Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1810/09.9 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PROCEDIMENTO ILISÃO DA PROVA DO PREÇO DOS BENS IMÓVEIS (129.º CIRC)
AUTORIZAÇÃO ACESSO A INFORMAÇÃO BANCÁRIA
DIREITO DE ACESSO À RESERVA DA VIDA PRIVADA
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
PRINCÍPIO DA TRIBUTAÇÃO DO LUCRO REAL DAS EMPRESAS E DA IGUALDADE TRIBUTÁRIA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I- O procedimento tributário instaurado ao abrigo do artigo 129.º, nº6 do CIRC (atual artigo 139.º, nº 6) tem natureza cooperativa e comutativa, enquanto o consignado no artigo 63.º B da LGT assume natureza contenciosa, inexistindo, consequentemente, qualquer vinculação legal no âmbito do procedimento previsto no artigo 129º do CIRC, a serem cumpridas as regras e as garantias estabelecidas no artigo 63º-B da LGT.
II- O artigo 129.º, nº6 do CIRC impõe a entrega das autorizações para acesso da informação bancária dos administradores e gestores referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito serem anexados os correspondentes documentos de autorização.
III- A imposição referida na alínea antecedente, representa uma condição sine qua non, insuscetível de ser suprida pela AT mediante convocação do inquisitório, não traduzindo, por um lado, um ónus excessivo ou desrazoável, e, por outro lado, a concreta violação do direito de acesso à reserva da vida privada, ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, ao princípio da tributação do lucro real das empresas e da igualdade tributária e bem assim do princípio da proporcionalidade.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM deste Tribunal Central Administrativo Sul


ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

T……….., S.A., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a Ação Administrativa Especial intentada contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, tendo por objeto o Despacho do Diretor de Finanças de Lisboa, datado de 30 de junho de 2009, exarado na Informação n.º …../2009, do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR), notificado através do Ofício n.º ………, de 01 de julho de 2009, o qual determinou o arquivamento dos requerimentos de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentados pela Autora em 30 de janeiro de 2009, nos termos do disposto no artigo 129.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), com referência à alienação de duas frações autónomas de dois prédios urbanos sitos na freguesia de G…….., concelho de Vila Nova de Famalicão e na freguesia de V……., concelho de Marco de Canavezes, inscritos na respetiva matriz predial urbana sob os artigos n.° ……..A e ……..E.

A Recorrente formula as conclusões que infra se reproduzem:

1.ª A douta decisão recorrida julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida pela ora Recorrente contra o despacho do Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa de 30.06.2009, exarado na Informação n.º …./2009 do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR), notificado através do Ofício n.º ………., de 01.07.2009, o qual determinou o arquivamento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóvel, apresentado pelo ora Recorrente em 30.01.2009, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código IRC, com referência à alienação de duas frações autónomas de dois prédios urbanos sitos na freguesia de G……, concelho de Vila Nova de Famalicão e na freguesia de V……., concelho de Marco de Canavezes, inscritos na respetiva matriz predial urbana sob os artigos n.º ……..A e ……….E;

2.ª O Tribunal recorrido julgou a ação administrativa apresentada pelo Recorrente totalmente improcedente, com fundamento na inexistência de restrição ilegítima do direito à reserva da vida privada, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, do princípio da proporcionalidade e, bem assim, do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real;

3.ª Salvo o devido respeito, não pode proceder o entendimento da sentença a quo;

4.ª Entende o Recorrente que a sentença recorrida incorre em omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal não se pronunciou sobre a invocada ilegalidade da correção por violação do disposto no artigo 63.º-B da LGT;

5.ª Pelo que, tratando-se esta de questão sobre a qual se impunha tomar conhecimento, uma vez que traduzem verdadeiras ilegalidades da decisão controvertida nos autos (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25.05.2016, proferido no processo n.º 01635/04.8BEPRT) e impendendo sobre o Tribunal o dever de as conhecer, a sentença a quo incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA;

6.ª Verificada a nulidade da sentença recorrida, nesta parte, deverá o Tribunal ad quem conhecer em substituição do mérito das questões não apreciadas pelo Tribunal a quo e melhor explicitadas nos artigos 117.º a 134.º da p.i., para os quais se remete, como determina o artigo 665.º, n.º 1, do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA e que resulta do princípio da economia processual (cf. neste sentido, exemplificativamente, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07.06.2018, proferido no processo n.º 448/16.9BELLE).

7.ª Sem prejuízo, a somar à nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, acresce que a sentença recorrida padece de vários erros de julgamento, uma vez que não considerou verificadas nenhuma das inconstitucionalidades apontadas pelo ora Recorrente na sua p.i., não tendo considerado violado o direito à reserva da vida privada, nem os princípio da proporcionalidade, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, nem da tributação das empresas pelo rendimento real, todos determinantes da inconstitucionalidade da decisão administrativa em crise nos autos;

8.ª Atente-se que, está apenas em causa nos autos a apresentação da declaração de autorização de acesso à informação bancária de alguns dos administradores do Recorrente e não do sujeito passivo, o que é determinante para a conclusão de que a interpretação do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC sufragada pela administração tributária e mantida pelo Tribunal a quo incorre na violação dos aludidos princípios;

9.ª Com efeito, e desde logo, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento quanto à invocada inconstitucionalidade do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC (atual artigo 139.º), por violação do princípio da reserva da intimidade da vida privada, constitucionalmente consagrado no artigo 26.º da Lei Fundamental;

10.ª No que concerne à violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada, tal consubstancia-se, desde logo, na circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição necessária do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 129.º do Código do IRC, determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo, sem que este último tenha à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário;

11.ª Efetivamente, muito embora se reconheça o objetivo estatal de combate à fraude e evasão fiscal e, bem assim, o direito do mesmo à arrecadação de impostos, tal tem de se compatibilizar com o direito à intimidade da vida privada, quer do sujeito passivo, quer dos terceiros envolvidos;

12.ª De facto, o legislador pretendeu consagrar, naquele n.º 6, do artigo 129.º (atual artigo 139.º), do Código do IRC um regime especial de derrogação do sigilo bancário que visou intimar o sujeito passivo à apresentação das autorizações para o acesso à sua informação bancária e à dos seus administradores, renunciando voluntariamente ao direito ao sigilo bancário e providenciando pela renúncia voluntária ao mesmo sigilo de terceiros, seus administradores à data da transmissão, não tendo, para esse efeito, acautelado minimamente a possível violação daquele direito à reserva da intimidade da vida privada;

13.ª Desta forma, não se avistando qualquer justificação para a consagração, no n.º 6 do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, de um regime legal com tais implicações na esfera de direitos do sujeito passivo e de terceiros, nada justifica, também e neste caso, a sobreposição dos referidos objetivos de combate à fraude e evasão fiscal e do próprio direito do Estado de cobrar impostos ao direito à reserva da intimidade da vida privada consignado naquela norma, razão pela qual é, desde logo, evidente que o preceito sob análise incorre em violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP;

14.ª Assim, é por demais evidente que a interpretação do normativo do n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, nos termos defendidos pelo Tribunal a quo, segundo a qual para o afastamento da aplicação da norma prevista no artigo 58.º-A do Código do IRC, se exige a apresentação de autorizações de derrogação de sigilo bancário dos administradores do Recorrente, i.e. de terceiros, incorre em violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

15.ª Pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada, por ilegalidade resultante da aplicação de norma inconstitucional;

16.ª Em adição à violação do referido princípio/direito, uma outra ocorre em consequência da concretização do comando ínsito naquele n.º 6 do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, qual seja, a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;

17.ª Afinal, o efeito imediato que acaba por derivar da consagração do regime legal previsto na referida norma é o de que o sujeito passivo, ainda que inteiramente convicto da razão que lhe assiste, se retraia no que respeita à utilização do expediente legal em causa, sob pena de sacrificar o seu direito à reserva da intimidade da vida privada;

18.ª É cristalino que, perante aquele n.º 6, do artigo 129.º, do Código do IRC, o sujeito passivo se depara com uma situação dilemática em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e obtém de todos os terceiros, seus administradores, as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A do Código do IRC e, inclusive, de impugnar judicialmente a própria liquidação de imposto ou, se a este não houver lugar, as correções ao lucro tributável efetuadas por efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A do Código do IRC;

19.ª Tal situação é especialmente evidente no caso dos presentes autos em que o Recorrente deu a referida autorização, tendo ainda logrado obtê-la de dois terceiros, seus administradores à data da transmissão, não tendo apenas conseguido juntar ao seu pedido a autorização de alguns dos terceiros que a administração tributária pretendia [cf. alínea E) da matéria de facto dada como provada];

20.ª Pelo que, é inequívoco que o exercício do seu direito, bem como as legítimas expectativas que o sujeito passivo pudesse ter, de comprovar, perante a administração tributária, que o preço efetivamente praticado na alienação do imóvel em causa nos autos foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do IMT entretanto liquidado, ao abrigo do expediente previsto no artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, tendo em vista a sua tributação pelo lucro real, ficaram efetivamente condicionados, sem que nada pudesse fazer para o impedir;

21.ª Atenta esta motivação, não pode deixar de concluir-se, em sintonia com a jurisprudência firmada pelo TC no acórdão n.º 442/2007, que o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC motiva uma renúncia do sujeito passivo a “(…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…)”, daí emergindo uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, a qual se materializa na decisão sub judice, que, por isso, deverá ser anulada com fundamento na violação das normas constantes dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP;

22.ª Deste modo, a interpretação do normativo do n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, nos termos defendidos pelo Tribunal a quo, segundo a qual para o afastamento da aplicação da norma prevista no artigo 58.º-A do Código do IRC, se exige a apresentação de autorizações de derrogação de sigilo bancário dos administradores do Recorrente, i.e. de terceiros, configura uma restrição ao princípio do acesso ao Direito e aos tribunais, acolhido no artigo 20.º da CRP, enquanto corolário do princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º, com consequente violação do artigo 18.º, ambos da CRP;

23.ª Razão pela qual, uma vez evidenciadas as inconstitucionalidades supra invocadas, resulta ilegal a sentença recorrida, a qual deve ser revogada, por aplicação de norma inconstitucional.

24.ª Sem prejuízo do exposto, entende o Recorrente que, além das demais inconstitucionalidades invocadas, não assiste razão, com o devido respeito, ao Tribunal recorrido, também no que respeita à sua desconsideração da inconstitucionalidade do artigo 129.º, n.º 6 (atual n.º 6 do artigo 139.º), do Código do IRC, por violação do princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP;

25.ª Efetivamente, a presunção, quer do rendimento, quer do próprio valor de alienação do imóvel a considerar para efeitos de determinação do rendimento tributável em IRC, apenas poderá ser admissível se consubstanciar uma presunção relativa, ou seja e in casu, se for, na prática, possível efetuar a demonstração do valor real e efetivo da transmissão, razão pela qual, não o sendo, ocorre, no entendimento do Recorrente e salvo melhor entendimento, uma manifesta violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP;

26.ª Sucede que, à luz da redação do mencionado artigo 129.º, n.º 6 (atual artigo 139.º), do Código do IRC, de 29 de dezembro, aplicada pela administração tributária, o legislador tributário veio tornar, na prática, inilidível a presunção de rendimento consagrada no artigo 58.º-A, enformando aquela norma, no entendimento do Recorrente, da inconstitucionalidade;

27.ª Com efeito, a mencionada Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, ao proceder ao aditamento ao artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, da menção “(…) devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”, veio, na prática, converter o preço efetivo de alienação numa demonstração potencialmente impossível e, nessa medida, suscetível de violar, desde logo, não só o princípio da tributação pelo rendimento real, mas também, o princípio da igualdade contributiva;

28.ª Afinal, a anexação dos documentos de autorização do levantamento do sigilo bancário dos gerentes ou administradores não se encontra dependente da mera vontade do sujeito passivo, na medida em que este último não pode obrigar terceiros a concederem aquela autorização, ficando, dessa forma, à mercê daquela que for a decisão daqueloutros.

29.ª Pelo que, em suma, o artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez o Tribunal a quo no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores do Recorrente constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 58.º-A do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, devendo a sentença recorrida ser revogada e consequentemente, também com esse fundamento, a ilegalidade do ato em crise, razão pela qual se requer a sua imediata anulação.

30.ª A somar às violações supra mencionadas, a norma prevista no n.º 6 do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC e a sua aplicação, nos termos em que o fez a decisão sub judice, incorre, igualmente e ainda tendo por referência o direito fundamental de reserva à intimidade da vida privada, na violação do princípio da proporcionalidade;

31.ª Desde logo, no que às referidas vertentes da adequação e da necessidade se refere, embora se reconheça que o eventual controlo e acesso à informação bancária do sujeito passivo poderá, em face do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu à consagração do regime legal previsto no artigo 129.º, justificar aquele acesso, já nada poderá justificar que o mesmo se concretize da forma absurda que resulta da aplicação do n.º 6 daquele preceito, inexistindo, assim, na previsão daquele n.º 6 do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, qualquer razoabilidade mas, ao invés, uma manifesta desadequação dos meios em face dos fins a atingir;

32.ª Na verdade, é indubitável que, das informações constantes da documentação apresentada pelo Recorrente [cf. alíneas B) e E) da matéria de facto dada como provada], resulta inequívoco o preço efetivo da transmissão do imóvel em causa, o que claramente demonstra não ser a aludida derrogação indispensável para a prova do preço efetivo;

33.ª Motivação pela qual se atesta que o recurso àquele mecanismo se afigura manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional;

34.ª A violação do princípio da proporcionalidade ocorre inclusivamente na sua vertente mais estrita, face à circunstância de se exigir ao sujeito passivo que apresente, para efeitos da utilização do expediente previsto no artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, as autorizações de levantamento do sigilo bancário relativo a terceiros, quais sejam, os seus administradores, quando não está na sua esfera de decisão e de poderes autorizar o acesso à informação bancária daqueles;

35.ª No caso vertente, não obstante considerar uma exigência desproporcionada, a verdade é que o Recorrente autorizou o acesso à sua informação bancária, tendo inclusivamente logrado apresentar as declarações de autorização de acesso à sua informação bancária e à informação bancária de dois dos seus administradores [cf. alíneas B) e E) da matéria de facto dada como provada];

36.ª Todavia, assim não sucedeu quanto à totalidade dos seus administradores que exerciam funções no período em que teve lugar a transmissão do imóvel, bastando tal circunstância para que a administração tributária desse por incumprido o n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC;

37.ª É, pois, neste ponto que, para o Recorrente, se verifica a manifesta desproporcionalidade desta exigência, quando faz depender o uso de um expediente legal pelo Recorrente do acesso cumulativo à informação de vários terceiros;

38.ª Pelo que, em suma, o artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez o Tribunal a quo no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores do Recorrente constitui um requisito imprescindível ao afastamento da norma prevista no artigo 58.º-A do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

39.ª Pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada, por ilegalidade resultante da aplicação de norma inconstitucional, daí resultando, também com esse fundamento, a ilegalidade do ato sub judice, razão pela qual se requer a sua imediata anulação;

40.ª Tendo em mente a supramencionada ilegalidade do referido despacho e uma vez que, salvo melhor entendimento, se impõe ao Tribunal ad quem que dite a anulação do mesmo, caberá ainda a sua substituição por uma nova decisão sobre o procedimento de prova do preço efetivo.

