Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10300/13
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:09/26/2013
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROVIDÊNCIA DE FORMAÇÃO DE CONTRATOS, LEGITIMIDADE ACTIVA.
Sumário:I. É em função da concreta relação material controvertida configurada na instância, assente no pedido e na causa de pedir, que se aferirá o pressuposto processual de legitimidade activa.
II. Quem possuir legitimidade activa para instaurar o meio principal terá legitimidade para instaurar a providência cautelar adequada a acautelar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, atenta a relação de dependência e de instrumentalidade entre os dois processos (cfr. nº 1, do artº 112º do CPTA).
III. A legitimidade da Requerente será aferida em função da titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido, o qual deverá ser pessoal (por si próprio) e directo (actual).
IV. Sendo pedida a suspensão de eficácia de uma norma administrativa, a qual se encontra dependente de uma acção de contencioso pré-contratual destinada a obter a anulação da norma procedimental e a anulação do procedimento de formação de contrato, é necessário à Requerente alegar e provar, ainda que perfunctoriamente, como é próprio da instância cautelar, a produção de consequências desfavoráveis, em virtude de os efeitos da norma administrativa se projectarem na sua esfera jurídica, isto é, alegar e provar a lesividade decorrente da aplicação da norma, nos termos do artº 73º do CPTA.
V. A legitimidade activa no contencioso pré-contratual, onde se inclui a presente instância cautelar de formação de contratos, não depende da circunstância de ter sido ou não apresentada proposta ou candidatura no âmbito desse procedimento.
VI. O facto de a Requerente não ter apresentado proposta no âmbito do concurso público em causa, não constitui facto que, de per si, retire legitimidade activa para impugnar as peças do procedimento.
VII. Não tendo a Requerente invocado que pretendia concorrer ao concurso ou que tinha interesse em concorrer, nem que a norma administrativa suspendenda, que define o modelo de avaliação das propostas, potencia uma desigualdade entre os concorrentes ou que limita a possibilidade de a sua proposta caso fosse apresentada viesse a ser adjudicada ou sequer que, em virtude da norma impugnada, ficou privada ou limitada quanto à possibilidade de concorrer ou ainda, que tenha sido prejudicada em virtude da norma administrativa impugnada, não existe uma alegação mínima que permita apurar a influência da norma administrativa sobre a posição da Requerente no âmbito do concreto procedimento pré-contratual, designadamente, quanto aos efeitos lesivos que a norma administrativa é apta a acarretar na sua esfera jurídica.
VIII. Desse modo, não oferece a Requerente a alegação mínima que permita caracterizar o seu interesse pessoal e directo na impugnação da norma administrativa,
IX. Não se aceita que o interesse pessoal e directo coincida com qualquer tutela abstracta da legalidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A A...– Gestão de Resíduos, SA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 24/06/2013 que, no âmbito da providência cautelar relativa a procedimentos de formação de contratos, instaurada nos termos do disposto no artº 132º do CPTA, movido contra a B...– Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, SA e as Contra-interessadas, C..., Lda., D..., SA e E...& ENERGY, SA, julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa, absolvendo as entidades requeridas da instância cautelar.

Formula a aqui recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 201 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“A) A douta sentença recorrida comete erro de julgamento ao determinar que a ora Recorrente não tem legitimidade activa nos presentes autos.

B) O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco considera, em suma, que i) a Recorrente não alegou prejuízos na sua esfera jurídica resultantes da adopção do modelo de avaliação do procedimento dos autos, ii) que a Recorrente não alega que esse mesmo modelo de avaliação é lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, iii) que a Recorrente não retira vantagem ou utilidade da anulação das peças do procedimento e iv) que a Recorrente deveria antes ter apresentado a sua proposta no procedimento dos autos.

C) Os presentes autos devem ser julgados, não com base na lesividade da decisão de aprovação das peças do procedimento, mas sim com base na lesividade dos regulamentos concursais que o mesmo aprova (peças do procedimento).

D) O interesse em agir (interesse processual nos presentes autos) não se confunde com a qualidade de “interessado” (na acepção dada pelo Código dos Contratos Públicos).

E) A Recorrente não tem interesse em participar num procedimento ilegal - como o dos autos -, pretendendo sim a anulação desse mesmo procedimento para que, posteriormente, possa participar num novo procedimento legal e com o mesmo objecto.

F) Pelo que a lesividade directa daqueles regulamentos concursais consiste na supressão ao mercado da possibilidade de legalmente vir a contratar com a Entidade Adjudicante os serviços que aqueles regulamentos tinham por objecto.

G) Tendo em conta que a Recorrida não apresentou resolução fundamentada, o procedimento dos autos deveria ter sido suspenso no dia em que a Recorrida foi citada para apresentar oposição, ou seja, no passado dia 19/04/2013.

H) Se a Recorrida tivesse dado cumprimento ao disposto no artigo 128.º n.º 1 do CPTA, o procedimento teria sido suspenso ainda em fase de apresentação de propostas, razão pela qual não se teria que colocar a questão de a Recorrente não ter apresentado proposta nesse mesmo procedimento.

I) É o artigo 55.º n.º 1 alínea a) do CPTA que regula a questão da legitimidade para a impugnação das peças do procedimento, por remissão dos artigos 100.º e 112.º do CPTA.

