Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:572/10.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/01/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:MARGEM DE LIVRE APRECIAÇÃO ADMINISTRATIVA,
SEPARAÇÃO DE PODERES,
DISCRICIONARIEDADE PURA NA ESCOLHA DOS LOCAIS DE ESTÁGIO E DO NÚMERO DE VAGAS,
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I. O sistema de justiça administrativa consagra o poder de fiscalização judicial da atividade administrativa, prevendo a sua intervenção no domínio da esfera da legalidade administrativa, excluindo o mérito da atuação administrativa.

II. Por isso se fala numa reserva da função administrativa ou do poder administrativo, consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa.

III. As decisões que sejam tomadas pela Administração neste domínio relevam ao nível do mérito ou da oportunidade e não ao nível da legalidade administrativa.

IV. A margem de livre decisão, enquanto tal, não é suscetível de controlo de legalidade e consequentemente, insusceptível de controlo judicial.

V. A razão de ser desta limitação encontra o seu fundamento constitucional no princípio da separação de poderes, previsto no artigo 111.º da Constituição e n.º 1 do artigo 3.º do CPTA, mas também com razões atinentes à falta de aptidão dos tribunais para procederem a juízos e formulações de escolha e de opção que se prendem com realidades concretas do foro administrativo e às vantagens decorrentes de ser a própria Administração a fazer opções que respeitam intrinsecamente ao seu bom funcionamento e organização, designadamente, quando estejam em causa escolhas administrativas de mérito e não de legalidade.

VI. Não podem os Tribunais Administrativos no sistema judicial português exercer um controlo sobre o mau uso ou o uso desrazoável da esfera de autonomia pública ou do exercício do poder discricionário, porque sendo o núcleo essencial da função administrativa, está excluído do âmbito do controlo de legalidade.

VII. Cabe à Administração o poder de escolher os locais em que os candidatos ao concurso aberto pela Administração devem realizar os respetivos estágios, segundo princípios de conveniência e de oportunidade administrativa, não sendo possível o respetivo controlo judicial dessas opções.

VIII. Estamos no domínio da discricionariedade pura, em que assiste à Administração o poder de escolher, de entre várias soluções legalmente possíveis, a que entender, segundo o seu interesse, por a considerar mais adequada em face das exigências de interesse público.

IX. A margem de livre decisão da Administração ou o exercício do poder discricionário pode ser limitado por imposições que resultam de parâmetros de normatividade ou de legalidade, que tanto podem ser externos à função administrativa, em regra, limites legais, como limites internos, derivados das suas próprias normas ou regras criadas pela própria Administração, o que se designa por autovinculação ou também limites emanados do quadro de princípios gerais de direito.

X. Um dos mais importantes limites ao poder discricionário e à margem de livre decisão administrativa prende-se com o dever de fundamentação, o qual funciona como uma verdadeira garantia do acesso à justiça de decisões tomadas no uso de poderes discricionários ou na margem de livre decisão.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Ministério das Finanças e da Administração Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datado de 14/10/2014 que, no âmbito da ação administrativa especial, instaurada pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, em representação dos seus associados, melhor identificados nos autos, contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, indeferiu a reclamação para a conferência deduzida contra a sentença datada de 02/04/2014, que julgou a ação procedente, anulando o despacho impugnado de 02/12/2009, do Diretor Geral dos Impostos, que autorizou a formalização da conclusões do período experimental a que foram submetidos os candidatos ao concurso interno para a categoria de Inspetor Tributário, nível 1, da carreira de Inspetor Tributário, aberto em 18/03/2005, através da sua colocação nos lugares vagos, nos Serviços Centrais e nas Direções de Finanças, por vício de falta de fundamentação.


*

Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. O presente recurso tem por fundamento a OMISSÃO OE PRONÚNCIA bem como o ERRO NA INTERPRETAÇÃO DE NORMA LEGAL.

2. Em primeiro lugar, a Douta sentença, ao pretender impor judicialmente à Administração que, no âmbito de um concurso, dê a conhecer razões atinentes à sua lógica de funcionamento interno, efectua uma sindicância inadmissível sobre as razões de mérito que presidiram a uma decisão.

3. Nesse sentido, ultrapassa os limites impostos pela reserva de administração e os limites impostos pela separação de poderes.

4. A Administração pode, efectivamente, optar por fornecer essas razões, mas nunca pode, judicialmente, ser obrigada a fornecê-las, na medida em que essas opções pertencem à sua margem de livre decisão administrativa e não ao exercício estrito de poderes vinculados.

5. Pelo que andou mal a sentença nesta parte, ultrapassando o princípio da separação de poderes, devendo o aresto ser reformulado nesta parte.

6. Em segundo lugar, e mesmo que a sentença não estivesse a ir além do princípio da separação de poderes, não há nenhuma norma jurídica violada que imponha um controlo da legalidade por parte do Tribunal.

7. Neste sentido, há uma clara omissão de pronúncia por parte do Tribunal “a quo” sobre aquilo que nesta matéria seria legalmente exigível à Administração. E, por isso, sindicável.

8. A sentença não se pronuncia sobre os limites da lei aplicável ao caso, i.é., sobre o conteúdo do aviso de abertura nº 2840/2005 publicado na II Série do Diário da República, que abre concurso interno de admissão a estágio para ingresso numa determinada categoria (IT, no presente caso) do quadro de pessoal da ex-DGCI.

9. Este aviso garante que, no concurso, os candidatos, findo o período experimental, ocupem um de 285 lugares.

10. Pelo que a Administração, que está sem dúvida vinculada aos termos constantes do aviso de abertura do concurso, não está obrigada a fundamentar onde e porque razão as 285 vagas foram abertas num sítio em detrimento de outro: tais razões pertencem, como se referiu, a uma área de reserva de execução ou de mérito que não cabe ao poder judicial fiscalizar.

11. Não há, por isso, nenhuma regra jurídica violada que justifique a intervenção o Tribunal em termos de controlo da legalidade do acto: o aviso de abertura não impõe que se crie mais ou menos vagas aqui ou ali. As vagas são criadas por estrita conveniência de serviço.

12. Na verdade, esses lugares correspondem às vagas necessárias ao desempenho da missão do recorrente. Que outra fundamentação é necessária? Não faria sentido preencher lugares em locais não tivessem necessidade de recursos humanos, pois os existentes são suficientes para o trabalho a desenvolver.

