes de dizer porque assim o entendemos convém esclarecer que, ao arrepio do esgrimido no salvatério, o ato reclamado não é o pedido formulado 29/06/2023, mas sim, a resposta que o Chefe do Serviço de Finanças de Ourém, a esse pedido, remetido pelo OEF à Reclamante através de correio eletrónico, em 2/07/2023 - (ponto D) do probatório)

Nesta resposta a entidade administrativa especifica que os valores apresentados na Certidão emitida em 2023-06-13 são efetivamente devidos. Esta segunda informação constitui um ato meramente confirmativo do anterior ato administrativo impugnável que é a certidão de divida, não se vislumbrado daqui qualquer razão para, objetivamente, do ponto de vista adjetivo isolar cada um dos atos como parecer pretender a Recorrente.

Termos em que se conclui que, decidindo como o fez o Mmo. juiz a quo, decidiu as questões que lhe foram formuladas na petição inicial, não se verificando o vicio que lhe vem assacado.

Assim e como a própria Recorrente reconhece na conclusão S) supra enunciada, nos autos foram, ab initio, alegadas ilegalidades ao ato de impugnado, não só em resultado da alegada falta de redução da respetiva taxa de juros de mora a metade, mas também em resultado da alegada falta de notificação e fundamentação de tal liquidação de juros.

Assim sendo, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida ao apreciar o pedido quanto à insuficiente fundamentação da liquidação de juros.

Improcedem assim, sem mais, as conclusões vindas de apreciar.

b) Erro na forma de processo

Advoga a Recorrente que o Tribunal a quo errou ao julgar improcedente a exceção de erro na forma de processo suscitada pela Representação da Fazenda Pública, por considerar que foi violado o disposto nos artigos 6.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março, e 276.° do CPPT – concl. P)

Como suporte de tais considerandos vem dizer que não resulta “da petição inicial da Reclamante qualquer imputação de vícios ao Despacho reclamado – concl. E)

Argui que face ao preceituado no artigo 6.°, n.º 1 do Decreto Lei n.º 73/99, de 16 de Março o meio próprio para a discussão da legalidade dos juros de mora será a reclamação graciosa ou a impugnação judicial com os fundamentos e nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) - concl. F) a K)

Vejamos, então.

Como se disse, esta questão foi suscitada pela Fazenda Publica na resposta à petição inicial, por exceção. Foi apreciada na sentença e aí julgada improcedente.
Para assim decidir o TAF de Leiria elaborou o seguinte discurso fundamentador:
“O Exmo. Representante da Fazenda Pública veio invocar a exceção do erro na forma de processo empregue.

Entende que o objetivo da interposição da presente ação pela Reclamante é a impugnação e anulação dos juros de mora calculados nos processos executivos, a qual teria de ser suscitada em sede de reclamação graciosa ou em sede de impugnação judicial, pelo que conclui pela impropriedade do meio processual utilizado face ao fim visado.

Considera ainda que tal impropriedade não poderá ser sanada através da convolação, uma vez que já se encontram largamente ultrapassados os prazos para a impugnação judicial, quer seja considerando a notificação da liquidação, quer seja considerando as citações operadas em sede de execução fiscal e, nesta medida, deve a Fazenda Pública ser absolvida da instância.

Atentemos nesta questão.

O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas. (cfr, sumário do acórdão do STA de 28/05/2014, prolatado no processo n.° 1086/13).

Dito de outra forma, o erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, importando atentar no pedido que foi formulado e na concreta pretensão de tutela jurisdicional servindo de elemento coadjuvante a causa de pedir invocada (Cf. sumário do acórdão do TCA Sul de 10/02/2022, processo n.° 106/09.0BEBJA).

No caso em apreço, é certo que o Reclamante não pede que seja revogado o despacho impugnado, pedido principal que, em principio, seria o mais adequado à presente ação, outrossim, a anulação dos juros de mora calculados nos processos em causa por falta de liquidação e de notificação, que ficam assim caducos e prescritos, nunca notificados, nem o facto de se reportarem a garantias reais.

Pese embora exista alguma imprecisão no pedido formulado, o certo é que a presente ação foi apresentada na sequência de consulta efetuada a certidão de divida na qual, alegadamente, consta a liquidação de juros de mora em excesso, cuja correção do cálculo foi requerida ao órgão da Execução Fiscal mas indeferida e subsequentemente impugnada através da presente ação, isto é, está um causa um ato materialmente administrativo praticado em processo de execução fiscal.

Importa ter presente que tem sido entendimento jurisprudencial que, em respeito dos princípios do pro actione e da tutela jurisdicional efetiva, deve o tribunal "extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica" [cf. acórdão do STA de 16/12/2015 (proc. n.2 01508/14), disponível em www.dgsi.pt].

Ora, a Reclamação prevista no artigo 276.° do CPPT abrange, na sua formulação, a generalidade dos atos praticados pela administração tributária no processo de execução fiscal.

