Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:236/18.8BELLE
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:12/06/2018
Relator:ANA PINHOL
Descritores:SIGILO PROFISSIONAL
DERROGAÇÃO
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA
Sumário:I. O advogado está obrigado a guardar segredo profissional relativamente a factos conhecidos pelo exercício da sua profissão ou da prestação dos seus serviços (cfr. artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09.09).

II. Como tal pode, estando em causa, a relação de confiança advogado-cliente, o acesso à informação protegida pelo segredo profissional depende de autorização judicial (cfr.63.º, n.º2 da LGT).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO
ELISABETE ........................................, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que negou provimento ao recurso judicial interposto ao abrigo do disposto no artigo 146º-B do CPPT, da decisão proferida pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datada de 19 de Abril de 2018, que autorizou os funcionários da Inspecção Tributária a aceder a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular a recorrente com referência ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2011.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. A Autoridade Tributária através da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu ao levantamento de sigilo bancário da Recorrente por despacho, sem ter obtido prévia autorização judicial de acesso aos dados bancários da Recorrente, uma vez que a mesma exerce a atividade profissional de advocacia.
2. A conta bancária, objeto do levantamento do sigilo bancário era titulada pela recorrente, pelo seu pai e por sua mãe, sendo uma conta bancária destinada a passar capitais provenientes de clientes e que não só propriamente de receitas provenientes da atividade de advocacia.
3. A Recorrente alegou que a decisão da Diretora-Geral não explana os motivos para decretar o levantamento do sigilo bancário, tendo o tribunal entendido que caberia à recorrente alegar e provar factos, que provassem que a decisão da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de levantamento do sigilo bancário, contende com o sigilo profissional a que se encontra obrigada.
4. O artigo 146.º - B, n.º 1 estatui que a contribuinte recorrente apenas tem de justificar sumariamente as razões da sua discordância, pelo que foi violado.

5. Decorreu inspeção tributária com início em 2011, e que terminou após decisão instrutória com a não pronúncia da recorrente de factos alegados pela AT que imputavam à recorrente o crime de fraude fiscal.
6. Em 2018, sete anos após o início da inspeção tributária relativo ao anos de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, e que durante a mesma se procedeu ao levantamento do sigilo bancário, veio novamente em 2018 proceder novamente ao levantamento do sigilo bancário que era por demais conhecido o conteúdo das contas bancárias pela Autoridade Tributária que sempre teve nas mãos todo o processo de fraude fiscal.
7. Ora a autoridade tributária procedeu por duas vezes ao levantamento de sigilo bancário sobre os mesmos factos pelo que foi violado o princípio "non bis in idem" contido no artigo 29.º, n.º 5 da CRP, que foi violado.
8. O despacho da Diretora-Geral não apresentou quaisquer fundamentos para autorizar os funcionários da inspeção tributária a acederem diretamente às contas e documentos bancários da recorrente, limitando-se a remeter para os termos e fundamentos constantes da informação da Direção de Finanças de Faro e de pareceres e despachos nela exarados, tudo como consta no Doc. 1 intitulado "Decisão" apresentado com o recurso.
9. Ao dar razão à Diretora-Geral, considerando que a fundamentação através de remissão para termos e fundamentos da informação que lhe foi apresentada confere fundamento ao mesmo viola esta decisão judicial o n.º 4 do artigo 63.º - B da LGT e o artigo 268.º, n.º 3 da CRP, que obriga à fundamentação expressa do ato administrativo.
10. O tribunal entende que a Recorrente foi notificada do despacho da Diretora-Geral no dia 23-04-2018 e por isso não há o vício de violação de lei por falta da notificação e do despacho da Diretora-Geral.
11. No mesmo dia e hora a Recorrente foi notificada do projeto de alteração das declarações de impostos, pelo que claramente a AT utilizou dados bancários e informações bancárias em momento anterior ao da notificação da Recorrente da decisão proferida pela Diretora-Geral, tendo sido violado o artigo 146.º, da LPPT
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser recebido declarado procedente por provado em consequência revogar-se da decisão proferida e declarada a inderrogabilidade do sigilo bancário, assim se fazendo justiça!»
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A Recorrida contra-alegou concluindo do modo que segue:
«I. A douta Sentença recorrida – cujos fundamentos e sentido a Entidade Recorrida subscreve – não só não enferma de qualquer vício, como procedeu a um julgamento verdadeiramente exemplar da questão a decidir e está devidamente sustentada e fundamentada.
II. A situação sub judice subsume-se à alínea b) do nº 1 do artigo 63º-B da LGT.
III. A decisão de derrogação do segredo bancário foi decidida por órgão judicial, em processo-crime.
IV. O despacho de derrogação desse mesmo sigilo, efectuado pela AT, apenas visou consentir um direito de defesa à Recorrente, como é entendimento de jurisprudência superior.
V. O despacho colocado em crise está fundamentado, por remissão para informações e pareceres anteriores, dos quais teve a Recorrente conhecimento.
VI. Informações que identificam diversas situações indiciadoras de evasão fiscal.
VII. A Recorrente foi devidamente notificada do despacho.
VIII. Não existe qualquer decisão judicial anterior sobre esta matéria: existe uma decisão em processo criminal, que em nada contende com o presente processo, que visa apurar a regularidade da situação jurídico-tributária da Recorrente.
IX. Não ficou comprovado que a conta bancária deveria estar protegida por sigilo profissional (pelo contrário, a Recorrente trouxe elementos que indicam que não estaria assim protegida).
X. O recurso foi apresentado de forma intempestiva, pelo que deverá ser rejeitado.
XI. A afirmação de que existe um terceiro (não advogado) titular da conta (com acesso a informação da mesma), comprova que a mesma não está protegida pelo segredo profissional, sob pena de estarmos perante uma muito grave e grosseira, além de confessada, violação de um dever deontológico.