13. O fundamento só pode ser um: a necessidade dos serviços em termos de recursos humanos.

14. Em último lugar, houve omissão de pronúncia na medida em que não foi apreciado um documento probatório junto aos autos, a Proposta nº 13/08 (Fls. 227 do PA) que veio esclarecer quais os motivos subjacentes à distribuição do número de lugares de IT pelos mapas de contingentação dos serviços centrais e direcções de finanças.

15. Por isso, apesar de nada o obrigar, a Administração fundamentou a razão de ser das vagas, pelo que a sentença a quo deverá ser revogada, na medida em que o acto em causa nos autos foi devidamente fundamentado.”.

Conclui pedindo que se conceda provimento ao recurso, por o ato não padecer do vício de falta de fundamentação, devendo ser absolvida de todos os pedidos.


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O ora Recorrido, Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, notificado, apresentou contra-alegações, tendo concluído do seguinte modo:

“1. No decurso do presente procedimento concursal efectuou-se uma nova distribuição dos lugares da carreira de inspecção tributária pelos diversos serviços, na sequência da Proposta nº 13/08 elaborada pelo Exmo. Senhor Director de Serviços da Direcção de Serviços de Gestão de Recursos Humanos, da Direcção-Geral dos Impostos, datada de 11.07.2008, e pese embora desta tenha resultado a colocação de mais vagas postas à disposição dos candidatos, a verdade é que do acto sob apreciação não constam os fundamentos de facto e de direito que o nortearam.

2. De facto, importava que deste constassem as razões, ainda que dentro da chamada opção gestionária e discricionária da Administração, pelas quais foram colocadas a concurso mais vagas e certas vagas, ainda que existentes, não foram colocadas a concurso; as razões pelas quais não se procedeu à transformação automática dos lugares ocupados pelos Técnicos Economistas em lugares de Inspector Tributário, em acréscimo à dotação de Inspector Tributário (ou uma maior clarificação no seu procedimento); as razões pelas quais existindo tantos candidatos residentes na zona Norte do Pais, as vagas disponibilizadas se situaram, essencialmente, na zona sul; a razão pela qual o estágio prolongou-se por um período três vezes superior ao legalmente previsto, etc.

3. Ainda que inserida dentro do poder discricionário e gestionário da Administração, as opções tomadas no presente procedimento concursal contrariaram e desrespeitaram as legais expectativas dos candidatos, face aos elementos objectivos disponibilizados e divulgados pela própria Administração, sem que houvesse a preocupação de justificação das mesmas.”.

Pede que a sentença recorrida seja mantida.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Omissão de pronúncia quanto ao que era legalmente exigível à Administração e por não ter sido apreciado um documento junto aos autos;

2. Erro de julgamento na interpretação de norma legal, em violação do princípio da separação de poderes e da margem de livre decisão administrativa.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“A) No Diário da República II Série, n.º 34 de 17 de Fevereiro de 2005, foi publicado Aviso o qual tinha designadamente o seguinte teor: “Aviso (extracto) n.º 1613/2005 (2.a série)

– Nos termos do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, faz-se público que, por despacho de 14 de Janeiro de 2005 do director-geral dos Impostos, se encontra aberto, pelo prazo de 10 dias úteis a partir da data em que o presente aviso for publicado, concurso interno de ingresso para a admissão de inspectores tributários estagiários com vista ao provimento de 95 lugares na categoria de inspector tributário, nível 1, grau 4, da carreira de inspecção tributária do grupo de pessoal da Administração Tributária (GAT), do quadro de pessoal da Direcção-Geral dos Impostos.

1 – O presente concurso rege-se pelos Decretos-Leis n.ºs 204/98, de 11 de Julho, 557/99, de 17 de Dezembro, e 353-A/89, de 16 de Outubro, e pelo Código do Procedimento Administrativo.

2 – Prazo de validade – o concurso caduca com o preenchimento dos lugares postos a concurso.

3 – Requisitos de admissão – poderão candidatar-se os funcionários e agentes que reúnam os requisitos gerais de admissão estabelecidos no n.º 2 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, habilitados com licenciatura em Direito.

4 – Remuneração e condições de trabalho – o vencimento mensal corresponde ao valor do índice 535 do regime geral, conforme consta do anexo V do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro, sendo o período de estágio remunerado pelo índice 380. As condições de trabalho são as genericamente vigentes para os funcionários e agentes da Administração Pública.

5 – Local de trabalho – nos serviços centrais e distritais da DGCI.

6 – Conteúdo funcional – funções no âmbito da inspecção tributária, realizando estudos e trabalhos técnicos que exijam preparação jurídica com especial incidência nas áreas do direito fiscal, do direito administrativo e do direito das sociedades, competindo-lhe, genericamente, detectar e averiguar quaisquer actos, factos ou situações susceptíveis de afigurar incumprimento de obrigações tributárias, proceder aos exames e verificações necessários para controlar a veracidade e conformidade das declarações apresentadas pelos contribuintes, controlar e apurar a respectiva situação tributária, dar notícia das infracções detectadas, bem como prestar as informações ou executar as diligências que sejam solicitadas à inspecção tributária no âmbito da tramitação de processos administrativos ou judiciais, e, ainda, assegurar as funções de natureza administrativa necessárias à prossecução das atribuições dos serviços de fiscalização tributária. (…)”

B) No Diário da República II Série, n.º 55, de 18 de Março de 2005, foi publicado o Aviso (extracto) n.º 2840/2005 (2.ª Série) da Direcção-Geral dos Impostos o qual tinha designadamente o seguinte teor: “1 – Nos termos do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, faz-se público que, por despacho de 14 de Janeiro de 2005 do director-geral dos Impostos, se encontra aberto, pelo prazo de 10 dias úteis a partir da data da publicação do presente aviso, concurso interno de admissão a estágio para ingresso na categoria de inspector tributário, nível 1, grau 4, da carreira de inspecção tributária do grupo de pessoal da administração tributaria (GAT), do quadro de pessoal da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), para o provimento de 285 lugares, acrescidos do número de lugares que não venham a ser ocupados no âmbito do concurso aberto por aviso publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 34, de 17 de Fevereiro de 2005. (…)

4 – Requisitos de admissão – poderão candidatar-se os funcionários e agentes nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, que reúnam os requisitos gerais de admissão estabelecidos no n.º 2 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, habilitados com a licenciatura em Auditoria, em Auditoria Contabilística, em Controlo de Gestão, em Economia (desde que inclua as disciplinas de Contabilidade Geral e Contabilidade Analítica ou equivalentes), em Gestão, em Gestão e Ciência Fiscal, em Gestão Comercial e Contabilidade, em Gestão de Empresas, em Gestão Financeira e em Organização e Gestão de Empresas, com curso superior de Gestão, com o bacharelato em Contabilidade, em Contabilidade e Administração, em Economia (desde que inclua as disciplinas de Contabilidade Geral e Contabilidade Analítica, ou equivalentes), em Gestão, em Gestão e Finanças da Empresa, conforme o despacho n.º12329/2003, do director-geral dos Impostos, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º147, de 28 de Maio de 2003, na sequência do disposto no n.º5 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º557/99, de 17 de Dezembro. (…)

6 – Local de trabalho – nos serviços centrais e distritais da DGCI. (…)”. Cfr. documento de folhas 43 e 44 dos autos, que se dá por reproduzido.

