Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:344/08.3 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:COMPETÊNCIA DO AUTOR DO ATO
FATURAS FALSAS
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. Cada órgão da pessoa coletiva Estado deve atuar dentro dos limites das suas competências, sendo que tais competências podem ser próprias ou delegadas.

II. Existindo despacho de subdelegação de poderes, que subdelega em chefe de divisão poderes para sancionar todos os RIT e informações concluídas pela IT, o despacho de concordância de tal chefe de divisão, proferido sobre o RIT em causa, foi-o proferido por quem detinha competência para o efeito.

III. O princípio do contraditório está associado com o princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito.

IV. Tendo o contribuinte sido notificado para intervir em vários momentos do procedimento inspetivo (e tendo efetivamente intervindo) e não se vislumbrando a existência de qualquer situação sobre a qual não tivesse sido chamado a pronunciar-se, não foi violado o princípio do contraditório.

V. Em respeito pelo princípio do inquisitório, a AT deve realizar todas as diligências ao seu alcance, por forma a atingir a verdade material e, assim, o interesse público.

VI. No entanto, o alcance do princípio do inquisitório deve ser interpretado considerando as exigências em termos de distribuição do ónus da prova.

VII. Cabe à AT o ónus da prova da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais.

VIII. Reunidos os indícios mencionados em VII., cabe ao Impugnante a demonstração da efetividade das operações tituladas pelas faturas.

IX. A demonstração da efetividade das operações em causa exige alegação e prova concreta e circunstanciada das mesmas.

X. Não pode ser admitido um custo / gasto relativo a uma fatura cujo emitente não foi, com grande probabilidade, face aos indícios recolhidos, e atenta a falta de prova, o efetivo prestador dos serviços ali elencados.

XI. A alegada má-fé de terceiros tem de ser cabalmente alegada e provada.

Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

FN – F. N., Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 06.02.2013, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2004.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nas suas alegações, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“A) A Juiz a quo ao invés de analisar o despacho de delegação de competências, reproduzido na p.i., decide de forma puramente abstrata, dissertando (sumariamente) sobre as situações em que ao abrigo do art. 16º n.º 3 do CIRC o Director de Finanças pode efectuar a delegação das suas competências.

B) A Juiz a quo reproduz apenas parcialmente o ponto 1.1. do despacho – cfr. al.K) da matéria assente-, assim, inquinando a sua decisão pois omite a parte final do parágrafo que menciona que a delegação em acções inspectivas é «nos termos e com os limites fixados nos números seguintes».

C) E, os números seguintes do despacho, como bem apontou a recorrente, não contêm qualquer menção aos art.ºs 20º e 23º do CIRC, com base nos quais foram efectuadas as corrrecções impugnadas, pelo que, sendo o despacho omisso quanto a estes dispositivos, o despacho em apreço constitui por si só um limite à competência da Chefe de Divisão em termos de correcção da matéria colectável de IRC, ainda que decorrente de uma acção inspectiva.

D) Donde se conclui que andou mal a Juiz a quo, pois a Chefe de Divisão é incompetente para proferir o despacho concordante com a proposta de determinação da matéria colectável de € 261.573,94 e, em consequência, para sancionar a liquidação de IRC no valor de 57.346,79 €.

E) Mais, o despacho referido na alínea anterior não faz menção expressa ao acto de delegação de competências, pelo que, nos termos do art.º 120.º do CPA, este é um acto nulo.

F) Consequentemente, a notificação efectuada à recorrente através do ofício 38.795 de 30-11-2007 está também ferida de nulidade, de acordo com o n.º 9 do art.º 39.º da LGT e, por via disso, também o é a liquidação no valor de 57.346,79 €, posteriormente notificada à recorrente.

G) Refere a Juiz a quo que «da petição inicial (artigos 8º a 17º) não se vislumbra, nem a impugnante concretiza em que termos foram pela administração tributária violados os referidos princípios do contraditório e inquisitório», o que revela alguma incúria da Juiz a quo na leitura global da p.i. pois a matéria que a Juiz a quo entende estar omissa, consta dos artigos 25º e seguintes sob a epígrafe “garrafal” «IV – DO RCPIT E DA LGT».

H) A violação dos artigos 5º, 6º e 8º do RCPIT, mormente no que concerne aos princípios da verdade material e do contraditório, destacados no artigo 25º da p.i., decorre do facto alegado no artigo 27º da p.i., ou seja, a não audição dos senhores O. G. e J. M., nem tão pouco o Sr. A. B., TOC do Sr. J. M., identificados no direito de audição.

I) O seu depoimento era e é tão fundamental que, em face da prova produzida em julgamento, a intervenção do Sr. J. M. consta dos factos provados sob as alíneas M) a R), alíneas P), Q) e R), que se dão aqui como integralmente reproduzidos.

J) Destarte, da não inquirição destas testemunhas decorre necessariamente a violação do princípio do inquisitório previsto no art. 58º da LGT, pois a AT bastou-se com a aparência da verdade e não com a verdade material, o que, aliás, também foi um erro cometido pela Juiz a quo.

K) Verdade material que consiste no facto de que a obra efectivamente existiu e foi concluída e que a recorrente teve custos com a mesma, logrando provar os mesmos, designadamente, com os respectivos meios de pagamento, matéria que foi dada como provada.

L) Acresce que, como consta do art. 30º a 32º da p.i., apesar da acção de fiscalização ter durado cerca de 8 meses, jamais a DDF Setúbal se deslocou ao local da obra (Montijo) a fim de indagar se os trabalhos foram ou não realizados, o que permitiria carrear factos para o processo inspectivo que justificariam a indispensabilidade dos custos.

M) Assim, as conclusões constantes do relatório, por violação dos referidos princípios e, ademais, porque as erradas conclusões do relatório motivadas por prova deficiente, da exclusiva responsabilidade da AT, tiveram como consequência directa a determinação da matéria colectável por via da não aceitação da facturação da A., nos termos do n.º 1 do art. 201º do CPC, aplicável por força do art. 2º da LGT, são nulas.

N) Donde decorre, nos termos do n.º 2 do 201º do CPC, a anulação de todo o processado desde aquele momento, designadamente, do acto subsequente de liquidação de IRC, no valor de € 57.346,79.

O) Salvo melhor opinião, entende-se que este comportamento por parte da AT fere ainda o disposto na alínea b) do art.º 9.º e n.º 1 do art. 18º, ambos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

P) No tocante à correcção que consistiu na não aceitação das facturas 70 e 74 emitidas pela A. – C., Lda (A.) não se pode invocar o art.º 23.º do CIRC para a sua fundamentação, pelo que andou mal a Juiz a quo, seguindo as conclusões do relatório da inspecção, mais uma vez optando pela aparência da verdade e não pela verdade material, num raciocínio simplista e breve, incompatível com a complexidade da questão.