41.ª Isto porque, à luz da factualidade dada como provada na decisão recorrida e que se encontra assente entre as partes, assim como das normas e princípios aplicáveis, a condenação à prática do ato devido no caso sub judice deveria consistir na imposição da emissão de um ato de deferimento daquele pedido de prova do preço efetivo;

42.ª De facto, é assente e não controvertido que o Recorrente procedeu à apresentação da prova do preço da transação e à junção da cópia das escrituras públicas, bem como dos documentos bancários comprovativos do recebimento do preço total declarado naqueles contratos, assim como declarações de autorização de acesso à informação bancária do Recorrente e de dois dos seus administradores, com referência aos exercícios de 2007 e 2008 [cf. alíneas B) e E) da matéria de facto dada como provada];

43.ª Ora, tendo em consideração que, daqueles documentos, resulta inegavelmente demonstrado, e sem ser necessária a produção de qualquer prova adicional, que, por um lado, aquele foi o preço pelo qual o Recorrente transmitiu o imóvel em questão e que, por outro lado, o mesmo foi praticado por um montante inferior ao valor patrimonial tributário apurado pela administração tributária, encontra-se no caso sub judice demonstrado e comprovado o preço efetivo de transmissão do imóvel em apreço para efeitos do disposto no artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC;

44.ª Assim, em concretização do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da CRP, permitem os artigos 66.º e seguintes do CPTA, perceber o alcance verdadeiramente condenatório destas ações. Motivo pelo qual, é, pois, clara a ilegalidade da decisão ora posta em crise, impondo-se a sua integral anulação e substituição.

45.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, se impõe a revogação da sentença ora recorrida, proferindo-se nova decisão que condene a administração tributária à prática do ato devido nos termos peticionados.

46.ª Resultando do supra exposto os diversos vícios em que incorreu a sentença recorrida, deverá a mesma ser anulada, julgando-se a ação administrativa especial procedente e condenando-se à administração tributária ao deferimento do pedido de prova do preço efetivo feito pelo Recorrente.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da decisão recorrida, condenando-se a administração tributária à prática de ato devido que defira o pedido de prova do preço efetivo, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”


***

A Recorrida, devidamente notificada apresentou contra-alegações, tendo requerido a ampliação do objeto de recurso, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

A) Contra-alegações de recurso:

1ª) A sentença, a fls…, ao ter julgado totalmente improcedente a acção administrativa especial e ao ter absolvido o R. e ora recorrido dos pedidos formulados pelo Autor, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, deve ser mantida.

Quanto à alegada nulidade por omissão de pronúncia:

2ª) Inexiste qualquer omissão de pronúncia, dado que a sentença recorrida se pronunciou sobre todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir invocadas pelo então A.

3ª) Tenha-se em conta que o referido pelo ora recorrente corresponde a linhas de argumentação e não a verdadeiras questões, uma vez que a verdadeira questão que se colocava ao Tribunal era a da inconstitucionalidade do então nº 6 do art. 129º do CIRC.

4ª) Deste modo, dúvidas não restam de que a sentença recorrida analisou a questão da interpretação do nº 6 do art. 126º conforme aos preceitos constitucionais, decidindo, a final e invocando até jurisprudência, pela não inconstitucionalidade de tal normativo.

Da eventual necessidade de aplicação do art.63º-B da LGT:

5ª Por outro lado, o art. 63º-B da LGT e as garantias dos contribuintes aí consagradas, face à quebra do segredo bancário, não são aplicáveis ao presente caso, por se estar perante situações distintas.

6ª) Na verdade, enquanto no art. 63º-B da LGT, por o procedimento ser desencadeado pela AT deve a mesma dar a conhecer ao contribuinte e fundamentar e comprovar os motivos pelos quais pretende aceder à informação bancária e daí a necessidade legal de limitação, designadamente através do dever de fundamentação, do acto administrativo praticado pela AT, tendo em vista controlar a verificação dos pressupostos de acesso à informação bancária, no art. 129º do CIRC, por o procedimento ser da iniciativa do contribuinte e já se encontrar delimitado o motivo e o pressuposto que justifica o acesso à informação, não há a necessidade de controlar a verificação do mesmo, até porque não há, por parte da AT, a prática de qualquer acto administrativo, desconhecido do contribuinte, que pretenda aceder a informação bancária.

7ª) Não há, pois, qualquer obrigatoriedade legal de serem usadas, no procedimento previsto no art. 129º do CIRC, as garantias estabelecidas no art. 63º-B da LGT, caso contrário, o legislador tê-lo-ia expressamente previsto.

8ª) E nem se justifica que, no caso, essas garantias sejam subsidiariamente aplicadas, dado que estamos perante um mero procedimento de produção de prova da própria iniciativa e responsabilidade do contribuinte, com o motivo e pressuposto de acesso à informação já previamente delimitado e conhecido pelo próprio contribuinte.

9ª) Aliás, só se explica tal argumentação porquanto o recorrente sabe perfeitamente que, no caso, se a AT tivesse acionado o procedimento do artigo 63º-B da LGT, isso sim, teria redundando na prática de uma flagrante ilegalidade.

10ª) É que, em caso de incumprimento do requisito do nº 6 do artigo 129º do CIRC, a estatuição é a aplicação do artigo 58º-A do CIRC, para efeitos de determinação do lucro tributável.

11ª) Não se verificaram quaisquer «dúvidas» da AT sobre a situação bancária do recorrente ou dos seus administradores, mesmo que estas existissem seriam irrelevantes para o caso, face à sanção expressamente prevista na lei.

12ª) A recusa na apresentação das declarações de acesso à informação bancária não constitui qualquer ilegalidade, nem existem quaisquer consequências para os administradores, para além do não afastamento das regras do artigo 58º-A do CIRC no apuramento do lucro tributável.

Da invocada inconstitucionalidade por violação do princípio do Estado de Direito e do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva - artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP

13ª) O legislador confere no então art. 129º do CIRC, a possibilidade de o contribuinte poder ilidir uma presunção legal, facto que o recorrente não contesta, uma vez que lhe é permitido contrapor, face ao que se encontra previamente estabelecido na lei, uma outra forma de determinação do lucro tributável. E, no caso, os pressupostos de que depende tal procedimento, destinado a contrapor um outro valor, um outro preço de transmissão do imóvel, destinam-se a esclarecer a verdade dos factos.

14ª) Pelo que, está-se perante um procedimento destinado a apurar a realidade dos factos e atenta a natureza do mesmo (o preço da transacção) que se pretende provar, só os documentos bancários constituem o meio adequado e a prova real e fidedigna da veracidade do preço pelo qual o imóvel foi vendido.

15ª) Donde, o estabelecimento de tal meio de prova, num procedimento destinado a ilidir uma presunção legal e inserido na busca da verdade material, da justiça fiscal e do princípio da capacidade contributiva, não constitui qualquer restrição ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.

16ª) Neste mesmo sentido se deliberou no Ac. do TCA Sul, de 1/10/14 Proc. 060690/12, ao concluir que a autorização mencionada não constitui violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, porquanto ao contribuinte assistem os seguintes direitos impugnatórios junto dos tribunais tributários: i) a acção de impugnação da decisão de fixação do preço efectivo com base no vpt do prédio em causa, nos termos do artigo 58.º-A/2 actual artigo 64.º, do CIRC (artigo 95.º/2/h), da LGT); ii) a impugnação judicial da decisão de fixação da matéria colectável em IRC, ao abrigo do artigo 58.º-A/2, do CIRC (artigo 129.º/7, do CIRC); iii) a impugnação judicial da liquidação de IRC que resultar da aplicação do disposto no artigo 58.º-A/2, do CIRC (artigo 129.º/7, do CIRC); iv) a impugnação judicial do acto de fixação do vpt do prédio alienado (artigo 77.º do CIMI).

17ª) Donde, como também se deliberou no mesmo Acórdão, a obrigatoriedade do mecanismo colegial paritário de fixação do preço efectivo da alienação, prevista no artigo 129.º, n.ºs 3, 5 e 6 do CIRC constitui uma forma concertada e antecipada de garantir a tutela judicial efectiva dos interesses do contribuinte, sem pôr em causa o direito à apreciação jurisdicional

Da eventual inconstitucionalidade do nº 6 do art. 129º do CIRC por violação do princípio da tributação pelo lucro real e da igualdade tributária:

18ª) Ora sobre tal alegada inconstitucionalidade decidiu-se no Ac. do TCA Sul de 21.05.13, Proc. nº 06309/13, o seguinte: “Mais aduz o recorrente que o preceito em causa viola o direito à tributação pelo rendimento real constitucionalmente consagrado.

O princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.P. O mecanismo em apreço, pelo contrário, consubstancia um instrumento de que o contribuinte pode lançar mão no sentido de assegurar a tributação pelo lucro real, assim correspondendo ao princípio previsto na Lei Fundamental e, manifestamente, não violando tal preceito constitucional (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 19/2/2013, proc.6091/12).

Rematando, a norma do artº.129, nº.6, do C.I.R.C., não ofende o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real consagrado no artº.104, nº.2, da C.R.P”.

19ª) Na verdade, o legislador confere no então art. 129º do CIRC, a possibilidade de o contribuinte poder ilidir uma presunção legal, uma vez que lhe é permitido contrapor, face ao que se encontra previamente estabelecido na lei, uma outra forma de determinação do lucro tributável. E, no caso, os pressupostos de que depende tal procedimento, destinado a contrapor um outro valor, um outro preço de transmissão do imóvel, destinam-se a esclarecer a verdade dos factos.

20ª) Donde, contrariamente ao que invoca o recorrente não existe aqui uma impossibilidade prática de ilidir a presunção, mas sim, o estabelecimento de uma medida adequada e proporcional ao fim que visa tal procedimento: apurar a verdade material dos factos.

21ª) Conforme se refere no Ac. do TC nº 517/2015, a necessidade de garantir um sistema fiscal eficaz, quanto à efectiva tributação do rendimento real das empresas, e justo, na medida em que assegure uma distribuição equitativa do peso dos impostos, demanda o acesso a informações bancárias, assegurando, deste modo, a igualdade tributária.

Do direito à reserva da intimidade da vida privada e da violação do princípio da proporcionalidade:

22ª) Ora, quanto ao direito à reserva da intimidade da vida privada, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 145/14, Proc. nº 521/2013 já deliberou pela não inconstitucionalidade do nº 6 do então art. 129º do CIRC, invocando-se aqui os argumentos para tanto invocados por aquele Alto Tribunal.

23ª) Por outro lado, também não ocorre qualquer violação do princípio da proporcionalidade.

24ª) Estando directamente consagrada na lei a possibilidade de acesso, que é feita na prossecução das atribuições da AT, de verificação da real capacidade contributiva do sujeito passivo, da igualdade e da justiça fiscal e, tendo em conta os interesses em confronto, da AT e dos contribuintes, há também que concluir que o acesso ao segredo bancário, aos documentos bancários dos administradores do então A., consagrado na lei, é adequado, proporcional e não excessivo, o que salvaguarda, ainda, o conteúdo constitucional do direito à reserva da intimidade da sua vida privada.

25ª) Para concretizar a justiça fiscal e a igualdade contributiva constitucionalmente exigida, o acesso à informação bancária do recorrente e à dos seus administradores ou gerentes é um instrumento único e uma diligência manifestamente indispensável ao apuramento dessa mesma real situação tributária.

26ª) Não se vislumbrando, por outro lado, que outros meios alternativos existam que possam colmatar a falta de acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores ou gerentes, uma vez que é indispensável conferir as contas de todos para saber, com total rigor e isenção, se houve desvio para qualquer uma das contas e, designadamente, para a dos administradores, de montantes que devem ser reportados à venda dos imóveis.

Quanto ao pedido cumulado: deferimento da pretensão do recorrente

27ª) O deferimento da pretensão formulada pelo então A. relativamente à prova do preço efectivamente praticado na transmissão de imóvel, envolve produção de prova e juízos de valor técnicos inseridos numa grande margem de liberdade de apreciação da AT.

28ª) O deferimento da pretensão do autor apenas poderia ocorrer no caso de se verificar o preenchimento de todos os requisitos legais de que depende a possibilidade de considerar um preço de venda efectivo inferior ao valor patrimonial tributário.