C) No Diário da República II Série, n.º 56, de 20 de Março de 2009 foi publicado pela Direcção de Serviços de Gestão dos Recursos Humanos da Direcção-Geral dos Impostos o Aviso n.º 5917/2009 no qual se referia designadamente o seguinte: “Para conhecimento dos interessados, faz-se público que a lista de classificação final de estágio, homologada por despacho de 09/03/2009 do Director-Geral, se encontra afixada nos serviços da Direcção-Geral dos Impostos, relativa aos Inspectores Tributários Estagiários (área de Economia), admitidos pelo concurso interno de ingresso, publicado no D.R. 2.ª série, n.º 55, de 18/03/2005.

De acordo com o previsto no n.º 1, do artigo 14.º do Regulamento de Estágio, conjugado com o n.º 2 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 204/98 de 11 de Julho de 1998, do despacho de homologação cabe recurso hierárquico a interpor, no prazo de 10 dias úteis, a partir da publicação do presente aviso, para o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, podendo o mesmo ser entregue pessoalmente, ou enviado por correio, para a Rua do Comércio, n.º 49, 3.º, 1049-017 Lisboa.” Cfr. documento de folhas 45 a 54 dos autos.

D) Pelo Aviso n.º19561/2009, publicado no Diário da República, II Série, n.º 212, de 2 de Novembro de 2009 foi publicitada a alteração daquela lista nos seguintes termos: “Para conhecimento dos interessados, faz-se público que a lista de classificação final de estágio, homologada por despacho de 09/03/2009 do director-geral, foi alterada, estando esta alteração reflectida na lista que se encontra afixada, a partir desta data, nos serviços da Direcção-Geral dos Impostos, relativamente aos Inspectores Tributários Estagiários (área de Economia), admitidos pelo concurso interno de ingresso, publicado no D.R. 2.ª série, n.º 55, de 18/03/2005.” Cfr. documento de folhas 55 dos autos.

E) Na sequência da Proposta n.º 13/08 elaborada pelo Senhor Director de Serviços da Direcção de Serviços de Gestão de Recursos Humanos, da Direcção-Geral dos Impostos, datada de 11 de Julho de 2008, foi operada uma nova distribuição dos lugares da carreira de inspecção tributária pelos diversos serviços, tendo aquela proposta relativa ao Assunto “Distribuição do número de lugares de inspectores tributários pelos mapas de contingentação dos serviços centrais e direcções de finanças” o seguinte teor:

“1. A actual distribuição do número de lugares das categorias que integram a carreira da inspecção do grupo do pessoal de administração tributária (GAT), pelos mapas de contingentação dos serviços centrais e direcções de finanças, foi fixada pela Portaria n.º663/94, de 19 de Julho.

2. Alguns desses mapas de contingentação foram recentemente alterados pela transformação automática dos lugares da categoria de técnico economista de 2.ª classe, providos em cada um deles, em lugares da categoria de inspector tributário.

3. Até ao momento não se mostrou necessário proceder à alteração da distribuição fixada em 1994 uma vez que a totalidade dos lugares contingentados foi sempre inferior ao número dos efectivos reais, permitindo, até, que não fossem distribuídos todos os lugares que integram o mapa geral do pessoal relativo às categorias de inspector tributário.

4. Porém, a situação actual é diferente e impõe que, no imediato, se proceda a uma nova distribuição dos lugares da carreira da inspecção tributária pelos diferentes serviços, por forma a possibilitar, essencialmente, a nomeação/colocação definitiva dos actuais inspectores tributários estagiários, em número de 422.

4.1. A nova distribuição que agora se propõe, para além de ir ao encontro daquele objectivo, obedece, também, a outros factores de natureza gestionária, designadamente:

a) O “peso” relativo de cada uma das direcções de finanças, considerando as respectivas cargas de trabalho;

b) A necessidade de satisfação das cada vez maiores exigências que se colocam a nível dos serviços centrais, com recurso a trabalhadores integrados na carreira da inspecção tributária;

c) A aproximação do número de lugares distribuídos ao conjunto dos efectivos reais actuais, por forma a não permitir a existência de lugares por preencher, evitando a concentração de efectivos em certos serviços, em detrimento de outros que, por vezes, não possuem nos seus quadros um mínimo aceitável de trabalhadores.

5. Assim, em respeito das orientações transmitidas pelo Sr. Subdirector-Geral da Inspecção Tributária, propomos que, nos termos do n.º 2 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro, seja aprovada a distribuição do número de lugares das categorias de inspector tributário pelos quadros de contingentação dos serviços centrais e direcções de finanças, tal como consta do projecto de Despacho, anexo à presente proposta, para o qual, em caso de concordância, se solicita a assinatura do Director- Geral.

6. Mais se propõe que a presente distribuição produza os seus efeitos à data em que for proferido o despacho que aqui se solicita.” Cfr. documento de folhas 56 e 57 dos autos.

F) Pelo Director-Geral dos Impostos foi em 11 de Julho de 2008 proferido despacho com o seguinte teor:


«Imagem no original»


Cfr. documento de folhas 58 e 59 dos autos.


G) No Diário da República II Série, n.º185, de 23 de Setembro de 2009 foi publicado o Aviso (extracto) n.º16563/2009, o qual tinha o seguinte teor:

Cfr. documento de folhas 60 dos autos.

H) N......, Inspector Tributário Estagiário dirigiu ao Director-Geral dos Impostos em 27 de Novembro de 2009 requerimento em que solicitava o seguinte:

Cfr. documento de folhas 61 e 62 e 63 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.

I) Com data de 27 de Novembro de 2009 H......, com a categoria de Inspector Tributário estagiário, e com data de 26 de Novembro de 2009, C......, com a categoria de Inspector Tributário Estagiário, dirigiram ao Director Geral dos Impostos requerimentos, com idêntico teor ao acima reproduzido em H). Cfr. documentos de folhas 64 a 70 dos autos.

