Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:508/04.9BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:FACTOS CONTRADITÓRIOS - RIT
IRS – CUSTOS – PROVA
Sumário:I – A contradição implica a existência de uma colisão entre a matéria de facto constante de uma das respostas e a matéria de facto constante de outra das respostas ou então com a factualidade provada, no seu conjunto, de tal modo que uma delas seja o contrário da outra. No caso concreto, o facto do Tribunal a quo levar ao probatório o Relatório de Inspecção significa que o que deu como provado foi, tão só, a existência do Relatório de Inspecção com um concreto conteúdo, que no caso, fora impugnado em sede de petição inicial.
II - Não tendo o recorrente conseguido provar que os serviços alegadamente contratados foram efectuados, nem que o contrato de empreitada em causa consigna declarações negociais que se concretizaram, temos que ter por boa a tese da AT que afasta a presunção da verdade das declarações do contribuinte, prevista no art. 75º da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A….., melhor identificado nos autos, deduziu IMPUGNAÇÃO judicial contra a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, no valor de €133.441,32, relativa ao exercício de 1999, na sequência do indeferimento parcial de reclamação graciosa interposta contra o mesmo acto.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, por decisão de 30 de Abril de 2014, julgou improcedente a impugnação.

Inconformado, A….., veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A) - A douta sentença recorrida enferma dum incorreto julgamento da matéria de fato, na medida em que entre os fatos provados concorrem fatos que são contraditórios entre si.
B) - Assim, no fato provado sob a alínea d) da matéria provada consta a transcrição de parte do relatório de inspeção em cujo respetivo texto, mais concretamente na fl. 5 da douta sentença recorrida, está escrito o seguinte: "Nestes termos e conforme previsto nos n° 8 e 9 da Circ. 5/90, de 17.01 não deverão ser considerados custos diferidos o montante de 107.460 contos ...”
C) - Por sua vez nos fatos provados sob as alíneas f), g) e i) é aceite o custo de 107.640 contos e relativo ao contrato de empreitada datado de 21 de Outubro de 1999.
D) - Ora existindo contradição entre os fatos provados na douta sentença recorrida há que indagar e avaliar quais os fatos provados que poderão fazer parte da douta sentença de modo a que deixe de existir a referida contradição entre os fatos provados.
E) - Tal como já se referiu supra, o fato provado sob a alínea d) reconduz-se a uma transcrição parcial do relatório de inspeção no que ao referido custo de 107.640 contos diz respeito, de modo que a não aceitação do referido custo resulta dos próprios motivos contidos na citada transcrição parcial do texto do relatório.
F) - Contudo, os motivos contidos no texto transcrito do relatório que determinam a não aceitação do referido custo de 107.640 contos não são suficientes para pôr em causa a dedutibilidade do custo deferido na quantia de 107.640 contos.
G) - Do texto da licença de utilização emitida pela Câmara de Pinhel, em 7 de Julho de 1999 resulta que não foi efetuada qualquer vistoria pela Câmara de Pinhel pelo que não tendo havendo vistoria do prédio antes da emissão da licença de utilização, não pode pôr-se em causa o depoimento das testemunhas segundo as quais foram efetuados diversos trabalhos após a emissão da licença de utilização.
H) - Da entrega da modelo 129 dando como concluído o prédio e da celebração da escritura de propriedade horizontal na qual consta a descrição das diversas frações autónomas também não pode concluir-se que em 10 e 11 de Dezembro de 1998 se encontrasse concluído o respetivo prédio pois tal como resulta do próprio texto do relatório, durante o primeiro trimestre de 1999 foram suportadas obras no montante de 6.264.628$00 relativamente às quais a Autoridade Tributária não colocou quaisquer reservas nem suscitou qualquer dúvida.
I) - Ora a comprovação de tais obras durante o primeiro trimestre de 1999 põe em causa a conclusão segundo a qual em 10 e 11 de Dezembro de 1998 o prédio se encontrava concluído.