29ª) Como se concluiu, na sentença prolatada no Proc.2522/11.9BEPRT de 18/10/21, “um dos requisitos necessários à apreciação desse pedido é, precisamente, a autorização de acesso a informações bancárias, o que o autor recusou. E não pode obter-se por via do tribunal a condenação da Administração na prática de um acto que teria subjacente a violação do regime legal. Aliás, e como se disse, a Administração não se pronunciou sequer sobre o mérito da pretensão da Autora (v. g., nunca chegou a dizer qual o preço da transmissão que considerava aplicável), pelo que sempre a decisão do tribunal seria sempre originária quanto à matéria em questão, o que, em nosso entender, configuraria a invasão ilegítima das competências da Administração, situação inadmissível à luz do princípio da separação de poderes. “ (o realce e sublinhado são da nossa autoria).

30ª) Finalmente, contrariamente ao que o recorrente alega, os documentos apresentados no seu requerimento e com vista à prova do preço efectivo da transmissão, não acompanhados dos necessários elementos de informação bancária, são manifestamente insuficientes, até porque são eles que atestam a divergência entre o preço de venda e o VPT, para provar que o preço que consta da escritura pública de compra e venda é o que tem correspondência com os montantes que foram efectivamente recebidos pelo ora recorrente, não tendo sido pago mais qualquer montante aos administradores do mesmo.

B) Do pedido de ampliação do objecto do recurso:

31ª) Nos termos do nº 1 do art. 636º do CPC: “ No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.

32ª) Ora, ainda que se venha a considerar, sem conceder, que a sentença recorrida não se pode manter face ao recurso apresentado pelo A., o que mais uma vez não se concede, ainda assim a AT requer que o Tribunal “ ad quem” se pronuncie sobre os restantes fundamentos da defesa e que se referem à julgada improcedência da excepção invocada e que importava a absolvição da então R. da instância.

Da inimpugnabilidade do acto:

33ª) O saneador, a fls…, ao ter julgado improcedente a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto administrativo impugnado e ao não ter absolvido a então R. e ora recorrente da instância, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, não deve ser mantido.

34ª) Tendo a decisão da AT que não determina o prosseguimento do procedimento de prova de demonstração de preço efectivamente praticado na transmissão de imóvel sido proferida no âmbito de uma matéria regulada nos termos do procedimento de revisão da matéria colectável a pedido do contribuinte (cfr. art. 91º e 92º da LGT, para os quais remete o nº 5 do então art. 129º do CIRC), ela constitui um acto interlocutório, que não é imediatamente lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, do procedimento de liquidação que só pode ser atacado, contenciosamente, a final.

35ª) O arquivamento do procedimento de demonstração do preço, não faz, pois, precludir a possibilidade de o ora recorrido, a final e com a prática do acto de liquidação, discutir a questão de não ter sido deferido o seu pedido de demonstração do preço efectivamente pago nas transmissões dos imóveis.

36ª) Acresce que, tendo cessado qualquer efeito suspensivo da liquidação, a partir do momento em que a AT toma a sua decisão do não prosseguimento do pedido, cfr. nº 4 do então art. 129º do CIRC, o ora recorrido está em perfeitas condições de impugnar a liquidação invocando essa mesma ilegalidade, de preterição da formalidade de ser admitido a fazer a demonstração do preço de transmissão do imóvel, nos termos do art. 129º do CIRC, donde, a decisão da AT não lesa directa e imediatamente o sujeito passivo.

37ª) Pelo que, não podemos aceitar o entendimento plasmado no saneador, a fls., que considera que o indeferimento do pedido de produção do preço efectivo na transmissão do prédio urbano em causa nos autos era imediatamente lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos do então A.

38ª) Sobre esta questão em acórdão de 28/04/21, Proc. 1263/12.4BEPRT, em sede de recurso de revista, o STA já concluiu que: “ Em suma, quer do que resulta da interpretação dos preceitos legais em crise – artigos 139.º e 86.º, n.º 4 da LGT – quer do regime regra do procedimento tributário assente no princípio da impugnação unitária – artigo 54.º do CPPT – conclui-se que o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo não é impugnável, devendo os eventuais vícios de que o mesmo enferme ser alegados e conhecidos no âmbito da impugnação do acto de liquidação adicional ou do que determine a correcção de prejuízos fiscais.”

39ª) Refira-se aliás que, no presente caso, não se encontra determinado na matéria de facto se a liquidação já foi efectuada e se o ora recorrente dela interpôs impugnação judicial e com que fundamentos, donde, pode até existir, eventualmente, uma excepção de litispendência ou de caso julgado, pelo que, caso o Tribunal “ ad quem”, sem conceder, considere que o acto ora impugnado era impugnável autonomamente e por via de acção administrativa especial, pese embora o mesmo se inserir num procedimento que culmina na emissão de uma liquidação correctiva, deverá sempre, previamente, determinar-se a baixa dos autos ao Tribunal “ a quo” a fim de que sejam apurados tais factos que se assumem, nessa circunstância, como relevantes para a correcta apreciação da questão da inimpugnabilidade do acto, cfr. nº 3 do art. 636º do CPC.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas, deve:

a) ser negado provimento ao recurso interposto pelo A. e, em consequência, deve ser mantida a sentença, a fls…, na parte em que absolveu a R. e ora recorrida dos pedidos formulados pelo mesmo A.

Ainda que assim não se entenda, sem conceder:

b) Deve ser concedido provimento à ampliação do objecto do recurso, interposto pela R. e ora recorrente, nos termos do nº 1 do art. 636º do CPC devendo a sentença ser revogada e ser substituída por Acórdão que julgue procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto, com todas as legais consequências.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) T…………….., S.A., (ou Autora) é uma instituição de crédito que, no âmbito da sua actividade comercial, celebra diversos contratos de locação financeira de bens imóveis (facto não controvertido);

B) No âmbito da actividade, referida em A) e na qualidade de locadora, a Autora procedeu, durante o exercício de 2008, à alienação da fracção autónoma de prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de G………, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.° ……..A, pelo preço de €343.000,00 e da fracção autónoma de prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de V………., concelho de Marco de Canavezes, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.° ………E, pelo preço de € 26.000,00 (conforme escrituras públicas celebradas a 25-02-2008 e19-08-2008, constantes a fls. 15 a 19 e 46 a 49 do processo administrativo apenso);

C) Em 30-.01-2009 a Autora apresentou, e com referência a cada uma das fracções identificadas na alínea anterior, requerimento com vista à comprovação do preço efectivo da respectiva transmissão, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código do IRC, por forma a afastar a aplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A do mesmo diploma legal (cf. fls. 3 a 5 e 33 a 35 do processo administrativo apenso);

D) Ao requerimento identificado em C) a Autora juntou cópia da escritura pública do contrato de compra e venda e documentos bancários (cf. fls. 6 a 31 e 37 a 56 do processo administrativo apenso);

E) Por ofício nº ………, de 09-06-2009 o Réu notificou a Autora para, no prazo de 10 dias a contar da assinatura do aviso, suprir as deficiências do requerimento da Autora, sob pena do pedido ser arquivado (cf. fls. 97 a 99 do processo administrativo apenso e doc nº 1 junto com a petição inicial):

«ASSUNTO: PROCEDIMENTO DE REVISÃO - Art°,91° da LGT e Art°.129°, n°.3 do CIRC ;

(Pedido de Demonstração de Prova do Preço Efectivo na Transmissão de Imóvel - Art°………..-E da matriz predial urbana da freguesia de V………., Concelho de Marco de Canavezes e Art° ………A da matriz predial urbana da freguesia de G……., Concelho de Vila Nova de Famalicão).

Deram entrada nesta Direcção de Finanças, dois pedidos de demonstração do preço efectivo na transmissão dos imóveis supra identificados.

Da análise prévia dos requerimentos para aferir do cumprimento dos formalismos legais exigidos pelos n°s 1 e 3 do art° 91° da LGT e n° 6 do art° 129° do CIRC, constata-se que apenas foram enviadas duas declarações de autorização do levantamento do sigilo bancário dos administradores dessa empresa, respeitantes aos anos de 2008 e 2007. Porém, face aos elementos existentes nesta Direcção, verifica-se que ainda se encontram em falta as declarações dos demais Administradores, respeitantes aos anos acima referidos.

Informo Vª. Exª. que, face ao disposto no n°.6 do art°.129° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) aprovado pelo Decreto-Lei n°.442-B/88 de 30 de Novembro com as alterações subsequentes, o consentimento de acesso aos elementos protegidos pelo segredo bancário referente às entidades mencionadas naquela norma, é necessariamente um dos requisitos da abertura do Procedimento previsto no referido artigo, não havendo dispositivo legal que o dispense, não podendo assim, o Procedimento prosseguir, caso não seja acompanhado das mencionadas autorizações.

Assim, ficam por este meio notificados para no prazo de 10 dias, a contar da assinatura do aviso de recepção, suprir as faltas indicadas.

Não dando cumprimento ao solicitado, no prazo indicado, serão arquivados os Pedidos apresentados, procedendo os Serviços desta Direcção de Finanças à competente liquidação, na parte respeitante aos valores do ajustamento previsto no n°.2 do art°.58°-A do CIRC.»

F) Recepcionado o ofício referido na alínea anterior a 12-06-2009 a Autora não apresentou os elementos solicitados;

G) Pelo ofício nº ………., de 01-07-2009 a Autora foi notificada de que por despacho de 30-06-2009, do Director de Finanças de Lisboa foi o requerimento identificado em C) arquivado com os fundamentos na informação nº …../09 do indeferimento (cf. fls. 100 a 106 do processo administrativo apenso e doc. nº 2, junto com a petição inicial);

H) Da informação nº …./2009, que acompanhou a notificação referida em G) e se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, consta, nomeadamente, o seguinte:

«(…).

3.2 — Juntou aos pedidos uma declaração assinada pelos administradores da empresa, autorizando a Administração Fiscal a aceder à informação bancária da requerente relativamente aos exercicios.de 2007 e 2008 e duas declarações individuais, emitidas por dois administradores da empresa, abaixo indicados e que exerceram funções nos anos de 2007 e/ou 2008, autorizando a Administração Fiscal a aceder à sua informação bancária individual relativamente àquele período,

. F………….,

. A…………..

No entanto, de acordo com os elementos recolhidos na Conservatória do Registo Comercial da Lisboa, ficaram por apresentar as declarações de autorização bancária dos restantes administradores ao tempo.

4. Por esse facto, pelo nosso oficio n° ………. de 09.06.09 (recepcionado pela empresa em 12.06.09), foi a requerente notificada para que, no prazo de dez dias fossem apresentados os respectivos documentos de autorização para a Administração Fiscal poder aceder à informação bancária dos restantes administradores. Foram ainda advertidos, que, se não dessem cumprimento ao solicitado no prazo indicado, seriam arquivados os Pedidos de Prova de Preço Efectivo, procedendo os Serviços à competente liquidação, na parte respeitante ao valor do ajustamento previsto no n°.2 do art°.58°-A do CIRC.

5. Atendendo ao lapso de tempo entretanto decorrido, sem que tenham sido enviados os documentos solicitados e à falta de normativo legal que dispense o requisito de apresentação dos documentos que autorizam a administração fiscal a aceder à informação bancária de todos os administradores da requerente relativamente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, tendo já sido devidamente notificada a empresa, para que no prazo de dez dias apresentasse as declarações de autorização em falta, tendo também sido advertida das consequências do respectivo incumprimento, como, até à presente data nada foi apresentado, proponho o arquivo dos Pedidos de Prova de Preço Efectivo na Transmissão dos imóveis em causa, por falta de requisitos legais.

Em conformidade, proponho também, que, se proceda à competente liquidação do IRC na parte respeitante aos valores do ajustamento previsto no n°.2 do art°.58°-A do CIRC, para o exercício de 2008, no montante de € 11.450,00.(…)»

I) A Autor deduziu a presente acção administrativa especial a 28-09-2009 (cf. doc. nº ……… – pág. 1/SITAF).


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Dos factos alegados, com relevância para a decisão, nenhum importa registar como não provado.”


***

Mais consignou enquanto decisão da matéria de facto que “[a] convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”

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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a Ação Administrativa Especial intentada contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, tendo por objeto o Despacho do Diretor de Finanças de Lisboa, datado de 30 de junho de 2009, o qual determinou o arquivamento dos requerimentos de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentados pela Autora, nos termos do disposto no artigo 129. ° do CIRC.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:

i. A decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia;

ii. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito na medida em que o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, quando interpretado e aplicado da forma sentenciada na decisão recorrida, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores da Recorrente constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 58.º-A do CIRC, padece de inconstitucionalidade por violação do:

· Direito de acesso à reserva da vida privada;

· Acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;

· Princípio da tributação do lucro real das empresas e da igualdade tributária.

· Princípio da Proporcionalidade

iii. Verificando-se a arguida inconstitucionalidade:

a. conhecer da ampliação do objeto do recurso, relativamente à inimpugnabilidade do ato;

b. há lugar ao conhecimento da concreta pretensão e prova sobre o procedimento da prova do preço efetivo.

Apreciando.

Comecemos pela arguida omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS(1) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” .

(1)Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.

Apreciando.

A Recorrente começa por sustentar que a decisão recorrida padece da aludida nulidade, porquanto não apreciou a questão atinente à violação do disposto no artigo 63.º B, da LGT.

Atentando na petição inicial constata-se, inequivocamente, que a Recorrente arguiu, expressamente, no seu articulado inicial, concretamente, no item epigrafado “Do regime legal vertido no artigo 63.º-B da LGT”, particularmente, nos artigos 117.º a 134.º do seu articulado inicial, que a previsão e aplicação daquele n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, tal como preconizado pela AT, extravasa, e muito, os princípios e os limites implícitos no artigo 63.º-B, da LGT.

Resulta, portanto, perentório que a Recorrente arguiu, expressamente, o aludido vício de violação de lei, sendo que analisando a decisão recorrida verifica-se, efetivamente, que inexiste pronúncia sobre tal alegação, a qual representa uma questão autónoma, e não se encontra prejudicada pela solução dada a outras.

