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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06718/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:09/17/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
EXECUÇÃO DE JULGADO. ARTº.100, DA L. G. TRIBUTÁRIA.
TEORIA DA RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ACTUAL HIPOTÉTICA.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS. ARTº.43, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
JUROS DE MORA. ARTº.102, DA L.G.T.
ARTº.61, Nº.3, DO C.P.P.T.
Sumário:1. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil).

2. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.

4. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.

5. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).

6. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

7. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43, da L.G.T.).

8. Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:
a)Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
b)Que o erro seja imputável aos serviços;
c)Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d)Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

9. Diferentes dos juros indemnizatórios são os juros de mora. Nos termos da lei são estes devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória (artº.102, da L.G.T.), prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial cuja execução se pede e não com a data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da A. Fiscal competente para a execução, pelo que deve considerar-se que o artº.146, nº.2, do C.P.P.Tributário, ao prever coisa diferente, assim afrontando o artº.100, da L. G. Tributária e o artº.205, nº.2, da Constituição da República, é material e organicamente inconstitucional.

10. O artº.61, nº.3, do C.P.P.T., consagra o termo final do cômputo dos juros indemnizatórios, qual seja, a data da emissão da respectiva nota de crédito a favor do contribuinte.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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FUNDAÇÃO …………………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.77 a 86 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a execução de julgado de sentença exarada em processo de impugnação que decidiu anular liquidações de I.V.A. e juros compensatórios relativas aos anos de 1998 e 1999.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.102 a 110 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O facto em que a sentença sob recurso se baseou para julgar em parte improcedente o pedido de juros indemnizatórios - a emissão pela D.G.I. de nota de crédito em 20/02/2007 - foi impugnado pela exequente e não está provado;
2-A exequente não foi notificada da emissão dessa nota de crédito, pelo que, mesmo que tal emissão tivesse ocorrido, ela seria ineficaz, por força do disposto no artº.36, nº.1, do C.P.P.T.;
3-Não existiam débitos da exequente que pudessem ser compensados mediante emissão de nota de crédito, como mostra o facto de em 15/03/2007 a Administração Fiscal ter reembolsado a exequente, por meio de cheque, do montante do imposto por esta indevidamente pago, procedimento contraditório e ilegal se porventura houvesse lugar àquela emissão e esta se tivesse verificado;
4-Pelo que o artº.61, nº.3, do C.P.P.T., aplicado pela sentença recorrida, não é aplicável ao caso “sub judice”;
5-O acórdão do STA de 2/07/2008, invocado pela sentença para fundamentar o indeferimento do pedido de juros moratórios, versa sobre situação diferente, e a sua doutrina não é aplicável a este caso, pois os juros indemnizatórios e os juros moratórios peticionados pela exequente não visam ressarcir os mesmos prejuízos, nem respeitam ao mesmo período de tempo;
6-O entendimento da sentença sobre esta questão, se fosse acolhido, permitiria à Administração Tributária atrasar indefinidamente, sem penalização, o pagamento de juros indemnizatórios devidos, com a consequente violação do direito fundamental dos cidadãos a serem indemnizados dos prejuízos resultantes de actos ou procedimentos ilícitos da Administração Pública;
7-A sentença errou no julgamento da matéria de facto e na aplicação do direito aos factos provados, pelo que deve ser revogada;
8-Nestes termos, e nos mais que V. Exas doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente, ser decidido que a execução deve prosseguir para cobrança das seguintes quantias:
- € 1.282,71, correspondentes à diferença entre o montante dos juros indemnizatórios pagos pela D.G.I. em 8/10/2007 e o montante a que, a esse título, a recorrente tem direito;
- € 948,31, valor dos juros moratórios sobre € 99.463,86, à taxa legal de 4%, contados desde 13/07/2007, data em que o Sr. Director-Geral dos Impostos foi notificado do requerimento inicial da execução, até 8/10/2007;
- Valor dos juros moratórios, à mesma taxa, sobre € 1.282,71, a contar de 8/10/2007 até efectivo e integral pagamento à recorrente.
X
Contra-alegou a entidade recorrida (cfr.fls.122 e 123 dos autos), a qual pugna pela confirmação do julgado, sustentando, nas Conclusões:
1-A recorrente pretende no presente recurso que a recorrida lhe pague a quantia de € 1.282,71 a título de juros indemnizatórios que lhe não foram pagos entre 21/02/2007 e 15/03/2007;
2-Estes juros são contados sobre o imposto indevidamente pago pela recorrente;
3-A recorrente entende que os mesmos deverão ser contabilizados até à data do recebimento do cheque de reembolso;
