Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1504/21.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:PRESCRIÇÃO, NULIDADE DA CITAÇÃO
Sumário:A nulidade da citação por não terem sido observadas as formalidades legais, não obsta ao efeito interruptivo da citação, face ao disposto no art. 323.º, n.º 3, do Código Civil.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

C…, veio interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a reclamação por si deduzida, contra o ato de indeferimento do pedido de prescrição de dívidas em execução fiscal, praticado pelo órgão de execução fiscal do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS,IP), no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs 1…, 1… e 1… relativas a Contribuição de Trabalhador Independente, no valor total de € 12.224,97.

Subiram os autos ao Supremo Tribunal Administrativo que, em sessão de julgamento de 16 de dezembro de 2021, declarou a exceção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da hierarquia, sendo competente para esse efeito a Seção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido.

A Recorrente, veio recorrer contra a referida decisão de 1.ª instância, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«I - Por sentença de 15.09.2021 o Tribunal a quo decidiu que as dívidas exequendas dos Processos de Execução Fiscal autuados sob os n.ºs 1…, 1…e 1… relativas a Contribuição de Trabalhador Independente não se encontram prescritas

II - Decidiu o Tribunal a quo que ao abrigo da lei antiga (art. 63.º, n.º 3 das Bases Gerais do Sistema de Solidariedade e de Segurança Social) ou da lei nova (art. 187.º, n.º 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social), a contagem do prazo de prescrição podia e pode ser objeto de interrupção, sendo causa interruptiva da contagem do mesmo qualquer diligência administrativa que tenha em vista a cobrança da divida e que seja realizada com conhecimento do responsável do seu pagamento

III - Para o Tribunal a quo as primeiras diligências administrativas tendentes à cobrança das Contribuições de Trabalhador Independente subjacentes às dividas em execução fiscal que se mostram efetuadas na esfera jurídica da Reclamante e com o seu conhecimento foram as citações pessoais, por via postal, para os termos de cada um dos PEF em concreto:

a) no PEF n.º 1…a citação pessoal da Reclamante, por via postal, para os termos do PEF ocorrida em 01.11.2009

b) no PEF n.º 1… a citação pessoal da Reclamante, por via postal, para os termos do PEF ocorrida em 04.11.2013

c) no PEF n.º 1… a citação pessoal da Reclamante, por via postal, para os termos do PEF ocorrida em 02.04.2015

IV - e daí decorre, no entendimento do Tribunal a quo, que em qualquer dos PEF, a citação pessoal, por via postal, da Reclamante foi sempre concretizada antes de decorrido o prazo de prescrição de 5 anos de qualquer das subjacentes dividas

V - Já a Recorrente partilha o entendimento do M.P. vertido no parecer 208/2021 que consta dos autos e dá aqui por reproduzido, e acrescenta….

VI- Só depois da informação prestada pelo Recorrido, nos presentes autos, a Recorrente soube que as três citações foram sempre recebidas por um tal “L…”

VII - Aquando da sua reclamação judicial a agora Recorrente alegou que “não tem conhecimento de alguma vez ter sido citada e ou notificada quanto a algum dos processos supra identificados, nem nas datas apontadas pelo IGFSS nem em quaisquer outras” (vd. 9.º e V das conclusões) e cabia ao IGFSS provar que deu cumprimento ao disposto nos termos dos art.s 188.º e seguintes do CPPT, ou seja, que efetivamente citou a Reclamante em relação a cada um dos referidos processos executivos

VIII - Para boa apreciação do objeto do recurso:

i) o PEF n.º 1…respeita aos períodos contributivos de 2004/12 a 2005/04, 2006/01 a 2007/08 num total de € 4.462,58, ou seja, € 3.131,70 acrescidos de juros de mora e custas

b) no PEF n.º 1… respeita aos períodos contributivos de 2011/11 a 2012/09 num total de € 3.177,09 ou seja, € 2.233,56 acrescidos de juros de mora e custas

c) no PEF n.º 1… respeita aos períodos contributivos de 2010/03 a 2010/07, 2011/01 a 2013/01 num total de € 4.585,30 ou seja, € 3.218,29 acrescidos de juros de mora e custas

IX - Nos termos do art. 188.º do CPPT, uma vez instaurada a execução, mediante despacho a lavrar no ou nos respetivos títulos executivos ou em relação destes, no prazo de 24 horas após o recebimento e efetuado o competente registo, o órgão da execução fiscal ordenará a citação do executado.