Assim, face a todo o exposto, não tendo, como visto, a sentença tomado conhecimento da aludida questão e não resultando o conhecimento de tal questão prejudicada pelo conhecimento de outras, procede a arguida nulidade por omissão de pronúncia, impondo-se, por isso, dela conhecer, em substituição, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nº1 do CPC, uma vez que os autos reúnem todos os elementos para o efeito.

Vejamos, então.

A Recorrente alega que, quer a consagração de uma norma como a prevista no n.º 6 do artigo 129.º do CIRC, quer a atuação da AT, exigindo ao sujeito passivo a obrigatoriedade de apresentação das autorizações de levantamento do sigilo bancário de terceiros, constituem um atropelo evidente dos princípios consignados no artigo 63.ºB da LGT, fazendo “tábua rasa”, no plano infraconstitucional, de todas as garantias do sujeito passivo e de terceiros que haviam sido contempladas no aludido normativo.

Dissente a Recorrida relevando, para o efeito, que os aludidos normativos não têm a mesma abrangência, reportando-se a situações díspares.

E, de facto, a razão está do lado da Recorrida, visto que tais normativos têm âmbitos de abrangência e delimitações completamente distintas, pois enquanto o artigo 63.º B da LGT regulamenta o regime legal de derrogação do sigilo bancário cujo procedimento é da iniciativa da AT, atribuindo-lhe um poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, nas situações nele enumeradas, e desde que cumpridas as exigências legais nele consignadas, mormente, em termos de especial dever de fundamentação.

O regime legal consignado no, à data, artigo 129.º do CIRC representa um mecanismo tendente a ilidir a presunção constante no artigo 58.º A do CIRC, sendo desencadeado pelo Sujeito Passivo, permitindo-lhe fazer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre imóveis foi inferior ao VPT.

Logo, encontramo-nos perante procedimentos distintos, inexistindo, consequentemente, qualquer vinculação legal no âmbito do procedimento previsto no artigo 129º do CIRC, a serem cumpridas as regras e as garantias estabelecidas no artigo 63º-B da LGT. A adensar e corroborar o supra exposto está, desde logo, a circunstância de obtida a autorização do sujeito passivo de acesso às suas contas bancárias no âmbito de um procedimento para os efeitos do artigo 129º, nº 6 do CIRC, a mesma não é passível de utilização pela AT para fundamentar correções efetuadas no âmbito de outro procedimento contra o mesmo sujeito passivo.

Como expendido no Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 176/2023, datado de 30.03.2023, o procedimento tributário instaurado ao abrigo do artigo 129.º, nº6 do CIRC tem natureza cooperativa e comutativa, enquanto o consignado no artigo 63.º B da LGT assume natureza contenciosa, expendendo o mesmo que “[a] jurisprudência tributária vem compreendendo o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, nesta nova redação (hoje transposta, expressis verbis, para o artigo 139.º, n.º 6, do diploma), como não produzindo um efeito derrogatório, direto ou próprio, da confidencialidade bancária (v., neste sentido, os acórdãos do TCA Norte de 25 de fevereiro de 2021 no Proc. 735/12.5BEPRT e de 11 de março de 2021 no Proc. 1408/12.4BEPRT e acórdão do TCA Sul de 17 de outubro de 2019 no Proc. 387/18.9BELLE), antes deixando o levantamento do sigilo dependente de um ato declarativo dos respetivos beneficiários, que é dizer, do seu consentimento, formalizado em documento escrito e apresentado nos termos do mesmo articulado legal.” [No mesmo sentido que o, ora, propugnado vide, igualmente, Aresto deste TCAS, proferido no processo nº 1814/09.1BELRS, datado de 10 de fevereiro de 2022].

Face ao exposto, improcede, assim, o arguido vício de violação de lei.


***


Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente sustenta, para o efeito, que o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, quando interpretado e aplicado da forma sentenciada na decisão recorrida, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos seus administradores constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 58.º-A do CIRC, padece de inconstitucionalidade por violação do direito de acesso à reserva da vida privada, acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, princípio da Tributação do Lucro real das empresas e da igualdade tributária e Princípio da Proporcionalidade.

Alega, neste particular, que o sentido propugnado pelo Tribunal a quo não acautela o direito à reserva da intimidade da vida privada, visto que traduz um alargamento do núcleo das pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas relativas ao sujeito passivo.

Mais advoga que, a violação dos princípios do Estado de Direito e de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na medida em que impulsiona um retrair da utilização do expediente legal, levando a uma renúncia do sujeito passivo a um instrumento fundamental da tutela dos direitos.

Sustenta, adicionalmente, que traduz uma nítida violação do princípio da tributação do lucro real das empresas consignado no artigo 104.º, nº2 da CRP, tornando na prática inilidível a presunção do rendimento consagrada no artigo 58.º A do CIRC, e com ulterior violação do princípio da igualdade tributária.

Por fim, advoga a violação do princípio da proporcionalidade, desde logo, porque resulta inequívoco da documentação carreada que o preço efetivo da transmissão do imóvel corresponde ao escriturado, não sendo, assim, necessário o acesso aos concretos elementos bancários. Advogando, de resto, que a informação em falta é de terceiros e não do próprio sujeito passivo.

Diverge deste entendimento a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida, porquanto traduz uma correta interpretação do quadro jurídico aplicável, convocando, para o efeito, jurisprudência que reputa aplicável ao caso vertente.

E, de facto, nenhuma censura merece a decisão recorrida, na medida em que o artigo 129.º, nº6 do CIRC (atual artigo 139.º, nº 6) impõe a entrega das autorizações para acesso da informação bancária dos administradores e gestores referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.

Com efeito, encontramo-nos perante uma condição sine qua non -a qual, aliás, é insuscetível de ser suprida pela AT mediante convocação do inquisitório- não traduzindo, por conseguinte, um ónus excessivo ou desrazoável, e a concreta violação dos princípios constitucionais basilares convocados pela Recorrente.

Neste particular, e uma vez que a exata questão de constitucionalidade, ora objeto de recurso, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, primeiramente nos Acórdãos n.ºs 145/2014 e 517/2015, ulteriormente, nos processos n.ºs 391/2022, 392/2022, 393/2022, cujo entendimento foi depois reiterado nos Acórdãos n.ºs 560/2022, 561/2022, 562/2022, 582/2022, 679/2022, 680/2022, 756/2022 e 875/2022, tendo o mesmo sentido decisor sido afirmado ainda nos Acórdãos n.ºs, 176/2023, 177/2023, 424/2023 e 749/2023, no qual se decidiu no sentido da não inconstitucionalidade da norma que constitui o objeto do presente recurso, ou no de teor idêntico que lhe sucedeu (artigo 139.º do CIRC). Com efeito, foi entendido que a necessidade de apresentação de documentos que autorizam o acesso da AT à sua informação bancária, constitui um meio adequado, necessário e proporcional para ilidir a presunção da prova do preço efetivo, e controlo da fraude fiscal, o que assegura a sua conformidade constitucional.

No caso vertente, iremos louvar-nos da fundamentação jurídica constante no Acórdão nº 176/2023, datado de 30.03.2023, e demais jurisprudência para o qual remete, na medida em que analisa todos os vetores e princípios constitucionais suscitados pela Recorrente, à luz da redação do preceito legal contido no artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, sendo certo que sempre se dirá que a Jurisprudência atinente ao atual artigo 139.º, nº6 do CIRC, é inteiramente transponível, porquanto o conteúdo normativo sindicado é o mesmo e a jurisprudência do Tribunal Constitucional é clara e abundante na distinção entre preceito legal e norma, não se confundindo o preceito escrito com o conteúdo do programa normativo nele inserido, sendo, portanto, inteiramente transponível para o caso vertente.