J) - Da fl. 5 do relatório de inspeção consta o mapa com apuramento dos produtos acabados corrigidos no qual consta que em 1999 apenas foram vendidas todas as frações do 1° e 4° andar pelo que não pode afirmar-se que o custo das obras suportados por força do contrato de empreitada de 21 de Outubro de 1999 apenas pudessem ser imputadas à cave e ao sótão por estes serem os únicos pisos dos quais não existia qualquer venda formalizada em 1999.
L) - A AT não carreou para o processo dados objetivos que ponham em causa o referido contrato, de modo a poder conclui-se pela sua exclusão como custo da atividade do recorrente nomeadamente porque, durante o procedimento inspetivo, que ocorreu entre Fevereiro e Março de 2001, os Serviços de Inspeção verificaram e confirmaram que o prédio designado por E….. não estava concluído em 1998.
M) - Ora, se os próprios serviços verificaram em Fevereiro / Março de 2001 que o prédio não estava concluído não podiam concluir que as obras a que se reporta o contrato de empreitada não existiram ou não foram efetuadas.
N) - Em qualquer dos casos, na eventual hipótese dos Serviços de Inspeção terem tido dúvidas sobre o montante dos custos e tendo em conta a existência de relações especiais entre o recorrente e a firma B….., Lda, deveriam ter descrito e demonstrado quais as obras em falta e o respetivo custo e com base nesses dados aplicariam então o regime das relações especiais consignado no CIRC.
O) - Pelo contrário, a opção adotada pelos Serviços de Inspeção em ter excluído a totalidade dos custos associados ao contrato de empreitada, embora conhecendo e reconhecendo em Fevereiro e Março de 2001 que o prédio não estava concluído, incorreram numa violação do regime das relações especiais, o que torna ilegal a exclusão do custo associado ao contrato de empreitada.
O) - De tudo exposto conclui-se que os motivos contidos no texto do relatório transcrito no fato provado na alínea d) da matéria provada não permitem retirar dos custos da contabilidade do recorrente os custos relativos ao contrato de empreitada, datado de 21 de Outubro de 1999 pelo que, não sendo suficientes os motivos invocados no texto do relatório de inspeção para não aceitar o custo relacionado com a empreitada do referido contrato, conclui-se que terá de ser retirado da matéria provada o fato provado constante da alínea d) da douta sentença recorrida.
P) - A douta decisão recorrida incorreu numa inadequada e incorreta aplicação do n° 1 do artigo 75 da LGT.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, anulando-se a liquidação de IRS relativa a 1999.»
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A recorrida, FAZENDA PÚBLICA, veio apresentar as suas contra-alegações, tendo nas suas conclusões pugnado pela manutenção do julgado.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso não merecerá provimento.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são:
- saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto;
- saber se o recorrente conseguiu provar que os serviços contratados foram efectuados, e que o contrato de empreitada em causa consigna declarações negociais que se concretizaram, de forma a inverter a decisão da AT de não considerar o custo de 107.640.000$00, no exercício de 1999.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«a) Com data de 22/09/2001 foi emitida liquidação de IRS relativa ao ora impugnante, considerando um valor de rendimento global de 89.339.583$, e calculado um valor a pagar de 26.752.582$00 (cfr. documento de fls. 11 dos autos);

b) Na mesma nota de liquidação lê-se na linha rendimento colectável - 88.280.319800 (cfr. documento de fls. 11 dos autos);

c) Entre 13/02/2001 e 30/03/2001 foi levada a cabo inspecção à contabilidade do ora impugnante (cfr. ponto 2.1 do relatório de inspecção, a fls. 14 dos autos);
d) Do relatório de inspecção lê-se “III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável” (cfr. fls. 17 a 24 dos autos):








e) A 26/06/2001 foi proferido despacho pelo Director de Finanças, por delegação, onde se lê “Nos termos do artigo 66.°, n.°4 do Cód. De IRS procedo, tendo por fundamento o que consta do relatório infra de inspecção tributária, a alteração de alguns elementos declarados pelo sujeito passivo abaixo identificado [impugnante] nas suas declarações mod. 2 de IRS de 1998 e 1999, por forma a que os seus rendimentos líquidos totais passam a ser:

