Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 644/18.4BESNT |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 06/18/2020 |
| Relator: | ANA CELESTE CARVALHO |
| Descritores: | DESPEJO ADMINISTRATIVO, FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS, FALTA DE INTERESSE EM AGIR, AUTO-TUTELA EXECUTIVA. |
| Sumário: | I. Sem que seja possível extrair uma solução expressa e inequívoca da letra da lei, a questão de saber a quem cabe a legal competência para decidir a execução do despejo no âmbito dos contratos de arrendamento de renda apoiada, há-de decorrer da interpretação conjugada de um conjunto de preceitos da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, a saber, os artigos 17.º, n.º 3, 28.º, 28.º-A e 35.º, n.º 3.
II. Os tribunais administrativos são competentes para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento de renda apoiada, mas sem que se preveja a competência judicial em matéria de despejo, sendo essa competência atribuída aos órgãos administrativos. III. Quanto ao despejo estabelece o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao senhorio levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, in casu, ao Presidente da Câmara Municipal, sem prejuízo da possibilidade de delegação de competência. IV. Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que significa que neste caso se confere a competência legal para determinar não apenas o despejo, mas a sua execução, a um órgão administrativo. V. Especificamente no caso de o despejo ter por fundamento a falta de pagamento das rendas, o legislador conferiu à Administração o poder de decidir o despejo e de o executar, consagrando, por isso, o despejo administrativo. VI. Tratando-se de um poder administrativo, de autotutela declarativa e de autotutela executiva, exclui-se a competência jurisdicional dos tribunais administrativos para a execução do despejo. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO
O Município da Amadora, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 06/06/2019, que no âmbito da ação administrativa instaurada contra J................, julgou procedente a exceção dilatória de falta de interesse processual ou interesse em agir do Autor e absolveu o Réu da instância. * Formula o Autor, aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. O douto acórdão incorre em erro de julgamento quanto à interpretação do artigo 28º da Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro, na sua redação da Lei nº 32/2016, de 24 de agosto; 2. A redação do artigo 28º da Lei nº 81/2014 operou uma importante transformação com a alteração de 2016, pois alterou o texto primitivo da na parte final do nº 1: (…) cabe a essa entidade ordenar e mandar executar o despejo, podendo, para o efeito, requisitar as autoridades policiais competentes; 3. De modo que a norma decorrente da alteração de 2016 estabeleceu no nº 1 do artigo 28º o seguinte: 1- Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no nº 1 do artigo 2º [entre as que se inclui o aqui Recorrente], cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei – além de revogar o nº 4 do mesmo artigo; 4. Atendendo ao trabalho e debate parlamentar ocorrido durante a Proposta de Lei nº 122/XIII (que originou a Lei nº 32/2016, de 24 de agosto) é claro que o legislador de 2016 teve presente que, do ponto de vista de o objetivo de conseguir uma maior justiça social, o despejo administrativo nesta matéria colidia com a salvaguarda dos interesses dos moradores dos fogos municipais: A possibilidade de despejos por mera via administrativa ou segundo as regras do NRAU não permite a defesa por parte dos inquilinos. A falta de pagamento das rendas pode ter origem em razões de carência económica que têm que estar salvaguardadas e não podem de modo algum conduzir ao despejo. 5. E esta questão estava evidenciada em duas propostas antagónicas: a do PCP 1- Nas situações de despejo decorrentes de ocupação ilegal ou de não uso por um período superior a seis meses, e caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação à entidade detentora da mesma, cabe a essa entidade ordenar e mandar executar o despejo, podendo para o efeito, requisitar as autoridades policiais competentes e a do BE 1 - Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no nº 1 do artigo 2º, cabe a essas entidades iniciar o processo, nos termos da lei geral. 6. O legislador pretendeu, portanto, acabar com os despejos administrativos, devendo, agora, as entidades mencionadas no nº 1 do artigo 2º, para poder realizar os despejos legalmente previstos, recorrer aos Tribunais Administrativos; Por ter o legislador entendido que, deste modo, acautelava melhor os interesses dos particulares, realizado, com a alteração legislativa de 2016, uma viragem em matéria de despejos nos casos de arrendamentos de renda apoiada. 