Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1105/09.8BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 04/20/2023 |
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Relator: | JORGE CORTÊS |
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Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL |
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Sumário: | Existe posse em nome próprio do promitente-comprador do imóvel, quando este, para além da detenção e administração da fracção, dispõe de procuração irrevogável, passada pelo promitente-vendedor, que lhe confere o poder de a alienar. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- RelatórioA ………………….. e M …………….. vieram deduzir embargos de terceiro reagindo contra o acto de penhora da fração autónoma designada pela letra “……..”, do prédio sito na Rua …………., nº 41-45, em Lisboa inscrita na matriz predial urbana da freguesia do ……………., concelho de Lisboa, sob o artigo ……….. e descrita na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …………., levada a cabo no processo de execução fiscal n.º ………………..497, instaurado contra a sociedade C…………..- C…………………., LDA, por dívidas de CA, dos anos de 1999 a 2002 e de IMI de 2003 a 2006, no montante total de 22.382,22 €. O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 10 de Março de 2020, constante a fls. 220 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), julgou improcedentes os embargos de terceiro. Já na pendência da impugnação foi deduzido o incidente de habilitação de herdeiros, assumindo a Requerente, M …………………., a posição do Embargante, A …………………. Nas suas alegações, insertas a fls. 250 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), a recorrente alega e formula as conclusões seguintes: «a) Como resulta da matéria provada nos autos, e a douta sentença sob recurso reconhece, os recorrentes praticaram diversos actos sobre imóvel “sub judice“ que configuram uma verdadeira situação possessória, conforme se encontra determinado em abundante jurisprudência, de que é exemplo o AC. do STA de 27.10. 2010 proferido no Prc. Nº453/10, relator, Exmo. Conselheiro Jorge Lino. b) A qual situação, contrariamente ao pretendido na douta sentença sob recurso, não pode ser infirmada ou invalidada pela omissão do pagamento do CA e do IMI, não só porque, sendo tal omissão praticada pelos proprietários não faz sentido afirmar-se que quando a praticam deixam de ter a intenção de continuar a exercer o seu direito de propriedade, c) mas ainda porque, a jurisprudência que define as situações em que o promitente comprador preenche os requisitos de uma verdadeira posse, não contempla aquela omissão ou qualquer outra situação como sendo apta a infirmar aqueles requisitos. d) Os quais tão só poderão ser infirmados, invocando e provando a sua falsidade, o que não se verifica nos presentes autos de embargos de terceiro (artº342º do CC). e) Mas, mesmo que assim não fosse, o que se não admite nem concede, nem por isso se pode concluir que os recorrentes não tenham actuado de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, configurando desse modo uma verdadeira situação possessória (artº. 1251º do CC). f) É que, tal omissão de pagamento do CA e do IMI não se deve ao facto dos recorrentes não actuarem como donos do imóvel, bem antes pelo a contrário (artº1257º do CC). g) Na realidade, a referida omissão do pagamento de CA e de IMI resultou do facto do Serviço de Finanças não aceitar que aquele pagamento fosse efectuado como impostos liquidados em nome dos recorrentes na qualidade de proprietários do imóvel “in casu “ mas tão só em nome da firma “ C …………. Urbanas, Lda.” executada no processo principal de execuções fiscais no qual a dívida exequenda comporta o CA e o IMI respeitantes a diversas frações entre elas a fração CT dos presentes autos contra cuja penhora foram deduzidos os embargos de terceiro, como se pode ver do confronto de requerimento da recorrente apresentada ao Exmo. Sr. Chefe da Repartição de Finanças de Lisboa - 2 com o respectivo despacho proferido sobre aquele requerimento em 23 de Março de 2009 (docs. 1 e 2). h) Efectivamente, como se pode ver no citado despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 2, embora aceite passar guias para pagamento dos referidos impostos, conforme requerido pela ora recorrente, afirma que apenas será ordenado o levantamento da penhora bem assim a anulação da venda em curso referentes à fração CT que motivou os presentes embargos, mediante o pagamento de todas as dívidas da referida “C.........., Lda.”, executada no processo principal e, não depois do pagamento de apenas os impostos referentes à fração CT dos autos. i) É assim uma evidência que, o referido Serviço de Finanças não aceitou que os impostos em questão tivessem sido pagos pelos recorrentes na qualidade de proprietários do imóvel dos autos embora no requerimento ora