Q) Chamando à colação os factos mencionados supra na alínea I), é contraditório e incompreensível que, na perspectiva da Juiz a quo, os mesmos sejam irrelevantes porque a A. não foi a empresa que prestou esses serviços, ainda que tenha ficado demonstrado pelo depoimento da 2ª testemunha que a recorrente aceitou de boa fé as informações e instruções que lhe foram dadas, afinal, pelo principal interveniente na obra, Sr. J. M. (depoimento gravado em cassete áudio, lado A da volta 1154 até ao final do lado A e à volta 0613 do lado B, da gravação feita nos autos 330/08.3BEALM – cassete 1).

R) Portanto, é fácil concluir que para a Juiz a quo, se o Sr. J. M. tivesse indicado outra empresa na qual tivesse uma participação social, a correcção de IRC efectuada à recorrente já seria ilegal.

S) Tal raciocínio, face ao que ficou demonstrado pelo depoimento da 2ª testemunha (depoimento gravado em cassete áudio, lado A da volta 1154 até ao final do lado A e à volta 0613 do lado B, da gravação feita nos autos 330/08.3BEALM – cassete 1), faz recair o ónus da correcção sobre a recorrente por factos decorrentes da má fé de terceiro (cfr. al. R) dos factos assentes), o que é inadmissível, tanto mais que a recorrente só soube que o Sr. J. M. tinha mentido quanto à facturação quando é notificada do relatório de inspecção.

T) Assim, quem faltou à verdade material, contabilística e fiscal não foi a recorrente, que liquidou na íntegra com cheques nominativos as facturas processadas, liquidando o IVA, que suportou, mas sim o Sr. J. M. cujo comportamento ilícito, tanto quanto se julga saber, a DDF de Setúbal deixou passar em claro.

U) Ao contrário do que se defende na sentença recorrida, a recorrente fez a prova da materialidade das operações subjacentes aos documentos questionados pela AT, tanto por prova documental (designadamente, cheque n.º 4833600203 s/ o B. para a S. e cheque n.º 4833600202 para A., ambos de 22-05-2004, no valor de € 238.000,00, cada) como por prova testemunhal (cfr. depoimento da 2ª testemunha, gravado em cassete áudio, lado A da volta 1154 até ao final do lado A e à volta 0613 do lado B, da gravação feita nos autos 330/08.3BEALM – cassete 1)).

V) Mesmo que alguma responsabilidade se quisesse atribuir à recorrente, no que não se concede, como de referiu na p.i., a AT só considerou a A. cessada a partir de 31- 12-2005 (cfr. extracto do relatório a fls. 3 da sentença recorrida), donde decorre que em 2004 nunca a recorrente poderia ter conhecimento desta informação disponibilizada pela AT, sendo que até para esta a A., à data dos factos, era tida como idónea.

W) Logo, para efeitos de IRC a questão decidenda reside em se saber se os custos não aceites pelos serviços da AT são ou não indispensáveis para a realização dos proveitos e, como já se referiu supra, a recorrente logrou comprovar a sua indispensabilidade.

X) É que, a AT considerou a contabilidade da recorrente como regularmente organizada, que as transacções foram comprovadamente pagas, nunca pôs em causa a indispensabilidade do custo e como se referiu, à data dos factos, a A. era considerada pela AT como contribuinte idóneo.

Y) Assim, tem de se concluir pela indispensabilidade dos custos (de construção e promoção) para a realização dos proveitos (obra do Bowling), porque «Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se que a análise de um concreto custo seja feita em função da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa» - Acordão do TCAN de 12- 01-2012 proferido no processo 624/05.

Nestes termos, nos mais de Direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada e, por via disso, decretar-se:

a) A nulidade do acto administrativo de despacho, concordante com o Relatório da Inspecção Tributária, em que foi fixada a Matéria Colectável com recurso a meras correcções aritméticas, por incompetência da Chefe de Divisão, G. Z. e, consequentemente, a anulação todos os actos posteriores, nomeadamente o referente à liquidação de IRC.

b) A não se entender assim, no que não se concede, a violação do disposto nos art.ºs 16.º e 23.º do CIRC, o art.º 35.º do CPA, o n.º 2 do art.º 104.º da CRP, os art.ºs 5.º, 6.º e 8.º do RCPIT, os art.ºs 55.º e 58.º da LGT, e o n.º 9 do art.º 39.º do CPPT e, por via disso, a nulidade do despacho de 30-11-2007 do Chefe de Divisão G. Z.

c) Consequentemente, e para efeitos de IRC, a anulação de todos os actos posteriores, mormente a liquidação de IRC do exercício de 2004, no valor de € 59.177,30. assim se fazendo

Justiça!”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, por vício de incompetência?

b) Há erro de julgamento, em virtude de a administração tributária (AT) não ter respeitado, na sua atuação, os princípios do contraditório e do inquisitório?

c) Verifica-se erro de julgamento, quanto à prova da materialidade das operações?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) - Em 24 de Novembro de 2000 foi celebrado um acordo entre a ora impugnante representada pelos sócios gerentes F. N. e J. G. e a E. – S. D. I., Lda., representada pelos sócios gerentes J. M. e O. G. relativamente à edificação num prédio de que eram comproprietárias de um ou mais imóveis nos termos e condições constantes do referido acordo (cfr. fls. 121/127).

B) - A ora impugnante foi objecto de uma acção de inspecção de âmbito parcial (IRC e IVA) aos exercícios de 2003 e 2004 como consta do relatório de inspecção de fls. 2/104 do processo administrativo em apenso.

C) - A actividade da empresa enquadra-se no regime geral de tributação em IRC, sendo tributada pela actividade de “Construções de Edifícios” a que corresponde o CAE 45211, com sede na área do Serviço de Finanças de Setúbal-1 e no período em análise, a actividade consistiu na construção e venda de imóveis e ainda na prestação de serviços em trabalhos de construção civil, a várias empresas (fls.l 1 do apenso).

D) - Os serviços de inspecção detectaram irregularidades em relação ao fornecedor A. – C. Lda. tendo sido efectuadas diversas diligências pela inspecção tributária no sentido de averiguar a veracidade das facturas emitidas por esta empresa e contabilizadas na impugnante F.N. F. N. Lda., tendo feito constar do relatório o seguinte:

“2. Fornecedores

Uma vez que foram detectadas irregularidades em relação ao fornecedor A. – C., Lda, foram feitas diversas diligências no sentido de averiguar a veracidade das facturas emitidas por esta empresa e contabilizadas na empresa F. N. F. N., Lda.