7. Por tudo o explanado, entendemos que a douta sentença errou quando afirmou que o Recorrente devia e podia, por ser esse o meio legalmente previsto, recorrer à figura do despejo administrativo para despejar o R., aqui Recorrido, do fogo municipal em causa. 8. E, em consequência, também não esteve acertada a douta sentença, quando julgou que o Recorrente não tinha legitimidade ativa nem interesse em agir nos autos em apreço, julgando procedente a exceção dilatória de falta de interesse processual ou interesse em agir.”. Pede que seja dado provimento ao recurso, concluindo-se pela existência de interesse processual e interesse em agir do Recorrente, com as consequências legais. * O Ministério Público, interveniente na ação em representação de ausentes, notificado apresentou contra-alegações, no âmbito das quais formulou as seguintes conclusões: “1.º- A A. veio pedir a entrega do locado, quando tal já havia sido por si ordenado, tendo-se formado cado decidido. 2.º- Tal pedido tem efeitos meramente declarativos e não executivos, pelo que o efeito de tal condenação é equivalente ao do ato administrativo, suprarreferido. 3.º- Os procedimentos subsequentes a ordenar, nos termos da lei, previstos no art. 28º da citada lei, quando não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação são as constantes no art.180º do CPA, a saber determinação e posterior tomada de posse administrativa. 4.º- Só após ter sido lograda tal tomada de posse administrativa, pode a entidade administrativa requerer por via jurisdicional a execução coerciva do referido ato administrativo. 5.º- Tendo o pedido efetuado na sentença efeitos meramente declarativos, e similares ao do ato administrativo praticado, existe falta de interesse em agir. 6.º- O tribunal não pode condenar para além do pedido, sob pena de nulidade da sentença. 7.º-Pelo que a decisão da absolvição da instância do R., por falta de interesse em agir, no que concerne à entrega do imóvel, não padece de qualquer vício ou nulidade. 8.º- A execução de quantias certas, pode ser exigido pela administração coercivamente, através da competente execução fiscal, pelo que a entidade administrativa tem poderes de autotutela e como tal também tem falta de interesse em agir. 9.º- Pelo que, também nesta parte, a decisão da absolvição da instância do R., por falta de interesse em agir, não padece de qualquer vício ou nulidade.”. Pede que se mantenha a sentença recorrida e, consequentemente, seja julgado improcedente o recurso. * O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. A questão suscitada pelo Recorrente resume-se em determinar se a decisão recorrida incorre em erro de julgamento quanto à interpretação do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08.
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “1) O Município de Amadora, ora A, é o proprietário do fogo habitacional destinado a habitação social, sito na P................, nº …., 3º Dto, freguesia de Falagueira – Venda Nova, Amadora, melhor identificado na caderneta predial urbana de fls 14, DOC 2 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 2) Em 13/05/2004, o Autor, através do Presidente da Câmara [como 1º outorgante], e o ora Réu, J................, NIF .............., vendedor ambulante, então residente no Bairro ……….da Falagueira, Refª PER 98.3, na Falagueira [como 2º outorgante], celebraram o acordo que denominaram por «contrato de arrendamento» de fls 11 a 13, DOC 1 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual ora se destaca o seguinte [que formalmente se adapta]: «Entre (…), é celebrado o presente contrato de arrendamento nas condições a seguir indicadas: (I)-O primeiro outorgante, por despacho de 28-11-2003 dá de arrendamento ao segundo outorgante a habitação, T2, sita na P................, nº 1, 3º Dto, freguesia da Falagueira, cujo agregado familiar autorizado é composto por: (…). (II)-O arrendamento é pelo prazo de um ano, com início no dia 01-07-2004 considerando-se sucessivamente renovado por iguais períodos se não for denunciado por qualquer dos outorgantes com a antecedência mínima de trinta dias em relação ao termo do prazo contratual. (III)-1.O montante mensal da renda é de € 15.90. 