4-Ora, o nº.3, do artº.61, do C.P.P.T., estabelece precisamente que “os juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à emissão da respectiva nota de crédito”;
5-E a respectiva nota de crédito foi emitida, de acordo com o referido preceito legal em 21/02/2007;
6-Nestes termos, e nos mais que V.Exas doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso, fazendo-se, assim, a habitual JUSTIÇA.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento parcial do presente recurso (cfr.fls.135 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.137 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.80 a 82 dos autos):
1-Em 19/08/2002, a exequente foi notificada das liquidações adicionais de I.V.A. respeitantes aos anos de 1998 e 1999, bem como dos respectivos juros compensatórios (cfr.documentos juntos a fls.129 a 154 do processo de impugnação judicial apenso);
2-Em 18/12/2002, a exequente efectuou o pagamento das liquidações identificadas no nº.1, no montante total de € 550.816,44 (cfr.documentos juntos a fls.6 a 12 dos presentes autos);
3-Em 27/01/2003, a exequente apresentou reclamação graciosa das liquidações identificadas no nº.1 (cfr.documento junto a fls.155 a 169 do processo de impugnação judicial apenso);
4-A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 7/02/2005 (cfr.documentos juntos a fls.35 a 45 do processo de impugnação judicial apenso);
5-Em 10/03/2005, foi deduzida a impugnação judicial, que correu termos neste tribunal com o nº…../05.1BELSB, onde foi requerida a anulação das liquidações de I.V.A. e de juros compensatórios referentes aos anos de 1998 e 1999 e mencionadas no nº.1 (cfr. carimbo de entrada aposto a fls.3 do processo de impugnação judicial apenso);
6-Em 25/07/2006, foi proferida sentença no processo de impugnação, julgando o mesmo totalmente procedente, devido a vício de violação de lei (cfr.sentença exarada a fls.268 a 271 do processo de impugnação judicial apenso);
7-Em 20/02/2007, foi emitida nota de crédito a favor da exequente, no montante de € 550.816,44 (cfr.documentos juntos a fls.48 e 49 dos presentes autos);
8-Em 15/03/2007, foi recepcionado pela exequente o reembolso daquele montante de € 550.816,44;
9-Por ofício datado de 1/10/2007, o 8º. Serviço de Finanças de Lisboa comunicou à exequente que se encontrava à disposição desta um cheque no montante de € 98.181,15, referente a juros indemnizatórios (cfr.documento junto a fls.33 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão a proferir nada mais se provou de relevante…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e apenso de impugnação judicial, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório. Os factos referidos supra, em 8) e 9), não são controvertidos…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
10-Em 8/10/2007, o ofício a que se refere o nº.9 do probatório foi recepcionado pela exequente,Fundação Calouste Gulbenkian”, com o n.i.p.c. 500 745 684 (cfr.documento junto a fls.33 dos presentes autos);
11-O cheque mencionado no nº.9 do probatório, o qual titulava o montante total de € 98.181,15, relativo a juros indemnizatórios, os quais foram computados sobre a dívida inicial de € 550.816,44, à taxa de 7% no período que mediou entre 18/12/2002 e 30/4/2003, mais sendo a taxa de 4% entre 1/5/2003 e 20/2/2007, data da emissão da nota de crédito (cfr.documento junto a fls.48 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a execução de julgado da sentença exarada no processo de impugnação judicial apenso.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e como supra se alude, que o facto em que a sentença sob recurso se baseou para julgar em parte improcedente o pedido de juros indemnizatórios - a emissão pela D.G.I. de nota de crédito em 20/02/2007 (cfr.nº.7 do probatório) - foi impugnado pela exequente e não está provado (cfr.conclusão 1 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
Mais se dirá que o erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/2/2013, proc.4865/11).
“In casu”, o recorrente põe em causa que se encontre provado nos autos a emissão da nota de crédito a seu favor em 20/02/2007 (cfr.nº.7 do probatório), mais ligando tal falta de prova ao facto de somente em 15/03/2007 a Administração Fiscal o ter reembolsado, por meio de cheque, do montante do imposto por este indevidamente pago (cfr.nº.8 do probatório).
Ora, estamos perante factualidade diferente (as datas de emissão da nota de crédito e de reembolso da exequente) e que foi considerada provada pelo Tribunal “a quo”. A emissão da nota de crédito foi considerada provada pelo Tribunal com base no teor dos documentos juntos a fls.48 e 49 dos presentes autos, teor de documentos este que não foi posto em causa pela exequente, a qual se limita a dizer que não foi notificada da emissão dessa nota de crédito (cfr.artº.376, do C.Civil).
E examinando o teor dos documentos em causa, deve este Tribunal concluir pelo acerto da decisão da matéria de facto constante do nº.7 do probatório.
Concluindo, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso, mais se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”, neste segmento.