J) A Recorrente sempre alegou que, por um lado, as ilegalidades apontadas no procedimento dos autos foram determinantes na sua opção de não concorrer ao mesmo, o que, naturalmente traz reflexos/prejuízos na sua esfera jurídica, na sua actividade económica e comercial, concretizados na perda de oportunidade, e que, por outro, a vantagem que a Recorrente iria obter da anulação do procedimento seria a real possibilidade de concorrer a um outro procedimento com o mesmo objecto mas que não violasse normas legais.

K) O Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão datado de 22/04/2010, no âmbito do processo n.º 00647/09.0BEAVR, entendeu precisamente que tal prejuízo e tal vantagem são atendíveis para a determinação da legitimidade activa processual.

L) Não faz sentido, salvo melhor opinião, que a Recorrente tivesse apresentado uma proposta num procedimento que considera ilegal e, posteriormente, impugnasse as peças desse mesmo procedimento.

M) Até porque, ao apresentar proposta a Recorrente estaria tacitamente a aceitar as peças do respectivo procedimento, nomeadamente, ao assinar uma declaração de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos (Anexo 1 do CCP).

N) A legitimidade activa do Requerente de uma providência cautelar para suspensão da eficácia de peças do procedimento, nos termos do disposto no artigo 132.º do CPTA, não se pode aferir em função de ter ou não apresentado proposta ou de qualquer modo participado desse procedimento.

O) Já quanto às ilegalidades que a Recorrente identifica nas peças do procedimento dos autos, cumpre referir que as mesmas dizem respeito ao modelo de avaliação, concretamente, aos subfactores do factor “Qualidade Técnica da proposta” – “Frota”, “Experiência em Transporte de Resíduos” e “Certificado de Qualidade”.

P) A Recorrente entende que a procedência da questão suscitada no processo principal é já perfeitamente evidente atenta a manifesta ilegalidade de que padecem as peças do procedimento dos autos.

Q) A Recorrida é uma Entidade Adjudicante na acepção prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do CCP.

R) Quanto ao subfactor “Frota”, cumpre referir que facilmente se constata que o que está em análise neste subfactor são apenas e só as características dos equipamentos - se são “recentes” - e a propriedade desses mesmos equipamentos.

S) Quanto ao subfactor “Experiência em transporte de resíduos”, cumpre referir que claramente se percebe que, tendo em conta os descritores deste subfactor, as propostas dos concorrentes serão melhor pontuadas de acordo com o número de anos de experiência dos motoristas.

T) Já quanto ao subfactor “Certificado de Qualidade”, refira-se que, embora as peças do procedimento sejam omissas quanto ao exacto certificado de qualidade exigido, o certo é que, sendo um certificado de qualidade, será sempre relativo à empresa concorrente e aos seus processos de fabrico, produção ou actividade e não às suas propostas.

U) Sendo assim, facilmente se constata que, através do modelo de avaliação do procedimento dos autos, se pretende avaliar e pontuar propostas em função de aspectos relativos aos concorrentes, o que apenas é permitido no âmbito do concurso público com prévia qualificação, nos termos do disposto no artigo 165.º n.º 1 alínea c) do CCP, sob pena de violação do disposto no artigo 75.º n.° 1 do CCP.

V) Tal constatação não carece de qualquer indagação ou demonstração argumentativa, antes é evidente, clara, imediata e cristalina.

W) Quanto à questão da qualificação dos concorrentes e do concurso limitado por prévia qualificação, pronunciaram-se, os autores Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, página 965 e 966, Almedina, no sentido de não ser possível a uma Entidade Adjudicante optar por um procedimento sem qualquer qualificação prévia dos candidatos e depois pretender avaliar aspectos, características ou qualidades dos próprios concorrentes.

X) Nesse mesmo sentido, também se pronunciaram o Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão datado de 25/01/2013, no âmbito do processo n.º 01312/113.3BEBRG e Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão datado de 21/06/2012, no âmbito do processo n.º 08869112.

Y) Sendo assim, como o é, o modelo de avaliação das propostas adaptado pela Recorrida é manifestamente ilegal, porquanto estabelece um critério de adjudicação baseado em subfactores que avaliam a capacidade técnica dos concorrentes, quando tal não é legalmente admissível num Concurso Público, sob pena de violação do disposto nos artigos 75.º n.º 1 e 162.º e ss do CCP, e que tal constatação não carece de qualquer elaborada indagação ou demonstração argumentativa, antes é evidente, clara, imediata e cristalina.

Z) O Supremo Tribunal Administrativo em acórdão datado de 11/12/2007, no âmbito do processo n.º 0210/07, refere, nomeadamente, que ao se demonstrar, desde logo, ser evidente que a pretensão formulada pelo Requerente no processo principal irá obter êxito - por serem manifestas as ilegalidades apontadas ao procedimento - seria inútil permitir ou possibilitar que o acto ou procedimento em questão, continuasse a produzir efeitos.

AA) Razão pela qual as providências requeridas - suspensão da eficácia da decisão de aprovação das peças do procedimento e das próprias peças do procedimento e suspensão do procedimento de formação do contrato - mostram-se adequadas ao fim a que se visa acautelar com o processo principal, devendo as mesmas ser decretadas nos exactos termos do Requerimento Inicial.”.

Conclui, pedindo a procedência do recurso e a substituição da sentença recorrida por outra que decrete a suspensão da decisão de aprovação das peças do procedimento e das próprias peças e a suspensão do procedimento de formação do contrato.