XII. No presente processo não se decidem questões criminais, decididas em outra sede.
XIII. A tributação indiciária tem acolhimento legal.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis e com o douto suprimento de V. Exas.,
a) Deve o recurso ser rejeitado, por intempestivo;

Caso assim não se entenda, não deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, devendo em consequência manter-se a sentença recorrida que não merece qualquer censura, tudo com as devidas e legais consequências aplicáveis.»
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Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza do processo, cumpre agora apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Como questão preliminar a conhecer coloca-se a da tempestividade do recurso.
Carecendo de fundamento a extemporaneidade invocada pela recorrida, cumpre entrar no conhecimento das questões suscitadas pela recorrente, saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que:
. o acesso à informação bancária não dependia da prévia autorização judicial, razão pela qual não se mostra violado o artigo 64.º, nº.2, da LGT;
. a decisão de derrogação do sigilo bancário está devidamente fundamentada;
. não foi violado o princípio «non bis in idem» consagrado no artigo 29.º, n.º 5 da CRP.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) Elisabete ........... é advogada titular da célula ........... da Ordem dos Advogados – cfr. base de dados da OA hoje consultada em https://portal.oa. pt/advogados/pesquisa-de-advogados/?l=&cg=F&ce=&n=...........&lo=&m=&cp=&o p=&o=0;
B) No processo de Inquérito com o n.º 278/11.4IDFFAR que correu termos na Comarca de Évora, DIAP, 2.ª Secção foi proferido despacho de acusação contra Elisabete ........................................, em 07.04.2016 – cf. fls. 75 dos autos;
C) Consta do despacho de acusação emitido em 07.04.2016, supra melhor identificado a seguinte fundamentação:


(*) Obs.: Os valores negativos indicados na coluna (6) correspondem a reembolso de IRS.
(**) o valor referente a 2011 inscrito na coluna 5 de €63.715,25 corresponde ao apuramento conjunto da analise das contas bancárias e da agenda.
Cf. fls. 77 dos autos;
D) Consta ainda da acusação proferida no processo de Inquérito com o n.º 278/11.4IDFFAR, melhor identificado na alínea anterior, que o mesmo se fundamentou na seguinte prova documental: “PROVA (Parte crime e cível):
I. Documental:
Informação dos Serviços de Inspecção Tributária, fls. 8, Vol. I;
Informação dos Serviços de Inspecção Tributária e seis anexos, fls. 26 e ss., Vol. I;
Informação dos Serviços de Inspecção Tributária, fls. 90, Vol. I;
Listagem de fls. 100 e ss., Vol. I;
Relato de Diligência externa, fls. 167;
Certidão de fls. 184, vol. I;
Informação do Banco de Portugal, fls. 200, Vol. I;
Ofício C…, fls. 233, Vol. I;
Ofício S......................, fls. 235, vol. I;
Ofício S......................, fls. 237, vol. I;
Cf. fls. 81 dos autos;
E) Em 27.03.2017 no âmbito da instrução do processo de Inquérito com o n.º 278/11.4IDFAR foi proferido o despacho, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, e do qual se extrai o seguinte: “ (…)
Ora, com o devido respeito, tudo o que acaba de se expor será mais do que suficiente para infirmar o cálculo do rendimento dos arguidos e abalar a certeza indiciária da acusação nos seus pontos 8., 11. E 12., resultando, em consequência não suficientemente indiciados que:
- nos anos de 2008 a 2011, os arguidos obtiveram rendimentos, omitindo-os à administração fiscal, assim obtendo vantagem patrimonial equivalente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares que deixaram de pagar, sendo, no que ao arguido respeita, a quantia de €23.430,40 referente ao ano de 2008, e, quanto à arguida, as quantias de €17.356,10 do ano de 2007, €30.848,07 do ano de 2008, €18.411,42 do ano de 2009, €19.583,53 do ano de 2010 e €18.474,01 do ano de 2011.
Não apurados os rendimentos dos arguidos, Vítor e Elisabete ..........., elemento imprescindível, à luz do supra exposto, para apurar da sua indiciária punibilidade é de concluir que, em consequência, resulta infirmada a decisão de os acusar pela prática de um crime de fraude fiscal p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, als. a) e b), do RGIT, o que se determina. (…)” – cf. fls. 104 e 105 dos autos;
F) Em 27.11.2017, foram emitidas as Ordens de Serviço Internas com os números OI.................. e OI.................., pela Direcção de Finanças de Faro, com vista ao início do procedimento de inspecção da Recorrente, para averiguação da situação tributária relativa ao IRS/IVA do exercício de 2008 e 2009 – cfr. fls. 159 e 334 do processo administrativo em apenso aos autos;
G) Em 16.01.2018 foram emitidas as Ordens de Serviço Internas com os números OI.................., OI.................., pela Direcção de Finanças de Faro, com vista ao início do procedimento de inspecção da Recorrente, para averiguação da situação tributária relativa ao IRS/IVA do exercício de 2010 e 2011 – cfr. fls. 159 e 334 do processo administrativo em apenso aos autos;
H) Em 16.01.2018 foi enviado pela Direcção de Finanças de Faro o ofício n.º …, de notificação de “Início de procedimento de inspecção e de Acesso a contas bancárias”, do qual se extrai o seguinte: “(…) Fica por este meio também notificado, para, em observância do “Princípio da Colaboração” previsto no n.º 4 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária e em conformidade com os artigos 9.º, 28.º e 48.º, todos do RCPITA, no prazo de 10 dias, autorizar, por escrito (preencher autorização em anexo e devolver a estes Serviços), o acesso aos documentos bancários de todas as contas detidas por V. Exa, referentes aos movimentos realizados nos anos de 2008 a 2011, assim como informar acerca da co titularidade das mesmas.
A presente notificação é efectuada tendo por objectivo apurar a situação tributária do sujeito passivo, e em particular, os rendimentos gerados pela actividade de ADVOGADOS (CIRS 6010), nos anos de 2008 a 2011, uma vez que existem indícios de omissão de rendimentos para os respectivos anos.