junto como doc. l terem invocado que o adquiriram à anterior proprietária a firma “C.........., Lda. “. j) Pelo que, os recorrentes viram-se impedidos de realizar o pagamento do CA e do IMI referentes a fração CT dos autos como impostos liquidados em seu nome na qualidade de proprietários da mesma fração. l) De facto, caso o tivessem realizado nas condições impostas pelo Serviço de Finanças de Lisboa-2, tal equivaleria a aceitarem não serem os donos da referida fração. m) Por, em tal hipótese realizarem aquele pagamento em nome da firma “C.........., Lda. reportando a impostos liquidados em nome daquela firma na qualidade de proprietária de todas as frações penhoradas nos autos principais onde se inclui a fração CT (artº1253º do CC a contrario senso). n) Razão pela qual não efetuaram o referido pagamento de CA e IMI. o) Destarte, a omissão do pagamento do CA e do IMI relativos ao imóvel em causa jamais poderá infirmar os factos que como se encontra provado nos autos foram praticados pelos recorrentes e são indiciadores do exercício do direito de propriedade sobre o imóvel em questão (art. 1251 do CC ). p) Por outro lado, é de igual modo uma evidência que contrariamente ao pretendido na douta sentença sob recurso, a omissão do pagamento pelos recorrentes do CA e do IMI referentes à fração em causa, jamais poderá indiciar que estes atuaram como promitentes compradores e não como proprietários do imóvel respectivo. (artº1253º do CC a contrario senso). q) Na verdade, contrariamente ao pretendido na douta sentença sob recurso os embargantes atuaram sobre a aludida fração CT de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, configurando desse modo uma verdadeira situação possessória passível de fundamentar os presentes embargos de terceiro, como 'a saciedade se demonstrou (artº. 1251 º do CC ). r) O Meritíssimo. Juiz “a quo “violou as disposições legais invocadas nas anteriores conclusões. Nestes termos e nos mais de direito aplicável nomeadamente os dos arts.º 1251º, 1253º-3 1257º e 342º todos do CC e, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e revogada a sentença dos autos que deve ser substituída por outra que julgue provados e procedentes os presentes embargos de terceiro, com as legais consequências. X Não há registo de contra-alegações.X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.X Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.X II- Fundamentação2.1. De Facto. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:” A) Em 21/03/2002, a Administração Fiscal instaurou o processo de execução fiscal ……………..497 e apensos, contra a executada C..........- ………….., LDA., para cobrança coerciva de dívidas por, cfr. fls. CA 1999, 2000, 2001, 2002, cfr. fls. 1, 2 e 7 do apenso. B) Em 02/06/2008, foram apensados ao processo a que se refere a alínea anterior, os processo de execução fiscal, a que se refere o termo de fls. 52 do apenso, instaurados para cobrança coerciva de dívidas por CA de 1999, 2000, 2001, 2002, IMI de 2003, 2004, 2005, 2006, cfr. processo de execução fiscal apenso. C) Em 03/08/2008, foi penhorada a fração CT do prédio em propriedade horizontal sito na A ………….., nº 45-45-A, tornejando com a R ……………, nº 41-45, em Lisboa, inscrita na matriz predial urbana da freguesia do ……………, concelho de Lisboa, sob o artigo ……… e descrita na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ………………., penhora esta que terá sido registada na referida Conservatória em 03.Mar.2008 - Ap. 66, cfr. fls. 44 do apenso. D) Entre o Embargante A …………….. e a embargada C.......... – C ………….., Lda., foi celebrado em 16/11/1994, o contrato-promessa de compra e venda referente ao imóvel penhorado nos autos. E) Nos termos da clausula 2.ª do contrato-promessa a que se refere a alínea anterior a Embargada prometeu vender, livre de ónus, hipotecas ou outros encargos, e o Embargante prometeu comprar, para ele ou a quem ele indicar, a fração autónoma que, em virtude da constituição da propriedade horizontal, corresponder a loja mencionada no item 1.C. do quadro resumo com área mencionada no item 1 E. do quadro resumo no referido centro comercial, bem como todas as panes comuns legalmente determinadas, e na permilagem que vier a ser atribuída à loja na constituição da propriedade horizontal, cfr. fls. 20. F) Resulta do quadro resumo a que se refere a alínea anterior com interesse para a decisão (fls. 19): G) Em 17.Nov.1995 pelo Banco ………………., SA, (doc 4), declaração essa emitida para cancelamento da hipoteca que, a favor daquele banco, havia sido feita sobre essa mesma fração, cfr. fls. 23. H) Em 22/11/1995, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu a Licença de Utilização nº ……. respeitante ao prédio em causa (conforme resulta dos documentos de fls. 117 e 118): I) Por escritura pública de 17/01/1997, foi outorgada pela C.......... –C ……………, S.A., uma procuração irrevogável conferindo poderes à