J) O número de lugares disponíveis e ocupados para o procedimento do concurso interno de admissão a estágio para ingresso na categoria de inspector tributário (D.R., n.º 55, de 18 de Março de 2005) foi o seguinte:

Cfr. documento de folhas 72 dos autos.

K) Em Novembro de 2009 os representados do autor foram convidados por e- mail, a candidatarem-se através de escolha aos postos de trabalho previstos e não ocupados nos Serviços Centrais e nas Direcções de Finanças, tendo aquele e-mail o seguinte teor:

Cfr. documento de folhas 77 e 78 dos autos.

L) O anexo referido no ponto 2. daquele email tinha o seguinte teor:

Cfr. documento de folhas 79 dos autos.

M) Aquela candidatura foi efectuada via intranet da DGCI, por formulário electrónico, através do qual os trabalhadores aprovados no período experimental puderam indicar, por ordem de preferência, e submeteram por via electrónica as unidades orgânicas onde pretendiam ser colocados (o formulário electrónico só permitia escolher as unidades orgânicas disponibilizadas e constantes daquele formulário e não todos os postos de trabalho vagos e existentes nas diferentes unidades orgânicas). Acordo das partes e documentos de folhas 103 a 197 do processo administrativo.

N) O Número de lugares ocupados na categoria de inspector tributário, na sequência de movimentos extraordinários nessa categoria, ocorridos desde Janeiro de 2005 foi o seguinte:

Cfr. documento de folhas 74 dos autos.

O) Na Direcção de Serviços de Gestão de Recursos Humanos da Direcção-Geral dos Impostos foi com data de 2009-11-26 elaborada a proposta n.º473/2009 relativa ao assunto – Formalização da conclusão do período experimental – concurso interno de admissão a estágio para a categoria de inspector tributário, nível 1, da carreira de inspector tributário, aberto em 18/03/2005‖ a qual tinha o seguinte teor:


«Imagem no original»


«Imagem no original»


«Imagem no original»

Cfr. documento de folhas 23 a 34 dos autos.

P) Daquela Proposta fazia ainda parte o Anexo V que tinha o seguinte teor:


«Imagem no original»

Cfr. documento de folhas 37 a 42 dos autos.

O Director-Geral dos Impostos, em 2 de Dezembro de 2009 exarou naquela Proposta n.º 473/2009 despacho com o seguinte teor: “Autorizo, conforme proposto”. Cfr. documento de folhas 23 dos autos.

Q) Os representados do autor forma colocados da seguinte forma, e de acordo com a seguinte ordem das respectivas preferências:


«Imagem no original»

Cfr. documento de folhas 274 dos autos.

R) Do despacho do Director-Geral dos Impostos de 2 de Dezembro de 2009 alguns dos trabalhadores representados pelo autor interpuseram recurso hierárquico. Cfr. documento de folhas 315 a 320 dos autos.

S) Na sequência daqueles recursos hierárquicos interpostos foi no Gabinete da Subdirectora Geral dos Impostos elaborado o parecer n.º 145/GAJ com o teor de folhas 315 a 320 dos autos, que se dá por reproduzido.

T) O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais em 15.09.2010 exarou naquele Parecer n.º 145/GAJ o despacho n.º 838/2010-XVIII em que indeferiu os recursos hierárquicos.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Omissão de pronúncia quanto ao que era legalmente exigível à Administração e por não ter sido apreciado um documento junto aos autos

Segundo a alegação do Recorrente o acórdão recorrido enferma de omissão de pronúncia, por não se pronunciar sobre as exigências da norma que balizam os limites da atuação da Administração, assim como não se pronunciou sobre o documento junto aos autos, a Proposta n.º 13/08, constante de fls. 227 do processo administrativo.

Vejamos.

O Recorrente vem suscitar a omissão de pronúncia do acórdão recorrido, mas em nenhuma ocasião, seja na alegação, seja nas conclusões do recurso, invoca a nulidade decisória nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, não subsumindo a invocação da omissão de pronúncia ao fundamento de nulidade da decisão recorrida.

Independentemente do enquadramento de direito em causa, não assiste razão ao Recorrente em relação a qualquer das questões suscitadas.

Em primeiro lugar impõe-se dizer que a decisão recorrida pronuncia-se e decide sobre as concretas pretensões deduzidas em juízo, em face dos fundamentos invocados do pedido e não sobre quaisquer outras.

O objeto da lide encontra-se limitado pelo pedido e pela causa de pedir, pelo que apenas se pode falar em omissão de pronúncia em relação a qualquer questão que haja sido suscitada pelas partes e não haja sido conhecida.

Acresce que o dever de pronúncia apenas recai sobre as questões concretas que as partes coloquem para decisão, não cobrindo ou abrangendo os meros argumentos ou razões alegadas pelas partes para sustentação das suas posições.

O Recorrente limita-se à invocação de que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre os limites aplicáveis à atuação da Administração, mas tal não constitui uma questão que haja sido submetida pelas partes para decisão do Tribunal, para que se coloque o dever de pronúncia e, consequentemente, perante a sua falta, se possa falar na respetiva omissão de pronúncia.

Não subsume o Recorrente o ora suscitado a qualquer questão que se impusesse o dever de decisão, pelo que, não se pode falar em omissão de pronúncia.

No que respeita ao segundo argumento invocado, de o acórdão recorrido não se pronunciar sobre um documento carreado para os autos, integrando o processo administrativo, também carece o Recorrente de razão, pois além de o fundamento invocado não se poder subsumir a qualquer omissão de pronúncia, mas quanto muito a erro de julgamento, encontra-se considerado tal documento, enquanto elemento de prova, na alínea E) da factualidade dada como provada.

Ao contrário do sustentado pelo Recorrente, o acórdão recorrido não desconsiderou esse elemento de prova, referente à Proposta n.º 13/08, datada de 11/07/2008, pelo qual foi operada nova distribuição dos lugares da carreira da inspeção tributária pelos diversos serviços, conforme a citada alínea do julgamento de facto.

Nestes termos e com os fundamentos expostos, improcedem as conclusões do recurso, por não provadas.

2. Erro de julgamento na interpretação de norma legal, em violação do princípio da separação de poderes e da margem de livre decisão administrativa

Nos termos alegados pelo Recorrente, o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento ao anular o ato impugnado com fundamento na procedência do vício de falta de fundamentação, por entender que tal julgamento ultrapassa os limites impostos pela reserva da Administração e ultrapassa os limites impostos pela norma, nos termos em que vem estabelecido no aviso de abertura do concurso, assim ultrapassando os limites impostos pela separação de poderes.