Lê, assim, no aludido Aresto:
“5. Por a redação vigente à data dos factos, no processo sub iudice, ser a constante do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC – como é expressamente indicado pelo recorrente, no seu requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional (no respetivo artigo 9.º), afigura-se inteiramente apropriada a remissão para o decidido no Acórdão n.º 679/2022. Para o que aqui releva, pode ler-se em tal aresto:
(…)
10. Tributação das Empresas pelo Rendimento Real e Igualdade Contributiva
10.1. A igualdade fiscal conforma uma dimanação do princípio da igualdade quando colocado no domínio tributário, impondo por isso não apenas uma proibição absoluta de discriminação negativa (artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República), mas também um tratamento legal-fiscal uniforme de situações substancialmente iguais e diferenciador quanto a situações dissemelhantes. Resulta assim vedado um primado universalista que se reduzisse a uma paridade de mero cunho formal entre sujeitos dotados de personalidade tributária, antes se impondo um padrão de critério que alcance uma situação de equilíbrio funcional conforme com a substancialidade assimétrica das situações reguladas (cfr. artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, da Constituição da República).
Afirmada por esta via a igualdade material em sede tributária, o princípio da capacidade contributiva assinala-se como limite e fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto (ou substrato) e critério (ou parâmetro): na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto; finalmente e enquanto princípio de parametrização da incidência, por ele se impõe que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder económico, garantindo uma situação de igualdade material entre sujeitos e entre categorias de rendimentos (v., sobre o assunto, CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2004, pp. 148-153 e, de forma mais desenvolvida, CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Col. Teses, Almedina, 2004, pp. 435-524 e acórdãos do TC n.ºs 55/2022 e 100/2022).
O artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República recorta ainda um paradigma de tributação das empresas pelo seu rendimento real, afastando o arquétipo de definição de base de incidência pelo rendimento normalizado, ou seja, aquele que poderia ser obtido pelo operador em condições medianas (levando em conta aptidões médias de gestão e as condições genéricas no sector, período e lugar). Compreende-se a adoção deste modelo em consonância com os supra citados postulados sobre igualdade fiscal e capacidade contributiva, por a abordagem concreta e individualizada à realidade económica da empresa representar o melhor registo de otimização desses princípios normativos.
Há que manter presente, porém, o facto de a praticabilidade da tributação pelo rendimento real, na sua aceção purificada, se revelar difícil ou impossível, em face da volubilidade dos modelos técnicos de valorimetria e mensuração, bem como da relativa normalização ínsita aos parâmetros de registo contabilístico. Reconhece-se por isso ao disposto no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República uma operatividade postulativa de paradigma e de direcção do legislador infraconstitucional.
Na primeira aceção, a Constituição adota um modelo tendencial de tributação das empresas, expressa por advérbio de modo, “fundamentalmente sobre o seu rendimento real”; na segunda, a norma acha-se dotada de cunho proibitivo e impede a tributação normalizada onde não exista fundamento bastante, designadamente pela presença de outros valores com cobertura constitucional.
Dito de outro modo, fora do espaço proibitivo ora definido, estas duas dimensões normativas conferem ampla latitude ao legislador ordinário, que, sem ferir a moldura constitucional, gozará “de liberdade para estabelecer exceções ao princípio [ de tributação pelo rendimento real]”, desvios ao modelo cuja legitimidade terá “por suporte nomeadamente o princípio da praticabilidade das soluções” ou outros interesses atendíveis, maxime os referenciados também na Constituição fiscal (v. CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal – Por um Estado Fiscal Suportável, Almedina, 2005, pp. 373-378, cit. in p. 378; e acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 162/2004, 85/2010, 430/2016 e 55/2022).
10.2. Como já vimos acima, a recorrente não pede a fiscalização da norma legal que, sobre mais-valias por alienação de imóveis, elege o VPT como valor de realização a título presuntivo, quando superior ao preço declarado (artigo 58.º-A, n.º 2, do CIRC, na redação em vigor à altura). Este é um apontamento importante que cabe reter, para o mais que diremos.
Cabe agora acrescentar que, também no âmbito da pretensa violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade tributária de que agora tratamos, a recorrente não localiza o vício na acessibilidade da informação bancária do sujeito passivo e seus representantes executivos pela instauração de procedimento destinado a provar o valor efetivo da transação (artigo 129.º, n.º 6, do CIRC), mas apenas na obrigatoriedade de, com a apresentação do respetivo requerimento junto da AT, o requerente estar obrigado a juntar documentos subscritos por esses administradores autorizando o acesso à sua informação bancária (artigo 129.º, n.º 6, in fine, do CIRC). A recorrente critica, enfim, o facto de se tratar de um “requisito imprescindível” (conclusão 72.º) ou de “uma condição sine qua non para a apreciação do pedido de prova do preço efetivo” (conclusão 64.ª), já que a obtenção do documento de terceiros pode não ser possível ao requerente.
O argumento da requerente reside na conformação da Lei com o facto de, não sendo possível ao sujeito passivo produzir as declarações impostas pela norma, o procedimento para ilisão da presunção de valor de realização (equivalendo ao VPT do imóvel) ficar precludido, potencialmente importando um desvio ao que terá sido o ganho bruto real com a transmissão do ativo imobiliário, daí resultando uma carga fiscal mais onerosa para a operação da que teria lugar noutras condições.
Em primeiro lugar e à semelhança do que dissemos acima, não vemos que a norma possua o efeito criticado pela recorrente. Não se observa no artigo 129.º, n.º 6, do CIRC a natureza férrea de que dependeria afirmar que não é permeável a contextos circunstanciais caracterizados por motivos ponderosos, específicos e fundados, que tornem atendível a impossibilidade de cumprir o ónus a cargo do sujeito passivo e, como tal, como inoperante a cominação para a sua inobservância em certas situações, peculiares e devidamente justificadas.
Em segundo lugar, e ao contrário do que defende a recorrente, a putativa recusa de um administrador em subscrever o documento autorizativo, em princípio, não se poderá entender legítima (como acima vimos e para onde remetemos), razão por que não procede o argumento de que o ónus não está inscrito na disponibilidade do requente. Da anomalia associada a uma recusa ilícita em colaborar com a entidade administrada neste âmbito, à semelhança do que sucederá em qualquer outro caso em que seja necessária a colaboração de terceiros para obter dado resultado procedimental ou processual (v. supra), não vemos que resulte especial aptidão para distorcer a capacidade contributiva ou para erodir o alcance do princípio da tributação pelo rendimento real.
Em terceiro lugar, a associação de um efeito cominatório em matéria fiscal ao fracasso em apresentar ou exibir documentação ou outros elementos de prova, exigidos por Lei, tal como se observa no caso sub iudicio, é uma incidência bastamente conhecida pela ordem jurídica, sem que se debata a sua conformidade constitucional. Existe toda uma constelação de quadros normativos que, em caso de inobservância de deveres de instrução documental ou probatória, estabelecem consequências agravativas de carga fiscal ou sujeitam o contribuinte a formas de tributação baseadas em presunções ou em indicadores económicos de índole objetiva (como é o caso do VPT dos imóveis). Sinalizando, em alguma medida, tensão com o princípio da capacidade contributiva, já que não se encontra escoramento para a liquidação do imposto na declaração do sujeito passivo, nem por isso se vem firmando juízo de inconstitucionalidade quanto a estas soluções legais.
Procurando dois exemplos muito simples (mas denotativos do que se vem de afirmar), veja-se que o artigo 23.º, n.º 3, do CIRC impõe a desconsideração de custos fiscais para efeitos de apuramento de lucro tributável (com o inerente agravamento do imposto sobre o rendimento) quando os gastos não estejam devidamente documentados: isto é assim, ainda que estes custos sejam reais e ainda que a falta de evidência contabilística seja devida a ação dolosa de terceiro (v. g., um fornecedor que recusa emitir fatura, um trabalhador que recusa subscrever o recibo de vencimento) ou a caso fortuito (v. g., documento de suporte descaminhado); da mesma forma e ainda que se deva a ato ilícito de terceiro (v. g., dos serviços financeiros ou de contabilidade), também a não-exibição de registos contabilísticos à AT ou a sua indisponibilidade no âmbito de procedimentos administrativos de fiscalização podem conduzir a que o IRC seja liquidado através de uma metodologia assente numa estrutura de presunções e indícios (métodos indiretos – cfr. artigos 87.º, n.º 1, alínea e) e 88.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos da LGT e artigo 57.º, n.º 2, do CIRC).
Em ambas as situações, a dificuldade ou impossibilidade em apresentar elementos documentais pode conduzir a formas de tributação que, potencialmente, importarão desvios à real capacidade contributiva do sujeito passivo, sem que estas soluções legislativas venham merecendo censura (v. XAVIER DE BASTO, O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, ISG, pp. 17-27). Ressalva-se que todos estes exemplos conhecem alguma plasticidade em situações fundadas (cfr. artigo 57.º, n.º 2, parte final, do CIRC e artigo 88.º, corpo do texto, da LGT, a propósito da necessidade de inviabilização da quantificação direta da matéria tributável; em matéria de custos, a norma do artigo 29.º, n.º 3, do CIRC, não exige que a documentação de suporte satisfaça as exigências, rigorosas, do artigo 36.º do CIVA), mas nenhum deles assenta em factos mais graves, nem possui efeito menos penalizador, do que aquele que se estatui para a inobservância do ónus de instrução documental no âmbito do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC.
De radical, é de notar que em contexto de organização económica assente na titularidade por privados de fatores de produção e de instrumentos de geração de riqueza, a que se associa uma progressiva «privatização» da gestão dos impostos decorrente da impraticabilidade de outras fórmulas no contexto atual, a implementação de um catálogo mais ou menos vasto de prestações e deveres acessórios à obrigação fiscal (de pagar), maxime de índole documental e comprovativa, constitui a única forma de assegurar equidade e o mínimo de eficiência da tributação. A não ser assim, o controlo da situação jurídico-fiscal de cada sujeito passivo não seria menos que uma impossibilidade absoluta, desconstruindo a viabilidade do Estado fiscal e tornando a igualdade tributária (horizontal e vertical) nada mais que um arquétipo teórico, quimérico e desprovido de efetividade (v., sobre a matéria, CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal…, pp. 68-79 e 102-118).
No caso do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC em especial, o ónus de apresentar documentos, subscritos pelo sujeito passivo e seus administradores (em funções à data da operação), em que se autorize o acesso à respetiva informação, é um ónus que possui relevância significativa no contexto procedimental colocado, precisamente por garantir o acesso à informação e, por essa via, admitindo e promovendo, de forma completa, integrada e célere, a melhor compreensão dos fluxos financeiros centrais e periféricos ao facto gerador de imposto.
Trata-se, pois, de uma obrigação que se alicerça também na estrutura cooperativa do procedimento administrativo-tributário, tendo em vista a conferência e compreensão da circulação de capitais coeva à atividade da empresa, que, se inclui um espaço perimétrico, este possui evidente correlação com a sua realidade operacional, por respeitar aos responsáveis pela sua governação.
Por outro lado, a única consequência estatuída para a preclusão do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC para o sujeito passivo é mesmo ver a mais-valia apurada de acordo com o VPT do prédio alienado, este por sua vez aferido nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) (cfr. artigos 17.º-19.º e 38.º-46.º, todos do CIMI).
Este método de mensuração do rendimento, embora sofra de alguma estaticidade face às dinâmicas de valorização em mercado (e daí a Lei garantir um procedimento de prova passível de afastar a sua aplicabilidade – v. Acórdão do TC n.º 451/2010 e CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental…, pp. 497-498), pretende constituir uma aproximação razoável ao valor objetivo das propriedades imobiliárias, expondo o seu processo de aquisição de valor e a forma como se consolidou na esfera do titular: não tem por escopo, de todo, a majoração da carga fiscal, nem constitui um efeito-sanção. Se a recorrente não discute, em termos de princípio geral, a compaginação constitucional da tributação nestes termos a contra-luz do princípio da capacidade contributiva ou da tributação das empresas pelo lucro real, não vemos que a solução cominatória que critica, preclusiva do procedimento para ilisão da presunção estabelecida no artigo 129.º, n.º 6, do CIRC quando os documentos não sejam apresentados, entre em rutura com parâmetros constitucionais, especialmente quando se tenha presente a importância do ónus omitido no contexto do procedimento administrativo em causa e, bem assim, a elementaridade do ato exigido do sujeito passivo para que o satisfaça, como acima fizemos ver.
O recorrente entende, porém, o efeito preclusivo do procedimento de prova como desproporcionado, apelando, em correlação com a violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, à proibição de excesso patenteada no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Defende-se que a necessidade da documentação deveria aguardar por despacho fundamentado da AT sobre a necessidade de aceder a informação bancária e de notificação do sujeito passivo para o efeito. Apenas perante a recusa subsequente se justificaria o indeferimento do procedimento de prova com fundamento na desobediência a ónus legal.
A norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC não impõe, de facto, à AT que aceda a informação bancária dos administradores em funções à data da operação, apenas o permite, quando esse acesso se revele fundado em face das circunstâncias do caso (ainda que se trate de uma quase-inevitabilidade, como adiante melhor veremos). No entanto, não vemos a sustentabilidade da argumentação do recorrente. Pois se os documentos acompanharão a requisição de informações junto das entidades bancárias quando a AT decida que é necessário ou conveniente à apreciação da questão colocada, se o acesso a essas informações decorre de Lei e se o sujeito passivo estará obrigado a prover pela sua entrega, por que motivo a vinculação a este ónus sob cominação dependeria de despacho e de interpelação para o efeito? Porque resulta excessivo impor que, a menos que ocorra causa fundada, os documentos sejam disponibilizados, desde logo, com a instauração do procedimento?
Não vemos, de todo, por que motivo a Constituição da República Portuguesa imporia que a Lei adotasse este modelo de burocratização inútil da instrução documental de um procedimento administrativo, dilatando os seus termos e impondo a prática de atos secundários desprovidos de utilidade, com evidente prejuízo para a celeridade da resposta administrativa e para a racionalidade da gestão dos seus recursos. A apresentação de elementos documentais relativos ao procedimento com a sua instauração é, de resto, uma solução lateral ao ramo do Direito em causa (cfr. artigo 116.º, n.ºs 1 e 3, do CPA) e é também nestes termos que devem ser apresentados em juízo (cfr. artigo 423.º, n.º 1, do CPC), ainda que esse acervo documental venha a revelar-se, mais tarde, inútil ou redundante para as necessidades, probatórias ou de outra natureza, do processo.
Em face do exposto, não é defensável concluir que o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, ao impor como condição da instauração do procedimento administrativo aí previsto a junção de documentos subscritos pelos administradores do sujeito passivo requerente, autorizando o acesso a informação bancária pessoal em conformidade com o acesso autorizado à AT pelo mesmo dispositivo legal, entre em rutura com qualquer norma ou princípio constitucional.
11. Reserva de Intimidade da Vida Privada, Estado de Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva
11.1. O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa) integra o catálogo de direitos, liberdades e garantias, estando dotado da especial eficácia que deriva do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. É habitual desdobrar este direito fundamental em três dimensões: o direito à solidão, o direito ao anonimato e o direito à autodeterminação informativa. Este último, por sua vez, é entendido como “o direito de subtrair ao conhecimento público factos e comportamentos reveladores do modo de ser do sujeito na condução da sua vida privada” (v. Acórdãos do TC n.º 442/2007 e 517/2015), definindo um espaço de arbítrio conferido a cada pessoa para “decidir livremente quando e de que modo pode ser captada e posta a circular informação respeitante à sua vida privada e familiar” (ibid.) e é a dimensão que mais nos interessa no contexto colocado (em sentido parcialmente convergente, v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Almedina, 2007, pp. 467-468).
A grande dificuldade na compreensão deste direito, logo numa primeira abordagem, reside em distinguir, de entre o vasto espectro de informação relativa a uma pessoa, qual a que se inscreve no espaço de confidencialidade definido pelo seu perímetro defensivo e, dentro dele, em que medida se estabelecem graus de permeabilidade a exposição a publicidade entre categorias (v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 468). Se parece certo que a reserva de informação variará em função de estratos de natureza polarizada – entre a sua natureza íntima ou indiferenciada – é igualmente desafiante definir com segurança em que medida se pode entender que interesses jurídicos ou direitos justificarão limites ao direito e em função de que parâmetros.
Existirá, com toda a certeza, um núcleo de intimidade inviolável, mas a privatividade da informação relativa a uma pessoa dependerá de uma articulação multifatorial que permita compreender o contexto e dinâmicas em que está colocada: de uma parte, da sensibilidade da informação e da forma como se pode entender expressiva da personalidade e, por inerência, como uma componente da dignidade humana (artigo 26.º, n.º 2); de outra, da forma como a informação se correlaciona com terceiros ou com a comunidade jurídica e a eles também respeita, em maior ou menor medida, suscitando interesses legítimos de sinais opostos entre reserva, cognoscibilidade, publicidade e integração no domínio público.
Assim (v. g.), dada informação poderá entender-se protegida pelo direito a reserva se relativa ao comercial de uma empresa, mas não se respeitar a um deputado ou ao gestor de uma empresa de capitais públicos, atenta a relevância para a ordem pública de ambas as ocupações; dada informação relativa a uma criança estará protegida da curiosidade dos seus vizinhos, mas não dos seus pais, encarregues das respetivas responsabilidades parentais; informação haverá, relativa a todas estas pessoas, que será inviolável em qualquer caso, porque inscrita no estrito âmbito da intimidade individual, sem ramificações para terceiros e desprovida de ressonância interpessoal; e outras haverá, por oposição, cuja cobertura constitucional de reserva será inexistente, porque coevas ao contacto social e mundano. Entre estes dois extremos, imensas gradações intermédias se colocam, mesmo no plano teórico.
Assinalamos que o balizamento entre parâmetros não pretende exprimir as condições para a admissibilidade de intrusões no direito à reserva da vida privada tendo por orientação um referente legitimador, mas, a montante desse problema, sinalizar o caráter complexo da delimitação da esfera de proteção conferida pelo direito e da intensidade da sua tutela. Este deverá definir, assim um espaço de proteção conjunto, mas estratificado, social e “culturalmente adequado à vida contemporânea” (v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 468), que constitua manifestação da pluralidade de vetores inerente ao contexto pessoal de quem dela beneficia (e de quem pode prejudicar) e adequada concretização jurídico-constitucional das variáveis, de segurança e interpessoais, inerentes às relações entre o individuo, terceiros e a própria comunidade jurídica.
11.2. De entre as múltiplas categorias de informação cujo direito à autodeterminação se coloca, a jurisprudência constitucional veio sinalizando “uma ‘esfera privada de ordem económica’, também merecedora de tutela” (acórdão do TC n.º 442/2007 citando ALBERTO LUÍS, Direito bancário, Coimbra, 1985, p. 88; v. também acórdãos do TC n.ºs 278/95 e 517/2015), que compreenderá a reserva de informação sobre o património e sobre operações económico-financeiras, agasalhando do ponto de vista jurídico-constitucional o segredo bancário, este o problema de charneira colocado pelo recorrente:
“a situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26º, nº 1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito. De facto, numa época histórica caracterizada pela generalização das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes designadamente às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido” (acórdão do TC n.º 278/95)
A propósito de sigilo bancário, há ainda quem acrescente um enquadramento de natureza mais pessoal e proponha a sua integração num plano defensivo muito mais intenso.