O apelante aduz, igualmente e como supra se alude, que não existiam débitos do exequente que pudessem ser compensados mediante emissão de nota de crédito, como mostra o facto de em 15/03/2007 a Administração Fiscal o ter reembolsado, por meio de cheque, do montante do imposto por este indevidamente pago, procedimento contraditório e ilegal se porventura houvesse lugar àquela emissão e esta se tivesse verificado. Que o artº.61, nº.3, do C.P.P.T., indicado pela sentença recorrida, não é aplicável ao caso “sub judice”. Que os juros indemnizatórios e os juros moratórios peticionados pelo exequente não visam ressarcir os mesmos prejuízos, nem respeitam ao mesmo período de tempo. Que o entendimento da sentença recorrida sobre esta questão, se fosse acolhido, permitiria à Administração Tributária atrasar indefinidamente, sem penalização, o pagamento de juros indemnizatórios devidos, com a consequente violação do direito fundamental dos cidadãos a serem indemnizados dos prejuízos resultantes de actos ou procedimentos ilícitos da Administração Pública (cfr.conclusões 3 a 6 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão (cfr.artº.43, da L.G.T.).
Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr.Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.868 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.526 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/1/2012, proc.5110/11).
A A. Fiscal está, assim, obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objecto de um acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses protegidos dos administrados. Tal constitui uma simples explicitação do princípio geral de direito que nos diz que devem ser apagados todos os efeitos jurídico-práticos consequentes de um acto ilícito (cfr.artº.562, do C.Civil).
A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/2/2009, rec.1003/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/7/2006, proc.1258/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/1/2007, proc.205/04; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.869).
Haverá, agora, que saber se no caso “sub judice” são, ou não, devidos juros indemnizatórios.
Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras.
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual.
Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43, da L.G.T.; Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.155 e seg.).
Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:
1-Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
2-Que o erro seja imputável aos serviços;
3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.158; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.530).
Embora não se refira expressamente, no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, que o acto viciado por erro deve ser um acto de liquidação, são os actos deste tipo os que provocam directamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a actos de liquidação que se reporta esta disposição (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/1/2012, proc. 5110/11).
Diferentes dos juros indemnizatórios são os juros de mora. Nos termos da lei são estes devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória, prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial cuja execução se pede e não com a data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da A. Fiscal competente para a execução, pelo que deve considerar-se que o artº.146, nº.2, do C. P. P. Tributário, ao prever coisa diferente, assim afrontando o artº.100, da L. G. Tributária e o artº.205, nº.2, da Constituição da República, é material e organicamente inconstitucional (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/3/2009, rec. 983/08; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.528; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.887).
No caso “sub judice”, desde logo se dirá que se encontram reunidos os pressupostos de pagamento de juros indemnizatórios, mais exactamente os quatro pressupostos do seu pagamento supra mencionados. Controvertido no processo encontra-se, não o direito aos juros indemnizatórios, uma vez que o mesmo foi efectuado, no montante de € 98.181,15 (cfr.nº.9 do probatório), mas sim o termo final do cômputo dos mesmos.
Entende o recorrente que não se aplica ao caso dos autos o artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário, na redacção anterior à introduzida pela Lei 55-A/2010, de 31/12 (actual artº.61, nº.5, do C.P.P.T.). A norma sob exame tinha a seguinte redacção:
Artº.61
(Juros indemnizatórios)
(…)
3-Os juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
(…)
Ora, é precisamente esta norma que consagra o termo final do cômputo dos juros indemnizatórios, qual seja, a data da emissão da respectiva nota de crédito. No caso concreto, a nota de crédito com vista ao pagamento, tanto do imposto, como dos juros indemnizatórios a favor do recorrente foi emitida em 20/2/2007, sendo este o termo final que devia ser levado em consideração pela A. Fiscal no cálculo do montante dos aludidos juros indemnizatórios, conforme defende a doutrina e a jurisprudência (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.551; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/2/2009, rec.1003/08).
Concluindo, a norma constante do artº.61, nº.3, do C.P.P.Tributário, na redacção anterior à introduzida pela Lei 55-A/2010, de 31/12, aplica-se ao caso “sub judice”, sendo que os juros indemnizatórios cobrem todo o período que vai desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (cfr.nºs.9 e 11 do probatório), pelo que, nestas condições, não há lugar ao pagamento de juros de mora, contrariamente ao defendido pelo recorrente.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a sentença recorrida, embora com a actual fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 17 de Setembro de 2013



(Joaquim Condesso - Relator)


(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)