2.1. A. C., Lda

Na contabilidade da sociedade F. N. F. N., Lda, encontra-se registada como custo do exercício de 2004, duas facturas emitidas em nome de A. – C., Lda, com a designação de “serviços prestados na vossa obra, Montijo conforme auto de medição em anexo” (anexo 13).

A factura n.° 70 foi contabilizada na conta 62.1.1.1.2. Subcontratos - Pessoas Colectivas (anexo 14), por contrapartida da conta 22.1.1.0.0.1.2. A. – C., Lda (anexo 15), e na mesma data contabilizou o pagamento na conta 12.0.1. Banco B., através de cópia de cheque e do recibo (anexo 16).

Em relação à factura n° 74, verificou-se que também foi contabilizada na conta 62.1.1.1.2. Subcontratos - Pessoas Colectivas (anexo 14), directamente por contrapartida da conta 12.01 Banco B., tendo como documento de suporte cópia da factura, recibo e cheque (anexo 17).

Em sede de IVA a sociedade A. – C., Lda declarou cessação da actividade em 2005/12/31, nos termos da alínea a) do n°l do artigo 33 do CIVA.

Uma vez que o domicílio fiscal era na área do serviço de finanças de Barcelos, foi levada a cabo uma acção inspectiva pela Direcção de Finanças de Braga, ao contribuinte A. – C., Lda, comNIPC: ….848.

Em cumprimento dessa acção inspectiva, foram detectadas situações graves, reveladoras de que o sujeito passivo emitiu facturas que titulam operações simuladas, conforme relatório de inspecção elaborado pela Direcção de Finanças de Braga, as quais passamos a descrever:

- “Utilização de números de facturas anuladas emitindo outras com o mesmo número, com valores diferentes e datas idênticas ou iguais

- “Emissão de facturas com números posteriores ao último registado na contabilidade, sendo que as emitidas à F. N. F. N., Lda são as n. °s 70 e 74 datadas de Abril e Maio e a última factura contabilizada na A. – C., Lda é a n. ° 54 e tem data de Dezembro(de 2004);

- “Diferenças na estrutura das facturas ”/

- O gerente da A. – C., Lda, Sr. J. S., foi ouvido em auto de declarações, tendo mencionado que as facturas emitidas para, entre outras empresa, F. N. F. N., Lda, não eram verdadeiras, não correspondiam por isso a serviços efectivamente realizados. Referiu ainda que se deslocava ao banco com outra pessoa e que na companhia desta endossava os cheques ficando o dinheiro na mão desta pessoa que depositava o dinheiro noutra conta que desconhece ”.

- “Da análise efectuada à empresa, constataram ainda pouca capacidade produtiva. Imobilizado existente diminuto. Não tem qualquer carro registado em nome da empresa, nem qualquer contrato de leasing que justifique a existência de um veículo automóvel”;

- “Contabilizou elevados valores nas rubricas de subcontratos” (cerca de 98% do total dos serviços prestados). “No entanto, referem-se a empresas não declarantes quer em sede de IVA quer em sede de IRC, tendo sido concluído pela Direcção de Finanças do Porto que algumas facturas contabilizadas em subcontratos são fictícias

- “No decurso da acção inspectiva efectuada pela Direcção de Finanças de Braga, foram contactadas algumas empresas utilizadoras das facturas emitidas pela A. – C., Lda que admitiram que as facturas referiam-se a transacções fictícias e de imediato procederam à regularização do IVA deduzido com respectivo meio de pagamento”. (Ver anexo 18 - informação e auto de declarações).

2.2. Orçamentos/Autos de Medição

A sociedade F. N. F. N., Lda, foi notificada na pessoa do sócio gerente F. N., para apresentar comprovativos da aquisição dos serviços prestados à sociedade A. C., Lda, nomeadamente fotocópia de eventuais contratos de empreitada, orçamentos, autos de medição, ou qualquer outro documento comprovativo da realização dos trabalhos referidos nas facturas emitidas pela A. – C., Lda (anexo 8), não tendo sido apresentado quaisquer documentos.

2.3. Auto de declarações

Em auto de declarações o sócio-gerente declarou que foi necessário requisitar serviços a empresas sedeadas no Norte do País, como foi o caso da empresa A., para execução da obra nas fracções “D”, “E”, “F”, “G” do artigo da matriz 1844 (Obra do “Bowling” no Montijo) (anexo 19).

No entanto, também até esta data não foram apresentados quaisquer orçamentos, contratos de empreitada ou mesmo autos de medição mencionados nas facturas emitidas pela sociedade A. – C., Lda.

2.4. Conclusão

Face aos elementos descritos anteriormente, afígura-se-nos que as prestações de serviços mencionadas nas facturas emitidas pela sociedade A. – C., Lda não correspondem, efectivamente, a transacções comerciais por esta efectuadas e consequentemente a encargos reais suportados pela sociedade F. N. F. N., Lda com vista à obtenção dos seus proveitos, sendo de realçar os seguintes aspectos:

- As facturas contabilizadas na sociedade F. N. F. N., Lda têm numeração posterior à última factura contabilizada na A. – C., Lda;

- Inexistência de contratos de empreitada, autos de medição ou orçamentos referentes à obra facturada pela A.;

- Empresa com pouca capacidade produtiva, com poucos trabalhadores e sem qualquer registo de viaturas afectas à actividade;

- Da consulta ao sistema informático da DGCI verificou-se que a sociedade A. – C., Lda declarou a cessação da actividade em 31/12/2005 (alínea a) do n° 1 do art° 33 do CIVA). No entanto, não procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2005. E em relação à declaração anual de informação contabilística e fiscal do exercício de 2005 apenas entregou o anexo J.

A falta de elementos que comprovem a realização dos trabalhos facturados pela sociedade A., nomeadamente, contratos, orçamentos, autos de medição e ainda os factos descritos na informação proveniente da Direcção de Finanças de Braga, tendo o sócio-gerente da sociedade A. declarado que os valores facturados não correspondem a serviços efectivamente realizados e que era prática este efectuar o levantamento do cheque sendo esses valores posteriormente depositados noutras contas, conclui-se que as facturas emitidas pela A. – C., Lda à F. N. F. N., Lda titulam operações simuladas, pelo se procederá à respectiva correcção” (cfr. fls. 25/28 do apenso).

E) - E concluíram que em sede de IRC “os valores contabilizados com base nas facturas emitidas em nome das sociedade A. – C., Lda vão ser acrescidos ao resultado tributável do exercício de 2004, num total de € 283.735,67, uma vez que as mesmas não titulam custos indispensáveis à realização dos proveitos da empresa, infringindo desta forma o disposto no art.° 23° do CIRC.

Donde resulta o seguinte o lucro tributável corrigido:

F) - Em 15/11/2007 foi requerido pelo ora impugnante prorrogação de prazo para o exercício do direito de audição prévia e em 21/11 /2011 foi exercido por escrito o direito de audição prévia sobre o projecto de relatório da acção de inspecção (cfr. fls. 144/164 do apenso).