A recusa de exibição dos documentos bancários ou de autorização para a sua consulta poderá constituir fundamento para a aplicação da derrogação do sigilo bancário – acesso a informações e documentos bancários, conforme previsto no artigo 63.º B da Lei Geral Tributária.” – cf. fls. 66 do do processo administrativo em apenso aos autos.
I) Em 18.01.2018 a Recorrente recebeu o ofício referido na alínea anterior – cf. fls. 67 do processo administrativo em apenso aos autos;
J) Em 24.01.2018 a Recorrente endereçou via CTT, à Direcção de Finanças de Faro, Divisão de Inspecção Tributária .., um requerimento, cujo teor se reproduz integralmente:
“ (…) Elisabete ........................................, contribuinte n.º .................., tendo sido notificada do inicio de procedimento de inspecção e acesso a contas bancárias relativamente aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 vem referir que:
- Os mesmos já foram alvo de inspecção das finanças no âmbito do processo n.º 278/11.4IDFAR.
- Tal processo para além da realização de buscas domiciliárias e ao escritório da advogada teve também como alvo seu pai, também ali e aqui visado.
- E foram averiguadas junto do Banco de Portugal por despacho judicial todas as contas bancárias da contribuinte.
- Para além das suas contas bancárias também as do seu filho menor de idade e de sua mãe.
- No âmbito da investigação foram realizadas diligências em território Português, em território Espanhol e noutros países.
- Foi deduzido pedido de indemnização realizada pelo M.P. contra a contribuinte.
- A contribuinte foi acusada.
- A contribuinte abriu instrução.
- A autoridade tributária e o M.P. não recorreram.
- A Autoridade Tributária já realizou todas as inspecções a estes anos.
- Decorreram mais de 7 anos relativamente ao ano de 2011, 8 relativamente ao ano de 2010, 9 relativamente ao ano de 2009, 10 relativamente ao ano de 2008, em sum prescreveu possibilidade de qualquer acção da autoridade tributária.
- Mais, a contribuinte solicitou, requereu e peticionou no Tribunal ser notificada de relatórios das finanças, a resposta que já transitou em julgado é que toda a tramitação havia decorrido nos autos n.º 278/11.4IDFAR junta-se para seu conhecimento da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal.
Deve assim ser esclarecida a notificação enviada a legitimidade e bondade da mesma.
Sendo certo que se dará conhecimento a quem se julgue necessário. (…)” – cf. fls. 69, 69/v e 95 do processo administrativo em apenso aos autos

L) Em 29.01.2018 o Director de Finanças de Faro enviou o ofício n.º …. em resposta ao pedido de esclarecimentos da Reclamante transcrito na aliena I) do presente probatório, cujo teor se transcreve integralmente:
“(…) Assunto: Resposta ao pedido de esclarecimento
No âmbito das ordens de serviço internas n.º OI................../../OI................../.. emitidas para Elisabete ........................................, com extensão aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 com âmbito parcial IRS e IVA, foi remetido em 2018-01-16 o ofício n.º …, para informação do início da acção de inspecção e para efeitos de pedido de autorização de acesso aos documentos bancários de todas as contas detidas.
Em 2018-01-24 deu entrada neste serviço de inspecção, via fax (posteriormente via postal), a resposta à referida notificação, na qual é solicitado o esclarecimento da notificação enviada, bem como a legitimidade e bondade da mesma.
De acordo com o n.º 1 do art.º 45.º da Lei Geral Tributária, “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não foi validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”. No n.º 5 do mesmo artigo estabelece que “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.
As presentes ordens de serviço foram emitidas para os efeitos de apuramento e notificação das correcções assentes nos factos investigados no âmbito do inquérito criminal. Na notificação remetida consta o pedido de acesso às contas bancárias, visto que, de acordo com a jurisprudência, a administração tributária não pode fazer uso para fins tributários de documentos bancários obtidos em processo criminal. Para a Autoridade Tributária aceder aos documentos bancários deve socorrer-se do procedimento administrativo de derrogação de sigilo bancário previsto no artigo 63.º-B da LGT, para que o sujeito passivo possa recorrer da decisão que determine o acesso a tal documentação bancária.” (…) – cf. fls. 150 do processo administrativo em apenso aos autos;

M) Em 01.02.2018 foi elaborada Informação, pela Inspectora Tributária, na qual foi pedido o levantamento do sigilo bancário da Recorrente, de cujo teor se extrai o seguinte: “(…)
I – Derrogação de sigilo bancário, ao abrigo das alíneas b) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT
Em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI.................. (2007 e 2008) e OI.................. (2009), referentes ao procedimento de inspecção ao sujeito passivo (s.p.) ELISABTE ........................................, NIF .................., com domicílio fiscal em ........................................... Tavira, que decorreu entre 06/10/2010 e 08/09/2011, verifiquei directa e pessoalmente o seguinte:
ELISABTE ........................................ encontra-se colectada pela actividade de Advogada desde 22.09.1998.
2. A referida advogada tinha escritório no sítio de ..........................................., Tavira.
3. A acção de inspecção à advogada incidiu sobre os exercícios de 2007, 2008 e 2009.
(…)
22. Em 08/09/2011 foram encerradas as ordens de serviço referidas (OI.................. e OI..................), sem correcções.
23. O Processo de inquérito inicialmente instaurado para os exercícios de 2007 a 2009, foi alargado aos exercícios de 2010 a 2011.
24. No âmbito do Processo de Inquérito, foi efectuada a derrogação do sigilo bancário às contas tituladas pelo s.p.. Foram também efectuadas buscas, em 18/09/2013, tendo sido apreendidos documentos de apontamentos, referentes aos recebimentos de clientes.
25. Os documentos referidos foram analisados, tendo-se verificado a existência de recebimento de clientes relativamente aos quais não se verifica a existência dos correspondentes recibos de honorários.
26. Foi efectuado o cálculo de imposto em falta para os anos em causa, nos montantes indicados no quadro seguinte (incluído na informação elaborada em 09/03/2016, em anexo 2):


(*) Obs.: os valores negativos indicados na coluna (6) correspondem a reembolsos de IRS.