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A recorrida, B...apresentou contra-alegações (cfr. fls. 244 e segs.), assim tendo concluído:

“1. A douta sentença proferida nos autos, que julgou absolver a Recorrida da instância e julgar a Requerente parte ilegítima, não merece qualquer censura.

2. A ora Recorrente nunca alegou, nem demonstrou nos presentes autos, qual o seu interesse para intentar a presente providência.

3. Não é facto suficiente e bastante para conferir legitimidade processual a mera alegação de no objecto social da Recorrente estar incluída a possibilidade de prestar serviços de natureza idêntica ao do procedimento pré-contratual que pretende impugnar.

4. É imprescindível a demonstração da efectiva lesão na esfera jurídica da Recorrente para a prova da sua legitimidade.

5. A Recorrente não alegou, nem demonstrou atempadamente que o seu acesso ao procedimento pré-contratual estava preterido pelo tipo de concurso escolhido, ou que a sua posição jurídica se encontrava afectada pelas peças do procedimento que impugna.

6. É condição sine qua non a alegação de factos concretos que se demonstrassem de forma inequívoca a existência de prejuízos ou desvantagem reflectidos na sua esfera jurídica, independentemente de a Recorrente não ter adquirido as peças do procedimento, nem ter apresentado qualquer.

7. Assim, a Recorrente não é parte interessada no procedimento pré-contratual, nem daí retirará qualquer vantagem, pelo que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º do CPTA, carece de legitimidade processual nos presentes autos.

8. Por outro lado, a não suspensão do procedimento contratual foi o resultado de resolução fundamentada em razões de interesse público e tomada ao abrigo da 2.ª parte do n.º l do artigo 128.º do CPTA, e não foi sindicada pela aqui Recorrente.

9. Ao ter decidido não apresentar proposta a Recorrente colocou-se na posição de ficar impedida de poder alegar e demonstrar qualquer benefício directo que pudesse vir a retirar com a anulação das peças do procedimento.

10. Existe falta de interesse em agir da Recorrente por inexistência de demonstração de um qualquer tipo de nexo causal directo ou indirecto, entre uma eventual anulação das peças do procedimento e a sua esfera jurídica.

11. Face ao exposto, deverá a Douta Sentença ser mantida na integra, confirmando-se a decisão de ilegitimidade da Recorrente e a absolvição da Recorrida da instância.

12. Mesmo que se considerasse que a Recorrente era parte legítima, não se verificam qualquer um dos pressupostos e fundamentos para o decretamento da providência.

13. É evidente a improcedência da pretensão formulada na acção principal.

14. Não existe alegação pela Recorrente, de qualquer tipo de prejuízos, pelo que, faltando a alegação de periculum in mora a presente providência sempre deveria improceder.

15. A mera não concordância com o tipo de procedimento adoptado, ou o mero entendimento de que o procedimento padece de ilegalidades, não acarreta para a ora Recorrente qualquer prejuízo, desde logo porque a mesma não é parte interessada no procedimento em causa.

16. Quanto à exigida “ponderação de interesses antagónicos em presença”, tal questão fica igualmente prejudicada pela falta de alegação pela Recorrente de quaisquer prejuízos concretos.

17. Face ao exposto, também não poderia ter sido concedida a providência cautelar solicitada, por não se encontrarem preenchidos os requisitos legais nos termos do artigo 120.º e 132.º do CPTA.”.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de Direito, quanto à decisão de absolvição da instância, por ilegitimidade activa da Requerente e, ainda, qual o efeito a atribuir ao recurso.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Em 18/03/2013, a Requerida publicou anúncio (“contratos públicos”), nos seguintes termos:


Cfr. doc. 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) No programa do concurso consta o seguinte:

Cfr. doc. 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C) A Requerente não adquiriu as peças de procedimento nem apresentou proposta - facto não controvertido.

D) Encontra-se pendente neste TAF a acção de contencioso pré-contratual n.º 205/13.4BECTB através da qual a Requerente peticiona a declaração de invalidade da decisão de aprovação das peças do procedimento, bem como das próprias peças e, em consequência deve ser anulado todo o procedimento com as demais consequências legais, nos termos dos artigos 100.º n.º 2 do CPTA 4.º n.º1, 75.º n.º 1, 139.º e 162.º e ss. do CCP - cfr. SITAF.”.


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Com ter relevo para a decisão a proferir, nos termos do nº 1, do artº 662º do CPC, adita-se o seguinte facto, à selecção dos factos assentes:

E) A Requerente instaurou a presente providência cautelar em juízo, em 16/04/2013 – cfr. fls. 2 dos autos.

DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, não impugnada pela Recorrente, assim como a ora aditada, importa entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional.


1. Erro de julgamento de Direito, quanto à decisão de absolvição da instância, por procedência da excepção de ilegitimidade activa

A Recorrente veio interpor recurso da sentença que decidiu absolver as Entidades Requeridas da instância, por falta de legitimidade activa, com o fundamento em erro de julgamento de direito.

Sustenta no presente recurso que não tem interesse em participar num procedimento ilegal, como o dos autos, pretendendo a anulação do procedimento para que, posteriormente, possa participar num novo procedimento, com o mesmo objecto.

Invoca que a lesividade directa dos regulamentos concursais deriva da supressão da possibilidade de legalmente vir a contratar com a entidade adjudicante os serviços objecto do procedimento.