Defende-se que os dados bancários contêm em si mesmos uma miríade de informação acerca do seu titular apta a expor indiretamente vertentes íntimas da sua personalidade: da análise das posições bancárias e respetivos lançamentos, diz-se, obter-se-á “um retrato fiel e acabado da forma de condução de vida, na esfera privada, do respetivo titular” (acórdão do TC n.º 442/2007), ou, por outras palavras, “são um espelho e um relatório circunstanciado do mais importante que uma pessoa moderna realiza ao longo da sua vida. Por isso, é, principalmente, no direito à reserva da vida privada que hodiernamente se baseia o segredo bancário e se procura que o regime deste seja conforme com a natureza de tal direito” (CAPELO DE SOUSA, “O Segredo Bancário – em Especial, Face às Alterações Fiscais da Lei nº 30-G, de 29 de dezembro”, in “Estudos em Homenagem ao Professor Inocêncio Galvão Telles”, Vol. II, Almedina, Lisboa, 2002, p. 177).
Numa formulação adotada pelo Tribunal constitucional espanhol que ficou famosa, pretende-se que dos registos bancários decorra “a possibilidade de que, através da investigação das contas, se penetre a zona mais reservada da vida privada, já que, na nossa sociedade, uma conta corrente pode constituir «a biografia em números»” da pessoa humana (sentença do Tribunal Constitucional espanhol n.º 110/1984 in www.informatica-juridica.com; v., também, acórdão do TC n.º 278/95). Alguma doutrina portuguesa, alinhando com esta corrente, chega a ser ainda mais ilustrativa:
“[o] acesso à (…) conta bancária permite uma devassa sem freio e em todos os azimutes a todos os passos mais comezinhos da (…) vida particular. As suas fetiches, os seus hobbies, os seus devaneios, o seu percurso de vida pessoal, profissional e familiar, está hoje espelhado na sua conta bancária”(v. JORGE NETO, “Sigilo Bancário: que futuro?”, Fisco, n.º 107/108, 2003, pp. 47-54);
“O que cada um veste; o que oferece ao cônjuge e aos filhos; os restaurantes que frequenta; as viagens que realiza; como decora a casa; os estudos dos filhos; o volume da sua leitura; as próprias aventuras extra-conjugais, tudo é revelável através de uma consulta perspicaz a partir da sua conta bancária” (v. LEITE DE CAMPOS, Sigilo Bancário e Direito Constitucional, in: “O Sigilo Bancário”, Instituto de Direito Bancário, Edições Cosmos, Lisboa, 1997, p. 16)
Serve por dizer, a preservação por entidades bancárias da confidencialidade da informação de que disponham ao abrigo da relação entre cliente e banco, nesta conceção, será muito mais do que uma mera prestação contratual a cargo da instituição financeira ou um dever jurídico essencialmente decorrente de opções de política legislativa: a prestação a cargo do banco ou instituição financeira concretiza um dever jurídico de segredo com respaldo constitucional, ex vi artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que protege as vertentes da personalidade individual do ser humano mais íntimas, ficando, por inerência, dotado da inerente eficácia perante entidades públicas e privadas (cfr. artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa).
Não falta, porém, quem venha alertando para as inconsistências destas duas formas de observar o problema, que, com a extensão pretendida, parecem dificilmente compatíveis com a disposição constitucional (por nela não encontrarem respaldo) ou mesmo com a realidade empírica a que reportam:
“É problemática a inclusão nestes direitos de personalidade do pretenso «direito ao segredo do ter» («segredo bancário», «segredo dos recursos financeiros e patrimoniais», «segredo de aplicações do dinheiro», sigilo fiscal). Além de não haver qualquer princípio ou regra constitucional a dar guarida normativa a um «segredo do ter» (o que obriga alguns autores a recorrem forçada e esforçadamente a «direitos fundamentais implícitos»), sempre haverá que ter em conta a necessidade de concordância prática com outros interesses (ex.: combate à criminalidade organizada, combate à corrupção e tráfico de influências, combate à fraude fiscal, combate ao branqueamento de capitais, combate ao financiamento do terrorismo, etc.). Note-se que mesmo a aceitar-se algumas refrações do «segredo do ter» como dimensões do direito de personalidade, elas terão sempre maiores restrições do que o «segredo do ser», desde logo para efeitos de benefícios e subvenções públicas. Quem se candidata a benefícios ou fundos públicos aceita implicitamente limitações nos «direitos de personalidade patrimoniais»”(v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 469)
Estoutra abordagem ao problema tem de interessante, desde logo, levar em conta a complexidade da rede interpessoal do sujeito e da tensão que exprime para com direitos e interesses de terceiros – ou para com interesses de ordem pública – quando se afere da privatividade e grau de defesa da informação sob reserva no plano constitucional, a que acima nos referimos e que se aconselha pela natureza do valor jurídico protegido.
Estoutra abordagem ao problema tem de interessante, desde logo, levar em conta a complexidade da rede interpessoal do sujeito e da tensão que exprime para com direitos e interesses de terceiros – ou para com interesses de ordem pública – quando se afere da privatividade e grau de defesa da informação sob reserva no plano constitucional, a que acima nos referimos e que se aconselha pela natureza do valor jurídico protegido.
A privatividade da informação de índole patrimonial e económica não se pode admitir equiparável à informação íntima, já que necessariamente se entrecruza com interesses de terceiros e da ordem jurídica observada na sua globalidade: se, como dissemos, certas informações apenas sinalizam os interesses pessoais do indivíduo a que respeitam ou a curiosidade frívola de outros (v. g., o culto que professa, a sua orientação sexual, preferências de doutrina filosófica, sentimentos amorosos ou de ressentimento, etc.), o património e as operações que o envolvem lançam ramificações sobre a situação de terceiros e da própria ordem jurídica, (v. g.) impondo deveres gerais de abstenção e representando a garantia geral das obrigações de que beneficia o universo de credores do indivíduo, atuais e potenciais. Inclui-se neste universo os credores de pensão de alimentos, de trabalhadores por prestações remuneratórias e da posição ativa sobre créditos fiscais: todos estes direitos estão dotados de dimensões que em muito excedem, em termos de natureza, carga ética e valor jurídico, o vínculo obrigacional de mera fonte contratual.
Por outro lado, operações de transferência de capitais, especialmente fluxos destinados a países estrangeiros, a subscrição de produtos financeiros, ações de resgate e toda uma constelação de atos e negócios jurídicos semelhantes, podem representar perigos de ordem pública, seja de descapitalização da economia, de ineficiência ou de desorganização de setores económicos, ou de potenciação de mecanismos de branqueamento de capitais de origem ilícita ou criminosa; podem também caracterizar práticas de fraude, de burla, de abuso de confiança, de frustração de créditos, de insolvência dolosa ou de evasão fiscal; significa isto que operações patrimoniais impactam em interesses regulatórios públicos, em especial, e no governo económico do país na sua globalidade, bem como em certas áreas do Direito criminal.
Quando falamos de informação sobre o património e, em especial, de informação bancária, estamos, pois claro, num locus muito distante da estrita natureza individual, endógena e personalística, própria da intimidade, dos dados informativos relativos a uma pessoa.
De sua parte, a justificabilidade do sigilo bancário ao abrigo da «esfera privada de ordem económica» quando concebida como espaço de tutela constitucional equiparável à informação da vida íntima ou familiar, tem contra si a poderosa evidência de que se limita a aplicações financeiras realizadas junto de Bancos e outras sociedades do setor (artigo 78.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras). Se a informação relativa à situação económica pudesse ser entendida como a defesa do núcleo de informação mais privativo da pessoa humana, não se divisaria fundamento para um tratamento dos direitos patrimoniais de índole financeira tão mais garantístico face a outros, tanto ou mais aptos a exprimir a situação de riqueza pessoal: aplicações de capitais em bens imobiliários, propriedade de veículos, de aeronaves ou de barcos de recreio – que facilmente excederão o valor nominal da generalidade dos produtos bancários titulados pelo homem médio e que, por esse motivo, exporão de forma muito mais expressiva a sua posição económica –, não apenas não beneficiam de reserva de segredo, existe um regime legal de publicidade injuntivo por via de registo de acesso público, cuja brutal tensão com o direito constitucional à reserva da vida privada, a ser como se diz, constituiria uma enorme entropia do ordenamento nacional.
Também obras de arte e artigos de colecionador são objeto de ações de investimento em grandezas importantes (mesmo comparáveis a mercados financeiros) e, se não existe registo de conservação de acesso público quanto a eles, igualmente não se impõe (nem permite) a intermediários e a agentes fiduciários envolvidos no seu giro comercial especial dever (ou direito) de segredo que se pudesse dizer concretização daquele arquétipo da privatividade da informação económica do particular.
A exposição da informação patrimonial referente a uma pessoa é ainda mais gritante no que respeita à publicidade conferida a ações civis, designadamente de cobrança e incluindo processos executivos (cfr. artigos 163.º e 164.º, ambos do CPC). Tanto mais assim no domínio do processo insolvencial, em que a situação de colapso financeiro do sujeito, para além de pública, é anunciada (cfr. artigos 9.º, 37.º, n.ºs 7 e 8 e 38.º, todos do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas [CIRE]) e que franqueia a terceiro (o administrador de insolvência) total acesso à informação patrimonial do insolvente, também para efeitos de gestão (cfr. artigo 81.º do CIRE). Não se conhece que alguma vez se tenha debatido a necessidade, neste panorama normativo, de resguardo por vertentes da personalidade assente na máxima privatividade da posição económica a coberto do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Sobre a animada defesa do sigilo bancário como instrumento de tutela da esfera íntima do indivíduo – ou seja, não tanto por se atribuir relevo constitucional maximizado ao segredo da posição económica, mas porque a informação bancária expõe vertentes efetivamente íntimas da pessoa de forma indireta –, há que notar que toda a argumentação apresentada está construída tendo por única referência «contas bancárias» e apenas quando observadas como registo histórico de pagamentos. Mesmo a ser como se propõe, teríamos por excluída da reserva de confidencialidade toda a informação referente aos demais contratos bancários e ao restante universo de atos e operações passíveis de execução por um Banco sob ordem do seu cliente. Não é com esse alcance, porém, que aquela parte da doutrina compreende o segredo bancário e seu regime de eficácia, razão por que o espaço de tutela que se pretende conferido excede, em muito, o que se diz seu fundamento.
Mesmo quanto a contas bancárias, o segredo apenas se justificaria, na aceção proposta, quanto ao seu registo de movimentos, não quanto às demais informações a elas respeitantes (v. g., saldos, contitularidade e identidade de outros beneficiários, de procuradores, condições de juro, de vencimento, de comissionamento, etc.), sendo que contas de depósito imobilizadas ou que não sejam objeto de operações de caixa regulares (v. g., contas de depósitos a prazo), jamais se justificaria ficassem acobertadas por sigilo, já que são impassíveis de exprimir o quotidiano do titular.
Caberia ainda aos partidários desta posição explicar a distância de tratamento que reservam para o sigilo sobre a informação bancária face a toda a demais que seja obtida e conservada por empresas fora do setor financeiro no âmbito das relações contratuais que estabelecem com o público. A análise dos instrumentos de faturação ou de extratos da conta de clientes de (v. g.) uma concessionária de troços rodoviários, de uma empresa de viaturas de aluguer, de serviços de entretenimento, ou de compras online, pode exprimir, de forma semelhante ao extrato de uma conta bancária e com valor enciclopédico, dados de natureza muito pessoal do respetivo cliente, incluindo quanto às suas rotinas, as suas presenças, deslocações e consumos, preferências literárias e hábitos de lazer. Os dados contratuais de um cliente de uma operadora de serviço web, para oferecer apenas mais um exemplo, poderão permitir identificar o autor de um «blog» político anonimizado no espaço web, ou, ao menos, adquirir uma constelação de informação sobre ele que permita singularizá-lo de entre um universo indiferenciado pelo cruzamento com dados circunstanciais.
De radical e por fim, se o segredo bancário tivesse por subjacente o nível de tutela constitucional que lhe é atribuída, teríamos também por francamente intrigante a total disponibilidade dessa informação que é permitida ao Banco, uma vez deflagre litígio com o seu cliente. Pense-se nas ações de cobrança com fundamento em contrato de cartão de crédito, incidência abundante no giro judiciário. Nestas ocasiões, dir-se-ia, ocorre com total impunidade a penalizadora «devassa» da vida privada do cliente que se pretende repelida, deixando-o à mercê da exposição da sua vida pessoal e íntima pela documentação no processo judicial, com inerente publicidade, do seu histórico de pagamentos (constitutivo da obrigação de reembolso e de juro à instituição financeira), sem que se observe no regime processual qualquer peculiaridade que traduzisse um esforço de concordância prática com o direito à reserva sobre essa informação, na aceção que se defende.
Em face de todo o exposto, ainda que uma esfera de privacidade de ordem económica se possa entender acobertada pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, esta localizar-se-á num espaço altamente periférico do direito à autodeterminação informativa, resultando fragmentária quanto a objeto (de tal forma que não se afigura defensável um princípio geral de reserva sobre informação patrimonial) e particularmente permeável a fórmulas de intrusão quando em presença de interesses constitucionais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
O sigilo bancário, por conseguinte, “não é, não pode ser, uma concretização do princípio constitucional do direito à intimidade privada” (COSTA ANDRADE, “Manual da Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal – uma perspetiva jurídico-criminal”, Coimbra, 1996, pp. 98-100, apud VANESSA RAQUEL FERREIRA COELHO, “Sigilo Bancário, Problemas Fiscais e Constitucionais”, 2012, Porto, p. 33), precisamente porque não respeita a “questões claramente íntimas, no sentido de questões conexas com as escolhas e vivências mais impregnadas de subjetividade de um qualquer cidadão” (SALDANHA SANCHES, in “Segredo Bancário, Segredo Fiscal: uma perspetiva funcional”, in “Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira”, CEJ, Coimbra, 2004, pp. 33-42, apud VANESSA RAQUEL FERREIRA COELHO, ibid.). Dito de outra forma, o sigilo bancário não conforma um regime jurídico de cobertura aos valores jurídico-constitucionais a que, de forma mais intensa, o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa oferece proteção. Este, abrangerá apenas “aqueles domínios que, sendo emanação da personalidade humana, expressam valores ou opções do foro íntimo que não têm de ser conhecidas relacionalmente por encarnarem valores de dignidade do Homem enquanto Homem, visto como dono exclusivo do seu corpo, do seu espírito e das suas manifestações segundo a concepção civilizacional vigente (opções filosóficas, religiosas, políticas, sexuais, etc.)” (BENJAMIM RODRIGUES, “O sigilo bancário e o sigilo fiscal - Segredo Bancário”, Lisboa, Edições Cosmos, 1997, p.104), já não os movimentos de tesouraria ou de investimento de uma qualquer pessoa.
Foi com este alcance que, no acórdão n.º 42/2007, o Tribunal Constitucional definiu a tutela jurídico-constitucional que subjaz ao segredo bancário, sinalizando a medida relativizável por que atinge o direito à autodeterminação informativa e, por inerência, excluindo-o dos atos sob reserva necessária de juiz em processo criminal:
“O âmbito da privacidade atingido pelo levantamento do sigilo bancário não é equiparável à liberdade pessoal (afectada com a aplicação de medidas de coacção) ou ao núcleo da reserva de privacidade que é afectado com uma escuta telefónica ou com uma busca domiciliária. O segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional da reserva da intimidade da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal (…) o segredo bancário não é um direito absoluto, podendo sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (…) o levantamento do sigilo bancário é instrumento especialmente relevante em matéria de criminalidade económica; por outro lado, abrange uma dimensão da vida do investigado diversa daquela que reclama necessariamente do ponto de vista constitucional a intervenção do Juiz”(acórdão do TC n.º 42/2007; v., também, acórdão do TC n.º 602/2005)
Abordando matéria mais próxima do caso sub iudicio, este Tribunal Constitucional, em linha com o exposto, já antes fez ver que “o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República”, mas impõe-se assinalar que “se localiza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes.”. Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” e é mais suscetível a “restrições (…) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. (v. Acórdão do TC n.º 145/2014 e, também, Acórdãos do TC n.ºs 442/2007 e 517/2015).
À guisa de remate, concluímos que a verdadeira complexidade ao definir “um conceito de esfera privada de cada pessoa culturalmente adequado à vida contemporânea” (v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 468) reside no processamento e apreensão da dinâmica da atual condição de existência humana, observando-a em perspetivas auto - e heterocêntricas e abarcando as peculiaridades e desafios que coloca, bem como em apreender a tangibilidade da noção de individualidade do ser humano que ainda subsiste, do seu direito ao isolamento e a impedir a exposição da sua informação pessoal a terceiros, também no âmbito patrimonial quando seja essa individualidade humana que esteja em causa, não apenas uma ambição (ou obsessão) por clandestinidade.
Este problema é particularmente candente quando se debate segredo bancário e os interesses que subjazem ao Estado fiscal, e ultrapassa as fronteiras nacionais, sem que por isso a solução seja mais difícil da que subjaz a outros problemas relativos a direitos, liberdades e garantias:
“O futuro provavelmente não nos reserva outro caminho senão o da crescente abertura da informação bancária às administrações tributárias dos estados. Pois, manda o bom senso, que não podemos querer simultaneamente os com moda da sociedade de informação, que por toda a parte escancara portas, e os com moda de amplos domínios reservados ou sigilosos, que insistem em manter-se ou até reforçar-se. O que, claro está, coloca em novos moldes o velho (e sempre novo) problema do Estado de Direito, que é, como sabemos, o problema do justo equilíbrio entre os direitos dos cidadãos, de um lado, e os poderes da administração, de outro.
Por isso, há que enfrentar este novo desafio com coragem e sem maniqueísmos. Pois entre o segredo absoluto, que tudo sacrifica nos altares da arcana praxis, e a devassa, própria do mais descarado voyeurismo, há uma infinidade de oportunidades de realização do justo equilíbrio. Ou por outras palavras entre o oito e o oitenta há, afinal de contas, setenta e duas hipóteses de concretização de um tradeoff que não debite todos os custos e ónus a uns e credite todos os proveitos e benefícios a outros. Ousemos, pois, enfrentar os extremos e buscar o juste milieu, onde, segundo reza um aforismo bem conhecido, reside a virtude.”(v. CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal…, pp. 78-79)
De outra parte e também com interesse para o caso sub iudicio, já resulta do que ficou dito que o direito à reserva de privacidade recenseado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa tem como perspetiva e objeto de observação o Ser Humano, na sua individualidade, intimidade e endogenia, pelo que, em princípio, dir-se-ia que as pessoas coletivas, ao menos quando se trate de entidades instrumentais ao desenvolvimento de uma atividade económica (maxime, sociedades comerciais), estariam excluídas do âmbito de tutela do direito. Estes entes coletivos são apenas uma forma de organização de interesses empresariais, achando-se por isso distantes, por sua própria natureza e pelos princípios ordenadores do seu escopo jurídico, do núcleo de valores constitucional em que assenta o direito à reserva de intimidade da vida privada, razão por que a respetiva proteção resulta excluída (cfr. artigo 12.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
O Tribunal Constitucional expressou já dúvidas sobre esta matéria, assinalando que a inclusão no espaço de defesa da privacidade “é problemática em relação às pessoas coletivas, muito particularmente as sociedades comerciais, pelo facto de não valerem (ou, pelo menos, de não valerem de igual modo), em relação a elas, as considerações fundamentadoras acima aduzidas, que se apoiam na possibilidade de acesso à esfera mais pessoal” da pessoa humana (v. Acórdão n.º 442/2007). Frontalmente contra, já se defendeu:
“Considero que a inclusão do sigilo bancário de que sejam titulares pessoas colectivas no âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, não será apenas problemática, como o acórdão concede (n.º 16.2, último parágrafo), mas é, mais radicalmente, de afastar. E, como só na medida em que constitui refracção deste direito à reserva da privacidade se me afigura possível dar guarida ao sigilo bancário no elenco dos direitos fundamentais, entendo que o legislador não está subordinado, no reconhecimento e conformação do sigilo bancário relativamente a pessoas colectivas (e entes equiparados), ao regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias.
Efectivamente, os direitos fundamentais são primordialmente direitos de indivíduos, de pessoas singulares. (…)
(…) o que pode justificar que aspectos do "segredo do ter" da pessoa, patentes na conta e noutros dados da situação económica do titular em poder de uma instituição bancária, sejam assimilados ao "segredo do ser" protegido pela reserva da intimidade da vida privada é o que esses elementos podem revelar das escolhas ou contingências de vida do indivíduo, dos seus gostos e propensões, do seu perfil concreto enquanto ser humano, que cada um deve ser livre de resguardar do conhecimento e juízo moral de terceiros. Esta teleologia intrínseca surge eminentemente ligada à protecção da dignidade da pessoa humana, não sendo extensível a entes que apenas tem uma capacidade jurídica funcional, limitada pelo princípio da especialidade do fim que estatutariamente prosseguem, que não têm projecto de vida livremente determinado, pelo que o direito ao segredo bancário que contratual e legalmente se lhes reconheça não goza da protecção constitucional especificamente conferida pela inclusão do bem protegido pelo sigilo no âmbito do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.”(voto de vencido do Cons. Vítor Gomes ao Acórdão do TC n.º 442/2007)