(**) O valor referente a 2011 inscrito na coluna (6) corresponde à liquidação oficiosa efectuada em 09/05/2015

O valor de correcção indicado (€63.715,26) corresponde ao apuramento conjunto da análise das contas bancárias e da agenda.

Quadro 4
27. Em 01/04/2016, foi deduzida acusação relativamente aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 (anexo 3).
28. Em 12/05/2017 transitou em julgado a Decisão Instrutória com o Despacho de não pronúncia dos arguidos (anexos 4 e 5). Esta Direcção de Finanças apenas foi informada da decisão do Juízo de Instrução Criminal em 3 de outubro de 2017.
29. Em 27/11/2017 foram emitidas por esta Direcção de Finanças as ordens de serviço internas n.º OI.................. e OI.................. para inspecção aos exercícios de 2010 e 2011, OI.................. e OI.................. para inspecção aos exercícios de 2008 e 2009, respectivamente, todas com o âmbito Parcial (IRS e IVA).

30. Em 18/01/2018, foi a s.p. ELISABETE ........................................ notificada do início do procedimento de inspecção em 16/01/2018, bem como para, em observância do “Princípio da Colaboração” previsto no n.º 4 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária e em conformidade com os artigos 9.º, 28.º e 48.º, todos do RCPITA, no prazo de 10 dias, autorizar, por escrito o acesso aos documentos bancários de todas as contas detidas pelo s.p., referentes aos movimentos realizados nos anos de 2008 a 2011, assim como informar acerca da co titularidade das mesmas (anexo 6).
31. Em 24/01/2018 deu entrada nestes serviços de inspecção, via fax (posteriormente por via postal), a resposta à referida notificação, na qual é solicitado o esclarecimento da notificação enviada, bem como a legitimidade e bondade da mesma (anexo 7).
32. Em 29/01/2018, foi enviado ao s.p. o n/ ofício n.º …. contendo a resposta ao solicitado pelo s.p. (anexo 8).
33. Findo o prazo de 10 dias concedido ao s.p. para autorizar o acesso aos documentos bancários. Conforme descrito no ponto 30, não foi recepcionada nestes serviços, até esta data, a correspondente resposta.
II – Conclusões/propostas
(…)
Perante o exposto, consideram-se reunidos os pressupostos da alínea b) do n.º 1 do artigo 63.ºB da Lei Geral Tributária (LGT) – quando se verifiquem indícios de falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível – para que a Administração Tributária possa aceder informações e documentos bancários que permitam apurar a realidade tributária do sujeito passivo.
Mais, o acesso a documentos bancários torna-se premente atendendo ao facto de que existem indícios de que o s.p. desenvolveu actividade e decorrente da mesma terá obtido rendimentos, sem que os tenha declarado, a sua totalidade, à Administração Fiscal.
Assim sendo, e na procura da verdade material, propõe-se que seja solicitado junto da Directora Geral dos impostos, a derrogação do dever de sigilo bancário ao abrigo do n.º 4 do artigo 63.º-B da LGT, para o s.p. ELISABETE ........................................, NIF: .................., no que respeita aos anos de 2008 a 2011. (…). – cf. fls. 153 a 161 do processo administrativo em apenso aos autos;
N) Em 02.02.2018, o Director de Finanças de Faro, proferiu despacho de concordância com o pedido de levantamento de sigilo bancário, melhor descrito na informação referida na alínea anterior – cf. fls. 152 do processo administrativo em apenso aos autos;
O) Em 19.04.2018 foi proferido despacho pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
“(…)1. Nos termos e com os fundamentos constantes da Informação da Direcção de Finanças de Faro, prestada no âmbito das Ordens de Serviço n.ºs OI.................., OI.................., OI.................. e OI.................., bem como com os pareceres e despacho nela exarados, verificando-se o condicionalismo previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.º 4 do mesmo preceito legal, autorizo que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo Elisabete ........................................, com o numero de identificação fiscal ..................., com referência ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2011.
2. Devolva-se o processo à Direcção de Finanças de Faro para efeitos de prosseguir o procedimento de levantamento do segredo bancário. (…)” – cf. fls. 60 dos autos;
P) Em 23.04.2018 os serviços da Divisão da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro emitiram a certidão, cujo teor se reproduz integralmente:
“(…) Certifico que notifiquei hoje, pelas 19.00 horas, Elisabete ........................................ NIF .................., com domicilio fiscal em ................... Cx Postal … A ….-… ............................................., nos termos do artigo 38.º e 39.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), e do n.º 4 do artigo 63.º -B da Lei Geral Tributária (LGT), ao abrigo das ordens de serviço internas n.º OI.................., OI.................., OI.................. e OI.................., para os anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 respectivamente, com o âmbito parcial (IRS e IVA) emitidas por esta Direcção de Finanças em 16/01/2018 (OI............... e OI..................) e 27/11/2017 (OI.................. e OI..................), do Despacho da Directora -Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 19/04/2018, para o acesso a informações e documentos bancários, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT, nos exercícios da 2008, 2009, 2010 e 2011.
De como fica ciente, vai assinar comigo, recendo nesta data, cópia da presente notificação.(…)” – cf. doc. de fls. 334 do processo administrativo em apenso aos autos;
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Não resultaram provados quaisquer outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que se imponha registar como provados ou não provados.
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A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos pela Reclamante, do Processo Administrativo junto aos autos pela Autoridade Tributária, conforme referido em cada ponto do probatório e da posição assumida pelas partes.».
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B. DO DIREITO
Questão prévia
Da tempestividade do recurso
Cumpre apreciar a questão da tempestividade do recurso que, sendo do conhecimento oficioso, no caso foi suscitada pela recorrida [Conclusão X.].