X - Nos termos do n.º 1 do art. 189.º do CPPT a citação comunica ao devedor os prazos para oposição à execução e para requerer a dação em pagamento, e que o pedido de pagamento em prestações pode ser requerido até à marcação da venda.

XI- Quanto às formalidades das citações ordena o art. 190.º do CPPT que contenham os elementos previstos nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 163.º do Código ou, em alternativa, ser acompanhada de cópia do título executivo, além de que a citação é sempre acompanhada da nota indicativa do prazo para oposição, ou para dação em pagamento, bem como da indicação de que, nos casos referidos no artigo 169.º e no artigo 52.º da lei geral tributária, a suspensão da execução e a regularização da situação tributária dependem da efectiva existência de garantia idónea, cujo valor deve constar da citação, ou em alternativa da obtenção de autorização da sua dispensa.

XII - De acordo com o art. 191.º do CPPT, à data de cada uma das citações postais (01.11.2009; 04.11.2013 e 02.04.2015), de acordo com a lei em vigor na altura, em todos os processos de execução fiscal da Recorrente a citação deveria ter sido feita mediante simples postal.

XIII - O que não aconteceu assim, mas antes por intermédio de carta registada com aviso de receção.

XIV - Tendo o Recorrido optado por outra forma de citação (carta registada com aviso de receção), deveriam ter sido observadas as regras do Código de Processo Civil como sempre dispôs o art. 192.º do CPPT.

XV - Nos termos do art. 225.º do CPC, a citação pessoal pode ser feita mediante: b) Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

XVI - Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 225.º do CPC: apenas “Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento.”

XVII - Para os casos das citações em apreço, o CPPT não prevê expressamente, nem nunca previu, a equiparação à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato com presunção, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento.

XVIII - Acresce ainda que o art. 228.º do CPC dispõe sobre a citação de pessoa singular, nomeadamente os seus n.ºs 1, 2, 3 e 4.

XIX - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.

XX - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.

XXI - Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação.

XXII-Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando.

XXIV - Assim sendo, não tendo observadas as formalidades da citação previstas na lei, as citações são nulas nos termos do art. 191.º do CPC, pelo que o efeito interruptivo que lhe é atribuído pelo art. 49.º da LGT e 187.º do CRCSPSS não opera.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e nesse sentido, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que atenda à pretensão da Recorrente, ou seja, que considere prescritas as dívidas respeitantes aos PEF n.ºs 1…, 1… e 1….»


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso «(...) mantendo-se o decidido, mas com este aditamento quanto à fundamentação jurídica, relativamente à regularidade da citação feita em pessoa diferente da recorrente, nos termos conjugados dos artigos 228º e 230º, nº 1, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 192º, nº 1 do CPPT;

E sem embargo, ainda que houvesse irregularidade sancionada com a nulidade (que não há), verificar-se-ia sempre o efeito interruptivo da prescrição nos termos artigo 187.º, nº 2 do CRCSPSS e do art. 323º, nº 3 do CC – cfr. ac. STA de 11-03-2009, P. nº 0219/08.»


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Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se o prazo de prescrição interrompeu-se com a citação, considerando que a Recorrente invoca que não foram cumpridas as formalidades da citação.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1) A 17.09.2007, o ISS, IP, extraiu a CERTIDÃO DE DÍVIDA n.º 1…, que deu origem à instauração, na SPEL I do IGFSS, IP, e contra C…, do PEF n.º 1…e da qual se exara, entre o mais, o seguinte:

(…)


«Imagem no original»


- cfr. fls. não numeradas do Doc 1 do processo instrutor, constante de fls. 24 a fls. 62 do SITAF;