2.O presente contrato fica sujeito ao regime de renda apoiada instituído pelo DL 166/93 de 07/05. (IV)-A renda mensal vence-se no primeiro dia útil do mês a que respeita e deverá ser paga nos primeiros oito dias de cada mês na tesouraria da Câmara Municipal da Amadora. (V)-Quando a renda não for paga no prazo estabelecido no presente contrato, disporá o inquilino de 15 dias para efetuar o seu pagamento, aumentada de 15% sobre o respetivo montante; decorrido este prazo, ficará o arrendatário obrigado a pagar, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido. (VI)-1.Para a determinação do valor da renda devem os arrendatários declarar anualmente os respectivos rendimentos. 2.O incumprimento do disposto no nº 1, quer por falta de declaração, quer por falsa declaração, determina o imediato pagamento por inteiro do preço técnico (valor real do fogo) sem prejuízo de constituir fundamento de resolução do contrato de arrendamento. (VII)-1.O montante da renda atualiza-se anual e automaticamente em função da variação do rendimento mensal corrigido do agregado.2 (…) (…). (VIII)-1.A casa arrendada destina-se exclusivamente à habitação arrendatário e do seu agregado familiar, caducando o contrato o contrato em caso de morte daquele cessando o direito de ocupação por morte deste. 2.É proibida a hospedagem, a sublocação total ou parcial, ou a cedência a qualquer título, sob pena de multa, igual à renda de seis meses, e de despejo, em caso de reincidência. (…) (XII)-No fim do arrendamento, o inquilino restituirá a casa limpa, com todas as portas, chaves, vidros, instalações, canalizações e seus acessórios ou dispositivos de utilização, sem quaisquer deteriorações, salvo as inerentes ao seu uso normal. (…)». 3) Em julho de 2011 a renda foi diminuída para 7,80€, (…) -certidão DOC 3 da PI, a fls 15/ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 4) Em junho de 2008 a renda foi diminuída para 5,70 €, (…) -certidão DOC 3 da PI, de fls 15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 5) O Réu entre setembro de 2014 e novembro de 2017, não procedeu ao pagamento de nenhuma renda, tendo pago apenas uma parte entre novembro de 2017 e janeiro de 2018, e 6) Não procedeu a qualquer pagamento de rendas desde 10/01/2018 --certidão DOC 3 da PI, de fls 15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 7) Em 17.07.2017 foi elaborada a informação nº 560/2017 de fls 17, DOC 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que concluiu propondo: «a) Se promova a resolução do contrato de arrendamento por falta do pagamento das rendas, e se proceda às diligências tendentes ao consequente despejo; b) Se mantenha a mesma renda até à resolução do contrato de arrendamento; c) Que se proceda à execução da dívida existente à data do cancelamento da conta corrente; d) Que se notifique o agregado familiar das decisões tomadas pelo senhorio, a título de audiência de interessados.»; e foi publicado o edital de fls 20vº e 21, DOC 5 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, para audição de interessados. 8) Em 25.07.2017, o Autor dirigiu ao Réu e aos restantes membros do agregado, o ofício de fls 19, DOC 5 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, para residência do Réu, notificando-os da proposta de decisão final, no sentido da resolução do contrato de arrendamento, para audiência de interessados; ofício devolvido ao remetente. 9) Em 01.10.2017 foi elaborada a informação nº 1831/2017 de fls 22, DOC 6 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, reiterando a proposta da Informação, acima referida, de resolução do contra e consequente despejo, e das diligências de execução do despejo e execução das rendas em dívida, e sobre a qual foi a posta a decisão final de concordância da Sra Presidente da CMA, de 18/10/2017. 10) Em 30.10.2017 foi afixado, nos locais habituais, o edital de publicitação da decisão final nº 374/2017, de fls 24, DOC 7 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, notificando o Réu e o agregado da decisão final de resolução do contrato em apreço, e informando a Ré e o seu agregado familiar que deveriam promover a entrega voluntária do fogo, livre de bens e pessoas, num prazo de 90 dias, sob pena de DESPEJO [nos termos do artigo 20 da Lei 81/2014, de 19/12, na sua atual redação]. 11) O prazo de entrega referido terminou, não tendo o Réu nem nenhum elemento do seu agregado familiar comparecido nos Serviços do A, nem para contestar, nem para entregar as chaves do fogo. 12) O Réu já várias vezes, entre junho de 2008 e março de 2017, teve várias ausências e convocatórias perante o R, conforme o citado DOC 4 da PI. 13) Em 04/06/2018, o Autor deu entrada em juízo à presente acção –fls 2 e 3.”.
DE DIREITO Considerada a factualidade fixada importa entrar na análise da questão colocada para decisão.
