Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:595/24.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:JOANA MATOS LOPES COSTA E NORA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Cabe a quem se pretenda valer da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, a demonstração da verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, a qual deve assentar em factos cuja alegação se lhe impõe.
II - Para o efeito, deve o autor descrever uma situação factual de “lesão iminente e irreversível” dos direitos que invoca, não lhe bastando afirmar uma mera lesão dos mesmos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

M…, nacional do Bangladesh, residente em Portugal, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P.. Pede a condenação da entidade demandada a expedir o seu título de residência ou, subsidiariamente, a proceder o agendamento para efeitos de emissão do referido título. Alega, para tanto e em síntese, que: (i) É trabalhador por conta de outrem e possui alojamento, estando devidamente inscrito perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social, pelo que está apto a residir legalmente em Portugal; (ii) Apresentou pedido de autorização de residência perante o SEF, através de manifestação de interesse, ao abrigo do artigo 89.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, e o prazo de decisão do pedido já foi ultrapassado, devendo considerar-se tacitamente deferido com expedição imediata do título de residência; (iii) Devido à conduta omissiva da entidade demandada, o autor não pode sair do país para ver a sua família, caso ocorra alguma emergência, posto que, desprovido do título de residência, não poderá regressar a Portugal, estando inibido de se socorrer dos benefícios do sistema nacional de saúde e de contrair empréstimos bancários para adquirir o seu imóvel próprio, estando ainda cerceados os seus direitos à identidade pessoal, à vida familiar, à liberdade e à estabilidade no trabalho e ao serviço nacional de saúde, não beneficiando da aplicação do princípio da equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º da CRP, e permanecendo em situação irregular em território nacional.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a rejeitar liminarmente a petição por não se encontrar preenchido o pressuposto da indispensabilidade previsto no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA.
O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
a) Constitui objecto do presente processo a demonstração da violação do direito à residência em Portugal Recorrente, em razão de a parte Requerida, de maneira injustificável, não encerrar o processo de autorização de residência no tempo previsto em lei, ocasionando-lhe inefáveis constrangimentos e, sobretudo, transgressão dos seus direitos fundamentais;
b) O juizo a quo, ao se debruçar indeferiu a Petição Inicial, por em tese, não estarem presentes os pressupostos da acção de intimação;
c) Todavia, salvo o devido respeito, não assiste razão o juizo a quo, na medida em que face a inobservância dos prazos previstos em lei para a concessão da autorização de residência do Recorrente, o mesmo está a ter diversos direitos fundamentais atordoados e, como tal, a presente acção torna-se devidamente legítima e a observar todos os postulados previstos em lei;
d) Afinal, a ferramenta processual estatuída no artigo 109º do CPTA é a instrumentalização do preceito fundamental vertido no artigo 20º, 5º da Constituição da República Portuguesa, o qual visa que o legislador ordinário consolide no ordenamento jurídico, determinados mecanismos, cujo primacial escopo seja a de proteger de modo efetivo e célere, a ameaça ou a violação de direitos fundamentais;