2. Por carta registada com aviso de recepção de 23.10.2009, à qual coube o registo RP…, dirigida à própria e endereçada para a respectiva residência, a SPEL I do IGFSS, IP, expediu a CITAÇÃO de C… para os termos do PEF n.º 1… - cfr. fls. não numeradas do Doc 1 do processo instrutor, constante de fls. 24 a fls. 62 do SITAF;

3. A 01.11.2009, a carta de CITAÇÃO a que se refere a alínea anterior foi recebida na morada para a qual foi endereçada, tendo o aviso de recepção sido assinado por L… - cfr. fls. não numeradas do Doc 1 do processo instrutor, constante de fls. 24 a fls. 62 do SITAF;

4. A 28.09.2013, o ISS, IP, extraiu a CERTIDÃO DE DÍVIDA n.º 7…, que deu origem à instauração, na SPEL I do IGFSS, IP, e contra C…, do PEF n.º 1… e da qual se extrai, entre o mais, o seguinte:

(…)


«Imagem no original»


- cfr. fls. não numeradas do Doc 1 do processo instrutor, constante de fls. 24 a fls. 62 do SITAF;

5. Por carta registada com aviso de recepção de 27.10.2013, à qual coube o registo RN…, dirigida à própria e endereçada para a respectiva residência, a SPEL I do IGFSS, IP, expediu a CITAÇÃO de C… para os termos do PEF n.º 1… - cfr. fls. não numeradas do Doc 2 do processo instrutor, constante de fls. 24 a fls. 62 do SITAF;

6. A 04.11.2013, a carta de CITAÇÃO a que se refere a alínea anterior foi recebida na morada para a qual foi endereçada, tendo o aviso de recepção sido assinado por L… - cfr. fls. não numeradas do Doc 2 do processo instrutor, constante de fls. 24 a fls. 62 do SITAF;

7. A 29.03.2015, o ISS, IP, extraiu a CERTIDÃO DE DÍVIDA n.º 0…, que deu origem à instauração, na SPEL I do IGFSS, IP, e contra C…, do PEF n.º 1… e da qual se exara, entre o mais, o seguinte:

(…)


«Imagem no original»


(…)

- cfr. fls. não numeradas do Doc 3 do processo instrutor, constante de fls. 24 a fls. 62 do SITAF;

8. Por carta registada com aviso de recepção de 29.03.2015, à qual coube o registo RN…, dirigida à própria e endereçada para a respectiva residência, a SPEL I do IGFSS, IP, expediu a CITAÇÃO de C… para os termos do PEF n.º 1… - cfr. fls. não numeradas do Doc 3 do processo instrutor, constante de fls. 24 a fls. 62 do SITAF;

9. A 02.04.2015, a carta de CITAÇÃO a que se refere a alínea anterior foi recebida na morada para a qual foi endereçada, tendo o aviso de recepção sido assinado por L… - cfr. fls. não numeradas do Doc 3 do processo instrutor, constante de fls. 24 a fls. 62 do SITAF;

10. A 09.06.2021, C… emitiu um requerimento dirigido ao IGFSS, IP, requerimento o do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:

(…)


«Imagem no original»

(…)

- cfr. Doc. n.º 1 junto à petição inicial;

11. A 11.06.2021, C… dirigiu um e-mail ao IGFSS, IP, do qual se exara, entre o mais, o seguinte:

(…)

(…)

- cfr. Doc 6 do processo instrutor, constante de fls. 24 a fls. 62 do SITAF;

12. A 28.06.2021, o IGFSS, IP, dirigiu um e-mail a C…, do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:

(…)

(…)

(…)

- cfr. Doc 6 do processo instrutor, constante de fls. 24 a fls. 62 do SITAF.»


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MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa.


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Motivação DA MATÉRIA DE FACTO

«Nada mais se julgou ou é de julgar provado ou não provado, tendo o Tribunal formado a sua convicção a partir da análise crítica dos documentos juntos aos autos, especialmente dos integrantes do processo instrutor, os quais foram admitidos, não foram impugnados e estão especificadamente identificados em cada uma das alíneas do probatório, dando-se aqui por integralmente reproduzidos.»