G) - Sobre o requerimento de audição prévia os serviços de inspecção referiram o seguinte:

“IX. DIREITO DE AUDIÇÃO

Em 6 de Novembro de 2007, o contribuinte foi notificado pessoalmente do Projecto de Conclusões do Relatório nos termos previstos nos art.° 60° da Lei Geral Tributária e art.° 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária para, no prazo de 10 dias, exercer o direito de audição (Anexo 28).

No dia 15 de Novembro de 2007, o sócio-gerente J. N., deslocou-se aos serviços de Inspecção Tributária - Divisão II (Setúbal) a fim de requerer que o prazo para exercer o direito de audição fosse prorrogado por mais 5 dias (anexo 29). Uma vez aceite o pedido, informámos de imediato a sociedade que teria como prazo para se pronunciar do projecto de relatório não o limite mínimo de 10 dias mas sim o limite máximo estabelecido por lei (15 dias), de acordo com o art° 60°, n° 6 da LGT e art° 60°, n° 2 do RCPIT.

Em 21 de Novembro de 2007, o sujeito passivo exerceu o direito de audição, por escrito (anexo 30) alegando que discorda da correcção constante do ponto 4.1. do presente relatório, no que se refere ao facto da administração fiscal considerar os custos contabilizados com base nas facturas emitidas pela sociedade “A. – C., Lda” como falsos.

Nos pontos 4 a 29 do direito de audição, o sujeito passivo invoca as razões pelo qual não concorda com a não aceitação como custo para efeitos fiscais dos valores suportados pelas facturas emitidas pela sociedade A. – C., Lda, bem como a não aceitação da dedução do correspondente IVA, uma vez que se concluiu que as referidas facturas não titulam verdadeiras transacções.

Concretamente, as alegações do sujeito passivo quanto à questão atrás referida foram as seguintes:

- “Conforme consta do relatório a sociedade pagou os serviços prestados por aquele senhor através de cheques nominativos emitidos em nome, do que se suponha ser uma das suas sociedades (A. – C., Lda); ”

A sociedade vem referir que pagou os serviços prestados pelo sr° J. M. e que não teve qualquer transacção comercial com a sociedade “A.”. Refere ainda que passou os cheques referidos no ponto 111.2.1. do presente relatório à ordem da “A.”, pensando que estaria a passar à ordem de uma sociedade da qual, o sr° J. M., seria sócio. Este facto vem reforçar uma vez mais que se tratou de uma transacção fictícia, uma vez que os sócios da F. N. F. N., Lda desconheciam a existência desta sociedade e quem eram os seus representantes legais.

- “Foi acordado entre as sociedades F. N. F. N., Lda e E., Lda (administradores: Sr.s J. M. e O. C. G.), a realização de uma obra no Montijo, na ENn°5, freguesia do A.; ”

A sociedade apenas junta em anexo cópia do registo predial da aquisição de um prédio urbano que adquiriu em conjunto de um prédio urbano e não junta em anexo, qualquer documento referente ao acordo estabelecido entre ambas as sociedades, para a realização da obra no Montijo.

- “(...) Esta operação implicou a venda do imóvel ao banco, cessando a ligação da E. a este negócio; ”Porém as pessoas referidas no ponto 8 (J. M. e O. G.) manifestaram o seu interesse comercial na manutenção do negócio (...)“; "Na verdade, tanto o sr. J. M. e O. G., informaram que eram detentores de sociedades que iriam desenvolver aquelas actividades necessárias à concretização do negócio’".

Através dos documentos da escrita da sociedade E. N. F. N., Lda, verificou-se que efectivamente a sociedade teve transacções comerciais com sociedades das quais os senhores referidos são sócios, nomeadamente as sociedades G., M., F., S., B. Mas estas transacções encontram-se devidamente registadas e suportadas com orçamentos e cópia de cheques.

- "Assim, e após o recebimento em 21Mai2004, do pagamento da importância de 1.245.415,35 €, efectuado pelo B., houve necessidade de acertar contas, porquanto ficou acordado que o valor da remuneração dos trabalhos desenvolvidos pelas sociedade dos sr.s J. M. e O. G. seria de 50% da margem bruta obtida pela venda das fracções;”

A sociedade faz referência a um acordo estabelecido com os sr,s J. M. e O. G., para acerto de contas, no entanto, não apresentou no direito de audição qualquer documento justificativo desta situação.

Aliás ao longo da acção inspectiva foi-nos omitida toda a problemática da obra feita em parceria com a E., Lda, não estando reflectida portanto na Contabilidade o negócio entre ambas, agora descrito no direito de audição.

- “Na referida ocasião a signatária foi instruída no sentido de os cheques serem emitidos à sociedade (...) A., detida pelo sr. J. M.”. Mais ficou acordado que, no mais curto espaço, aquela sociedade deveria proceder à emissão das facturas. Uma vez que não houve qualquer transacção comercial com a sociedade “A. — C., Lda” não havia razão nenhuma para serem passados cheques à ordem desta. O cheque passado à A. não corresponde a um pagamento real, uma vez que não existia qualquer negócio com esta sociedade, nem mesmo existiam quaisquer facturas emitidas, tendo sido as mesmas emitidas posteriormente à emissão cheques.

Deste modo, estamos perante um negócio simulado porque não sendo a A. a prestadora dos serviços não tinham aquelas facturas que ser emitidas em nome desta, mas sim em nome do sr. J. M. ou das sociedades que eventual mente ele representasse e tivessem prestado efectivamente os serviços.

Ficou assim demonstrado, no direito de audição, que efectivamente os serviços referidos nas facturas emitidas em nome da sociedade “A. – C., Lda” não foram prestados por esta sociedade, Trata-se assim de facturas que não correspondem a transacções comerciais por esta efectuadas e consequentemente a encargos reais suportados pela sociedade F. N. F. N., Lda com vista à obtenção dos seus proveitos.

O que se afirma no direito de audição, agora que foi levantado o véu sobre a citada parceria, é que a soma dos valores das facturas representam, isso sim, o montante que as duas firmas, E., Lda e F.N. F. N., Lda, acordaram como remuneração dos capitais investidos.

Quer agora o responsável da empresa F.N. F. N., Lda, assumir um papel - o de vítima - quando em auto de declarações (anexo 19 - fls 115 e 116), o sócio-gerente F. N., não se coibiu de afirmar que: “Foi necessário requisitar serviços a empresas sediadas no Norte (por exemplo: A.) para a execução da obra do Bowling referente às fracções D, E, F, G do artigo …4 da freguesia do A.”. Confirma-se assim o propósito assumido de ocultação de todos os elementos caracterizadores do referido negócio (...).

