Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1151/11.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPOSTO DE SELO;
AUMENTO DE CAPITAL;
TRESPASSE.
Sumário:No âmbito de aplicação da verba 27.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, só se está perante um trespasse sujeito a imposto do selo quando a operação de transmissão onerosa de um conjunto de elementos corpóreos e incorpóreos organizados para a prática de uma actividade comercial ou industrial for acompanhada do direito ao arrendamento do imóvel onde era desenvolvida a actividade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer para este Tribunal Central Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida pela sociedade «F......., LDA» na sequência da decisão de indeferimento expresso que recaiu sob a reclamação graciosa que, sob o n.º…………., correu termos no Serviço de Finanças de Alenquer, tendo por objecto o acto de liquidação de Imposto do Selo (IS) do ano de 2008, relativa à aplicação da verba 27.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).

Terminou as suas alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:

« A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial, que teve por objeto a decisão de indeferimento de reclamação graciosa, e assim, consequentemente anular a liquidação impugnada de Imposto do Selo, efetuada pela Conservatória do Registo Comercial de Alenquer em 01-04-2010, referente ao aumento de capital social datado de 01-08-2008, no montante de €16.965,43, ao abrigo do disposto na verba 27.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

B. A Fazenda Pública entende que a redação da Verba 26.3 da TGIS exclui a sua aplicação às situações em que existe um aumento de capital social que não seja exclusivamente em espécie, como a situação presente nos autos, em que parte da entrada foi em numerário. 

C. Por outro lado, o direito fiscal prevê o tratamento do trespasse: na realização do capital das sociedades com a transferência, nos termos do artigo 38° do CIRS, tem vindo a ser tratada, como sendo uma operação de trespasse sujeita ao Imposto do Selo prevista no artigo 27° da Tabela Geral; em sede de IVA no que respeita ao tratamento das transmissões a título oneroso de um estabelecimento comercial, ou parte dele, que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, as mesmas estarão abrangidas pela regra de não sujeição constante do n.° 4 do artigo 3.° do Código do IVA,

D. Considerando a situação fática dos autos, provada, verificamos que, ad cautelam e em teoria, até poderia ser aplicável a verba 26.3 da TGIS, por estarmos perante um aumento de capital com a entrada de um bem, mas considerando que a verba 27.1 da TGIS tem apenas como critério o elemento trespasse, então deve-se entender que a verba 27.1 da TGIS engloba todas as situações em que estejamos perante uma situação de trespasse, quer seja uma mera transmissão onerosa, quer seja um entrada como aumento de capital social, constituindo o tratamento fiscal do trespasse em sede de imposto do selo.

E. Mais ainda, conforme resulta dos factos provados, designadamente do facto provado 2), em termos práticos, verifica-se que a sócia C....... deu de entrada o estabelecimento comercial “F.......” que se confunde com a própria sociedade comercial, designada F....... Lda, ora impugnante.

F. Logo, sempre atendendo ao objeto e designação da Impugnante, verifica-se que o desígnio material na operação de entrada da sócia C....... constitui numa transmissão do estabelecimento comercial de farmácia para o ativo da Impugnante.

G. Pelo que, à luz do princípio da prevalência da sustância sobre a forma, estamos perante um efectivo e real trespasse do estabelecimento comercial “F.......” da sócia C....... para a sociedade F....... Lda, ora Impugnante.

H. Portanto, pelas razões elencadas, nas suas várias perspetivas, entendemos que mal andou o douto Tribunal “a quo”, com o devido respeito, incorrendo em erro de julgamento, ao considerar a aludida aplicação da verba 26.3 da TGIS, por oposição à verba 27.1 da TGIS, conforme defende a Fazenda Pública.


Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!»


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A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
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Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal Central Administrativo, pugnou no seu douto parecer pela improcedência do recurso.
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Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a questão a decidir é a seguinte:

- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por considerar que as operações de aumento de capital social de sociedade comercial, mediante entrada em espécie estão sujeitas à aplicação da verba 26.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).