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Com base na matéria de facto supra, o Meritíssimo Juiz do TT Lisboa julgou improcedente a reclamação, entendendo, em síntese, que as dívidas exequendas não se encontram prescritas, uma vez que o prazo de prescrição foi interrompido pelas citações ocorridas nos processos de execução fiscal.

Efetivamente é a seguinte a fundamentação da sentença recorrida:

«Alega a Reclamante que as dívidas exequendas dos PEF autuados sob os n.ºs 1…, 1… e 1… se encontram prescritas, porquanto a obrigação de pagamento das contribuições e das cotizações devidas ao ISS IP prescreve no prazo de 5 anos e não tem conhecimento de alguma vez ter sido citada para os termos dos PEF em causa.

Vejamos.

Estão em causa as seguintes dívidas:

- Contribuições de Trabalhador Independente devidas ao ISS, IP, relativas aos meses de Dezembro de 2004 a Abril de 2005 e de Janeiro de 2006 a Agosto de 2008, no valor global de € 3 434,86 e em execução no PEF n.º 1… (cfr. facto provado 1.);

- Contribuições de Trabalhador Independente devidas ao ISS, IP, relativas aos meses de Novembro de 2011 a Outubro de 2012, no valor global de € 2 233,56 e em execução no PEF n.º 1… (cfr. facto provado 4.);

- Contribuições de Trabalhador Independente devidas ao ISS, IP, relativas aos meses de Março a Julho de 2010, de Janeiro a Outubro de 2011 e de Novembro de 2012 a Janeiro de 2013, no valor global de € 3 218,29 e em execução no PEF n.º 1… (cfr. facto provado 7.);

Sob a epígrafe Prescrição da obrigação de pagamento à segurança social, consigna o artigo 187.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, o seguinte:

1 - A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respectivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.

2 - O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação.

3 - O prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos no presente Código e na lei geral.

A Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro entrou em vigor a 01.01.2011 (cfr. artigo 6.º, n.º 1), mas, anteriormente, sob a epígrafe Cobrança coerciva e prescrição das contribuições, já dispunham os n.ºs 2 e 3 do artigo 63.º das Bases Gerais do Sistema de Solidariedade e de Segurança Social, aprovadas pela Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, e hoje revogada, o seguinte:

(…)

2 - A obrigação de pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.

3 - A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.

Por outro lado, sob a epígrafe Pagamento de contribuições, dispunha o artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho, que reviu as taxas contributivas do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem e que foi revogado pelo artigo 5.º, n.º 1, alínea o), da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, que (…) As contribuições previstas neste decreto-lei devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito (…).

Dispondo o actual artigo 43.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social que (…) O pagamento das contribuições e das quotizações é mensal e é efetuado do dia 10 até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que as contribuições e as quotizações dizem respeito (…).

Dos citados normativos decorre que, até 31.12.2010, último dia de vigência das Bases Gerais do Sistema de Solidariedade e de Segurança Social, as cotizações e as contribuições para a Segurança Social deviam ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitassem (cfr. artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho) e, a partir de 01.01.2011, data da entrada em vigor Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, tal pagamento passou a dever ser efectuado entre o dia 10 e o dia 20, inclusive, do mês seguinte àquele a que respeitassem.

Sendo que, no demais, a sucessão de leis no tempo não operou alteração substancial, pois, da primeira lei para a lei nova, a obrigação de pagamento continuou a prescrever no prazo de cinco anos contados a partir da data em que, idealmente, tal pagamento deveria ter ocorrido (cfr. artigos 63.º, n.º 2, das Bases Gerais do Sistema de Solidariedade e de Segurança social e 187.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).

As leis tributárias, sejam as revogadas Bases Gerais do Sistema de Solidariedade e de Segurança Social, o actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social ou a Lei Geral Tributária (LGT), não dispõem acerca dos efeitos da interrupção da prescrição, pelo que, a esse respeito e em tudo o que nelas não se disponha, rege o Código Civil, subsidiariamente aplicável por via do artigo 2.º, alínea d), da LGT.

Neste particular, relevam o artigo 326.º do Código Civil, o qual, sob a epígrafe Efeitos da interrupção, estabelece:

1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo seguinte.

2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º

Bem como, sob a epígrafe Duração da interrupção, o artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil, que estatui que (…) Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (…).