Para o efeito, alegou, em síntese, que, no decurso do prazo de recurso, a recorrente apresentou “reclamação para a conferência” tendo por objecto a sindicância da sentença proferida nos presentes autos, pelo que, tratando-se de «meio processual hoje inexistente, das decisões dos tribunais tributários de primeira instância (….) não poderia o Tribunal substituir-se ao advogado e indicar o meio hábil (…)».
A questão a resolver é, pois, a de saber se o requerimento de interposição do recurso foi, ou não, tempestivamente apresentado no dia 20 de Agosto de 2018.
E a resposta não pode deixar de ser positiva, como se demonstrará.
O presente recurso jurisdicional foi interposto em processo de natureza urgente (cfr. artigo 146.º-B e 146.º-D ambos do CPPT) e, por esta razão, deve o mesmo ser interposto por meio de requerimento juntamente com as alegações, no prazo de 10 dias ( cfr. artigo 283.º do CPPT) .
No caso vertente, a sentença sob recurso foi notificada à Autora (doravante recorrente) mediante ofício datado de 6 de Agosto de 2018, presumindo a lei que a notificação ocorre no terceiro dia, pelo que considera-se notificada da mesma em 9 de Agosto de 2018, por força do artigo 248.º do CPC (pág. 408 do SITAF), facto, aliás, não controvertido.
Logo, iniciando-se em 10 de Agosto de 2018 o seu prazo de 10 dias para recorrer da sentença, o mesmo terminou em 19 de Agosto de 2018 que, por corresponder a domingo, se transferiu para dia 20 de Agosto de 2018 ( cfr. a al. e) do artigo 279º do CC). Naquele mesmo dia, a recorrente reclamou para a conferência, da referida sentença, dizendo fazê-lo, ao abrigo do disposto no artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, pedindo que «[d]everá a presente reclamação ser recebida decidindo-se o recurso em conferência que deverá dar provimento às questões suscitadas, assim se fazendo justiça».
Em face desse requerimento, foi, em 23 de Agosto de 2018, proferido despacho que, na parte relevante, tem o seguinte teor:
« (…) - O âmbito de aplicação do disposto no artigo 27.ºs 1 e 2 do CPPT não se refere ao instituto da “Reclamação para a Conferência”;
- Nos termos do artigo 40.º, n.º 1 do ETAF, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, que prevê o funcionamento dos Tribunais Administrativos de Círculo, “Exceto nos casos em que a lei processual administrativa preveja o julgamento em formação alargada, os tribunais administrativos de círculo funcionam apenas com juiz singular”;
- Tal normativo deixou de prever (por revogação do seu n.º 3 em 2015) que “nas ações administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”.
Sendo que era justamente nesse caso que se considerava [por aplicação do artigo 27.º, n.º 1, al. i) e n.º 2 do CPTA], que das decisões proferidas por juiz singular, que, nos termos da lei, devessem ser apreciadas por tribunal coletivo, cabia reclamação para a respetiva conferência e não recurso, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do CPTA.
Nos termos do artigo 46.º, n.º 1 do ETAF “Os tribunais tributários funcionam com juiz singular, a cada juiz competindo o julgamento, de facto e de direito, dos processos que lhe sejam distribuídos”;
- De acordo com o disposto no artigo 280.º do CPPT, das decisões dos tribunais tributários cabe recurso jurisdicional, a interpor no prazo de 10 dias, que, no caso de processos urgentes devem ser apresentados por meio de requerimento juntamente com as alegações [cfr. artigo 282º do CPPT].
Assim, tendo presente os aludidos considerandos, notifique a Recorrente para vir esclarecer e identificar concretamente quais a(s) norma(s) legal(is) ao abrigo da(s) qual(is) apresenta a dita reclamação/recurso para a conferência e se, sendo caso disso, se pretende interpor recurso jurisdicional, nos termos supra assinalados, sendo essa a forma legal.»
Na sequência do determinado, veio a recorrente responder nos termos seguintes: «A recorrente face à decisão proferida por V/a Exa e acatando a mesma, pretende interpor recurso jurisdicional, para o Tribunal Central Administrativo do Sul, tomando a iniciativa de juntar ao presente requerimento não só o requerimento de interposição do recurso já corrigido mas também a fundamentação do mesmo e as respectivas conclusões, pelo que requer que as alegações sejam incorporadas nos autos em substituição da reclamação para a conferência apresentada.».
Extraindo-se dos autos que a recorrente incorreu em erro na qualificação do meio processual utilizado, uma vez que o que pretendia era interpor recurso jurisdicional, como a recorrida reconhece [Conclusão XIII.], bem andou o Tribunal a quo que, no uso no dos seus poderes de gestão processual e por aplicação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva, pro accionee artigo 193.º, n.º 3, do CPC, ex viartigo 2º, al. e) do CPPT, determinou a convolação da reclamação (apresentada em 20 de Agosto de 2018, correspondendo esta data ao terminus do prazo para apresentar recurso jurisdicional) em recurso jurisdicional.
Deste modo, atentas as razões supra referidas, forçoso é concluir que o recurso tem de ter-se por tempestivamente interposto.
Pelo que importa passar ao conhecimento do objecto do recurso.
Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedente o recurso judicial que ELISABETE ........................................ apresentou contra a decisão da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 19 de Abril de 2018, que autorizou « (…) que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo Elisabete ........................................, com o numero de identificação fiscal ..................., com referência ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2011[Cfr. N) do probatório].
Começaremos por conhecer da primeira questão suscitada nas alegações e levadas às conclusões de recurso, em ordem a apurar se a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento, quando, após traçar o enquadramento jurídico que julgou aplicável à situação dos autos, veio a concluir que, contrariamente ao invocado na petição de recurso, não foi violado o n.º2 do artigo 62.º da LGT.
Como suporte ao assim decidido, o Tribunal a quo expendeu a seguinte fundamentação:
«Do estatuído no supra referido estatuto (cf. artigo 92.º acima transcrito), nada consta quanto à necessidade de qualquer decisão judicial para que se procede ao levantamento do sigilo bancário, nem tal consta do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária.