Face ao exposto concluiu-se o sujeito passivo não apresentou no direito de audição elementos que contrariem as conclusões do projecto de relatório, mantêm-se as correcções propostas no Projecto de Relatório” (cfr. fls. 35/39 do apenso).

H) - No relatório de inspecção foi exarado despacho com o seguinte teor “Concordo com os fundamentos de facto e de direito expressos no relatório de inspecção e parecer elaborados para o efeito. Notifique-se nos termos do art. 77° da LGT e do art. 62° do RCIPT. Proceda-se em conformidade. Setúbal, 30 de Novembro de 2007, Por subdelegação do D.F. Adjunto DR II série, n° 87 de 05/05/2006, Gabriela Zeferinó” (cfr. fls. 2 do apenso).

I) - Em 03/12/2007 foi efectuada a liquidação de IRC do ano de 2004 no montante de € 57.346,79 cuja data limite de pagamento ocorreu em 14/01/2008 como consta do processo administrativo em apenso.

J) - Em 14/04/2008 foi enviada a este Tribunal a petição de impugnação de fls. 1/26.

K) - No despacho (extracto) n° 9894/2006 (2a série) publicado no DR II série de 05/05/2006 relativo à subdelegação de poderes na Chefe de Divisão G. Z. no ponto 1.11 consta expressamente “Sancionar todos os relatórios de acções inspectivas, bem como todas as informações concluídas peia inspecção tributária”.

L) - A sociedade A. – C., Lda., encontra-se registada com data de 01/10/2001 na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos e foi constituída pelos sócios J. S. e S. S., sendo gerente J. S. e obrigando-se a sociedade com a assinatura do gerente, encontrando-se ainda registada a sentença transitada em 12/03/2007 de declaração de insolvência e o encerramento do processo de insolvência em 27/06/2007 (cfr. teor de fls. 83/85

M) - O sr. J. M. controlava a obra do bowling e o sr. C. G. fazia os contactos com os fundos imobiliários (cfr. depoimento da Ia testemunha).

N) - A E. não continuou com o negócio por dificuldades de financiamento bancário (cfr. depoimento da 2a testemunha).

O) - O sr. J. M. estava mais ligado à intermediação, subcontratação e acompanhamento da obra (cfr. depoimento da 2a testemunha).

P) - O sr. J. M. tinha várias empresas (cfr. depoimento da 2a testemunha).

Q) - O sr. J. M. acompanhou a obra do bowling e os subempreiteiros contratados (cfr. depoimento da 2a testemunha).

R) - Numa reunião aquando do final da obra, onde estavam presentes J. M. e o seu contabilista, F. N., O. G. e R. L., o J. M. disse para passar o cheque à A. (cfr. depoimento da 2a testemunha)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se mostra provado que as obras realizadas no bowling do Montijo tenham sido efectuadas pela A. – C., Lda., porquanto inexistem quaisquer elementos (para além das facturas emitidas por essa sociedade e cheques emitidos pela impugnante em nome dessa sociedade) que comprovem efectivamente que trabalhos foram realizados, designadamente não foram juntos autos de medição, orçamentos, contratos, mão-de-obra utilizada, etc., e da prova testemunhal resultou apenas que J. M. controlava a obra do bowling, que tinha conhecimentos na área de construção daqueles equipamentos e que detinha várias empresas, mas nenhuma das testemunhas afirmou que a A. era uma das sociedades do sr. J. M.

Sendo certo que o ónus da prova da existência de tais serviços recai sobre a impugnante, a falta desses elementos conjugada com as declarações do sócio-gerente da A. – C., Lda., vertidas no relatório de inspecção, permitem concluir que efectivamente esta empresa não realizou para a impugnante os serviços titulados pelas facturas n°s 70 e 74 constantes de fls. 102 e 103 do processo administrativo em apenso”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo bem como dos depoimentos das testemunhas (melhor identificadas na acta de inquirição de fls. 116/117) e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório”.


II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração(1)ou de se tratar de informação pública.

Nesse seguimento, passa a ser a seguinte a redação dos factos F) e K), transcritos em II.A:

F) - Em 15/11/2007 foi requerido pelo ora impugnante prorrogação de prazo para o exercício do direito de audição prévia e em 21/11 /2011 foi exercido por escrito o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório da ação de inspeção, no qual não foi requerida a audição de quaisquer testemunhas (cfr. fls. 144/164 do apenso).

K) – Foi publicado o despacho (extracto) n° 9894/2006 (2a série), no DR II série de 05/05/2006 relativo à subdelegação de poderes na Chefe de Divisão Gabriela Alves Branco Garrido Zeferino, do qual consta designadamente o seguinte:

“1 - De acordo com a autorização constante do n.º 3 do despacho de 16 de Fevereiro de 2006 do director de Finanças de Setúbal, publicado no Diário da República 2.ª série n.º 50, de 10 de Março de 2006 - despacho (extracto) n.º 5621/2006 (2.ª série) -, e ao abrigo do disposto no artigo 36.º do Código do Procedimento Administrativo e no n.º 2 do artigo 62.º da lei geral tributária (LGT), subdelego nos chefes de divisão de Inspecção Tributária I, II e III, respectivamente, licenciado Artur José Pereira Vale, licenciada Gabriela Alves Branco Garrido Zeferino e licenciado Fernando Augusto da Fonseca Parsotam, as competências que se indicam e pela forma seguinte:

1.1 - A avaliação directa e indirecta da matéria colectável prevista nos n.os 1 e 2 do artigo 82.º da LGT, resultante de processos de acções inspectivas, nos termos e com os limites fixados nos números seguintes;

1.2 - A alteração dos elementos declarados pelos sujeitos passivos para efeitos de IRS, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS, até ao limite de Euro 250 000, por cada exercício;

1.3 - Determinar o recurso à aplicação de métodos indirectos, nos termos do artigo 39.º do CIRS, bem como dos artigos 87.º a 90.º da LGT, até ao limite fixado no número anterior;

1.4 - Proceder à fixação do conjunto de rendimentos líquidos previstos no n.º 2 do artigo 65.º do mesmo Código, até ao limite fixado no n.º 1.2;

1.5 - Determinar o recurso à aplicação de métodos indirectos, nos termos do artigo 54.º do CIRC e dos artigos 87.º a 90.º da LGT;

1.6 - Fixação da matéria colectável sujeita a IRC, nos termos dos artigos 54.º do respectivo Código e 87.º a 90.º da LGT, bem como nos casos de avaliação directa com correcções técnicas ou meramente aritméticas, resultantes de imposição legal, nos termos dos artigos 81.º e 82.º da LGT, até ao limite de Euro 750 000, por cada exercício;