Esta posição, porém, não é congruente com a aceitação de uma dimensão de ordem económica do direito à privacidade, que, ainda que volúvel e permissiva a ingerências quando em presença de valores constitucionais, se reconhece contida no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, como acima assinalado. Não se perceberia que, de um lado, fosse reconhecida a uma pessoa privatividade sobre informação relativa a titularidade de bens e a atos e negócios de natureza económica, quando observada ou agindo singularmente, e, de outro, se lhe negasse qualquer forma de tutela constitucional quanto às mesmas informações quando se ache associada a outras numa estrutura jurídica de organização de interesses, ou quando, agindo singularmente, se enroupe de uma fórmula jurídica de idêntica natureza (v. g., sociedades unipessoais).
Poder-se-ia contrapor que certas entidades coletivas – dotadas de personalidade jurídica, ou de subjetividade bastante para que lhes seja possível atuar no tráfego jurídico com autonomia: (v. g.) sociedades de capitais, fundos de investimento ou fiduciários, fundações e estabelecimentos estáveis, etc. – não possuem substrato pessoal tangível que permitisse caracterizar a titularidade do negócio e a prática de atos por pessoas, antes se reduzindo a formas de organização de acervos patrimoniais ou a fórmulas de investimento financeiro de caráter estrito, tornando ainda mais fantasiosa a sua equiparação, para efeitos de tutela, ao Ser Humano.
A nosso ver, o problema aqui está invertido: em último termo, qualquer uma destas entidades tem por atributo essencial a titularidade de bens e a realização de operações económicas por uma (ou mais) pessoa humana, por vezes apelidada de beneficiário efetivo (cfr. Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto), que, de uma maneira ou de outra, será também a última responsável pela respetiva gestão; o exposto, porém, já se pode entender altamente ilustrativo da insipidez e da tibieza da informação económica para que a sua exposição possa impactar na integridade do indivíduo e se possa entender abarcada por um direito fundamental dirigido à tutela da confidencialidade sobre a vida pessoal e familiar: quando destilada para o seu estado purificado, como é o caso quando a encontramos associada a uma estrutura jurídica de interesses e de investimento, obtemos prova de que a informação económica pouco ou nada revela sobre os conteúdos humanos do indivíduo a que respeita e que se acobertam pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, se se pode admitir que as entidades coletivas beneficiem de privacidade e exclusividade gestionária sobre a sua informação pessoal, designadamente a detida por entidades bancárias, a sua natureza exclusivamente económica e a sua estrita contextualização nesse âmbito colocará a tutela num espaço ainda mais periférico do espectro de defesa definido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, resultando tanto mais permeável a ingerências fundadas em valores constitucionais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
9.3. Regressando ao caso sub iudicio e observando a alegação do recorrente de forma integrada, este suporta o vício de inconstitucionalidade material que aponta ao artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, no direito à reserva da informação privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), que viemos de analisar, que depois articula com os princípios de Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), de efetividade da tutela jurisdicional (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 e 268.º, n.º 4, também da Lei Fundamental) e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
O argumento do recorrente reside no seguinte: ao subordinar-se a validade da instauração do procedimento para prova efetiva do preço do imóvel (artigo 129.º, n.º 6, do CIRC) à apresentação, com o requerimento inicial, de documentos autorizando o acesso a informação protegida por segredo bancário (do sujeito passivo e seus administradores), o requerente é colocado perante um dilema que se diz incomportável à luz da Lei Fundamental: ou se conforma com esse acesso, ou vê precludido o seu direito a ilidir a presunção de valor do imóvel por aplicação do VPT, nos casos em que este valor seja superior ao preço declarado na operação (cfr. artigo 58.º-A, n.ºs 1 e 2 do CIRC, hoje artigo 64.º, n.ºs 1 e 2, do diploma). É este o efeito que o recorrente entende abusivo e que diz violação dos citados princípios constitucionais.
Ora, desde logo ressalve-se que a norma apenas permite, não obriga, a AT a aceder a dados bancários, pelo que a linha argumentativa da recorrente logo por aqui surge enviesada.
Há que conceder, porém e sem receios, que, fora de situações particularmente evidentes, será, na prática, inevitável que se controlem, no âmbito do procedimento administrativo em referência, os movimentos financeiros verificados no período da operação geradora da mais-valia e nas suas cercaduras, o que apenas será possível acedendo à informação detida por instituições bancárias. O controlo destes fluxos será, de resto, a única forma de ver comprovada uma intensa improbabilidade, a de que um imóvel tenha sido transacionado abaixo do VPT.
Em condições normais, este resultado apenas se verificará em três situações: quando a fórmula do CIMI se mostre inflacionária face aos indicadores de mercado (processo de subvalorização estatisticamente muito infrequente); quando o negócio possua atipicidades face à natureza da operação, estando dotado de caráter de liberalidade em alguma medida (v. g., preços com desconto, de índole promocional ou consequência de táticas agressivas de mercado, estratégias de valorização de propriedades circundantes, criação de lojas-âncora em superfícies comerciais, etc.); ou quando as necessidades de tesouraria do vendedor imponham a conversão do ativo em liquidez de forma imediata, tornando gerível o encaixe da perda do ponto de vista económico.
Ainda que situações desta natureza sejam, naturalmente, equacionáveis e legítimas, a jurisprudência constitucional vem fazendo ver (v. Acórdãos do TC n.ºs 145/2014, 442/2007, 517/2015, 514/2022, 392/2022 e 393/2022) que a erosão da base de tributação verificada nestes casos não deixa de sinalizar a possibilidade (ou a probabilidade) de arquiteturas evasivas de imposto, ou seja, a adoção de construções que conduzam a que a formalização do negócio não manifeste o verdadeiro quantitativo da contrapartida económica do vendedor, seja, v. g., por simulação da cláusula de preço ou por esquemas mais complexos, caracterizados pela ocultação ou enviesamento da substancialidade económica do negócio (cfr. artigos 39.º e 38.º, n.ºs 2, 3 e 4, da LGT). O exposto é o bastante para expor a evidente tensão que a situação exprime para com a adequação da carga fiscal no âmbito do IRC, que se impõe e deriva diretamente de fonte constitucional (artigo 12.º, n.º 1, 2.ª parte, 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa).
É neste contexto e inspirada por estas preocupações que surge a necessidade de correção da matéria coletável para o VPT do imóvel para efeitos de fixação do valor de realização presumido da mais-valia (cfr. artigo 58.º-A, n.ºs 1 e 2 do CIRC, na redação em vigor à altura) e será nesse domínio e nesse pressuposto que se aferirá o limiar probatório que permitirá ao sujeito passivo ilidir essa presunção.
Ora, se não merece dúvidas que a base empírica que justifica a presunção legal radica, precisamente, na insuficiência da informação documental que formaliza a operação e que a suporta contabilisticamente para que exista segurança sobre a adequação da carga fiscal sobre a mais-valia, temos por óbvio que o procedimento para ilisão do preço efetivo seria absurdo (e inútil) se pudesse ser apreciado e decidido limitando-se, no plano probatório, à análise dessas mesmas informações documentais. Dito de outra forma, a natureza cooperativa do procedimento administrativo-tributário, de um lado, e, de outro, o padrão de prova exigível para ilidir a presunção face às peculiaridades da situação colocada, impõem que sejam trazidos à AT outros dados probatórios que não aqueles de que a administração já dispõe ou a que pode aceder em condições gerais.
É neste âmbito que surge a informação sobre fluxos financeiros em instituições bancárias relacionados com o sujeito passivo como elemento essencial de prova, já que apenas por essa via será possível compreender racionalmente de que forma a situação de riqueza foi transferida no período da operação e de concluir que os movimentos de cash flow são compatíveis com a natureza e efeitos das operações declaradas e documentadas.
O acesso à informação bancária relativa a administradores em funções à data da operação e aos exercícios económicos que a envolvem será condição não menos importante da aquisição de um juízo de convicção mínimo sobre o objeto do procedimento. Impõe-se levar em conta o caráter tendencialmente anómalo do valor de realização declarado e que a proximidade para com a gestão da empresa dos instrumentos financeiros de que os executivos disponham conferem-lhes especial aptidão para constituírem veículos de fluxos de capitais periféricos à operação, mas potencialmente assimiláveis à noção de contrapartida. Pense-se na utilização de «side letters» ou de estipulações em contratos particulares vestibulares à formalização da alienação (v. g., promessas ou acordos atípicos) e na facilidade com que se podem estabelecer, paralelamente ao negócio que realiza a mais-valia, formas de contrapartida formalmente classificáveis como rendimentos de outra categoria, mas em substância complementares a preço, bem como estipulações que as transfiram do território para efeitos de conexão à Lei fiscal, ou que lhes confiram outro destino aparente. Em todos estes casos, obtém-se a externalização do input financeiro, erodindo a base de tributação em IRC da empresa alienante. Operações posteriores poderão permitir, mais tarde, o ingresso desta parte da mais-valia, marginal ao lucro do exercício, na empresa, porventura com registo como dívida ou capital (v. g., realização de suprimentos, de prestações acessórias ou complementares, subscrição de capital ou de obrigações, etc.) e, assim, persistindo subtraída a tributação em aparência. A operacionalização deste tipo de arquiteturas terá de encontrar em contas bancárias exteriores ao sujeito passivo um interposto e canal de passagem do fluxo financeiro, surgindo, por isso, as contas bancárias dos seus executivos como especialmente adequadas para esse propósito, em face da sua proximidade para com a atividade social, da relação fiduciária que mantêm para com a entidade empresarial gerida e do seu compromisso para com os seus interesses patrimoniais.
Isto não significa que o procedimento em causa se destina a ilidir uma presunção de fraude, precipitadamente extraída, sobre empresa e administradores, de nada mais que da alienação de um imóvel por valor abaixo do VPT, ou que fosse nesse tipo de esquema mental que se buscasse fundamento para a intrusão no direito a privacidade. Algumas destas arquiteturas, mesmo no âmbito dos exemplos acima elencados, poderão constituir meras opções de gestão ou modelos jurídico-económicos permitidos e é também possível que nem sequer existam (relembre-se os exemplos supra oferecidos de situações em que imóveis são transacionados abaixo do VPT). Em todo o caso, a situação, em toda a sua extensão e qualquer que seja, terá de ser adequadamente compreendida na sua globalidade e de acordo com uma visão panorâmica da realidade da empresa. Só assim será possível concluir pelo equilíbrio da tributação, também porque é a substancialidade dos atos e negócios jurídicos que importam para efeitos de apuramento da matéria coletável, não tanto a arquitetura formal que lhes subjaz.
Dito de outra forma, poderá não existir qualquer prática do sujeito passivo e seus administradores paralela à operação; existindo, algumas serão legítimas, outras serão fraudulentas e outras ainda serão descaracterizadas para efeitos de incidência fiscal, reconduzindo-se da sua forma à sua substancialidade económica por mediação de institutos anti-abuso; impõe-se, não obstante, que todas elas, e o problema em toda a sua extensão, possam ser suficientemente compreendidos, já que, no âmbito do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, o que se visa é a equidade e legalidade da tributação. Assim, a análise e confronto com informação bancária, do sujeito passivo e dos seus administradores, é pouco menos do que uma inevitabilidade na ilisão da presunção legal e constitui condição indissociável da apreciação do objeto do procedimento, também (ou especialmente) quando se pretenda poder concluir pela verificação de uma situação excecional que evidencie a racionalidade subjacente a um negócio de contrapartida altamente improvável, derrubando vitoriosamente a presunção estabelecida no artigo 58.º-A, n.ºs 1 e 2, do CIRC (na redação em vigor à altura).
A melhor doutrina vem alertando, desde há muito, para a necessidade de reforço do acesso a dados bancários pela AT neste tipo de situações:
“a administração fiscal, na grande maioria das situações, não administra os impostos, antes se limita a fiscalizar se os particulares desempenham corretamente essa tarefa. Ora, para levar a cabo adequadamente esta sua missão fiscalizadora ou inspetiva, a administração fiscal há-de dispor dos correspondentes instrumentos ou meios.
Meios esses que, numa economia em que se generalizaram as relações bancárias com os indivíduos e com as empresas, ao ponto de a grande maioria das relações económicas passarem pelas instituições bancárias, dificilmente serão conseguidos, em numerosíssimas situações, se insistirmos no bloqueio quase total no domínio do acesso às informações guardadas por tais instituições.”(v. CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal…, pp. 75-76)
De resto, in casu, a não ser assim e não sendo disponibilizada à AT informação bancária, seria provável que a generalidade (senão a totalidade) dos procedimentos propostos ao abrigo do artigo 129.º, n.º 5, do CIRC tivessem por desfecho um árido juízo de fracasso, pelo insucesso do contribuinte em ilidir a presunção estatuída pelo artigo 58.º-A, n.º 2, do diploma, em face da quantidade de hipóteses plausíveis que os atos formais colocam (non liquet probatório).
Associa-se ainda ao exposto o facto de o acesso a informação bancária não significar a sua integração no domínio público ou, ao contrário do que sucede nos processos judiciais, a sua sujeição a um princípio-regra de publicidade. Nos antípodas, os elementos disponibilizados à AT ficarão sob a reserva de confidencialidade conferida pelo sigilo fiscal (artigos 64.º e 64.º-A, ambos da LGT) e com garantia de tutela criminal (artigo 91.º, n.ºs 3 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias), ou, por outras palavras, ficarão confinados ao domínio administrativo, inacessíveis ao público e impassíveis de serem instrumentalizados para saciar a curiosidade caprichosa de terceiros.
Esta não é uma observação de somenos importância, por significar a minimização do alcance da intrusão na esfera de privatividade das pessoas afetadas pela norma. Este Tribunal Constitucional já fez ver:
“quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro)”(v. Acórdão do TC n.º 145/2014 e, também, Acórdãos do TC n.ºs 442/2007 e 517/2015)
Assim, não apenas o direito a reserva da informação bancária se integra num espaço francamente periférico do perímetro defensivo definido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, especialmente no que respeita aos sujeitos passivos do IRC, como vimos, temos que o acesso a essa informação no âmbito do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC constitui uma forma de ingerência no direito de impacto minimal, que, para mais, depende de uma iniciativa procedimental (do requerente) e de um ato declarativo subsequente (de todos os sujeitos jurídicos afetados), ao contrário do que sucederia, por exemplo, em procedimentos oficiosos desencadeados por entidades públicas por mero exercício de autoridade.
É também de sublinhar que a medida de intrusão é realizada por tributo a princípios constitucionais de primeira água, seja o dever fundamental de pagar impostos (artigo 12.º, n.º 1, 2.ª parte, da Constituição da República Portuguesa), sejam os princípios essenciais da Constituição fiscal, de tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), de igualdade (horizontal e vertical) tributária e sua subvertente da capacidade contributiva (artigos 13.º e 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), e, em face da reduzida exposição da informação que importa, a norma acha-se em evidente obediência a critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade (proibição de excesso) face aos referentes legitimadores (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
Assim, concluímos que o artigo 126.º, n.º 6, do CIRC não merece a censura constitucional por violação dos princípios da reserva da intimidade privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa)
11.4. Finalmente, resulta do que ficou já dito que tanto menos se observa qualquer forma de cerceamento do direito a um processo jurisdicional (ou procedimento administrativo) justo e equitativo neste plano, entendido como a fórmula processual que garanta direito a prova e que dote de efetividade o exercício de direitos pela recorrente (e no plano administrativo-tributário) (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 e 268.º, n.º 4, também da Lei Fundamental).
Sobre a noção e alcance do princípio de tutela jurisdicional, é entendimento deste Tribunal Constitucional:
“o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (acórdão n.º 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11º, pág. 741). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras” (entre muitos outros, o acórdão n.º 1193/96).
Importa reter, no entanto, que o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes, incluindo o próprio interesse de ambas as partes; em qualquer caso, à luz do princípio do processo equitativo, os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproprocionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (LOPES DO REGO, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil, in «Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa», Coimbra, 2003, pág. 839, e ainda os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 122/02 e 403/02).”(v. Acórdão do TC n.º 145/2014)
Em face do que dissemos, não é razoável a defesa de que estes parâmetros sejam desrespeitados pela solução legal do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC: como já assinalámos, o acesso a dados bancários, em face da situação colocada, é pouco menos que uma inevitabilidade para que o sujeito passivo possa ilidir o onus probandi que o vincula e, nos casos (necessariamente contados) em que os dados financeiros sejam desnecessários, a Lei não impõe que esse acesso suceda (sem prejuízo da disponibilidade dos instrumentos de autorização necessariamente juntos pelo requerente).
Considerando os interesses substantivos que se entrecruzam na previsão legal e a natureza cooperativa do procedimento, temos que a solução legal exibe um equilíbrio entre interesses ponderado, sem que se denote qualquer forma de rutura com os direitos constitucionais e respetivas prerrogativas de defesa conferidas aos administrados, tanto menos com o seu direito a tutela jurisdicional subsequente à conclusão do procedimento administrativo.
Sobre esta questão, este Tribunal já fez ver sobre norma aqui fiscalizada:
“No caso vertente – recorde-se -, houve lugar a uma correção oficiosa do valor da transmissão de bem imóvel nos termos previstos no artigo 58º-A do CIRC por ter sido detetado que o valor constante do contrato era inferior ao valor tributário do imóvel. A lei permite nessa circunstância que o interessado faça prova, através do procedimento especial previsto no artigo 129º do CIRC, do preço efetivamente praticado, mas com a sujeição, como requisito prévio, à junção de autorização para consulta de dados bancários da requerente e dos seus administradores ou gerentes.
O procedimento é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio.
Sendo essa a finalidade do procedimento tributário, seria inteiramente inconsequente que a prova do contrário fosse efetuada, por simples iniciativa do interessado, e – como preconiza a recorrente -, através dos próprios documentos que titulam o contrato, dos meios de pagamento utilizados e dos elementos de contabilidade, quando o documento contratual é o mesmo que evidenciou a existência de uma possível simulação do preço e justificou a correção do valor da transmissão, e os outros meios de prova, em caso de ter havido a intenção de praticar fraude fiscal, deverão revelar uma aparente conformidade com o que consta do contrato.
Para além disso, o consentimento do interessado para permitir à Administração Fiscal confrontar esses elementos probatórios com outros dados cobertos pelo sigilo bancário é uma medida que se mostra consentânea com o dever de cooperação que incumbe ao contribuinte, tanto mais que o procedimento foi instaurado, no seu interesse, para repor a verdade material. A derrogação do sigilo bancário constitui, por outro lado, um meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, tendo em conta que se trata de uma diligência dirigida à descoberta da verdade fiscal; é um meio necessário já que a demonstração da não veracidade do facto dificilmente poderia ser alcançada através de outros elementos probatórios que o interessado estivesse na disposição de divulgar; e não é um meio desproporcionado ou excessivo se se considerar que a quebra de privacidade é inerente ao exercício do direito e ajusta-se aos objetivos do procedimento tributário utilizado (cfr. artigo 350º, n.º 2, do Código Civil).”(v. Acórdão do TC n.º 145/2014)
Em face de todo o exposto e por fim, resta concluir que a norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, na interpretação normativa sindicada, não viola os princípios do acesso a tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa) ou da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), razão por que improcede o recurso, também neste segmento.».