Alega que a questão da falta de apresentação de proposta pela Recorrente apenas decorre de a entidade adjudicante não ter dado cumprimento ao disposto no artº 128º, nº 1 do CPTA, ao não ter suspendido o procedimento pré-contratual, ainda que em fase de apresentação de propostas, quando foi notificada para deduzir oposição.

A Recorrente sempre alegou que as ilegalidades apontadas ao procedimento foram determinantes da opção de não concorrer ao mesmo, o que tem reflexos/prejuízos na sua esfera jurídica, designadamente na sua actividade económica e comercial, concretizados na perda de oportunidade de concorrer.

Mais alega que não faz sentido que tivesse de apresentar proposta num procedimento que considera ilegal para, posteriormente, impugnar as peças desse procedimento, não se aferindo a sua legitimidade activa em função de ter ou não ter apresentado proposta.

Sustenta que as ilegalidades apontadas às peças do procedimento respeitam ao modelo de avaliação das propostas, isto é, aos subfactores fixados, já que através deles se pretende avaliar e pontuar propostas em função de aspectos relativos aos concorrentes, o que apenas é permitido no âmbito do concurso público com prévia qualificação, estando vedado no concurso público.

Por sua vez, a Entidade Requerida invoca na oposição que apresentou em juízo que a Requerente não alegou, nem demonstrou, a sua legitimidade ou o seu interesse para intentar a presente providência, por se ter limitado ao longo da sua alegação a referir o seu objecto social.

Mais sustenta que a Requerente não é parte interessada, por não ter adquirido as peças do procedimento, não tendo alegado a sua qualidade de interessada, nem que o tipo de concurso escolhido a tenha lesado.

Na sentença, depois de proceder a considerações doutrinárias sobre a noção de legitimidade activa, veio o Tribunal a quo a adoptar a seguinte fundamentação de Direito:

A Requerente pretende a suspensão de eficácia das peças de procedimento nos termos do art.º 100.º, n.º 2 do CPTA sustentando a sua legitimidade nas seguintes circunstâncias:

(i) Dedica-se à gestão integrada, incluindo recolha, transporte e tratamento de variados resíduos, nomeadamente urbanos, hospitalares, industriais, gestão de espaços verdes e limpeza de espaços públicos, prestação de serviços na área do ambiente, juntando certidão permanente;

(ii) Não necessitava de se inscrever no procedimento concursal e muito menos de adquirir as respectivas peças;

(iii) Não apresentou proposta, pois não tem interesse em participar num procedimento que é constituído por peças ilegais;

(iv) A Requerente tem interesse na prestação de serviços de transporte de resíduos sólidos urbanos das estações de transferência para as instalações da Requerida desde que o procedimento não se encontre ferido de ilegalidades;

(v) Tanto mais que o objecto social da Requerente inclui a prestação deste tipo de serviços;

(vi) A Requerente pretende a adjudicação dos serviços desde que o procedimento não seja ilegal.

Resulta, desta forma, que a Autora fundou a sua legitimidade no interesse em participar no procedimento e que lhe seja adjudicada a prestação de serviços, afirmando que não tem interesse em participar num procedimento ilegal que contém peças ilegais pretendendo a sua anulação para, posteriormente, nele participar uma vez expurgado dessas ilegalidades.

Sucede que a Autora não sustenta a sua ilegitimidade nos reflexos que os actos que reputa ilegais possam ter na sua esfera jurídica, não alegando qualquer prejuízo pelo facto de a Requerida ter adoptado um modelo de avaliação que inclui subfactores relativos aos concorrentes, nos termos do art.º 75.º, n.º 1 do CCP, baseando-se apenas na suposta ilegalidade das peças do procedimento.

Ora, a ilegalidade do acto não constitui só por si critério para se aferir da legitimidade do autor, sendo que este só poderá ser declarado parte legítima quando alegue que o acto, para além de ilegal, é lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e que retira vantagens imediatas da sua anulação, o que não ocorre nos presentes autos. Com efeito, a Requerente defende que apesar de ter interesse na prestação de serviços de transporte de resíduos pretende apenas concorrer quando o procedimento estiver expurgado das ilegalidades, contudo a circunstância de existirem cláusulas ilegais não significa que a Requerente seja prejudicada por elas, pelo que o seu interesse em agir só existiria se tivesse apresentado proposta e esta tivesse sido preterida por causa dos factores que reputa ilegais ou se alegasse que por causa destes vê-se numa situação de impossibilidade de a sua proposta ser escolhida por não preencher à partida os factores ilegalmente definidos. E se a requerente não apresentou qualquer proposta nenhum benefício directo e pessoal pode retirar da acção.

Atento o exposto, o interesse de participar num procedimento legal não é suficientemente qualificado para lhe conferir legitimidade activa por não ser actual e imediato, nem nada garante que haja prejuízos decorrentes das invocadas ilegalidades, pelo que nenhuma vantagem ou utilidade está alegada que possa retirar com a procedência da presente providência.

Nesta conformidade, a Requerente é parte ilegítima, o que acarreta a absolvição da instância da Requerida.”.

Vejamos.

A questão decidenda prende-se com o saber se se afigura correcta a decisão de absolvição da instância da Requerente, por falta de legitimidade activa para interpor a presente providência cautelar, relativa a procedimentos de formação de contratos, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 132º do CPTA.