Pretende-se no acórdão recorrido que venha a ser explicitado aos interessados porque razão a Administração abriu um determinado número de vagas e não outro, assim como se explique as localizações escolhidas, mas entende o Recorrente que estão em causa escolhas segundo critérios gestionários ou opções de gestão, tomadas na margem da sua discricionariedade e segundo as conveniências da sua missão e do interesse público.

Sustenta que o acórdão recorrido efetua uma sindicância inadmissível sobre as razões de mérito que presidiram a uma decisão, não estando em causa um controlo de mera legalidade.

A Administração pode optar por fornecer essas razões, mas não pode ser judicialmente obrigada a fornecê-las, por tais opções pertencerem à sua margem de livre decisão administrativa e não ao exercício de poderes vinculados.

Pelo que, defende o Recorrente, as opções neste domínio, pertencem à esfera do mérito e não de legalidade, sendo insuscetíveis de controlo judicial.

Alega que a decisão sob recurso ultrapassa o princípio da separação de poderes, mas, mesmo que assim não fosse, não há nenhuma norma jurídica violada, que imponha o controlo da legalidade por parte do Tribunal.

O aviso de abertura abre concurso para o provimento de 285 lugares, garante que, findo o período experimental, os candidatos ocupem um de 285 lugares nos locais indicados, estando a Administração vinculada nos termos do aviso, mas sem estar obrigada a fundamentar onde e porque razão as 285 vagas foram abertas num sítio em detrimento de outro.

Os candidatos não poderiam ter expectativas quanto aos lugares a ocupar, pois os lugares correspondem às vagas necessárias decorrentes do interesse público.

Vejamos.

O presente recurso incide sobre o acórdão recorrido, que apreciando a reclamação para a conferência, veio a indeferi-la, mantendo a decisão reclamada, de procedência da ação administrativa, anulando o ato impugnado, proferido pelo Diretor Geral dos Impostos, em 02/12/2009, que autorizou a formalização da conclusão do período experimental a que os candidatos do concurso interno para a categoria de inspetor tributário, da carreira de inspeção tributária foram submetidos, através da colocação nos lugares vagos, por procedência do vício de falta de fundamentação.

Segundo o Aviso a que se refere a alínea B) do julgamento de facto, foi aberto concurso interno de ingresso para a admissão a estágio para ingresso na categoria de inspetor tributário, nível 1, grau 4, da carreira de inspeção tributária do grupo de pessoal da Administração tributária, do quadro de pessoal da Direção Geral dos Impostos, para o provimento de 285 lugares, acrescidos do número de lugares que não venham a ser ocupados no âmbito do concurso aberto por aviso publicado em 17/02/2005, indicando-se como local de trabalho, os serviços centrais e distritais da DGCI.

Segundo a Proposta n.º 13/08, a que se refere a alínea E) do julgamento de facto, relativa à distribuição do número de lugares de inspetores tributários pelos mapas de contingentação dos serviços centrais e direções de finanças, refere-se que esta distribuição foi fixada pela Portaria n.º 663/94, de 19/07 e que alguns desses mapas de contingentação foram alterados pela transformação automática dos lugares da categoria de técnico economista de 2.ª classe providos em cada um deles, em lugares da categoria de inspetor tributário, mas sem que se tenha mostrado necessário proceder à alteração da distribuição fixada em 1994, por a totalidade dos lugares contingentados ter sido sempre inferior ao número de efectivos reais.

Mais se extrai dessa Proposta que a situação na atualidade é diferente, impondo uma nova distribuição dos lugares pelos diferentes serviços, por forma a possibilitar a nomeação/colocação definitiva dos atuais inspetores tributários estagiários, em número de 422.

Também consta que a nova distribuição obedece a factores de natureza gestionária, conforme discriminado nas alíneas a) a c) dessa Proposta.

Tendo presente a factualidade antecedente importa considerar a fundamentação que foi adotada no acórdão recorrido, a respeito da procedência do vício de falta de fundamentação do despacho impugnado.

Após ser feito o enquadramento legal do dever de fundamentação, expendeu o acórdão recorrido o seguinte discurso fundamentador:

No caso dos autos o despacho impugnado, é o despacho do Director-Geral dos Impostos de 2 de Dezembro de 2009, que autorizou a formalização da conclusão do período experimental a que foram submetidos os candidatos ao concurso interno para a categoria de Inspector Tributário, nível 1, da carreira de inspector Tributário, aberto em 18-03-2005, através da sua colocação nos lugares vagos, nos Serviços Centrais e nas Direcções de Finanças.

Esse despacho foi exarado, está provado, na proposta n.º 473/2009 relativa ao assunto “Formalização da conclusão do período experimental - concurso interno de admissão a estágio para a categoria de Inspector Tributário, nível 1, da carreira de inspector tributário, aberto em 18 de Março de 2005”. No ponto 8 daquela proposta refere-se o seguinte: “Para colocação dos trabalhadores foi tida em conta a sua ordenação final do período experimental e as preferências de serviços por eles manifestadas, via intranet ou através de requerimento escrito, no período compreendido entre 9 e 13 de Novembro de 2009.”

Ora, a ordenação final do período experimental constava daquela proposta (e está acima reproduzida) e atendia à ponderação da nota do 1.º teste, do 2.º teste, da avaliação de desempenho e da prova final. As respectivas classificações eram, naquela proposta, concretamente identificadas, bem como era indicada, para cada candidato, a concreta classificação final que resultava dessa ponderação.

E atendia à preferência dos candidatos que estes manifestaram, via intranet, entre os dias 9 e 13 de Novembro de 2009.

As razões para as concretas respectivas colocações dos representados do autor, afigura-se que resultam claras.

O que o autor se afigura que não entendeu é a razão para que tenham sido apenas disponibilizados para ocupação por ordem de preferência os lugares constantes da lista de postos de trabalho em anexo ao email de Novembro de 2009 (e referidos no ponto 2 daquele email).

E efectivamente, do teor do despacho impugnado, nada sabemos sobre as razões porque foi aquele número naquelas localizações, porque foi aquele concreto número de vagas definido naqueles específicos serviços de finanças. A razão para ser aquele número naquelas localizações (e uma vez que havia muito mais vagas) foi por ali (nos serviços de finanças indicados) haver mais serviço ou prendeu-se com qualquer outra razão (e então qual), ou foi arbitrário.

Não sabemos.

Se os motivos para a determinação daquele número de lugares naquelas localizações se fundou em “critérios gestionários” ou “opções de gestão tomadas” como afirma a entidade demandada na contestação e se refere no parecer n.º 145/GAJ do Gabinete da Subdirector-Geral da Direcção Geral dos Impostos, então quais foram esses concretos critérios de gestão adoptados. Não sabemos, porque nem no acto impugnado nem no email de Novembro de 2009 nada sobre isso é dito.