Ora, face ao supra expendido e aos fundamentos da jurisprudência citada, que aqui se acolhem e dão por reproduzidos, ajuíza-se, assim, que não é defensável concluir que o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, ao impor como condição da instauração do procedimento administrativo aí previsto a junção de documentos subscritos pelos administradores do sujeito passivo requerente, autorizando o acesso a informação bancária pessoal, entre em rutura com qualquer norma ou princípio constitucional, mormente, os invocados direito de acesso à reserva da vida privada, ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, ao princípio da tributação do lucro real das empresas e da igualdade tributária e bem assim do princípio da proporcionalidade.

Destarte, inexiste um juízo de censura jurídico-constitucional relativamente à norma sub specie.

Uma última nota para relevar que face ao supra expendido, resulta prejudicada a apreciação atinente à concreta prova do preço efetivo e bem assim da ampliação do objeto de recurso.

E por assim ser, face a todo o exposto e sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, improcede na íntegra o alegado pela Recorrente, devendo, por conseguinte, confirmar-se a decisão recorrida.


***
IV. DECISÃO
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO,
Julgando parcialmente nula, a sentença por omissão de pronúncia, no atinente ao vício de violação de lei do artigo 63.º B da LGT, e, em substituição, julgar improcedente a aludida arguição, no mais NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.
Lisboa, 24 de janeiro de 2024
(Patrícia Manuel Pires)
(Ana Cristina Carvalho)
(Tânia Meireles da Cunha)