Assim, a interrupção da prescrição tem o efeito de inutilizar, para a prescrição, todo o tempo já decorrido até à ocorrência do facto determinante da interrupção da contagem do prazo de prescrição e de determinar o reinício da sua contagem, nos mesmos moldes da anterior (cfr. artigo 326.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

Porém, o reinício dessa contagem, nos mesmos moldes da anterior (cfr. artigo 326.º, n.º 2, do Código Civil), só pode ter lugar após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo no qual tenha tido lugar o facto interruptivo da original contagem do prazo de prescrição, logo que tal facto interruptivo se tenha consubstanciado na citação para os termos desse processo ou em acto equiparado (cfr. artigo 327, n.º 1, do Código Civil).

O que vem de ser dito, equivale a dizer que a interrupção da contagem do prazo de prescrição tem, por um lado, um efeito instantâneo, que será o que decorre da ocorrência do facto susceptível de a determinar e que, de imediato, neutraliza todo o tempo até aí já decorrido; por outro lado, tem um efeito duradouro, que é o que decorre de a interrupção se manter até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo em que tal facto interruptivo teve lugar e se este tiver consistido na citação para os termos de tal processo ou em acto equiparado, só após se reiniciando a contagem de novo prazo de prescrição, nos mesmos moldes da anterior.

No caso em apreço, verifico o seguinte:

- Que, respeitando aos meses de Dezembro de 2004 a Abril de 2005 e de Janeiro de 2006 a Agosto de 2007, as Contribuições de Trabalhador Independente devidas ao ISS, IP, no valor global de € 3 434,86 e em execução no PEF n.º 1…, deveriam ter sido pagas, por referência à primeira e à última delas (Dezembro de 2004 e Agosto de 2008), até aos dias 15.01.2005 e 15.09.2008, respectivamente, pelo que, não o tendo sido, a obrigação de pagamento estaria prescrita volvidos cinco anos sobre estas datas, ou seja, respectivamente, a 15.01.2010 e 15.09.2013;

- Que, respeitando aos meses de Novembro de 2011 a Outubro de 2012, as Contribuições de Trabalhador Independente devidas ao ISS, IP, no valor global de € 2 233,56 e em execução no PEF n.º 1…, deveriam ter sido pagas, por referência à primeira e à última delas (Novembro de 2001 e Outubro de 2012), até aos dias 20.12.2011 e 20.11.2012, respectivamente, pelo que, não o tendo sido, a obrigação de pagamento estaria prescrita volvidos cinco anos sobre estas datas, ou seja, respectivamente, a 20.12.2016 e 20.11.2017;

- Que, respeitando aos meses de Março a Julho de 2010, de Janeiro a Outubro de 2011 e de Novembro de 2012 a Janeiro de 2013, as Contribuições de Trabalhador Independente devidas ao ISS, IP, no valor global de € 3 218,29 e em execução no PEF n.º 1…, deveriam ter sido pagas, por referência à primeira e à última delas (Março de 2010 e Janeiro de 2013), até aos dias 15.04.2010 e 20.02.2013, respectivamente, pelo que, não o tendo sido, a obrigação de pagamento estaria prescrita volvidos cinco anos sobre estas datas, ou seja, respectivamente, a 15.04.2015 e 20.02.2018;

Contudo, fosse ao abrigo da lei antiga (cfr. artigo 63.º, n.º 3, das Bases Gerais do Sistema de Solidariedade e de Segurança social) ou da lei nova (cfr. artigo 187.º, n.º 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social), a contagem do prazo de prescrição podia e pode ser objecto de interrupção, sendo causa interruptiva da contagem do mesmo qualquer diligência administrativa que tenha em vista a cobrança da dívida e que seja realizada com conhecimento do responsável pelo seu pagamento.