embargante M ………………“para em nome da sociedade mandante vender, a quem entender, podendo ela própria ser a compradora, pelo preço e condições que julgar convenientes, a fração autónoma designada pelas letras “CT”, que correspondem à loja oito do piso zero” do prédio em causa nos autos (conforme resulta do documento de fls. 24 a 26). J) O embargante A ………………… procedeu ao pagamento das despesas de condomínio a que se referem os recibos que constituem fls. 27 a 36 dos autos (conforme resulta dos citados e do depoimento da testemunha inquirida); K) A C.......... — ………….., SA, entregou aos ora requerentes as chaves da referida loja, concedendo-lhes a total posse da loja em apreço (conforme resulta do depoimento da testemunha inquirida). L) O Embargante fez obras de melhoria do espaço comercial no sentido de adaptar a loja ao fim pretendido (conforme resulta do depoimento da testemunha inquirida). M) Participava nas reuniões de condomínio e sempre se portou como dono da loja (conforme resulta do depoimento da testemunha inquirida). N) O Embargante A ………………, em 03/04/2007, entregou a intermediação da venda da fração penhorada nos autos à I………….. – ……. Imobiliária, Lda. (conforme resulta do documento de fls. 37). O) A petição inicial dos presentes embargos foi apresentada em 4/03/2009 (conforme carimbo aposto a fls. 4).” X “ FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO//A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, bem como do depoimento da testemunha inquirida, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.//A testemunha inquirida adquiriu uma fração no mesmo centro comercial onde se situa a loja penhorada nos autos e por esse facto conhece os embargantes que estão numa situação similar à sua e também pelo facto de ter gerido o espaço comercial. Esclareceu que o Embargante pai comprou a fração. O centro comercial não atingiu os patamares comerciais pretendidos e na posse das procurações irrevogáveis alguns dos proprietários optaram por vender as lojas, numa tentativa de diminuir os prejuízos.”X “FACTOS NÃO PROVADOS//Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.”X Compulsados os autos, impõe-se rectificar a alínea F), do probatório, a qual passa a ter a redação seguinte:«F) Resulta do quadro resumo a que se refere a alínea anterior com interesse para a decisão (fls. 19): « Imagem no original» X 2.2. De Direito.2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa em que terá incorrido a sentença sob recurso. A sentença julgou improcedentes os presentes embargos de terceiro. Estruturou, para tanto e em síntese, a seguinte argumentação: «Pese embora os elementos probatórios carreados para os autos e os Embargantes entenderem que são indiciadores de que atuaram como verdeiros donos, o que é certo é que jamais procederam ao pagamento da CA e do IMI da fração penhorada, o que, ao contrário do invocado, é indiciador de que sempre atuaram como promitentes compradores. // Assim, não se pode concluir que os Embargantes tenham atuado de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade e, dessa forma, configurada uma verdadeira situação possessória. // Exigindo-se, como condição do direito de embargar (no âmbito do exame do terceiro requisito mencionado supra), que a posse do embargante seja afetada pela diligência judicial em causa, dir-se-á que a doutrina e jurisprudência são uniformes em considerar que o exercício de poderes do promitente-comprador se configura como um mero detentor precário (cfr.artº.1253, al. c), do C. Civil), visto que adquire o “corpus”possessório, mas não adquire o “animus possidendi”, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário. Somente assim não acontece se ocorrer a inversão do título da posse, nos termos dos artºs.1263, al. d), e 1265, do C. Civil, sendo que de tal factualidade compete ao promitente-comprador fazer prova. (…) // A falta de pagamento da CA e do IMI referentes à fração penhorado constitui indício de que os Embargantes atuaram como detentores precários. 2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Alega o direito de se opor à penhora em causa fundado no exercício da posse do imóvel em causa. Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedentes os embargos, com o consequente levantamento da penhora dos autos.Custas pela recorrida, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça dado não ter contra-alegado. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires) (2.ª Adjunto – Vital Brito Lopes) (1) Acórdão do TCAS, de 19.05.2016, P. 09492/16. (2) Acórdão do TCAS, de 30-09-2021, P. 7/17.9BEPDL (3) Acórdão do TCAS, de 08-05-2019, P. 756/09.5BESNT (4) Marco Carvalho Gonçalves, Embargos de terceiro na acção executiva, Coimbra Editora, 2010, pp. 151/152, (5) Acórdão do TCAS, de 22-10-2015, P. 08822/15 (6) Manuel Rodrigues, A posse, Estudo de Direito Civil português, Almedina, Coimbra, 1991, pp. 232/234. |