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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1) Em 1 de Agosto de 2008 a Impugnante procedeu a um aumento de capital social no montante de Euros 40.382,38;

2) Desse montante, a parte de Euros 20.191,19 foi efectuada em dinheiro, sendo que a parte restante, de igual montante, correspondeu a uma entrada em espécie, com a transmissão, pela sócia C......., do estabelecimento comercial de farmácia, denominado "F.......", com todo o seu activo e passivo;

3) Em 01.04.2010 a Impugnante procedeu ao registo de aumento de capital, junto da Conservatória do Registo Comercial de Alenquer;

4) Em 01.04.2010 foi liquidado à Impugnante, imposto de selo, no montante de Euros 16.965,43, ao abrigo da verba 27.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo;

5) Da liquidação de imposto de selo foi interposta pela Impugnante reclamação graciosa, a qual foi indeferida por despacho de 28.04.2011, por subdelegação, do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa;

6) Tomou a decisão da reclamação graciosa, os seguintes fundamentos:


«imagem no original»






Com interesse para a decisão da causa, nada mais se provou.

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A decisão da matéria de facto foi tomada com base nas posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, não contrariadas, bem como nos documentos juntos aos autos e não impugnados.»
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B. DO DIREITO

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial deduzida na sequência da decisão de indeferimento expresso que recaiu sob a reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de Imposto do Selo efetuada pela Conservatória do Registo Comercial de Alenquer em 01.04.2010, referente ao aumento de capital social datado de 01.08.2008, no montante de €16.965,43, por aplicação da verba n.º 26.3 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

Para sustentar este seu julgamento, o Tribunal expendeu a fundamentação que aqui, na parte relevante se transcreve: « [a] amplitude da redação da norma da verba n.º 26.3 da TGIS, ao prever a “tributação das operações de aumento de capital social mediante a entrada de bens de qualquer espécie” (excepto numerário), não pode deixar de incluir no seu âmbito a transmissão de estabelecimento comercial, com todo o seu activo e passivo, devendo ser excluída a aplicação da verba 27.1 da TGIS, porque, na essência do que está em causa, corresponde a negócio jurídico distinto.

Resulta claro das conclusões de recurso que a questão fundamental que importa dirimir, prende-se, em saber se, qual a taxa aplicável à operação de aumento de capital social datado de 01.08.2008, levada a cabo pela Impugnante (doravante recorrida) a qual ascendeu a € 40.382,38, correspondente a uma entrada em dinheiro, no montante de € 20.191,19, pelo sócio A....... e outra no valor de € 20.191,19, correspondente a uma entrada em espécie por parte da sócia C....... [Crf. 1) e 2) do probatório] se a prevista na verba 26.3 da TGIS como entendeu o Tribunal «a quo» ou a prevista na verba 27.1 como defende a Fazenda Pública ( doravante recorrente).

Vejamos, então.

Para o efeito, há que começar pelo enquadramento legal, ainda que sucinto, da situação dos autos.

Nos termos do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (IS), «[o] imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens».

Do Código do Imposto do Selo (IS) e da respectiva Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS) aprovados pela Lei. n.º 150/99, de 11 de Setembro, não decorria qualquer sujeição a tributação do aumento de capital das sociedade comerciais qualquer que fosse a modalidade adotada pelos interessados.

Com a entrada em vigor do DL nº 322-B/2001, de 14 de Dezembro, foi aditada a verba 26.3 à TGIS anexa ao Código do Imposto de Selo (IS), passando a estar sujeito a IS, à taxa de 0,4%, o «[A]umento do capital social de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie; sobre o valor real dos bens de qualquer natureza entregues ou a entregar pelos sócios após dedução das obrigações assumidas e dos encargos suportados pela sociedade em consequência de cada entrada».

A verba 26.3 da TGIS (na redacção introduzida pela Lei n.º 67- A/2007, de 31/12, por força do princípio «tempus regit actum», consagrado no artigo 12.º n.º3 da Lei Geral Tributária (LGT)) determinava o seguinte: «[A]umento do capital social de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie; excepto numerário, sobre o valor real dos bens de qualquer natureza entregues ou a entregar pelos sócios, após dedução das obrigações assumidas e dos encargos suportados pela sociedade em consequência de cada entrada – 0,4%

A norma transcrita é uma verdadeira norma de incidência objetiva a imposto do selo sobre aumentos de capital e como tal deve ser interpretada nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.