Invoca a entidade demandada nos presentes autos que o número e a localização das vagas foi determinado atendendo às “necessidades do serviço, decorrentes do interesse público posto por lei a cargo da Administração”, foi definido “gestionariamente” em face do que “foi entendido serem necessários para o desenvolvimento das atribuições e competências da DGCI, relacionadas com a Inspecção Tributária - não faria sentido preencher os lugares, em Direcções de Finanças que não tinham necessidade dos mesmos, pois os existentes são suficientes para o trabalho a desenvolver”. Mais refere a entidade demandada que foi “o interesse público e as medidas de contenção orçamental e de boa administração” que impediram “que a Administração preenchesse “lugares que não são necessários ao desempenho das atribuições e competências dos serviços”.

As conclusões invocadas seriam aceitáveis se acompanhadas de concretos fundamentos que as sustentassem, aquando da decisão tomada, designadamente com elementos quantitativos e numéricos. Assim porque é que foram definidos como sendo necessários para a Direcção de Finanças de Lisboa 166 lugares e só 12 para a Direcção de Finanças do Porto? Porque há ali mais serviço, mas quanto, em concreto, mais? Porque há ali maior escassez de recursos humanos em face do concreto volume de serviço? Mas quanto mais? Ou, as razões para a definição dos lugares a ocupar em muito maior quantidade, é manifesto, no sul do país, deveu-se a uma intenção de privilegiar os candidatos residentes no sul do país? Ou prejudicar os candidatos do norte do país?

Não sabemos.

A decisão constante da “lista de postos de trabalho previstos e não ocupados nos Serviços Centrais e nas Direcções de Finanças” constante do ponto 2 e anexo ao email de Novembro de 2006, carece de concreta fundamentação, padecendo pois de falta de fundamentação.

Aquela decisão tomada não elenca elementos de facto que permitam reconstituir o percurso efectuado para as escolhas realizadas.

Como nada foi dito sobre as razões para a definição do número de postos de trabalho a ocupar, não foi assegurado o mínimo exigível de garantia de racionalidade da decisão.

Não se põe em causa que o Ministério das Finanças detinha um espaço de liberdade de actuação, uma autonomia conferida por lei para a escolha de entre várias alternativas de actuação juridicamente admissíveis (detinha, naquele ponto concreto discricionariedade) (Sobre a noção de discricionariedade Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo 1, 3.ª edição, páginas 183 e 187.).

Mas tal margem de livre decisão “nada tem nada a ver com áreas de exercício livre” (David Duarte, A discricionariedade administrativa e a competência (sobre a função administrativa) do Provedor de Justiça) ou arbitrária da função administrativa. Aquele espaço de liberdade de actuação administrativa conferido pela lei encontra-se limitado pelo bloco de legalidade (Assim Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, página 183) e não constitui um espaço de possibilidade de arbítrio não normativamente dependente.

Encontrando-se o órgão administrativo perante um cenário de alternativas conferido pelo direito que implica a realização de uma escolha, limitando e condicionando essa escolha encontram-se designadamente os princípios gerais relativos ao exercício da função administrativa, como os princípios da prossecução do interesse público, da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade e da boa fé (artigos 266.º, n.º 2 da Constituição e artigos 4.º, 5.º, 6.º e 6.ºA do CPA).

O respeito por aqueles princípios, o respeito nomeadamente pela prossecução do interesse público, pelos princípios da proporcionalidade e da imparcialidade dos actos administrativos não se presume. Tal respeito tem de ser demonstrado pela Administração, e desde logo através da fundamentação das decisões administrativas (No sentido de que não há processualmente qualquer presunção de legalidade estabelecida em favor da Administração, Carla Amado Gomes, Contributo para o Estudo das Operações Materiais da Administração Pública e do seu Controlo Jurisdicional, páginas 95 a 97).

O que não sucedeu no caso dos autos.

Pelo que cabe julgar procedente o invocado vício de forma por falta de fundamentação do acto impugnado, que o torna por isso anulável.”.

Este julgamento não se pode manter, assistindo razão ao Recorrente quanto à censura que dirige contra o acórdão recorrido.

A questão que está em causa consiste em saber se recai sobre a Entidade Demandada, ora Recorrente, o dever de fundamentar as escolhas dos locais de estágio a que serão afetos os candidatos do concurso em causa e se tais escolhas se podem dar por fundamentadas nos termos da Proposta a que se refere a alínea E) do julgamento de facto.

O sistema de justiça administrativa consagra o poder de fiscalização judicial da atividade administrativa, prevendo a sua intervenção no domínio da esfera da legalidade administrativa, excluindo o mérito da atuação administrativa.

Nos termos do n.º 4 do artigo 268.º da Constituição é estabelecido o tipo de fiscalização judicial, mas limitado àquele que respeite à validade de atos administrativos e, nos mesmos termos, o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do CPTA.

A fiscalização da legalidade administrativa é o único tipo de controlo judicial que se encontra garantido na Constituição e na lei.

Por isso se fala numa reserva da função administrativa ou do poder administrativo, consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa, enquanto limite funcional da jurisdição administrativa – neste sentido, Bernardo Diniz de Ayala, “O (Défice) Controlo Judicial da Margem de Livre Decisão Administrativa”, Lex, 1995, pp. 83.

As decisões que sejam tomadas pela Administração neste domínio relevam ao nível do mérito ou da oportunidade e não ao nível da legalidade administrativa.

A questão que se coloca é até que ponto podem os Tribunais Administrativos controlar a atividade administrativa na esfera da sua reserva.

E não podem, por a margem de livre decisão, enquanto tal, não é suscetível de controlo de legalidade e, consequentemente, insusceptível de controlo judicial.

A razão de ser desta limitação do âmbito do controlo judicial é variada, encontrando o seu fundamento constitucional no princípio da separação de poderes, previsto no artigo 111.º da Constituição, mas também de fonte legal, no citado n.º 1 do artigo 3.º do CPTA ao limitar o controlo de legalidade, mas também com razões atinentes à falta de aptidão dos tribunais para procederem a juízos e formulações de opção que se prendem com realidades concretas do foro administrativo e às vantagens decorrentes de ser a própria Administração a fazer opções que respeitam intrinsecamente ao seu bom funcionamento e organização, designadamente, quando estejam em causa escolhas administrativas de mérito e não de legalidade.