Resultou do teor da alínea N) do probatório que o presente procedimento de levantamento do sigilo bancário da Recorrente foi deferido por despacho da Directora -Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Conforme resulta do disposto no n.º 4, do artigo 63.º-B da LGT é da competência exclusiva da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira a decisão de levantamento do sigilo bancário e basta-se com o despacho daquela.
Do teor da alínea J) do probatório não resultou provado, que no requerimento que dirigiu à Direcção de Finanças de Faro em 24.01.2018 a Recorrente se tenha oposto ao levantamento de sigilo bancário, solicitado pela Autoridade Tributária. Caso em que seria então aplicável o disposto nos números 2, ali. b) do n.º 5 e n.º 6 artigo 63.º da Lei Geral Tributária acima transcritos, o que obrigaria a Autoridade Tributária a pedir autorização judicial para o acesso aos dados bancários da Recorrente.
Da factualidade alegada e provada não resultou que a decisão da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de levantamento do sigilo bancário afecte o sigilo profissional a que a Recorrente se encontra obrigada.
Caberia à Recorrente, alegar e provar factos, que provassem que a decisão da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de levantamento do sigilo bancário, contende com o sigilo profissional a que se encontra obrigada, atento o disposto no artigo 92.º do Estatuo da Ordem dos Advogados acima transcrito, cf. ali. d) do artigo 552.º do Código Processo Civil, aplicável ex vi ali. e) do artigo 2.º do CPPT.
Nestes termos será de improceder o alegado quanto ao vício de violação do despacho da Directora -Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que ordenou o levantamento do sigilo bancário da Recorrente, por falta de prévia autorização judicial.».
Em face do teor desta decisão, alega a recorrente que sendo advogada a derrogação do sigilo bancário carecia de obtenção de decisão judicial para o efeito e, porque o não foi, mostra-se violado o artigo 62.º, n.º2 da LGT.
Por sua vez, a recorrida sustenta que não foi a Administração Tributária que decidiu a derrogação do sigilo bancário, uma vez que tal decisão, como consta dos autos, foi tomada no âmbito de um processo de inquérito criminal dirigido por magistrado. Além disso, diz ainda, que o despacho da Administração Tributária, de “derrogação” de um sigilo bancário que já estava derrogado, não visou o acesso a qualquer informação bancária, informação que já era conhecida das autoridades públicas.
Do exposto resulta que a questão que se coloca é a de saber se, sendo o sujeito passivo advogada, a Administração Tributária, tendo constatado factos concretamente indiciadores da falta de veracidade nos rendimentos declarados nos anos de 2008 a 2011 e que estando conexos com o exercício da advocacia, não teria que, previamente, solicitar autorização ao Tribunal para a derrogação do sigilo bancário.
Vejamos.
Para melhor compreensão do que se discute no presente recurso, transcrevem-se os números 1, 2, 3, 4, e 5 do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09.09:
«1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento. 17
5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo. (…)».
Atente-se agora ao estabelecido no artigo 63.º n.ºs 1, 2 e 5 da LGT, que se reproduz, de seguida, o seu teor:
«1. Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente:
a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais;
b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária;
c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução;
d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas;
e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais;
f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva.
2 - O acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.
(…)
5 - A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem
(…)
b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional ou outro dever de sigilo legalmente regulado, com exceção do segredo bancário e do sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro, realizada nos termos do n.º 3;
(…)
6 - Em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária(negrito da nossa autoria).
Por último, sob a epígrafe «Acesso a informações e documentos bancários», o artigo 63.°-B da LGT estabelece nas suas alíneas b) do n.° 1 e a) do n.° 3, o seguinte:
«1. A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 317/2009, de 30 de outubro, e 242/2012, de 7 de novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
(…)
b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível;
2 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder diretamente aos documentos bancários e aos documentos emitidos por outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.».
O Supremo Tribunal Administrativo ao interpretar os normativos legais contidos no artigo 63.º da LGT, na sua redacção dada pela Lei nº 30-G/2000 de 29/12 e artigo 63º-B da mesma LGT (alterado pela Lei nº 55-B/2004, de 30/12) mas que, em substância, correspondem aos preceitos transcritos, apenas com uma diferença de numeração e invocando o Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, consignou no seu Acórdão de 29.09.2010, proferido no processo n.º 0668/10, o seguinte:
«Da conjugação e articulação de todo este regime jurídico, constata-se que a lei prevê um regime diferenciado, consoante a AT pretenda aceder a informação protegida pelo sigilo bancário ou pretenda aceder a informação protegida pelo sigilo profissional ou outro dever de sigilo legalmente protegido.
No caso de derrogação do sigilo bancário a utilização da via judicial, por parte da AT, é facultativa, desde que estejam reunidos os pressupostos previstos no art. 63º-B da LGT.
Mas, no caso de derrogação do sigilo profissional, é obrigatória a utilização da via judicial, dado que nos nºs. 2 e 4, al. b) do citado art. 63º-B, apenas se reportam à desnecessidade de autorização judicial para o caso específico da derrogação do sigilo bancário, não se englobando nesses normativos nem o sigilo profissional nem outros deveres de sigilo (cfr. Casalta Nabais, Fiscalidade, nº 10, pág. 21, citado nos acs. desta secção do STA, de 20/8/2008 e 2/12/2009, recs. nºs. 715/08 e 01116/09, respectivamente).
Não existindo, pois, uma total oponibilidade relativamente ao sigilo profissional, caberá, todavia, ao tribunal a apreciação dos fundamentos apresentados para a respectiva derrogação.