Desta forma, a expressão «Aumento do capital social de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie» inscrita na verba 26.3, deve à luz de uma interpretação sistemática da norma em causa, ser entendida em sentido amplo, de modo a abranger a situação em que o aumento de capital social seja efetuado por entrada em espécie (bens diferentes de dinheiro) de estabelecimento comercial. - sublinhado nosso - .

Aliás, a recorrente acaba por reconhecer isso mesmo, pois admite que « [e]m teoria, até poderia ser aplicável a verba 26.3 da TGIS, por estarmos perante um aumento de capital com a entrada de um bem».

Não obstante, defender em última linha, que « [d]eve-se entender que a verba 27.1 da TGIS engloba todas as situações em que estejamos perante uma situação de trespasse, quer seja uma mera transmissão onerosa, quer seja um entrada como aumento de capital social.» uma vez que tem apenas como critério o elemento «trespasse».

Efectivamente, da dimensão normativa da verba nº 27.1 da TGIS, decorre que o imposto do selo incide sobre as seguintes transferências onerosas de actividades ou de exploração de serviços: 27.1 «Trespasses de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola», todavia, como supra se referiu o acto tributário da verba 26.3 da TGIS, como expressamente refere essa disposição legal, é o aumento de capital e já não transferências onerosas de actividades ou de exploração de serviços.

Veja-se a este o entendimento da Administração Tributária nas duas Informações Vinculativas relativas à verba. 27.1 da TGIS, proferidas respectivamente nos processos:

- 2010003290, com Despacho concordante do Director- Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 15.11.2013: «Em face da lei atual deve entender-se que só incide imposto do selo da verba 27.1 da TGIS sobre a constituição de uma sociedade em que se verifica que a entrada de um dos sócios é realizada em espécie, mediante a transferência para a nova sociedade do património (ativo e passivo) que constitui o estabelecimento comercial do contribuinte, quando o mesmo integre a transmissão do direito de arrendamento urbano para fins não habitacionais. Afirmando-se na petição que "na situação de entrada de activos como sucede no caso em apreço, em que não se incluirá prédio ou parte de prédio objecto de arrendamento, não se verifica … a transmissão da posição do locatário independentemente da vontade do locador", constata-se que não está preenchido aquele requisito, logo, sobre a operação referida não incide imposto do selo da verba 27.1

( http://www.taxfile.pt/file_bank/news4316_12_1.pdf)

- 4/2011002704, com Despacho concordante do Director - Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 02.01.2014, « Em face da lei atual deve entender-se que só incide imposto de selo da verba 27.1 da TGIS sobre a constituição/aumento de capital de uma sociedade em que se verifica que a entrada de um ou mais sócios é realizada em espécie, mediante transferência para a nova sociedade do património (activo e passivo) que constitui o estabelecimento comercial do(s) contribuinte(s), quando o mesmo integre a transmissão do direito de arrendamento urbano para fins não habitacionais

(http://www.taxfile.pt/file_bank/news4316_11_1.pdf)

No caso, conforme se extrai da Acta da Assembleia Geral em que foi deliberado o aumento do capital da sociedade denominada «F....... Lda» a sócia C......., procedeu ao aumento de capital mediante a entrega do estabelecimento comercial denominado «F.......» propriedade da mesma.

Ora, verificando-se que inexiste qualquer contrato de arrendamento sobre o imóvel onde a farmácia exerce a sua atividade, deve concluir-se, assim, que não se encontram reunidos os elementos necessários para que a operação se encontre sujeita a imposto do selo da verba 27.1 da TGIS .

Isto porque no âmbito de aplicação da verba 27.1 da TGIS, como de resto reconhece a Administração Tributária, só se está perante um trespasse sujeito a imposto do selo quando a operação de transmissão onerosa de um conjunto de elementos corpóreos e incorpóreos organizados para a prática de uma atividade comercial ou industrial for acompanhada do direito ao arrendamento do imóvel onde era desenvolvida a actividade.

IV. CONCLUSÕES

No âmbito de aplicação da verba 27.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, só se está perante um trespasse sujeito a imposto do selo quando a operação de transmissão onerosa de um conjunto de elementos corpóreos e incorpóreos organizados para a prática de uma actividade comercial ou industrial for acompanhada do direito ao arrendamento do imóvel onde era desenvolvida a actividade.

V.DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes que integram a da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 11 de Março de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês]

(Ana Pinhol)