Resulta, por isso, de forma expressa, clara e inequívoca da vontade do legislador, distinguir o que respeita ao mérito da decisão administrativa, das questões de legalidade, segundo o princípio democrático da separação de poderes e de responsabilização da Administração.

O mau exercício do poder administrativo ou o mau uso da livre reserva da Administração não é livre de controlo de mérito, mas este ao invés de estar atribuído aos Tribunais, recai sobre a própria Administração, sobre cujos órgãos de topo da hierarquia administrativa cabe zelar pela boa prossecução do interesse público.

Por isso, a margem de livre decisão administrativa apenas está excluída do controlo do mérito dos Tribunais, nunca da Administração enquanto poder.

Neste sentido, Paulo Otero, “Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa”, 1992, pp. 380-381, refere que estando o poder cognitivo dos tribunais limitado ao conhecimento das questões de legalidade, o controlo da conveniência e da oportunidade da atividade administrativa constitui uma reserva absoluta dos órgãos superiores da Administração, enquanto espaço reservado em termos exclusivos à Administração.

O que significa que não podem os Tribunais Administrativos no sistema judicial português exercer um controlo sobre o mau uso ou o uso desrazoável da esfera de autonomia pública ou do exercício do poder discricionário, porque sendo o núcleo essencial da função administrativa, está excluído do âmbito do controlo de legalidade.

A Constituição e a lei não privam a Administração do núcleo da sua função e o domínio do mérito das suas decisões ou opções, tomadas sob a égide de princípios de oportunidade ou de conveniência e não com base em critérios de legalidade.

No demais, é a Administração quem se encontra em melhores condições de avaliar e fazer escolhas nos domínios excluídos da esfera da legalidade, tanto mais, que tais escolhas não são imutáveis ou estáticas no tempo, antes evoluem em função das circunstâncias, algumas vezes tendo se sofrer alterações ou adaptações, de forma a repor o mérito da solução.

Por isso, também se encontra prevista a possibilidade não só da revogação de atos válidos, como das decisões tomadas com base em critérios de conveniência, no âmbito da esfera do livre agir administrativo.

Nestes termos, estando em causa as escolhas dos locais em que os candidatos ao concurso aberto pela Administração devem realizar os respetivos estágios, é de entender que cabe à Administração o poder de livremente decidir tais escolhas ou opções, segundo princípios de conveniência e de oportunidade administrativa, não sendo possível o respetivo controlo judicial dessas opções.

Estamos no domínio da discricionariedade pura, em que assiste à Administração o poder de escolher, de entre várias soluções legalmente possíveis, a que entender, segundo o seu interesse, por a considerar mais adequada em face das exigências de interesse público, no caso, a escolha dos locais de estágio, em função das necessidades dos serviços, que podem ponderar quer o volume de serviço, quer o ratio do pessoal disponível, entre outros.

Neste sentido, embora assista uma margem de livre decisão à Administração, a sua decisão ou as suas escolhas também não são inteiramente livres, não podendo ser arbitrárias, antes devendo obediência a aspetos que não deixam de ser vinculados, como seja, o respeito pelo fim ou finalidades de prossecução do interesse público ou o limite das atribuições da pessoa coletiva e da competência dos respetivos órgãos, de entre outros limites aplicáveis, com destaque para o respeito dos princípios gerais da atividade administrativa.

No caso de existir a violação destes limites, a decisão administrativa tomada sob a égide da sua margem de livre decisão, estará também ela viciada, podendo ser submetida a controlo judicial.

Assim, merece ser realçado que o poder discricionário da Administração pode ser limitado por imposições que resultam de parâmetros de normatividade ou de legalidade, que tanto podem ser externos à função administrativa, em regra, limites legais, como limites internos, derivados das suas próprias normas ou regras criadas pela própria Administração, o que se designa por autovinculação ou também limites emanados do quadro de princípios gerais de direito.

Um dos mais importantes limites ao poder discricionário e à margem de livre decisão administrativa prende-se com o dever de fundamentação, o qual funciona como uma verdadeira garantia do acesso à justiça de decisões tomadas no uso de poderes discricionários ou na margem de livre decisão – neste sentido, Bernardo Diniz de Ayala, obra cit., pp. 217.

Quanto ao enquadramento do dever de fundamentação, importa antes de mais atender ao que dispõe o n.º 3 do artigo 268.º da Constituição, segundo o qual os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Significa que a Constituição, no citado artigo 268.º, assume como direito e garantia dos administrados, o direito à fundamentação.

Está em causa um direito procedimental administrativo, concretizado no n.º 1 do artigo 123.º do CPA, em vigor à data dos factos, nos termos do qual, sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem sempre constar do ato: “d) A fundamentação quando exigível.”.

A exigência de fundamentação determina que todas as menções exigidas devem ser enunciadas de forma clara, precisa e completa, de modo a poder determinar-se inequivocamente o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo, nos termos do disposto no n.º 2 do citado artigo 123.º do CPA.

Com relevo estabelece o artigo 125.º do CPA, o seguinte:

1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.

2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”.

Como a jurisprudência tem recorrentemente decidido, um ato administrativo estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal, médio, colocado na situação concreta, possa ficar ciente do sentido da decisão e das razões de facto e de direito que sustentam a decisão que consubstancia.

Estará fundamentado se atento o seu teor for possível conhecer o íter cognoscitivo e valorativo que levou a que se decidisse assim e não de outra forma.

Estará suficientemente fundamentado quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão, quando seja possível conhecer as razões porque o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente.

A exigência de fundamentação da decisão visa realizar diversas finalidades, de entre as quais a garantia de racionalidade da decisão tomada, visando impor ao órgão administrativo decisor que tome a decisão racionalmente, no respeito pelos princípios gerais e normas legais aplicáveis, procedendo à ponderação de todos os interesses relevantes para a decisão a tomar, assim tomando a decisão que se apresente o mais eficiente, eficaz e razoável possível.

A fundamentação formal das decisões ao impor um padrão de racionalidade decisória afasta as decisões arbitrárias, inconscientes ou irracionais.

Entre outra jurisprudência, vide os Acórdãos do STA de 11/01/2005, Processo 0988/04; de 11/01/2005, Processo 0605/04; de 20/01/2005, Processo 0787/04 e de 15/12/2004, Processo 0518/03.

Pela identificação do percurso lógico na decisão tomada, na expressão da realidade intelectual seguida pelo decisor e pela indicação do íter cognoscitivo seguido, a fundamentação permite a sindicabilidade da decisão, em particular no que se refere ao respeito por aqueles princípios gerais a que está sujeito o exercício da função administrativa.