-1998: 20.736.802100;

-1999 — 88.280319$00, como tudo melhor se poderá verificar pelos impressos mod. DGCI, [ilegível] juntos.”

f) Com data de 21/10/1999, foi assinado documento que as partes epigrafaram de “Contato de empreitada”, assumindo naquele o ora impugnante a posição de dono de obra e primeiro outorgante, e a sociedade B….., Lda., a posição de empreiteiro e segunda outorgante, e onde se deixou escrito:

“O segundo outorgante obriga-se a executar, no âmbito desta empreitada todos os trabalhos de acabamento do E….. até à sua conclusão (...).

Ambos os outorgantes acordam que o prazo dos trabalhos é de 12 meses a partir da data de assinatura do presente contrato (...)

[O] valor total da empreitada (..) é de 92.000.000$00 (...) acrescidos de IVA a taxa legal em vigor e os pagamento serão feitos mediante o andamento dos trabalhos.

g) A 05/02/2001 foi emitida ao impugnante a factura pela sociedade B….. Lda. NIF ….., no valor de 46.000.000$00, aos quais acrescem IVA no valor de 7.820.000$00, relativa a “construções do prédio E….. 50% dos trabalhos do contrato de 21/10/1999” (cfr. cópia de factura a fls. 31 dos autos);

h) A 10/05/2002 foi entregue na Repartição de Finanças de Pinhel garantia bancária n.° ….., até ao limite de 177.292,55 euros, como garantia do cumprimento da quantia exequenda, juros e acréscimos legais, referentes ao Processo de execução fiscal n.° ….., relativa a IRS de 1999 (cfr. documento de fls. 46 dos autos);

i) A B….., Lda. levou a cabo serviços na obra do “E…..” desde 1998 a 2002 (cfr. depoimento das testemunhas do impugnante);


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Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.

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Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas, conforme indicado em cada alínea do probatório.

No que respeita às testemunhas, importa referir que o seu depoimento foi genérico, não identificando cada obra em que intervieram, onde é que a mesma se realizou, em que fracção, e em que data tal aconteceu, ficando provado que a construtora B….., Lda. já laborava no E….. pelo menos desde 1998, momento assim anterior ao da alegada assinatura do contrato, o que não permite assim concluir que as obras levadas a cabo por esta tenham afinal relação com o mesmo.»


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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou improcedente a presente impugnação, mantendo o acto impugnado, «(…) porque não foi possível concluir por este Tribunal que os serviços alegadamente contratados foram de facto levados a cabo enquanto “empreitada de acabamento”, e bem assim que o documento “contrato de empreitada” consigna declarações negociais que vieram a concretizar-se, sendo que a AT conseguiu construir uma tese que se tem por apta a afastar a presunção da verdade das declarações do contribuinte, aqui impugnante, impõe-se improceder a presente impugnação.»

Inconformado, o impugnante veio interpor recurso da referida decisão invocando [conclusões A) a D)] que A douta sentença recorrida enferma dum incorreto julgamento da matéria de fato, na medida em que entre os fatos provados concorrem fatos que são contraditórios entre si. Assim, no fato provado sob a alínea d) da matéria provada consta a transcrição de parte do relatório de inspeção em cujo respetivo texto, mais concretamente na fl. 5 da douta sentença recorrida, está escrito o seguinte: "Nestes termos e conforme previsto nos n° 8 e 9 da Circ. 5/90, de 17.01 não deverão ser considerados custos diferidos o montante de 107.460 contos ...” Por sua vez nos fatos provados sob as alíneas f), g) e i) é aceite o custo de 107.640 contos e relativo ao contrato de empreitada datado de 21 de Outubro de 1999. Ora existindo contradição entre os fatos provados na douta sentença recorrida há que indagar e avaliar quais os fatos provados que poderão fazer parte da douta sentença de modo a que deixe de existir a referida contradição entre os fatos provados.