1.7 - Determinar o recurso à aplicação de métodos indirectos nos termos dos artigos 84.º do CIVA e 87.º a 90.º da LGT;

1.8 - Fixação do IVA em falta, nos termos do artigo 84.º do respectivo Código, e dos artigos 87.º a 90.º da LGT, até ao montante de imposto de Euro 50 000 e Euro 125 000, quer se refira a pessoas singulares ou colectivas, respectivamente e por período de imposto;

1.9 - Fixar os prazos para audição prévia, nos termos do artigo 60.º da LGT e do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), no âmbito dos procedimentos de inspecção tributária e praticar os actos subsequentes até à conclusão do procedimento;

1.10 - Proceder à emissão de ordens de serviço para os processos inspectivos programados pelo serviço para execução na respectiva divisão;

1.11 - Sancionar todos os relatórios de acções inspectivas, bem como todas as informações concluídas pela inspecção tributária…” (cfr. informação pública, disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/despacho-extracto/9894-2006-2115697).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto ao vício de incompetência

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto a Chefe de Divisão é incompetente para proferir o despacho concordante com a proposta de determinação da matéria coletável de 261.573,94 Eur. e, em consequência, para sancionar a liquidação de IRC no valor de 57.346,79 Eur. Entende, ademais, que, uma vez que o despacho não faz menção expressa ao ato de delegação de competências, o mesmo é nulo, nos termos do art.º 120.º do Código do Procedimento Administrativo – com a consequente nulidade da notificação efetuada a 30.11.2007 e da liquidação ulteriormente notificada.

Vejamos, então.

O Tribunal a quo considerou que o vício em causa não se verificava, atento o despacho de subdelegação de competências referido em K) do probatório.

E de facto assim é.

Concretizemos.
As pessoas coletivas públicas, onde se integra a pessoa coletiva Estado, têm atribuições, que se podem definir como “os fins ou interesses que a lei (…) [lhes] incumbe de prosseguir ou realizar”(2)
Para a sua concretização, são-lhes conferidos poderes funcionais, sendo que as competências se consubstanciam no conjunto desses poderes funcionais. (3)

Assim, cada órgão da pessoa coletiva Estado deve atuar dentro dos limites das suas competências, sendo que tais competências podem ser próprias ou delegadas.

Nos termos do art.º 62.º da Lei Geral Tributária (LGT; redação à época):

“1 - Salvo nos casos previstos na lei, os órgãos da administração tributária podem delegar a competência do procedimento no seu imediato inferior hierárquico.

2 - A competência referida no número anterior pode ser subdelegada, com autorização do delegante, salvo nos casos em que a lei o proíba”.

Também o art.º 10.º do CPPT (redação à época) prescreve que:

“1 - Aos serviços da administração tributária cabe:

a) Liquidar e cobrar ou colaborar na cobrança dos tributos, nos termos das leis tributárias;

b) Proceder à revisão oficiosa dos atos tributários;

c) Decidir as petições e reclamações e pronunciar-se sobre os recursos hierárquicos apresentados pelos contribuintes;

d) Reconhecer isenções ou outros benefícios fiscais e praticar, nos casos previstos na lei, outros atos administrativos em matéria tributária;

e) Receber e enviar ao tribunal tributário competente as petições iniciais nos processos de impugnação judicial que neles sejam entregues e dar cumprimento ao disposto nos artigos 111.º e 112.º;

f) Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 151.º do presente Código;

g) Cobrar as custas dos processos e dar-lhes o destino legal;

h) Efetuar as diligências que lhes sejam ordenadas ou solicitadas pelos tribunais tributários;

i) Cumprir deprecadas;

j) Realizar os demais atos que lhes sejam cometidos na lei.

2 - Sem prejuízo do disposto na lei, designadamente quanto aos procedimentos relativos a tributos parafiscais, serão competentes para o procedimento os órgãos periféricos locais da administração tributária do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação.

3 - Se a administração tributária não dispuser de órgãos periféricos locais, serão competentes os órgãos periféricos regionais da administração tributária do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação.

4 - Se a administração tributária não dispuser de órgãos periféricos regionais, as competências atribuídas pelo presente Código a esses órgãos serão exercidas pelo dirigente máximo do serviço ou por aquele em quem ele delegar essa competência.

5 - Salvo disposição expressa em contrário, a competência do serviço determina-se no início do procedimento, sendo irrelevantes as alterações posteriores”.

Por outro lado, considerando o constante do art.º 135.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), na redação então em vigor, lido em consonância com o art.º 133.º do mesmo código, o ato praticado por órgão incompetente é anulável.

Prevê o n.º 1 do art.º 137.º do mesmo diploma, a contrario, a possibilidade de ratificação de ato anulável. Concretamente quanto à incompetência, é de chamar à colação o n.º 3 do mesmo art.º 137.º, nos termos do qual o poder de ratificar o ato cabe ao órgão competente para a sua prática. Nos termos do n.º 4 do mencionado art.º 137.º a ratificação retroage os seus efeitos à data dos atos a que respeite.

É ainda de considerar o disposto no então art.º 16.º, n.º 3, do Código do IRC (CIRC), nos termos do qual:

“3 - A determinação da matéria coletável no âmbito da avaliação direta, quando seja efetuada ou objeto de correção pelos serviços da Direcção-Geral dos Impostos, é da competência do diretor de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo, ou do diretor dos Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária nos casos que sejam objeto de correções efetuadas por esta no exercício das suas atribuições, ou por funcionário em que por qualquer deles seja delegada competência”.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, em termos de factualidade pertinente, temos o seguinte, em síntese:

a) Foi publicado, no Diário da República, II Série, de 05.05.2006, despacho de subdelegação de poderes na Chefe de Divisão Gabriela Alves Branco Garrido Zeferino, de cujo ponto 1.11. consta “[s]ancionar todos os relatórios de acções inspectivas, bem como todas as informações concluídas pela inspecção tributária”;

b) Foi proferido despacho de concordância, no relatório de inspeção tributária (RIT), mencionado em G) do probatório, por Gabriela Zeferino, com a indicação “Por subdelegação do D.F. Adjunto DR II série, n° 87 de 05/05/2006”.

Portanto, desde logo, e ao contrário do que refere a Recorrente, no despacho em causa é feita expressa menção ao despacho de subdelegação de competências (sendo que este, por seu turno, foi feito ao abrigo de autorização constante de despacho de 16.02.2006 do diretor de finanças de Setúbal, como expressamente decorre do seu teor). Logo, também a notificação referida não carece da irregularidade que lhe vem assacada nem, naturalmente, a liquidação subsequente.

Sempre se acrescente que a falta de indicação dessa (sub)delegação de competências sempre seria uma mera irregularidade (cfr. neste sentido, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e João Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo, Comentado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1993, p. 280), que não afeta a legalidade do ato.