A falta de fundamentação inquina o ato impugnado tornando-o anulável, nos termos do artigo 135.º do CPA, sem prejuízo da doutrina emergente do princípio do aproveitamento do ato administrativo.

Tendo presente o enquadramento normativo antecedente sobre a matéria sobre a qual incide a obrigação de fundamentação da decisão tomada ao abrigo da livre margem de decisão administrativa, respeitante à justificabilidade dos locais de estágio escolhidos pela Entidade Demandada, por despacho do Diretor Geral dos Impostos, datado de 02/12/2009, no âmbito do concurso interno para a categoria de Inspetor Tributário, nível 1, da carreira de Inspetor Tributário, aberto em 18/03/2005, considerando a factualidade que se dá como assente na alínea E) do julgamento de facto da sentença recorrida, relativa à distribuição do número de lugares de inspetores tributários pelos vários serviços centrais e direções de finanças, designadamente, em face do teor do ponto 4 e, muito em particular, nas várias alíneas do ponto 4.1. da citada Proposta n.º 13/08, é de considerar estar suficientemente fundamentada a escolha gestionária da Administração.

A decisão em causa não só é tomada segundo um princípio de reserva da função administrativa, obedecendo a escolhas que decorrem de critérios de mérito e de oportunidade, como no caso concreto se considera existir uma ampla margem quanto ao conteúdo do dever de fundamentar, no sentido de existir também neste caso, discricionariedade de fundamentação.

Não logra o Autor assacar qualquer vício material em relação aos locais de estágio escolhidos, como o erro de facto ou erro manifesto de apreciação, pelo que, no exercício do poder administrativo está confiado à Entidade Demandada o poder de definir os locais de estágio, segundo opções de natureza gestionária que definiu e exteriorizou no conteúdo da citada Proposta n.º 13/08.

Ao contrário do decidido na decisão recorrida, não se impõe à Administração que explicite, em função de cada local de estágio, o número de funcionários afetos ao serviço, o volume de trabalho ou quaisquer outros dados, fornecendo elementos quantitativos e numéricos, pois essa tarefa não seria o cumprimento do dever de fundamentar as razões das escolhas tomadas, segundo a orientação de princípios que foi adotada, mas antes o cumprimento de uma tarefa de convencimento do seu destinatário.

Não se impõe qualquer dever à Administração de convencimento do bom uso da sua margem de livre decisão administrativa ou de justificabilidade das razões ou fundamentos apresentados, segundo uma lógica de dupla fundamentação ou de fundamentação da fundamentação.

É mesmo manifesto o desacerto da decisão sob recurso ao impor à Entidade Demandada que indique qual o volume de serviço de cada local de estágio, sob pena de incumprimento do dever de fundamentação, quando estão em causa múltiplos locais de estágio, em serviços centrais e direções de finanças por todo o país.

Nem mesmo é exigível que sejam indicados pela Administração o número dos elementos humanos disponíveis em cada local de estágio, pois não obstante o número de postos de trabalho, sempre será volátil a disponibilidade efetiva dos trabalhadores, o que dependerá da sua situação particular, num quadro legal em que para além das faltas, se encontram previstas diversas modalidades de licenças e em que, portanto, o número de trabalhadores disponíveis oscilará, podendo não ser o mesmo ao longo do tempo.

Pelas razões expostas, não se pode, pois, manter a decisão sob recurso, incorrendo a mesma em erro de julgamento no tocante à procedência do vício de falta de fundamentação da decisão que vem impugnada, o qual é de julgar não provado.


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Termos em que, será de conceder provimento ao recurso, em revogar a decisão recorrida e em julgar improcedente o vício de falta de fundamentação e, em consequência, manter o ato impugnado na ordem jurídica.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O sistema de justiça administrativa consagra o poder de fiscalização judicial da atividade administrativa, prevendo a sua intervenção no domínio da esfera da legalidade administrativa, excluindo o mérito da atuação administrativa.

II. Por isso se fala numa reserva da função administrativa ou do poder administrativo, consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa.

III. As decisões que sejam tomadas pela Administração neste domínio relevam ao nível do mérito ou da oportunidade e não ao nível da legalidade administrativa.

IV. A margem de livre decisão, enquanto tal, não é suscetível de controlo de legalidade e consequentemente, insusceptível de controlo judicial.

V. A razão de ser desta limitação encontra o seu fundamento constitucional no princípio da separação de poderes, previsto no artigo 111.º da Constituição e n.º 1 do artigo 3.º do CPTA, mas também com razões atinentes à falta de aptidão dos tribunais para procederem a juízos e formulações de escolha e de opção que se prendem com realidades concretas do foro administrativo e às vantagens decorrentes de ser a própria Administração a fazer opções que respeitam intrinsecamente ao seu bom funcionamento e organização, designadamente, quando estejam em causa escolhas administrativas de mérito e não de legalidade.

VI. Não podem os Tribunais Administrativos no sistema judicial português exercer um controlo sobre o mau uso ou o uso desrazoável da esfera de autonomia pública ou do exercício do poder discricionário, porque sendo o núcleo essencial da função administrativa, está excluído do âmbito do controlo de legalidade.

VII. Cabe à Administração o poder de escolher os locais em que os candidatos ao concurso aberto pela Administração devem realizar os respetivos estágios, segundo princípios de conveniência e de oportunidade administrativa, não sendo possível o respetivo controlo judicial dessas opções.

VIII. Estamos no domínio da discricionariedade pura, em que assiste à Administração o poder de escolher, de entre várias soluções legalmente possíveis, a que entender, segundo o seu interesse, por a considerar mais adequada em face das exigências de interesse público.

IX. A margem de livre decisão da Administração ou o exercício do poder discricionário pode ser limitado por imposições que resultam de parâmetros de normatividade ou de legalidade, que tanto podem ser externos à função administrativa, em regra, limites legais, como limites internos, derivados das suas próprias normas ou regras criadas pela própria Administração, o que se designa por autovinculação ou também limites emanados do quadro de princípios gerais de direito.

X. Um dos mais importantes limites ao poder discricionário e à margem de livre decisão administrativa prende-se com o dever de fundamentação, o qual funciona como uma verdadeira garantia do acesso à justiça de decisões tomadas no uso de poderes discricionários ou na margem de livre decisão.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provados os seus fundamentos, em revogar a decisão recorrida e em manter o ato impugnado na ordem jurídica.

Sem custas, atenta a isenção subjetiva do Autor/Recorrido.

Registe e notifique.

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, a Relatora atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores PEDRO MARQUES e ALDA NUNES - têm voto de conformidade.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)


(Alda Nunes)