Erro de julgamento quanto à interpretação do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08 Vem o Autor, Município da Amadora, a juízo interpor recurso da sentença recorrida, que julgou procedente a exceção de falta de interesse em agir e absolveu o Réu da instância, com o fundamento invocado de erro de julgamento quanto à interpretação do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08. Sustenta o Recorrente que existiu uma alteração à Lei n.º 81/2014, de 19/12, pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, pela qual se pretendeu obstar à execução dos despejos administrativos, tendo agora as entidades administrativas de recorrer aos Tribunais Administrativos. Nesse sentido, entende que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito ao decidir pela falta de interesse em agir do Município na instauração da presente ação. Vejamos. De acordo com o julgamento da matéria de facto decorre que entre o Autor e o Réu foi celebrado contrato de arrendamento de renda apoiada, sujeito à disciplina prevista no D.L. n.º 166/93, de 08/05, conforme estipulação constante do clausulado do contrato. Com fundamento na falta de pagamento das rendas, em 18/10/2017 foi decidida a resolução do contrato e o consequente despejo (ponto 9 da matéria de facto assente) pelo Autor, ora Recorrente. Não tendo o Réu comparecido nos serviços do Autor, nem para contestar, nem para entregar as chaves do fogo, veio o Município da Amadora instaurar a presente ação tendo por objeto o despejo, pedindo que o Réu seja condenado a entregar a habitação e pagar o valor das rendas em dívida. A sentença recorrida veio a decidir pela falta de interesse em agir do Autor, entendendo que a Lei n.º 81/2014, de 19/12 previu o despejo administrativo e que a Lei n.º 32/2016, de 24/08 “manteve, aperfeiçoou e reafirmou o mecanismo do despejo administrativo, da competência dos senhorios públicos, como são os Municípios, bem como da execução das dívidas de rendas não pagas, e outras inerentes (…)”. De imediato se toma posição de que este julgamento se encontra correto, sendo de manter, embora com diferente fundamentação de direito. Sem que seja possível extrair uma solução expressa e inequívoca da letra da lei, a mesma há-de decorrer da interpretação conjugada de um conjunto de preceitos da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, a saber, os artigos 17.º, n.º 3, 28.º, 28.º-A e 35.º, n.º 3. Com relevo, transcrevem-se as citadas disposições legais pertinentes para o caso: Artigo 17.º, n.º 3: “Compete aos tribunais administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado.”. “Artigo 28.º Despejo 1 – Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei. 2 – São da competência dos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo da possibilidade de delegação. 3 – Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo. 4 – (Revogado.) 5 – Salvo acordo em sentido diferente, quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, caso não sejam reclamados no prazo de 60 dias, podendo o senhorio deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário. 6 – (…). Artigo 28.º-A Resolução alternativa de conflitos As entidades locadoras podem recorrer à utilização de meios de resolução alternativa de conflitos para resolução de quaisquer litígios relativos à interpretação, execução, incumprimento e invalidade de procedimentos na aplicação da presente lei, sem prejuízo do recurso ao tribunal sempre que não haja acordo entre as partes.”. A que acresce ainda o artigo 35.º, n.º 3: “Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação nos termos do número anterior há lugar a despejo nos termos do artigo 28.º.”. Do quadro legal descrito extrai-se a competência dos tribunais administrativos para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado, mas sem que se preveja a competência judicial em matéria de despejo. O legislador elencou as matérias a que cabe a competência aos tribunais administrativos, especificando-as como sendo apenas a matéria da invalidade e da cessação do contrato, pois no demais, a competência é atribuída aos órgãos administrativos, nos exatos termos em que a lei o definir. No que se respeita ao despejo, estabelece o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação ao Município, cabe a essa entidade levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, in casu, ao Presidente da Câmara Municipal, sem prejuízo da possibilidade de delegação de competências. Mais se estabelece que quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo. O que significa que neste caso, quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, se confere a competência legal para determinar não apenas o despejo, mas também a sua execução, a um órgão administrativo. Assim, especificamente no caso de o despejo ter por fundamento a falta de pagamento das rendas, o legislador conferiu à Administração o poder de decidir o despejo e de o executar, consagrando, por isso, o despejo administrativo. O que implica que a lei consagrou o exercício do poder administrativo, quer de autotutela declarativa, quer de autotutela executiva, excluindo a competência jurisdicional dos tribunais administrativos para a execução do despejo. A Administração tanto dispõe do poder de determinar a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas, como de determinar o despejo, assim como do poder de o executar. Por isso, se prevê no citado artigo 28.