Ora, na situação em análise, as primeiras diligências administrativas tendentes à cobrança das Contribuições de Trabalhador Independente subjacentes às dívidas em execução fiscal que se mostram efectuadas na esfera jurídica da Reclamante e com o seu conhecimento foram as citações pessoais, por via postal, para os termos de cada um dos PEF, em concreto:

- No PEF n.º 1…, a citação pessoal da Reclamante, por via postal, para os termos do PEF, ocorrida a 01.11.2009 (cfr. factos provados 2. e 3.);

- No PEF n.º 1…, a citação pessoal da Reclamante, por via postal, para os termos do PEF, ocorrida a 04.11.2013 (cfr. factos provados 5. e 6.);

- No PEF n.º 1…, a citação pessoal da Reclamante, por via postal, para os termos do PEF, ocorrida a 02.04.2015 (cfr. factos provados 8. e 9.).

Daqui decorre que, em qualquer dos PEF, a citação pessoal, por via postal, da Reclamante foi sempre concretizada antes de decorrido o prazo de prescrição, de 5 anos, de qualquer das subjacentes dívidas, como melhor resulta dos quadros que se seguem.


(…)

Tais factos (as citações pessoais, por via postal) tiveram o condão de interromper a contagem dos prazos de prescrição das dívidas subjacentes aos correlativos PEF, o que teve como efeito a desconsideração, para a prescrição, de todo o até aí decorrido e o reinício de nova contagem, nos mesmos moldes da anterior.

Contudo, porque os factos interruptivos da contagem do prazo de prescrição se substanciaram nas citações pessoais da Recorrente para os termos dos PEF, o reinício das contagens dos prazos de prescrição, nos mesmos moldes das anteriores, só terá lugar após o trânsito em julgado das decisões que ponham termo aos PEF.

Ora, como a pendência da presente Reclamação bem revela, tais decisões não tiveram ainda lugar, pelo que as contagens dos prazos de prescrição ainda não reiniciaram.

Razões pelas quais concluo que as dívidas exequendas dos PEF autuados sob os n.ºs 1…, 1… e 1…, relativas a Contribuição de Trabalhador Independente, não se encontram prescritas, pelo que a presente reclamação não merece provimento.”




A Recorrente não se conforma com o decidido, invoca erro de julgamento da sentença recorrida, na medida em que entende que não foram cumpridas as formalidades legais nas citações, e, por conseguinte, o prazo de prescrição não foi interrompido, estando as dívidas prescritas.

Contudo, sem razão. Nenhum reparo merece a sentença recorrida.

Senão, vejamos.

Nos termos do art. 191.º do CPC “é nula a citação quando não haja sido, na sua realização, observada as formalidades prescritas na lei.”. É com base neste preceito legal, e com o fundamento de que se verifica a preterição de formalidades legais nas citações em causa nos autos, que a Recorrente entende que o efeito interruptivo do prazo de prescrição não opera.

Na verdade, cumpre sublinhar que não está em causa no presente recurso a falta de citação, como resulta claramente das alegações de recurso que complementam as conclusões, pois a Recorrente não coloca em causa os factos dados como provados nos pontos 2 e 3, 5 e 6, 8 e 9 da matéria assente, factos que atestam a existência das citações na residência da recorrente, embora em pessoa diversa, posto que o aviso de receção foi assinado por L…). Entende a Recorrente que as citações deveriam ter sido efetuadas por via postal simples, tendo sido, porém, por via postal registada com aviso de receção, e tendo sido recebidas por pessoa diversa, não foram cumpridas as formalidades legais, e por essa razão invoca a nulidade das citações.

No entanto, a jurisprudência e doutrina são pacíficas a entender que ainda que se verifique a nulidade da citação, não deixa de haver interrupção do prazo de prescrição nos termos do disposto no art. 323.º, n.º 3 do Código Civil. Assim sendo, in casu, aplicando-se este preceito legal, torna-se desnecessário averiguar da alegada preterição de formalidades dos atos de citação, na medida em que, ainda que se verifique a nulidade da citação, opera o efeito interruptivo do prazo de prescrição pela citação, e consequentemente a dívida exequenda não se encontra prescrita, tal como decidido em 1.ª instância.