Vejamos.
Segundo julgamos perceber, vem o recorrente invocar erro de julgamento da matéria de facto alegando que entre os factos provados concorrem factos contraditórios entre si.
Ora, o facto constante na alínea D) do probatório - que o recorrente entende estar em contradição com os factos constantes nas alíneas F) G) e I) –, como o próprio recorrente reconhece, reconduz-se a uma transcrição parcial do Relatório de Inspecção, mais concretamente, ao capítulo «III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável».
Ora, a contradição implica a existência de uma colisão entre a matéria de facto constante de uma das respostas e a matéria de facto constante de outra das respostas ou então com a factualidade provada, no seu conjunto, de tal modo que uma delas seja o contrário da outra.
No caso concreto, o facto do Tribunal a quo levar ao probatório o Relatório de Inspecção significa que o que deu como provado na al. D) do mesmo foi, tão só, a existência do Relatório de Inspecção com um concreto conteúdo, que no caso, fora impugnado em sede de petição inicial.
Deste modo, forçoso é concluir que não existe qualquer contradição entre os factos provados, devendo os mesmos manterem-se na íntegra.
Aliás, como se verá mais adiante, o que o recorrente pretende não é demonstrar qualquer contradição entre os referidos factos, mas sim mostrar a sua discordância com o conteúdo do Relatório de Inspecção, como facilmente se vislumbra na conclusão de recurso O) onde escreveu De tudo exposto conclui-se que os motivos contidos no texto do relatório transcrito no fato provado na alínea d) da matéria provada não permitem retirar dos custos da contabilidade do recorrente os custos relativos ao contrato de empreitada, datado de 21 de Outubro de 1999 pelo que, não sendo suficientes os motivos invocados no texto do relatório de inspeção para não aceitar o custo relacionado com a empreitada do referido contrato, conclui-se que terá de ser retirado da matéria provada o fato provado constante da alínea d) da douta sentença recorrida.

Prosseguindo.
Conforme consta na sentença recorrida «No caso sub judice a AT levou a cabo uma inspecção ao sujeito passivo, chegando à conclusão de ter o impugnante contabilizado como custo a totalidade do valor de um contrato assinado tendo como contraparte uma sociedade da qual detém com os seus familiares a maioria do capital social, tendo como objecto a realização de empreitadas de acabamentos no designado E…... Como se viu já a AT ataca o valor do contrato, afirmando que o mesmo é excessivo para os acabamentos que na sua óptica se mostram em falta, em virtude do prédio já se encontrar terminado.»

Nas conclusões de recurso F) a M) o recorrente vem alegar que Contudo, os motivos contidos no texto transcrito do relatório que determinam a não aceitação do referido custo de 107.640 contos não são suficientes para pôr em causa a dedutibilidade do custo deferido na quantia de 107.640 contos. Do texto da licença de utilização emitida pela Câmara de Pinhel, em 7 de Julho de 1999 resulta que não foi efetuada qualquer vistoria pela Câmara de Pinhel pelo que não tendo havendo vistoria do prédio antes da emissão da licença de utilização, não pode pôr-se em causa o depoimento das testemunhas segundo as quais foram efetuados diversos trabalhos após a emissão da licença de utilização. Da entrega da modelo 129 dando como concluído o prédio e da celebração da escritura de propriedade horizontal na qual consta a descrição das diversas frações autónomas também não pode concluir-se que em 10 e 11 de Dezembro de 1998 se encontrasse concluído o respetivo prédio pois tal como resulta do próprio texto do relatório, durante o primeiro trimestre de 1999 foram suportadas obras no montante de 6.264.628$00 relativamente às quais a Autoridade Tributária não colocou quaisquer reservas nem suscitou qualquer dúvida. Ora a comprovação de tais obras durante o primeiro trimestre de 1999 põe em causa a conclusão segundo a qual em 10 e 11 de Dezembro de 1998 o prédio se encontrava concluído. Da fl. 5 do relatório de inspeção consta o mapa com apuramento dos produtos acabados corrigidos no qual consta que em 1999 apenas foram vendidas todas as frações do 1° e 4° andar pelo que não pode afirmar-se que o custo das obras suportados por força do contrato de empreitada de 21 de Outubro de 1999 apenas pudessem ser imputadas à cave e ao sótão por estes serem os únicos pisos dos quais não existia qualquer venda formalizada em 1999. A AT não carreou para o processo dados objetivos que ponham em causa o referido contrato, de modo a poder conclui-se pela sua exclusão como custo da atividade do recorrente nomeadamente porque, durante o procedimento inspetivo, que ocorreu entre Fevereiro e Março de 2001, os Serviços de Inspeção verificaram e confirmaram que o prédio designado por E….. não estava concluído em 1998. Ora, se os próprios serviços verificaram em Fevereiro / Março de 2001 que o prédio não estava concluído não podiam concluir que as obras a que se reporta o contrato de empreitada não existiram ou não foram efetuadas.