Como pressuposto processual a legitimidade constitui um elemento “de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida” (cfr. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 104), visando assegurar que estejam no processo as partes exactas, traduzindo-se numa posição da parte perante certa acção.

Segundo a doutrina a legitimidade é essencialmente uma questão de “posição das partes em relação à lide” (Alberto dos Reis, inCódigo de Processo Civil Anotado”, I, pág. 74), ou seja, constitui um dos requisitos essenciais para que o juiz possa pronunciar-se sobre o mérito da causa ou ainda, segundo a jurisprudência, o pressuposto “através do qual a lei selecciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo levado a Tribunal” (cfr. Acórdão do TCAN, de 22/02/2013, processo nº 00304/07.1BEPRT).

Para tanto, releva analisar as concretas pretensões requeridas pela ora Recorrente, assim como a(s) respectiva(s) causa(s) de pedir invocada(s), pois será em função do pedido e da causa de pedir, isto é, perante a concreta relação material controvertida configurada na instância cautelar, que se aferirá da qualidade de parte legítima da Requerente e com isso, do erro de julgamento, quanto à decisão da sua absolvição da instância, por falta desse pressuposto processual.

Remetendo para o requerimento inicial, extrai-se que a Requerente pediu que fossem decretadas as seguintes providências cautelares:
a) suspensão de eficácia da decisão de aprovação das peças do procedimento;
b) suspensão das próprias peças do procedimento e ainda,
c) suspensão do procedimento de formação de contrato.

Por sua vez, a causa de pedir alegada como fundamento do pedido, respeita à ilegalidade do modelo de avaliação das propostas, constante do Anexo IV do Programa de Concurso, no que respeita aos subfactores do factor “Qualidade técnica da proposta”, fixados em “i) Frota”, “ii) Experiência em Transporte de Resíduos” e “iii) Certificado de Qualidade”, por, segundo a Requerente, dizerem respeito a aspectos relativos aos concorrentes, avaliando as propostas com base em situações, qualidade, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes e aos seus recursos, humanos e técnicos e, ainda, quanto aos seus sistemas de controlo de qualidade, decorrente da titularidade de um Certificado de Qualidade, o que apenas é permitido no âmbito de um concurso público com prévia qualificação e não no âmbito do concurso público, em consequente violação do disposto nos artºs. 75º, nº 1 e 162º e segs. do CCP.

O actual modelo de contencioso administrativo, deixado de ser centrado no recurso contencioso de anulação, definiu as suas regras de legitimidade em sintonia com o disposto nos artºs 20º e 268º da Constituição, equilibrando o pendor objectivista ou de legalidade estrita, com o pendor subjectivista, acentuando a vertente da tutela dos direitos e dos interesses legalmente protegidos.

No presente procedimento cautelar de formação de contratos, em que o efeito jurídico pretendido pela Requerente consiste o de obter a suspensão dos efeitos emanados de normas procedimentais, in casu, previstas no Programa do Concurso, o conceito de legitimidade encontra-se decalcado do conceito de legitimidade previsto para o meio principal, ou seja, o processo de impugnação de normas regulamentares.

Isto porque quem possuir legitimidade activa para instaurar o meio principal terá igualmente legitimidade para instaurar a providência cautelar adequada a acautelar a utilidade da sentença a proferir nesse processo, atenta a relação de dependência e de instrumentalidade entre os dois processos (cfr. nº 1, do artº 112º do CPTA).

A legitimidade da Requerente será aferida em função da titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido, o qual deverá ser um interesse pessoal (por si próprio) e directo (actual).

In casu, atento o pedido deduzido na presente lide cautelar, de suspensão de eficácia de uma norma administrativa, dependente de uma acção de contencioso pré-contratual, destinada a obter a anulação da norma procedimental e a anulação do procedimento de formação de contrato, é necessário à Requerente alegar e provar, ainda que perfunctoriamente, como é próprio da instância cautelar, a produção de consequências desfavoráveis, em virtude de os efeitos da norma administrativa se projectarem na sua esfera jurídica, isto é, alegar e provar a lesividade decorrente da aplicação da norma administrativa impugnada, nos termos do artº 73º do CPTA.

Compulsando a matéria de facto assente, extrai-se que, tal como alegado pela Entidade Requerida, a Requerente não logrou adquirir as peças do procedimento [cfr. alínea C)].

Porém, resulta provado que tendo sido publicado o anúncio de abertura de concurso em 18/03/2013, nele tendo sido fixado o prazo de 48 dias para a apresentação de proposta, veio a Requerente, em 16/04/2013, ou seja, quando se encontrava ainda a decorrer o prazo para a apresentação das propostas, instaurar a presente providência cautelar [cfr. alíneas A) e E) dos factos assentes].

Será, pois, com base na factualidade supra descrita e ainda decorrente da própria alegação da Requerente, que se aferirá o pressuposto de legitimidade activa.

Ora, perante a factualidade que se encontra apurada em juízo, a demais alegação da Requerente e a interpretação dos normativos de Direito aplicáveis, não se pode acompanhar a fundamentação adoptada na sentença recorrida.

A legitimidade activa no contencioso pré-contratual, onde para este efeito se inclui a presente instância cautelar de formação de contratos, não depende da circunstância de ter sido ou não apresentada proposta ou candidatura no âmbito desse procedimento.

O facto de a Requerente não ter apresentado proposta no âmbito do concurso público em causa, não constitui facto que, de per si, lhe retire legitimidade activa para impugnar as peças do procedimento.