No caso vertente, os AA (ora recorridos) invocaram o sigilo profissional de advogado e a sentença recorrida veio a considerar que, apesar de não resultar dos autos que no decurso do procedimento tributário o requerente tivesse feito qualquer alusão a essa circunstância, invocou tal segredo profissional no recurso da decisão do Sr. Director-Geral dos Impostos, e, por isso, tendo em conta o disposto no art. 87° do EOA (aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26/1), é de concluir no sentido de que a AT só deveria e poderia aceder às informações e documentação bancária depois de obtida a devida autorização judicial, uma vez que, parte da matéria investigada poderia estar abrangida pelo segredo profissional porquanto os elementos factos verificados como sendo desconformes com a veracidade do declarado estavam relacionados com o exercício da advocacia. Ou seja, importava, no caso, que a AT no decurso da inspecção externa tivesse dado cumprimento ao previsto nos nºs. 1, 2 e 4, al. b) e 5 todos do art. 63º, conjugados com o art. 63°-B, nº 1, al. b), ambos da LGT.
O recorrente sustenta, porém, que, inexistindo oposição por parte do contribuinte, e visando o procedimento, no caso, o levantamento de sigilo bancário aos visados, não se poderia ter então reflectido e ponderado eventual violação de segredo profissional a que os então visados se encontram adstritos por força da profissão que exercem, sendo que estes participaram activamente no procedimento inspectivo sem nunca tal terem invocado, pelo que, a correcta leitura dos arts. 63° e 63°-B da LGT, impõe interpretação no sentido de que só a recusa (oposição) por parte do visado fundamentada em segredo profissional imporia a necessidade de recurso, por parte da administração, a autorização judicial prévia de acesso a contas e elementos bancários.
Todavia, julgamos que a sentença decidiu de acordo com a lei.
Com efeito, sendo certo, como se disse, que no caso de derrogação do sigilo profissional, é obrigatória a utilização da via judicial, dado que nos nºs. 2 e 4, al. b) do citado art. 63º-B, apenas se reportam à desnecessidade de autorização judicial para o caso específico da derrogação do sigilo bancário, não se englobando nesses normativos nem o sigilo profissional nem outros deveres de sigilo, a AT não poderia, a coberto da ressalva permitida, para o sigilo bancário, pelo art. 63º-B (derrogação deste quando estejam reunidos os pressupostos ali previstos) derrogar também o sigilo profissional, mesmo que o mesmo não tenha sido então invocado.
É que, embora o contribuinte esteja sujeito a um dever geral de cooperação com a AT, na concretização das diligências legalmente previstas, esse dever cessa nas circunstâncias previstas no nº 4, do art. 63º (LGT) podendo aquele opor-se legitimamente à realização da inspecção e só por via judicial podendo ser afastada tal oposição.
O que significa que, nos casos em que por via do acesso a documentação coberta pelo sigilo bancário, venha ou possa vir a ser invocado também o sigilo profissional, a AT, se utilizar apenas a via da autorização administrativa para derrogar tal sigilo, pode ver essa derrogação sindicada judicialmente, pois que o direito àquela oposição não é, nessa medida, afastado.
Até porque «o tribunal, em caso de oposição do contribuinte, não intervém para conceder dispensa do segredo, mas somente para certificar se o direito excepcionante do princípio geral de segredo de que goza a administração fiscal está a ser exercido no seu concreto campo, derrogando os princípios gerais da legalidade e da execução prévia dos actos administrativos» (cfr. Benjamim Rodrigues, in “O sigilo bancário e o sigilo fiscal”, na colectânea "Sigilo bancário", Lisboa, 1997, pg. 113, citado por Lima Guerreiro, LGT anotada, Anotação 16 ao art. 63º).
Daí que careça de suporte legal a alegação, por parte do recorrente, no sentido de que, pelo facto de não se ter oposto no procedimento, o contribuinte não pode agora invocar tal ilegalidade. Por um lado, não é verdade que o contribuinte não se tenha oposto, já que, quando foi perguntado sobre a disponibilização das suas contas bancárias, respondeu negativamente (cfr. auto de fls. 22 do apenso administrativo); por outro lado, se entender que ocorreu alguma ilegalidade no procedimento, não está vedado ao contribuinte invocá-la na respectiva impugnação do acto. Até porque, exigindo a al. b) do nº 4 do citado art. 63º da LGT o consentimento do titular, ainda que se possa entender que ele pode ser tácito, a verdade é que não corresponde à falta de oposição: isto é, tal falta não significa, «a se», consentimento.
Aliás, como alegam os recorridos, o sigilo profissional do advogado, previsto no art. 87° do EOA, é um dever do advogado e é um direito daqueles que são os seus clientes, só podendo ser afastado nas circunstâncias previstas na lei e dependente de procedimento próprio nos termos do respectivo regulamento - cfr. Regulamento nº 94/2006, de 12/6, pelo que está ele, desde logo, legalmente impedido de consentir a derrogação de tal sigilo profissional. (( ) Sobre as questões atinentes à natureza jurídica do sigilo profissional do Advogado (dever de natureza puramente contratual, adveniente e baseado na relação estabelecida entre o advogado e o cliente, ou dever de natureza pública) cfr. Lebre de Freitas, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, pags. 337 e sgts..)
Daí que, ao invés do que sucede com o sigilo bancário (que, dentro dos referidos pressupostos, pode ser derrogado pela própria AT), para o sigilo profissional a autorização judicial seja, como acima se disse, a regra em termos da sua derrogação, não existindo, neste âmbito, qualquer excepção que permita essa derrogação pela AT.
E segundo o disposto naquele art. 87° o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente, quanto aos factos especificados nas als. a) a f) desse normativo, sublinhando-se no seu nº 3 que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
Ora, como aponta o MP e os recorridos, as informações bancárias do advogado estarão igualmente abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, se poderão relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o advogado está obrigado a guardar sigilo. Daí que se imponha, face aos interesses envolvidos, a necessidade de autorização judicial nos termos do nº 5 do art. 63° da LGT, podendo a AT ter acesso à conta bancária do contribuinte, mas mediante autorização judicial e não podendo, no caso vertente, lançar mão da simples derrogação administrativa.