Vemos, assim, que o recorrente invoca que os motivos contidos no texto transcrito do relatório que determinam a não aceitação do referido custo de 107.640 contos não são suficientes para pôr em causa a dedutibilidade do custo deferido na quantia de 107.640 contos.
Importa, pois, apreciar se os motivos constantes do relatório de inspecção, são aptos e suficientes para suportar a decisão da AT de não considerar o custo de 107.640.000$00 no exercício de 1999, tal como se decidiu na sentença recorrida.
Dissequemos os argumentos do recorrente.

Em primeiro lugar, entende o recorrente que não foi efectuada qualquer vistoria pela Câmara Municipal de Pinhel pelo que não pode pôr-se em causa o depoimento das testemunhas segundo as quais foram efectuados diversos trabalhos após a emissão da licença de utilização.
Este argumento da falta de vistoria é totalmente novo e contraria o que o recorrente escreveu no art. 21º da p.i. e que se passa a citar: «Assim, à data da vistoria do prédio em 23-11-98 o mesmo não estava concluído.»
Constatamos, assim, que não só a referida vistoria existiu como foi expressamente admitida pelo impugnante na sua petição inicial, pelo que nenhuma razão lhe assiste no que agora alega em sede de recurso.
Mas ainda que assim não fosse, e quanto ao depoimento das testemunhas, sempre diremos que vigora o princípio da livre apreciação da prova.
«Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.»(1)

Escreveu-se na sentença recorrida, o seguinte:
«E na verdade o impugnante não coloca em causa nenhum dos factos indiciários que a AT carreou para concluir como concluiu, isto é, não impugna o impugnante os factos relativos à inscrição do prédio na matriz, nem a venda de várias fracções, nem o facto de já terem sido emitidas, à data do contrato de empreitada, as licenças de habitação. O que o impugnante repudia é a conclusão que a AT tira desses factos, nomeadamente, que pelos mesmos se possa concluir que não havia já acabamentos para levar a cabo nas fracções vendidas e em relação às quais haviam já sido passados as respectivas licenças de habitabilidade.»

O excerto da sentença acabado de transcrever leva-nos ao segundo argumento do recorrente que pretende demonstrar que em 10 e 11 de Dezembro de 1998 o prédio não se encontrava concluído.
Ora, no Relatório de Inspecção embora se considere o prédio concluído em 10/12/98 - pois até já tinham sido vendidas e entregues aos clientes diversas fracções desde o r/c ao 5º andar –, reconhece-se que haveria ainda algumas obras a realizar na cave (reboco interior das garagens) e no sótão (melhoramentos).
Assim, e tal como se escreveu na sentença recorrida «(…) importa referir que tais factos, ainda que verdadeiros não se opõem às conclusões da AT, que se referem às obras nas fracções destinadas a habitação, concordando que a cave se encontrava ainda há data da visita, no ano de 2001, por terminar. E quanto à venda da última fracção no sótão, como é evidente, e assim o alega a FP, o facto da mesma ter sido apenas vendida em 2002 não significa que não estivesse já terminada.»
Em abono da sua alegação deveria o recorrente ter identificado as obras de acabamentos contratadas e efectuadas, trazendo, assim aos autos os elementos de prova necessários a contrariar as conclusões tiradas pela AT no relatório de inspecção, o que não fez.
Isto porque, ao contrário do que o recorrente alega, cabia ao mesmo provar que a AT não tinha razão quando excluiu o referido custo de actividade.
Não existindo qualquer documento que ateste ou confirme que tenham sido incorporados ou executados quaisquer trabalhos no edifício em causa, no exercício de 1999, e relativos ao contrato referido na alínea F) do probatório, não é possível concluir que os serviços alegadamente contratados foram de facto efectuados enquanto “empreitada de acabamento”, bem como, que o documento “contrato de empreitada” consigna declarações negociais que se concretizaram.