O legislador não erigiu a apresentação de proposta ou de candidatura como um pressuposto processual do contencioso pré-contratual, pelo que, não pode vingar a fundamentação da sentença na parte em que funda a falta de legitimidade activa da Requerente na circunstância de não ter apresentado proposta.

No presente caso, ainda por maioria de razão, por a Requerente ter vindo a juízo, quando o prazo para a apresentação de proposta ao concurso público ainda se encontrar a decorrer, pretendendo com a sua actuação suspender a norma administrativa e o próprio procedimento pré-contratual, evitando que o mesmo prosseguisse a sua tramitação.

No mesmo sentido, de que “(…) o que habilita o acesso a um interessado à justiça administrativa para impugnar normas procedimentais não é o facto de aquele ter apresentado candidatura ou proposta no procedimento pré-contratual, mas sim o facto de ter sido de algum modo lesado pela aprovação e aplicação dessas normas, mesmo sem participar naquele procedimento – até porque a lesão pode precisamente residir no facto de a ilegalidade da norma ter vedado ao interessado essa participação.” – cfr. Marco Caldeira, “Da legitimidade activa no contencioso pré-contratual – em especial, os pedidos impugnatórios baseados na ilegalidade das peças procedimentais”, in Revista do Ministério Público 134, Abril-Junho 2013, pág. 284 e, no mesmo entendimento, Rodrigues Esteves de Oliveira, “O contencioso urgente da contratação pública”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 78, Novembro-Dezembro de 2009, pág. 7.

A ser de outro modo, estar-se-ia a restringir fortemente a possibilidade de acesso à justiça no âmbito dos procedimentos pré-contratuais e, com isso, a pôr em causa as finalidades que presidem aos meios impugnatórios no âmbito dos procedimentos de formação de contratos, cuja fonte normativa primária advém do Direito europeu.

A norma do CPTA que permite a impugnação directa das normas do procedimento pelos interessados, prevista no nº 2 do artº 100º do CPTA, visa proceder à transposição para a ordem nacional da norma contida na alínea b), do nº 1, do artº 2º da Directiva “recursos” (Directiva nº 89/665/CE, do Conselho, de 21 de Dezembro, na redacção da Directiva nº 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007), a qual prevê a possibilidade de “suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras”.

Para tanto, não podem ser criados mecanismos que limitem a tutela contenciosa dos interessados, como se traduziria em fazer depender a legitimidade activa de quem tivesse apresentado proposta ou candidatura no âmbito do procedimento pré-contratual.

Será mesmo a pensar nas situações em que a ilegalidade das peças do procedimento determine a impossibilidade de apresentar proposta ou candidatura ao procedimento pré-contratual que se deve permitir a impugnação contenciosa directa das normas procedimentais.

Nem faria sentido, em face da nossa ordem jurídica, impor uma solução que passasse por ter de ser aguardar pela prática do acto adjudicação para o poder impugnar com fundamento na ilegalidade das normas procedimentais.

Alicerçar-se a falta de legitimidade activa no facto de não ter sido apresentada proposta ao procedimento pré-contratual, seria admitir que apenas aquele que possa vir a ser preterido na adjudicação é titular de um interesse pessoal e directo na respectiva impugnação judicial, designadamente, para efeitos de impugnação das peças procedimentais, o que não se concebe.

A tutela contenciosa no âmbito dos procedimentos pré-contratuais é mais vasta, sendo objectivo das normas legais aplicáveis, que são de influência europeia, assegurar a efectividade dos meios contenciosos ao dispor dos interessados.

Por essa mesma razão admite-se que possa existir uma tutela preventiva ou antecipatória, destinada a evitar as consequências da produção dos efeitos lesivos do acto ou da norma impugnada e destinada a assegurar a utilidade da tutela jurisdicional requerida.

É, por isso, de recusar o entendimento assumido na sentença, de que a legitimidade activa da Requerente e o seu interesse em agir “só existiria se tivesse apresentado proposta e esta tivesse sido preterida”.

Releva antes aferir do benefício directo e pessoal que a Requerente pode retirar do meio processual.

Para isso, em face dos termos da sua alegação em juízo, assente no pedido e na causa de pedir, importa aferir qual a vantagem ou benefício pessoal e directo que a Requerente retirará da eventual procedência do pedido, ou seja, aferir se é titular de um direito ou interesse legítimo, próprio e directo, na impugnação da norma administrativa, que se traduz no seu afastamento no caso concreto.

Consta da fundamentação de Direito da sentença recorrida que a Requerente terá alegado em juízo a seguinte argumentação: que se dedica à gestão integrada, incluindo recolha, transporte e tratamento de variados resíduos, nomeadamente urbanos, hospitalares, industriais, gestão de espaços verdes, limpeza de espaços públicos e prestação de serviços na área do ambiente [al. i)], que não necessitava de participar no procedimento concursal e, muito menos, de adquirir as respectivas peças [al. ii)], que não apresentou proposta, por não ter interesse em participar num procedimento que é constituído por peças ilegais [al. iii)], que tem interesse na prestação de serviços de transporte de resíduos sólidos urbanos das estações de transferência para as instalações da Requerida, desde que o procedimento não se encontre ferido de ilegalidades e que o objecto social da Requerente inclui a prestação deste tipo de serviços [als. iv) e v)] e que pretende a adjudicação dos serviços, desde que o procedimento não seja ilegal [al. vi)].