Por outro lado, o ponto 1.1. do despacho mencionado em K), lido em consonância com o ponto 1.11., nos termos do qual é subdelegado o poder de “[s]ancionar todos os relatórios de acções inspectivas, bem como todas as informações concluídas pela inspecção tributária”, legitima a atuação da dirigente em causa.

Face ao exposto, carece de razão a Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, quanto à violação do princípio do inquisitório

Alega, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao considerar que não foram concretizados os termos da violação dos princípios do contraditório e do inquisitório, o que resulta do art.º 27.º da petição inicial.

Vejamos então.

Antes de mais, refira-se que estamos perante dois princípios com alcances distintos.

Assim, o princípio do contraditório encontra-se previsto no art.º 8.º do então Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT) e está francamente associado com o princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, previsto no art.º 60.º da LGT.

Quanto ao princípio do inquisitório, a obrigação de a administração tributária (AT) o respeitar resulta expressamente, desde logo, do art.º 58.º da LGT, nos termos do qual:

“A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.

Logo, é um princípio que deve estar sempre presente na atuação da AT.

Ao nível da ação inspetiva, também o legislador sentiu necessidade de fazer constar o princípio do inquisitório no art.º 6.º do RCPIT, que, sob a epígrafe verdade material, dispõe que:

“O procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo”.

No fundo, estamos perante uma obrigação de realização de todas as diligências ao alcance da AT, por forma a atingir a verdade material e, assim, o interesse público.

Ao nível do procedimento, o princípio do inquisitório tem, no entanto, limites, limites esses que têm franca relação com a distribuição do ónus da prova.

Por exemplo, caso a lei atribua um específico ónus da prova em sede procedimental ao contribuinte, não pode este, perante a sua própria inércia probatória, sustentar o entendimento de que tais diligências deveriam ser levadas a cabo pela AT, em obediência ao princípio do inquisitório.

Feito este enquadramento, cumpre apreciar.

Quanto ao princípio do contraditório, não se vislumbra, de facto, de que forma o mesmo foi violado.

Com efeito, considerando a decisão proferida sobre a matéria de facto, verifica-se que não só ao longo do procedimento inspetivo a Impugnante foi notificada para esclarecer as situações detetadas e identificadas, mas também que, após a elaboração do projeto de RIT, foi notificada para efeitos de exercício do direito de audição – que exerceu e cujos argumentos foram apreciados pela AT.

No tocante ao princípio do inquisitório, a questão coloca-se a par com a do alcance do ónus da prova a cargo da AT em situações como a dos autos. Como vimos supra, o princípio do inquisitório não tem alcance ilimitado, devendo este ser temperado com as regras de distribuição do ónus da prova.

Concretizemos.

Nos termos do art.º 75.º da LGT:

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.
É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos, designadamente, do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais.(4) Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

In casu, a AT, em sede de RIT, considerou existirem indícios que, de forma séria, abalam a presunção de veracidade dos documentos em causa (faturas emitidas pela sociedade A. C., Lda e respetivo reflexo contabilístico), legitimando a desconsideração dos custos, por não se enquadrarem no âmbito do art.º 23.º do CIRC.

Neste contexto, cabe ao contribuinte demonstrar que, não obstante os indícios coligidos, ou que os mesmos foram insuficientes ou que as operações corresponderam a operações reais.

Foi neste último prisma que a Impugnante centrou a sua argumentação em sede de exercício do direito de audição, onde descreve um contexto fático que, em seu entender, demonstrava o alegado.

Como referimos, cabia-lhe a si, porque era seu o ónus da prova, demonstrar o que alegou, não sendo exigível à AT a realização de diligências adicionais por sua iniciativa. Aliás, refira-se que a audição das pessoas mencionadas pela Recorrente nunca foi requerida em sede administrativa.

Também o facto de a AT não ter visitado a obra em causa não tem o alcance extraído pela Recorrente. Com efeito, em situações como a dos autos, não está necessariamente em causa a não realização de prestações de serviços, mas sim o facto de tais prestações, mesmo a terem sido feitas, não o terem sido pela pessoa que surge na fatura como prestador. É este o ponto central da situação controvertida.

Como tal, considera-se que a AT realizou todas as diligências que lhe cabia levar a efeito, não se vislumbrando qualquer atuação atentatória das normas da nossa lei fundamental, mencionadas, de forma conclusiva, pela Recorrente.

Logo, não assiste razão à Recorrente.

III.C. Do erro de julgamento, por erro nos pressupostos de facto

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto a obra existiu, foi concluída e paga, o que resulta provado. Alega ainda que ocorreu, sim, má-fé de terceiro.

Ao nível do IRC, há que considerar o art.º 23.º do CIRC, na versão então em vigor.

Ou seja, apenas são custos (gastos) aceites fiscalmente aqueles que sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, o que pressupõe, naturalmente, a sua efetividade.

Quanto aos termos em que o ónus da prova se distribui em casos como o dos autos, remete-se para o já referido supra, em III.B.

Vejamos, então.

Antes de mais, refira-se que a menção ao art.º 201.º do CPC, feita pela Recorrente, não tem aqui qualquer pertinência, porquanto se trata norma atinente a nulidades processuais, que não é aplicável em sede de procedimento tributário.

O que, no fundo, a Recorrente pretende é aferir se foi por si demonstrada a efetividade das operações.

Sublinhe-se, desde já, que a decisão proferida sobre a matéria de facto não foi impugnada, nos termos do art.º 685.º-B do CPC/1961.
Considerando o disposto no art.º 685.º-B do CPC/1961 (a atentar para efeitos de análise das alegações de recurso, considerando a data de apresentação das mesmas, correspondendo, em grande medida, ao disposto no art.º 640.º do CPC/2013), a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.(5)

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 685.º-B, n.º 1, al. a), do CPC/1961, equivalente ao art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC/2013];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 685.º-B, n.º 1, al. b), do CPC/1961, equivalente ao art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC/2013], sendo de atentar nas exigências constantes dos n.ºs 2 e 4 do mesmo art.º 685.º-B, do CPC/1961.

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispunham os n.ºs 2 e 4 do art.º 685.º-B do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.

(…) 4 - Quando a gravação da audiência for efetuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores”.

Ora, perscrutando as alegações de recurso integralmente, o que se verifica é que a Recorrente se limita a remeter para a globalidade do depoimento de testemunha, extraindo conclusões a este respeito, mas sem indicar os factos que concretamente considera que dali resultam provados e as concretas passagens de tal depoimento que sustentariam esse entendimento.

Cumpre, pois, atentar no que resulta da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos referidos supra em II.