e) O Recorrido, em razão de sua inércia injustificada, na qualidade de órgão da Administração Pública, viola o direito à igualdade, delineados nos artigos 13º e 15º, n.º 1, ambos da Constituições da República Portuguesa. Além do princípio da igualdade supracitado, o preceito intangível da legalidade é desacatado, na medida em que a postura do Recorrido é flagrantemente uma violação à lei – como se demonstrará mais adiante -, e, por derradeiro, das premissas da dignidade humana e do Estado Democrático de Direito, consoante ordenam os artigos 1º e 2º da Constituição da República Portuguesa;
f) No caso do Recorrente, por força do seu contrato de trabalho e das condições anteriormente mencionadas, o mesmo apresentou o seu pedido de autorização de residência ao abrigo do artigo 88º14 da Lei n.º23/2007, de 04 de Julho, uma vez que arremata todos os pressupostos para esta finalidade, de acordo com a documentação apresentada;
g) O Recorrente apresentou a sua Manifestação de Interesse no há mais de 90 dias pelo que, nos termos do artigo 82º, n.º 5 da Lei 23/2007, de 04 de Julho, o pedido de autorização de residência deveria ser decidido no prazo de 90 (noventa) dias;
h) Entretanto, não foi isto que sucedeu, o Recorrido, não concedeu uma resposta definitiva sobre o pedido de Autorização de Residência do Recorrente no tempo legal, causando-lhe inefáveis transtornos e, sobretudo, transgressão aos seus direitos fundamentais;
i) Uma das consequências do desrespeito ao aludido prazo, é o deferimento tático do título de residência em favor do Recorrente, nos moldes do 82º, n.º 715 da Lei º 23/2007, de 04 de Julho, conjugado com o artigo 130º, n.º 1 do CPA;
j) Isto posto, o Recorrido, ante a inobservância do referido prazo previsto em lei, deveria tomar uma providência no sentido de apreciar o pedido de Autorização de Residência do Recorrente. Junta-se algumas decisões que comungam nesse sentido;
k) Sucede que em face da conduta omissiva do Recorrido, o Recorrente tem inúmeros direitos fundamentais atropelados, não podendo, sair do país para ver sua família, caso ocorra alguma emergência, posto que, desprovido do título de residência o mesmo não poderá, regressar a Portugal, bem como, o mesmo está inibido de se socorrer dos benefícios do sistema nacional de saúde, e, ainda, de contrair empréstimos bancáriospara adquirir o seu imóvel próprio, dentre outros inúmeros direitos que apenas são concedidos aos portadores do título de residência;
l) De facto, a omissão da decisão sobre o pedido de concessão de autorização de residência vai indiscutivelmente bulir com o exercício de direitos fundamentais por parte do Recorrente, cerceando, entre outros, o seu direito à identidade pessoal, à vida familiar, à sua liberdade e o direito à estabilidade no trabalho, o recurso ao serviço nacional de saúde, na medida em que é manifesto que o Requerente se mostra privado da possibilidade de beneficiar da aplicação do principio da equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º, n.º da CRP, permanecendo, em consequência, em situação irregular em território nacional;
m) Em caso idêntico, julgou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra – Unidade Orgânica 3, no âmbito do processo 935/23.2BESNT, de acordo com a sentença em anexo, onde reconheceu a procedência da acção de intimação para tutelar o direito do interessado e, ainda, conheceu o pedido, intimando a Recorrida a proceder o agendamento, a fim de decidir relativamente ao pedido de autorização de residência;
n) Portanto, só podemos concluir que a presente acção respeita todos os respetivos pressupostos legais, devendo ser conhecida e decretada a sua procedência, reformando in totum, a decisão proferida pelo juizo a quo, aceitando a petição inicial e, após o devido trâmite legal, intimar o Recorrido a proceder o agendamento para efeitos de apreciar o processo de autorização de residência do Recorrente.
A entidade recorrida não respondeu à alegação do recorrente.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso, sustentando que “(…) o meio processual urgente que o Requerente elegeu é inadequado para assegurar a sua pretensão, na medida em que não se encontram reunidos os requisitos previstos no artigo 109.º do CPTA.”
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

A questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter considerado não verificados os pressupostos de que depende o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida não fixou factos.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Alega o recorrente que a presente acção é “devidamente legítima” porquanto, devido à inobservância injustificada, por parte da entidade demandada, do prazo para a concessão da autorização de residência por si requerida, estão a ser violados os seus direitos à igualdade, à dignidade humana, à identidade pessoal, à vida familiar, à liberdade e à estabilidade no trabalho, com “inefáveis transtornos” para o mesmo, pois que não pode “sair do país para ver sua família, caso ocorra alguma emergência, posto que, desprovido do título de residência o mesmo não poderá, regressar a Portugal”, estando ainda “inibido de se socorrer dos benefícios do sistema nacional de saúde, e, ainda, de contrair empréstimos bancários para adquirir o seu imóvel próprio, dentre outros inúmeros direitos que apenas são concedidos aos portadores do título de residência”, dado que não beneficia da aplicação do princípio da equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º da CRP, permanecendo em situação irregular em território nacional.

A sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição por não se encontrar preenchido o pressuposto da indispensabilidade previsto no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Mais precisamente, a sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação:
“Retornando ao caso dos autos, constata-se que o Requerente veio alegar, em termos genéricos, que, a omissão de decisão por parte da Entidade Requerida, no que se refere à concessão da autorização de residência, afasta a possibilidade de o mesmo beneficiar da aplicação do princípio da equiparação (cf. artigo 15.º, n.º 1, da CRP), e afeta o exercício dos seus direitos fundamentais, cerceando, entre outros, o seu direito à identidade pessoal, à vida familiar, à sua liberdade e o direito à estabilidade no trabalho, bem como o recurso ao serviço nacional de saúde. No caso concreto, atendendo ao teor da presente intimação tal como se encontra configurada pelo Requerente, cumpre apreciar se a célere emissão de uma decisão de mérito, que imponha à Entidade Requerida a adoção de uma conduta, é indispensável para evitar, em tempo útil, a alegada violação de direitos, liberdades e garantias.
(…)
Porém, o Requerente não aduziu qualquer argumento que, em concreto, configure uma situação para a qual seja necessária uma célere decisão de mérito indispensável para evitar, em tempo útil, a lesão dos direitos que invoca (v.g. direitos à identidade pessoal, à vida familiar, à liberdade, à estabilidade no trabalho e à saúde), ou a violação do princípio da equiparação. Por outro lado, a circunstância de o Requerente, segundo alega, estar a aguardar por uma decisão sobre o seu pedido de concessão de autorização de residência há mais de 90 dias, não consubstancia, só por si, uma situação de urgência cuja tutela jurisdicional só possa ser assegurada, em tempo útil, através da presente intimação. Na realidade, o Requerente veio alegar, genericamente, que «[a] lesão do direito do Requerente é flagrante, na medida em que é notório que o Requerido não concedeu a autorização de residência atempadamente, ocasionando danos nefastos ao primeiro e, sobretudo, desobediência ao princípio da legalidade e, por conseguinte, transgredindo o princípio da igualdade, preceitos estes que são direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, conforme expomos preteritamente. (…) // 21 – Contudo, até à data de apresentação deste processo, o Requerido não se manifestou no que concerne à concessão do pedido de autorização de residência do Requerente, ocasionando-lhe inenarráveis prejuízos e violações dos seus direitos fundamentais. (…)» (cf. pontos 10 e 21 da petição inicial). Tal significa, portanto, que o Requerente não densificou factos concretos, acompanhados do respetivo suporte probatório, aptos a configurar uma situação de urgência iminente que justifique, de imediato, a intimação da Entidade Requerida a proferir uma decisão sobre a manifestação de interesse apresentada junto do SEF.
(…).”

Vejamos.

A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias “(…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” - cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Trata-se de um meio processual sumário e principal, pois que visa a prolação de uma decisão urgente e definitiva, recortado para “situações de especial urgência (lesão iminente e irreversível de DLG)” e “destinado a conferir protecção qualificada aos direitos, liberdades e garantias, no âmbito da concretização do comando constitucional consignado no n.º 5 do artigo 20.º da CRP.” – cfr. FERNANDA MAÇÃS, “Meios Urgentes e Tutela Cautelar”, «A Nova Justiça Administrativa», Centro de Estudos Judiciários, 2006, Coimbra Editora, pp. 94 e 95. Por isso mesmo, esta intimação tem carácter excepcional, só se justificando se constituir o único meio para obstar à violação de um direito, liberdade e garantia, sendo a regra a da utilização da acção não urgente, sempre que esta, ainda que conjugada com o processo cautelar, seja apta a satisfazer a pretensão deduzida em juízo.
Nestes termos, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, apenas pode ser utilizada quando se verifiquem os referidos pressupostos; ou seja, não só (i) que a célere emissão de uma decisão de mérito se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, mas também (ii) que, nas circunstâncias do caso, não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar. Assim, cabe a quem pretenda valer-se deste meio processual alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos, de modo a demonstrar que a situação concreta reclama uma decisão judicial definitiva e urgente.
No que concerne ao primeiro pressuposto – o da indispensabilidade da emissão de uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia -, como escrevem Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 883, o seu preenchimento“(…) pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspectos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”
Quanto ao segundo pressuposto – o da impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar -, “A impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa.” – cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, “A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?”, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31-53.