Porém, tal como sustentado pela Entidade Requerida, a única alegação constante do requerimento inicial donde se possa inferir a legitimidade da Requerente é a que se encontra vertida na citada al. i), referente ao objecto social da Requerente (cfr. artº 19º do requerimento inicial) e nada mais.

O que o Tribunal a quo fez constar nas alíneas ii) a vi) poderá ter sido extraído de alegação contida da petição inicial da acção de contencioso pré-contratual, instaurada juntamente com a providência cautelar, mas não na alegação que consta do requerimento inicial que deu origem à presente lide cautelar, pelo que, é ainda mais reduzida a alegação da Requerente.

Assim, compulsado o teor da alegação constante do requerimento inicial extrai-se que a Requerente se limitou a alegar a ilegalidade do modelo de avaliação de propostas, considerando o tipo de procedimento que foi escolhido pela entidade adjudicante e por referência a cada um dos subfactores do critério de avaliação, defendendo que tal ilegalidade deve determinar a anulação do procedimento no âmbito da acção principal e a sua suspensão no âmbito da presente lide, e nada mais.

Nem por um único momento a Requerente invocou que pretendia concorrer ao concurso, que tinha interesse em concorrer, que a definição do modelo de avaliação das propostas potencia uma desigualdade entre os concorrentes ou que limita a possibilidade de a sua proposta vir a ser adjudicada ou sequer que, em virtude da norma impugnada, ficou privada ou limitada quanto à possibilidade de concorrer ou que fique prejudicada em virtude da norma administrativa impugnada.

Na sua alegação a Requerente nada refere pelo qual se possa apurar a influência da norma administrativa sobre a sua posição no âmbito do procedimento pré-contratual, designadamente, quanto aos efeitos lesivos que a norma administrativa acarreta na sua esfera jurídica.

Assim, o que decorre é que a alegação da Requerente assume um pendor exclusivamente objectivo ou de estrita legalidade, pretendendo impugnar a norma administrativa, mas sem nada invocar quanto à lesão dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos em consequência da norma administrativa impugnada.

Por outras palavras, a Requerente não oferece a alegação mínima que permita caracterizar o seu interesse directo e pessoal na impugnação da norma administrativa.

A única circunstância pessoal que invoca, que diga respeito à sua situação jurídica subjectiva, prende-se com a indicação do seu objecto social ou a sua área de negócio, coincidente com o objecto da prestação dos serviços do concurso público em causa e nada mais, por mais nada ser alegado.

Pelo que, não se mostra caracterizado, sequer de forma perfunctória, qual o interesse pessoal e directo que assiste à Requerente com a impugnação da norma administrativa e com o pedido da sua suspensão de eficácia.

Compreende-se que esse interesse até possa existir, em virtude do objecto social da Requerente, mas não foi alegado em juízo, como se impunha, pelo que, não se sabe em que termos ou de modo a norma impugnada pode afectar a posição jurídica da Requerente.

A Requerente que não apresentou proposta, não disse que sem a norma impugnada teria apresentado proposta ou que foi a norma impugnada que foi a causa da sua não apresentação a concurso, não permite que se conheça se a norma administrativa pode (se é que pode) afectar a sua esfera jurídica.

Assim, embora como princípio não seja de denegar legitimidade activa a um interessado que se proponha impugnar uma norma do procedimento pré-contratual com fundamento na sua ilegalidade, o certo é que, no caso concreto, perante a total ausência de alegação de facto e/ou de Direito da Requerente de onde resulte o seu interesse nessa pretensão, não poderá ser outra a decisão a proferir.

Não se mostra alegado de que forma a norma impugnada pode causar um prejuízo directo à Requerente ou que a mesma possa ser pessoalmente prejudicada com a manutenção de tal norma administrativa, pelo que, é de recusar que a mesma tenha um legítimo interesse na suspensão da norma, recusando-se que seja titular de um interesse directo e pessoal na dedução do pedido cautelar, faltando-lhe legitimidade para vir a juízo.

Não obstante o procedimento pré-contratual se encontrar submetido à disciplina do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo D.L. nº 18/2008, de 29/01, por isso, sob forte influência do direito europeu e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e de em respeito do princípio da autonomia processual dos Estados membros, o Tribunal de Justiça não ter estabelecido critérios com base nos quais se deve proceder à delimitação dos sujeitos dotados de legitimidade activa/passiva a invocar os seus direitos perante as autoridades judiciárias nacionais, pode descortinar-se da jurisprudência desse órgão uma tendência para o reconhecimento de um conceito aberto e amplo de legitimidade.

Embora aquele Tribunal considere “suficiente, para fundar o direito de acesso dos particulares aos tribunais, a constatação de uma simples situação de vantagem de facto adveniente do Direito comunitário, independentemente da sua diferenciação face a outras situações”, o que tem na base o entendimento de que, quanto maior for o número de pessoas habilitadas a agir judicialmente, assim será maior o controlo da aplicação e da efectividade do direito europeu, no caso concreto, não se poderá entender de outro modo, em virtude da falta de caracterização mínima do interesse subjacente ao pedido (cfr. Ana Gouveia Martins, “A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo – Em especial, nos procedimentos de formação dos contratos”, Coimbra Editora, 2005, pág. 366).