Efetivamente, como se escreveu no acórdão do STA de 19/11/2008, proc. n.º 0555/08 “(…) Importa distinguir entre falta e nulidade da citação ou notificação. Como se exige que seja levada ao conhecimento do obrigado a intenção de exercer o direito, se falta a citação ou a notificação, a prescrição não se interrompe, a não ser nos termos excepcionais acima referidos; se, porém, há nulidade, não deixa de haver interrupção, se, não obstante a nulidade, se exprimiu aquela intenção. O n.º 4 harmoniza-se com os princípios que dominam os números anteriores – Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado , I vol., em anotações ao artigo 323.º.” (…)”

No mesmo sentido se pronunciou o Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, estribando-se no acórdão do STA de 11/03/2009, proc. n.º 0219/08, em cujo sumário se pode ler “(…) VI - Atento o disposto no art° 323°, n° 3 do CC, a nulidade da citação não prejudica o efeito interruptivo da prescrição.”

De igual modo, esta é a interpretação do art. 323.º, n.º 3 do Código Civil efetuada pelos Tribunais Judiciais. Efetivamente, escreveu-se o seguinte no recente acórdão do STJ de 24/03/2021, proc. n.º 771/19.0T8CTB,C1.S1:
“(…)
Assim, diz-nos o n.º 3 do art.º 323.º que a anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo, mas, por aquela mesma preocupação de assegurar que o obrigado tenha conhecimento da pretensão de exercício do crédito, não podemos equiparar para este efeito a falta de citação (art.º 195.º CPC) à nulidade da citação (art.º 198.º CPC), pois que ali ou o facto foi completamente omitido ou não foi levado ao conhecimento do devedor, ou preteriram-se formalidades julgadas essenciais a este conhecimento».
Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 1967, pág. 210) também defendem: «Importa distinguir entre falta e nulidade da citação ou notificação. Como se exige que seja levada ao conhecimento do obrigado a intenção de exercer o direito, se falta a citação ou a notificação, a prescrição não se interrompe, a não ser nos termos excecionais acima referidos; se, porém, há nulidade, não deixa de haver interrupção, se, não obstante a nulidade, se exprimiu aquela intenção».
Ana Filipa Morais Antunes (Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2.ª edição, pág. 224) sublinha: «A interpretação e correta aplicação do normativo sobre a interrupção da prescrição deve ser feita em termos estritos ̶ atenta a natureza excecional do respetivo figurino ̶ , só podendo vislumbrar-se um ato do credor com eficácia interruptiva na eventualidade de o credor revelar, através da prática de atos de natureza judicial, a intenção de exercer o seu direito».
No caso concreto dos autos, como já se referiu, o Tribunal de 1.ª instância, por decisão, transitada em julgado, declarou a nulidade da citação efetuada pelo advogado estagiário no dia 15/05/2019, antes das 12 horas, previamente, à notificação deste do Despacho com a referência CITIUS ..., que ordenou a citação.
(…)
Tendo sido declarada a nulidade da citação e não que ocorreu falta de citação, temos de considerar, nos termos do art.º 323.º, n.º 3, do Código Civil, que ocorreu a interrupção da prescrição, tal como foi decidido no acórdão recorrido com as respetivas consequências.” (destaques nossos)

Portanto, em suma, estando em causa no presente recurso a nulidade da citação por preterição de formalidades legais (e não a falta de citação), então, sempre ocorrerá a interrupção do prazo de prescrição nos termos do disposto no art. 323.º, n.º 3, do Código Civil, e assim sendo, a dívida exequenda não se encontra prescrita por força dessa interrupção, tal como decidido em 1.ª instância, independentemente de terem sido, ou não, observadas as formalidades previstas na lei para a citação pessoal.

Pelo exposto, improcedem todas as conclusões de recurso, devendo ser confirmada a sentença recorrida, e negado provimento ao recurso.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e, portanto, vencida no recurso a Recorrente, esta é responsável pelas custas

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

A nulidade da citação por não terem sido observadas as formalidades legais, não obsta ao efeito interruptivo da citação, face ao disposto no art. 323.º, n.º 3, do Código Civil.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao recurso, confirmar-se a sentença recorrida.


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Custas pela Recorrente, sem prejuízo da proteção jurídica de que beneficia.

D.n.

Lisboa, 10 de fevereiro de 2022.


Cristina Flora (Relatora)

Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)