Estão em causa duas faturas emitidas pela A. – C., Lda (doravante A.), as faturas n.ºs 70 e 74, de 30.04.2004 e 14.05.2004, respetivamente, m.i. no RIT, cuja designação era “serviços prestados na vossa obra, Montijo conforme auto de medição em anexo”.

Em sede de RIT, a AT reuniu os seguintes indícios, que o Tribunal a quo considerou serem suficientes (o que não foi posto em causa):

- Em ação inspetiva, levada a cabo pela Direção de Finanças de Braga à A., foram detetadas situações, reveladoras de que o sujeito passivo emitiu faturas que titulam operações simuladas, concretamente:

o “Utilização de números de facturas anuladas emitindo outras com o mesmo número, com valores diferentes e datas idênticas ou iguais”;

o “Emissão de facturas com números posteriores ao último registado na contabilidade, sendo que as emitidas à F: N: F. N., Lda são as n.°s 70 e 74 datadas de Abril e Maio e a última factura contabilizada na A. – C., Lda é a n.° 54 e tem data de Dezembro” (de 2004);

o “Diferenças na estrutura das facturas”;

o “O gerente da A. – C., Lda, Sr. J. S., foi ouvido em auto de declarações, tendo mencionado que as facturas emitidas para, entre outras empresas, F. N. F. N., Lda, não eram verdadeiras, não correspondiam por isso a serviços efectivamente realizados. Referiu ainda que se deslocava ao banco com outra pessoa e que na companhia desta endossava os cheques ficando o dinheiro na mão desta pessoa que depositava o dinheiro noutra conta que desconhece”;

o “Da análise efectuada à empresa, constataram ainda pouca capacidade produtiva. Imobilizado existente diminuto. Não tem qualquer carro registado em nome da empresa, nem qualquer contrato de leasing que justifique a existência de um veículo automóvel”;

o “Contabilizou elevados valores nas rubricas de subcontratos" (cerca de 98% do total dos serviços prestados). "No entanto, referem-se a empresas não declarantes quer em sede de IVA quer em sede de IRC, tendo sido concluído pela Direcção de Finanças do Porto que algumas facturas contabilizadas em subcontratos são fictícias”;

o “No decurso da acção inspectiva efectuada pela Direcção de Finanças de Braga, foram contactadas algumas empresas utilizadoras das facturas emitidas pela A. – C., Lda que admitiram que as facturas referiam-se a transacções fictícias e de imediato procederam à regularização do IVA deduzido com respectivo meio de pagamento”.

- A ora Recorrente foi notificada, na pessoa do sócio gerente F. N., para apresentar comprovativos da aquisição dos serviços prestados à sociedade A. (v.g. fotocópia de eventuais contratos de empreitada, orçamentos, autos de medição, ou qualquer outro documento comprovativo da realização dos trabalhos referidos nas faturas emitidas pela A.);

- Não foram apresentados quaisquer documentos;

- “Em auto de declarações o sócio-gerente declarou que foi necessário requisitar serviços a empresas sedeadas no Norte do País, como foi o caso da empresa A., para execução da obra nas fracções "O", "E", ''F", "G" do artigo da matriz …4 (Obra do "Bowling" no Montijo)”;

- Não foram apresentados quaisquer orçamentos, contratos de empreitada ou autos de medição mencionados nas faturas em causa;

- As faturas contabilizadas pela ora Recorrente têm numeração posterior à última fatura contabilizada na A.;

- Não existem contratos de empreitada, autos de medição ou orçamentos referentes à obra faturada;

- A emitente das faturas é empresa com pouca capacidade produtiva, com poucos trabalhadores e sem qualquer registo de viaturas afetas à atividade;

- No sistema informático da DGCI, tal sociedade declarou a cessação da atividade em 31.12.2005, não tendo entregado a declaração modelo 22 do exercício de 2005; em relação à declaração anual de informação contabilística e fiscal do exercício de 2005, apenas entregou o anexo J.

Foi considerando estes indícios e na falta de prova cabal de que as faturas em causa titulam operações reais que a AT atuou, tendo o Tribunal a quo, a este propósito, entendido que tais obras não foram realizadas pela A.

Antes de mais, refira-se que carece de relevância o facto de a contabilidade da Recorrente estar organizada.

Aliás, a regra, em situações como a dos autos, é a da existência da regularidade formal da contabilidade, cuja presunção de veracidade é afastada pela AT, na reunião dos indícios sólidos de que tal contabilidade não reflete a realidade.

Ora, o que resulta provado é que: (i) J. M., que detinha várias empresas, controlava a obra do bowling (estando ligado à intermediação, subcontratação e acompanhamento da obra); (ii) C. G. fazia contactos com fundos imobiliários; e (iii) foi numa reunião, aquando do final da obra, que J. M. referiu que o cheque deveria ser emitido à A.

Nada nesta factualidade permite concluir que as obras realizadas, quer as mesmas tenham ou não existido, tenham sido realizadas por quem surge como seu prestador nas faturas emitidas. É justamente este, como referimos, o cerne da correção: não pode ser admitido um custo / gasto relativo a uma fatura cujo emitente não foi, com grande probabilidade, face aos indícios recolhidos, e atenta a falta de prova, o efetivo prestador dos serviços ali elencados.

Veja-se que nada ficou provado no sentido de J. M. se apresentar perante a Recorrente como representante da sociedade A.. Aliás, nem é possível aferir a que título este surgiu perante a Recorrente (enquanto representante de sociedade? enquanto empresário em nome individual?), nem sequer a sua relação com essa sociedade (cfr. factualidade não provada). Só se sabe que o mesmo pediu à Recorrente para o cheque ser emitido em nome da A. e sabe-se que as faturas contabilizadas tinham esta sociedade como emitente, o que dificilmente se compatibiliza, face à prova produzida, como uma situação de boa-fé da Recorrente. Só assim não seria se tivesse ficado provado que J. M. surgira perante a Recorrente como representante da A., tendo sido esta a contratada para a realização das obras, o que não decorre dos autos (sendo absolutamente irrelevante o momento da cessação de funções junto da AT, porquanto do que se trata é de provar que a A. foi efetivamente quem prestou os serviços, e tal não está provado). Ou seja, e em consequência, a má-fé de terceiros não se encontra provada.

A admissão de um determinado gasto como indispensável implica, inelutavelmente, a sua efetividade, a sua realização nos termos declarados. E tal efetividade não ficou provada: não ficou provado que as prestações de serviço em causa tenham sido realizadas, direta ou indiretamente, pela A.. E isso é o suficiente para não poder ser considerado fiscalmente dedutível o custo em causa.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 19 de dezembro de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Maria Cardoso)

























1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
2) Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, Noções Fundamentação de Direito Administrativo, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 17.
3) Cfr. Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 17 e 18.
4) Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).
5) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.