Não é possível estabelecer uma ligação entre a norma administrativa e a lesão da posição jurídica subjectiva da Requerente, ou seja, a relação de causalidade entre a norma alegadamente lesiva e o prejuízo, que de resto, não foi alegado, nem é possível extrair a actualidade do interesse, em termos de o mesmo se repercutir imediatamente na esfera jurídica da interessada e não apenas de forma eventual.

Acolhendo a posição doutrinária, “Não basta, pois, alegar que as normas ou os actos jurídicos são ilegais, sendo ainda preciso estabelecer, mesmo que sumariamente, um nexo causal entre essa ilegalidade, a lesão invocada pelo autor e a tutela reclamada para essa mesma lesão.”, Marco Caldeira, obra citada, pág. 282.

Outra interpretação, no caso concreto, traduzir-se na erradicação do conceito de legitimidade activa do nosso ordenamento jurídico, o que não é de conceder.

Em suma, não se aceita que o interesse pessoal e directo coincida com qualquer tutela abstracta da legalidade.

Pelo que, em face de todo o exposto será de negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, embora sob diferente fundamentação.


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2. Do efeito do presente recurso jurisdicional

A Recorrente veio requerer que seja atribuído o efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do artº 143º, nº 2 do CPTA, mantendo-se a suspensão imposta pelo artº 128º, nº 1 do citado Código.

Porém, é esse o efeito previsto na lei, nos termos do disposto no nº 2 do artº 143º do CPTA.

Não obstante o legislador, no nº 1 do artº 143º do CPTA, ter atribuído o efeito suspensivo regra ao recurso jurisdicional, no nº 2 do mesmo preceito previu situações a que foi atribuído diferente efeito, o efeito meramente devolutivo, designadamente, aos recursos interpostos de decisões proferidas no âmbito de processos cautelares.

Quando o legislador se referiu a “decisões respeitantes à adopção de providências cautelares”, pretendeu abranger todas as decisões proferidas no âmbito de tal forma de processo e, por isso, quer quando se adopte, quer quando se rejeite, a providência cautelar concretamente requerida.

No mesmo sentido, vide, de entre outros, os Acórdãos deste Tribunal, de 14/4/2005, proc. nº 618/05, de 11/6/2007, proc. nº 2167/06, de 30/11/2011, proc. 08023/11 e de 02/02/2012, proc. nº 08367/11.

Porque o presente recurso é interposto de uma sentença proferida no âmbito de uma providência cautelar, a norma aplicável é a do nº 2 do referido artº 143º do CPTA, pelo que, o efeito do recurso é o meramente devolutivo, tal como bem fixou o Tribunal a quo no despacho de admissão do recurso, em 12/04/2013 (cfr. fls. 236).

Pelo exposto, será de manter o efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso.


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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. É em função da concreta relação material controvertida configurada na instância, assente no pedido e na causa de pedir, que se aferirá o pressuposto processual de legitimidade activa.

II. Quem possuir legitimidade activa para instaurar o meio principal terá legitimidade para instaurar a providência cautelar adequada a acautelar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, atenta a relação de dependência e de instrumentalidade entre os dois processos (cfr. nº 1, do artº 112º do CPTA).

III. A legitimidade da Requerente será aferida em função da titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido, o qual deverá ser pessoal (por si próprio) e directo (actual).

IV. Sendo pedida a suspensão de eficácia de uma norma administrativa, a qual se encontra dependente de uma acção de contencioso pré-contratual destinada a obter a anulação da norma procedimental e a anulação do procedimento de formação de contrato, é necessário à Requerente alegar e provar, ainda que perfunctoriamente, como é próprio da instância cautelar, a produção de consequências desfavoráveis, em virtude de os efeitos da norma administrativa se projectarem na sua esfera jurídica, isto é, alegar e provar a lesividade decorrente da aplicação da norma, nos termos do artº 73º do CPTA.

V. A legitimidade activa no contencioso pré-contratual, onde se inclui a presente instância cautelar de formação de contratos, não depende da circunstância de ter sido ou não apresentada proposta ou candidatura no âmbito desse procedimento.

VI. O facto de a Requerente não ter apresentado proposta no âmbito do concurso público em causa, não constitui facto que, de per si, retire legitimidade activa para impugnar as peças do procedimento.

VII. Não tendo a Requerente invocado que pretendia concorrer ao concurso ou que tinha interesse em concorrer, nem que a norma administrativa suspendenda, que define o modelo de avaliação das propostas, potencia uma desigualdade entre os concorrentes ou que limita a possibilidade de a sua proposta caso fosse apresentada viesse a ser adjudicada ou sequer que, em virtude da norma impugnada, ficou privada ou limitada quanto à possibilidade de concorrer ou ainda, que tenha sido prejudicada em virtude da norma administrativa impugnada, não existe uma alegação mínima que permita apurar a influência da norma administrativa sobre a posição da Requerente no âmbito do concreto procedimento pré-contratual, designadamente, quanto aos efeitos lesivos que a norma administrativa é apta a acarretar na sua esfera jurídica.

VIII. Desse modo, não oferece a Requerente a alegação mínima que permita caracterizar o seu interesse pessoal e directo na impugnação da norma administrativa,

IX. Não se aceita que o interesse pessoal e directo coincida com qualquer tutela abstracta da legalidade.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica, embora sob diferente fundamentação e em manter o efeito atribuído ao recurso.

Custas pela recorrente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Maria Cristina Gallego Santos)


(António Paulo Vasconcelos)