Por último, vem o recorrente alegar [conclusões de recurso N) e O)] que Em qualquer dos casos, na eventual hipótese dos Serviços de Inspeção terem tido dúvidas sobre o montante dos custos e tendo em conta a existência de relações especiais entre o recorrente e a firma B….., Lda, deveriam ter descrito e demonstrado quais as obras em falta e o respetivo custo e com base nesses dados aplicariam então o regime das relações especiais consignado no CIRC. Pelo contrário, a opção adotada pelos Serviços de Inspeção em ter excluído a totalidade dos custos associados ao contrato de empreitada, embora conhecendo e reconhecendo em Fevereiro e Março de 2001 que o prédio não estava concluído, incorreram numa violação do regime das relações especiais, o que torna ilegal a exclusão do custo associado ao contrato de empreitada.

Vem, assim, o recorrente invocar a violação do regime das relações especiais consignado no CIRC.
Ora tal questão é uma questão nova, nunca invocada na petição inicial, e como tal, não apreciada e decidida na sentença recorrida.
«Os recursos jurisdicionais são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, pelo que, em regra, neles não se podem conhecer questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo se forem de conhecimento oficioso.»(2)
Deste modo, não se tratando - a violação do regime das relações especiais - de questão de conhecimento oficioso, e tratando-se de questão nova, encontra-se fora do âmbito do presente recurso.
Ainda assim, e por outro lado, não se desconhece que no RIT consta que «(…) conclui-se que o contrato de empreitada de 21.10.99 com a B….. mais não serviu do que para dar “côr” e imagem de credibilidade à operação, mas que não tem bases que a sustente, porquanto não existe um documento complementar ou caderno de encargos com a especificação e quantificação dos trabalhos a efectuar. Sabendo-se que a B….., Lda. é participada exclusivamente pelo próprio s.p. e pelos seus familiares e onde aquele tem o domínio do capital, fácil é de compreender o estabelecimento de relações especiais entre o s.p. e aquela empresa, (…)»
Ora, de todo o conteúdo se percebe e retira que a expressão “relações especiais” não foi utilizada para efeitos de correcção de custos, nem foi convocado o regime das relações especiais consignado no CIRC, mas foi apenas utilizado como mais um elemento indiciário para mostrar que, a proximidade relacional das partes, é mais um indicador de que os custos, o contrato, aquelas obras não tiveram lugar, nos termos declarados.
E tanto assim é, que só agora, em sede de recurso, o recorrente vem invocar a violação do regime das relações especiais consignado no CIRC que, como já vimos, se encontra fora do âmbito do recurso.

Em conclusão, não tendo o recorrente conseguido provar que os serviços alegadamente contratados foram efectuados, nem que o contrato de empreitada em causa consigna declarações negociais que se concretizaram, temos que ter por boa a tese da AT que afasta a presunção da verdade das declarações do contribuinte, prevista no art. 75º da LGT, conforme já decidido na sentença recorrida que se terá de manter na ordem jurídica.

Termos em que improcede na totalidade o presente recurso.

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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.


Lisboa, 19 de Novembro de 2020


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[Lurdes Toscano]


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[Maria Cardoso]


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[Catarina Almeida e Sousa]

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(1) Acórdão do TCAS de 25/06/2019, Proc. 2459/14.0BESNT, disponível em www.dgsi.pt
(2) Acórdão do STA de 20/06/2018, Proc. 01435/17, disponível em www.dgsi.pt