Apesar de o artigo 6.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de março, que regula genericamente os juros de mora de dividas ao Estado, estabelecer que os devedores podem reclamar contra a liquidação de juros ou impugná-la com os fundamentos e nos termos do Código de Processo Tributário (atualmente CPPT), importa ter presente que os juros de mora aqui questionados são os apurados em processo de execução fiscal.

Nestes casos, a impugnação a que se refere a sobredita disposição legal não é a impugnação judicial do ato de liquidação prevista no artigo 97.°, n.° 1 al. a) do CPPT e no artigo 95.°, n.° 1 al. a) da LGT, mas sim a impugnação dos atos praticados no processo de execução fiscal, prevista no artigo 49.°, n.° 1, alínea a), subalínea iii) do ETAF, artigo 95.°, n.° 1 e n.° 2 alínea i) da LGT, que confere ao interessado o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos praticados na execução fiscal.

A Reclamação do artigo 276.° do CPPT, apesar de se referir a decisões do órgão da execução fiscal, é o meio processual adequado para impugnação da generalidade de atos materialmente administrativos praticados no âmbito do processo de execução fiscal, onde se inclui, como é bom de ver, o ato de contagem dos juros moratórios.

Temos presente o teor do douto acórdão citado pela Fazenda Pública e que entende que o meio processual adequado à discussão da legalidade da liquidação de juros de mora é a impugnação judicial prevista nos artigos 97.°, n.° 1, al. a) e 102.°, n.° 1, al. a), do CPPT.

No entanto, a situação dos autos é distinta da apreciada e decidida no acórdão referido porquanto o que está aqui em causa respeita ao direito à redução a metade da taxa de juro, quanto às dívidas cobertas por garantias reais, nos termos do artigo 3.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 73/99 de 16 de março, legalidade que só é possível aferir com a constituição das garantias reais, o que, por regra, ocorre muito após a citação do executado para a execução.

Na verdade, o entendimento propugnado pela Fazenda Pública conduziria à impossibilidade de apreciação pelo Tribunal da legalidade do ato de cálculo (ou liquidação, lacto sensu) dos juros de mora executivos nos termos do Decreto-Lei n.° 73/99 de 16 de março, em clara afronta ao principio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 268.° da CRP.

Por conseguinte, no caso vertente a reclamante usou de meio processual adequado para fazer valer a sua pretensão, aliás, único ao seu dispor para impugnar o ato praticado na execução fiscal, inexistindo, por isso, erro na forma de processo empregue.

Improcede, assim, a exceção invocada.

O processo é, pois, o próprio e não padece de nulidades que o invalidem total ou parcialmente.” – fim de citação

Acompanhamos, na íntegra, o assim decidido.

Com efeito é pacificamente aceite na doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais que este tipo de reclamação tem por objeto quaisquer atos ou decisões administrativas que no processo de execução fiscal sejam suscetíveis de afetar os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados.

Neste sentido, diz-nos Jorge Lopes de Sousa(3) que “[P]podem ser objeto de reclamação quaisquer decisões da administração tributária no processo de execução fiscal que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, não tendo de tratar-se, necessariamente, de actos materialmente administrativos, apesar das referências a actos desta natureza feita nos arts. 103º, n.º 2, da LGT e 151.º, n.º 1, do CPPT.

Embora o texto deste art. 276.º refira «decisões» do órgão da execução fiscal e outros órgãos da administração tributária como possíveis objectos de reclamação e o art. 103.º, n.º 2, da LGT faça referência a «actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária» e a Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, que autorizou o Governo a aprovar a LGT reconhece um «direito dos particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo» [alínea 29) do art.º 2.º daquela Lei]. Por isso, em face da supremacia da LGT, reconhecida no art. 1.º do CPPT, e da necessidade de conformação dos preceitos daquela com a lei de autorização legislativa que é condição da sua constitucionalidade orgânica, em matérias que têm a ver com as garantias dos contribuintes [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP], deve ser reconhecido o direito global de os interessados reclamarem para o juiz de todos os actos que os lesem, tenham ou não a configuração ou a designação de «decisões», inclusivamente, por isso, actos e operações materiais de execução. – o destacado e sublinhado são nossos.

E é o que basta para concluir como o fez o Mmo. Juiz do TAF de Leiria, pela idoneidade do meio processual utilizado.

Improcedendo, deste modo, in totum o presente recurso.

III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de Execução fiscal e Recursos Contraordenacionais do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, com dispensa do remanescente de taxa de justiça na parte que excede os € 275.000,00, nos termos previstos no n.º 7 do artigo 6.° do RCP.

Registe e notifique

Lisboa, 15 de fevereiro de 2024


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Isabel Vaz Fernandes – 2.º Adjunta
(com assinatura digital)


(1)Vide, neste sentido o Ac. deste TCA Sul proferido em 13/10/2022 no processo .º 152/10.1BEBJA
(2)In CPPT, Anotado e Comentado, 6º edição 2011, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364.
(3)In obra citada IV pag. 269/270