Considerando o descrito enquadramento jurídico, cumpre aferir se se mostram verificados no caso os pressupostos de recurso ao meio processual utilizado pelo autor.

Antes de mais, àquele que lança mão de uma intimação para protecção de direito, liberdades e garantias, cabe alegar factos que traduzam uma situação de indispensabilidade de uma tutela definitiva urgente, o que, naturalmente, se associa à demonstração da insuficiência de tutela através de uma acção administrativa, de natureza não urgente, ainda que associada ao decretamento de uma providência cautelar. Dependendo a utilização de tal meio processual da verificação de pressupostos legalmente definidos, a demonstração dessa verificação cabe a quem do mesmo se pretenda valer, devendo tal revelação assentar em factos cuja alegação se lhe impõe.
Ora, o recorrente limita-se a alegar que deu entrada do seu pedido para concessão de autorização de residência, ao abrigo do artigo 89.º da Lei n.º 23/2007 de 04 de Julho, através de manifestação de interesse apresentada junto do SEF, não tendo o seu pedido sido, até à data, objecto de decisão, devendo considerar-se tacitamente deferido com expedição imediata do título de residência, por o prazo de decisão do pedido já ter sido ultrapassado. Mais alega que é trabalhador por conta de outrem e possui alojamento, estando devidamente inscrito perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social, pelo que está apto a residir legalmente em Portugal, e que, devido à conduta omissiva da entidade demandada, não pode sair do país para ver a sua família, caso ocorra alguma emergência, posto que, desprovido do título de residência, não poderá regressar a Portugal, estando inibido de se socorrer dos benefícios do sistema nacional de saúde e de contrair empréstimos bancários para adquirir o seu imóvel próprio. Neste cenário, e em virtude da omissão de decisão do seu pedido de autorização de residência, invoca (i) a violação dos seus direitos à segurança no emprego, à vida familiar, à liberdade e à segurança, à identidade pessoal, e à protecção da saúde, consagrados, e (ii) a violação do princípio da equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição.
Todavia, não concretiza minimamente a ameaça de tais direitos, de modo a aferir-se da necessidade de uma tutela definitiva urgente. Efectivamente, o autor recorrente não descreve uma situação factual de “lesão iminente e irreversível” dos direitos que invoca – necessária ao preenchimento dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias -, limitando-se a afirmar uma mera lesão dos mesmos, não sendo possível extrair da sua alegação qualquer urgência para o recorrente na concessão de autorização de residência. Tal carência de alegação factual basta, só por si, para concluir pela falta de verificação dos pressupostos de recurso a este meio processual, atendendo a que tais pressupostos carecem de concretização, não sendo aferíveis em geral e abstracto, antes casuisticamente, em face de uma determinada e específica situação individual e concreta.
Acresce que o recorrente não dedica uma palavra a alegar a indispensabilidade do meio processual de que lança mão, desconsiderando, em absoluto, a tutela que o processo cautelar assegura. De todo o modo, sempre se dirá que, atentos os contornos factuais alegados, a situação de facto descrita pelo autor recorrente é susceptível de ser acautelada com a adopção de uma providência cautelar que intime a entidade demandada a emitir um título de residência provisório, de modo a permitir que o autor permaneça, de modo regular, em Portugal até ser proferida decisão em acção principal de condenação a decidir o pedido de autorização de residência, não se mostrando, assim, imprescindível, nem sequer necessário, que se decida definitivamente com carácter urgente se o autor tem direito à emissão de autorização de residência. Tal decretamento, para além de suficiente para tutela dos direitos cuja violação o recorrente invoca, não põe em causa o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, constante da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, considerando que a entidade a quem cabe decidir o pedido de autorização de residência não se pronunciou ainda sobre o preenchimento das condições legalmente previstas para a concessão de tal autorização.
Ante o exposto, nem se revela indispensável a emissão de uma decisão de mérito urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que o autor invoca, nem é impossível ou insuficiente para o efeito o decretamento de uma providência cautelar, pelo que não se mostram verificados os pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.

Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados.
*
Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Sem custas.


Lisboa, 11 de Abril de 2024

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marta Cavaleira
Marcelo Mendonça