Não pode, assim, proceder a alegação do recorrente, no sentido de que «a correcta leitura dos preceitos indicados, impõe interpretação no sentido de que só a recusa (oposição) por parte destes fundamentada em segredo profissional imporia a necessidade de recurso, por parte da administração a autorização judicial prévia de acesso a contas e elementos bancários» e no sentido de que «o sigilo profissional, para além de um dever é, simultaneamente, um direito do advogado, na medida em que lhe confere a possibilidade de negar a prestação de informações ou o acesso a elementos com a invocação de tal fundamento».
Como se refere na sentença recorrida, tendo em conta o disposto no art. 87° do EOA, é de concluir no sentido de que a AT só deveria e poderia aceder às informações e documentação bancária depois de obtida a devida autorização judicial, uma vez que, parte da matéria investigada poderia estar abrangida pelo segredo profissional porquanto os elementos fácticos verificados como sendo desconformes com a veracidade do declarado estavam relacionados com o exercício da advocacia. Pelo que, no caso, importava que a AT no decurso da inspecção externa tivesse dado cumprimento ao previsto nos nºs. 1, 2 e 4, al. b) e 5 todos do art. 63º, conjugados com o art. 63°-B, nº 1, al. b), ambos da LGT, porquanto a excepção ou ressalva consagradas nos nºs. 2 e 4, al. b) do art. 63° da LGT quanto à desnecessidade de autorização judicial para a derrogação do sigilo, apenas se reporta ao caso específico do sigilo bancário, não se englobando aí o sigilo profissional.
E nem se vê que esta interpretação viole o disposto nos arts. 266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT; antes pelo contrário: só o estrito cumprimento da lei é que pode assegurar a prossecução dos princípios ali referidos, o que, como vimos, não sucedeu no presente caso.»-negrito da nossa autoria-(disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
De acordo com a interpretação normativa resultante da jurisprudência reproduzida e transpondo a mesma, para o caso em apreço (uma vez que estamos perante uma situação similar à que foi apreciada no Acórdão citado) tal é demonstrativo de que, contrariamente ao decidido em 1ª Instância, exercendo a recorrente a profissão de advogada e embora no requerimento que dirigiu à Direcção de Finanças de Faro em 24.01.2018, não tenha manifestado qualquer posição no sentido de se opor ao levantamento de sigilo profissional, o certo é que, como sublinha o Acórdão que vimos seguindo: «(…) se entender que ocorreu alguma ilegalidade no procedimento, não está vedado ao contribuinte invocá-la na respectiva impugnação do acto. Até porque, exigindo a al. b) do nº 4 do citado art. 63º da LGT o consentimento do titular, ainda que se possa entender que ele pode ser tácito, a verdade é que não corresponde à falta de oposição: isto é, tal falta não significa, «a se», consentimento.».
E não se diga, como faz a recorrente, que «A decisão de derrogação do segredo bancário foi decidida por órgão judicial, em processo-crime.» [Conclusão III] ou, ainda, que «O despacho de derrogação desse mesmo sigilo, efectuado pela AT, apenas visou consentir um direito de defesa à Recorrente, como é entendimento de jurisprudência superior.» [Conclusão IV].
Com efeito, como mencionado anteriormente, estamos perante realidades diferentes: o sigilo bancário, que, dentro de certos pressupostos, pode ser derrogado pela própria Administração Tributária, através de autorização administrativa (cfr. artigo 63.º-B, nºs.1, 2 e 4, da LGT), por sua vez, a autorização judicial é a regra no sigilo profissional em termos da sua derrogação, não existindo, neste âmbito, qualquer excepção que permita essa derrogação pela Administração Tributária (cfr. artigo 63º., nº.2, da LGT).
É isso mesmo que se alcança da leitura do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 16.09.2015, proferido no processo n.º 99/15: «A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito. - A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.».
Ora, na parte que aqui nos interessa, constata-se, que na decisão proferida pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, depois de declarar expressamente, que a recorrente «encontra-se colectada pela actividade de advogada desde 22/09/1998» e que pretendia verificar precisamente os rendimentos no âmbito de tal actividade, veio a afirmar que: «No decurso da acção inspectiva foram verificadas as declarações de rendimentos em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) E IMPOSTO Sobre o Valor Acrescentado (IVA) do sujeito passivo, os recebidos verdes emitidos e ainda compilados todos os processos judiciais em curso naquela data, nos quais Elisabete ........... intervinha enquanto mandatária. (…) Através dos Serviços de Finanças de Tavira – onde o sujeito passivo é bastante conhecido – e Vila Real de Santo António, a DF Faro teve acesso a vários documentos apresentados pelo sujeito passivo na qualidade de advogada em nome de vários clientes, onde constam a sua assinatura e a identificação da sua cédula profissional.» (negrito da nossa autoria).
Deste trecho há-de, assim, concluir-se, que a recolha da documentação em causa impunha, face aos interesses envolvidos, a necessidade de autorização judicial nos termos do artigo 63.°, n.º2 da LGT, podendo a Administração Tributária ter acesso à conta bancária do contribuinte e documentos relativos ao exercício da sua profissão, mas mediante autorização judicial e não podendo, no caso vertente, lançar mão da simples derrogação administrativa.
Isto mesmo reconheceu o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.12.2009, proferido no processo n.º 1116/09, ao consignar que o sigilo profissional tem por «(…) preocupação a preservação da relação de confiança dos cidadãos na classe profissional dos advogados tendo em vista “o interesse da justiça na sua mais lata acepção.» (disponível em texto integral em wwww.dgsi.pt).
Tanto basta para concluir pela procedência do recurso, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões nele colocadas.
IV.CONCLUSÕES
I. O advogado está obrigado a guardar segredo profissional relativamente a factos conhecidos pelo exercício da sua profissão ou da prestação dos seus serviços (cfr. artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09.09).
II. Como tal pode, estando em causa, a relação de confiança advogado-cliente, o acesso à informação protegida pelo segredo profissional depende de autorização judicial (cfr.63.º, n.º2 da LGT).

V.DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em dar provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrida.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2018.
Ana Pinhol

Benjamim Barbosa

Catarina Almeida e Sousa