º, n.º 5 que quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, caso não sejam reclamados, podendo o senhorio deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário. O senhorio tem a competência legal para decretar o despejo e de o executar, assim como de fazer seus os bens móveis deixados na habitação, o que implica o reconhecimento legal não apenas da propriedade do imóvel, mas da posse do arrendado e, ainda, da propriedade dos bens móveis na mesma deixados que não sejam reclamados pelo inquilino. Tal pressupõe que caiba à Administração o poder de determinar e executar o despejo administrativo. Acresce ainda em auxílio da interpretação expendida que, segundo o artigo 28.º-A do diploma em análise, o inquilino pode recorrer à utilização de meios de resolução alternativa de conflitos para resolução de quaisquer litígios relativos à interpretação, execução, incumprimento e invalidade de procedimentos na aplicação da lei, sem prejuízo do recurso ao tribunal, sempre que não haja acordo entre as partes. Tal disposição traduz que apenas quando o inquilino se oponha à decisão administrativa de resolução do contrato e do despejo ou da sua execução e a pretenda contestar, pode recorrer à via judicial ou recorrer aos meios de resolução alternativa de conflitos. Deste modo, apenas quando não haja o acordo entre as partes existirá um litígio carente de resolução, a qual, por isso, não se atribui a sua resolução ao próprio órgão administrativo. Neste caso, apenas sendo contestada a decisão administrativa de resolução do contrato de arrendamento e do despejo administrativo pelo inquilino, se atribui a uma entidade terceira imparcial e independente a resolução do litígio, isto é, os tribunais administrativos, mediante a instauração de uma ação administrativa ou as vias de resolução alternativa de conflitos. Não sendo impugnada a decisão administrativa, não existe litígio que careça de ser judicialmente dirimido. No presente caso, o Réu nada disse, nem contestou a decisão de resolução do contrato e que determinou o despejo, assim como as medidas tendentes à sua execução, pelo que, não existe qualquer conflito ou litígio que urja resolver judicialmente. No mesmo sentido o aponta o disposto no artigo 35.º, n.º 3 da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, no caso de existir uma ocupação sem título, em que não foi celebrado contrato de arrendamento e existe uma ocupação ilegal do imóvel, pois também neste caso, não sendo cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, há lugar a despejo administrativo, nos termos do artigo 28.º. Assim, existindo a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio com fundamento na falta de pagamento de rendas, sendo decretado o despejo, assim como as medidas destinadas à sua execução, sem que o inquilino proceda à entrega das chaves, não entregando a habitação, mas sem contestar a decisão administrativa tomada, a ela não se opondo, não existe litígio ou conflito que careça de ser dirimido mediante o recurso à via judicial, dispondo o órgão administrativo da legal competência não apenas para decidir o despejo, como para o executar, não apenas na sua forma jurídica, mas incluindo a execução material do despejo. No demais, consultando quer o Projeto de Lei n.º 108/XIII (https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=39997), quer o Projeto de Lei n.º 122/XIII (https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=40039), que estão na base da aprovação da Lei n.º 32/2016, de 24/08, que altera a Lei n.º 81/2014, de 19/12, não se extrai interpretação ou entendimento diferente. O recurso à via judicial administrativa está unicamente pensado para as situações em que exista conflito entre as partes e em que o inquilino se oponha ou conteste a decisão administrativa de despejo, o que não se verifica no presente caso. Nestes termos, em face de todo o exposto, não obstante com fundamentação algo distinta da vertida na sentença sob recurso, será de manter o decidido, carecendo o Autor de interesse em agir para a instauração da presente ação administrativa. * Termos em que, será de julgar improcedente o recurso, por não provado o seu respetivo fundamento. * Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma: I. Sem que seja possível extrair uma solução expressa e inequívoca da letra da lei, a questão de saber a quem cabe a legal competência para decidir a execução do despejo no âmbito dos contratos de arrendamento de renda apoiada, há-de decorrer da interpretação conjugada de um conjunto de preceitos da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, a saber, os artigos 17.º, n.º 3, 28.º, 28.º-A e 35.º, n.º 3. II. Os tribunais administrativos são competentes para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento de renda apoiada, mas sem que se preveja a competência judicial em matéria de despejo, sendo essa competência atribuída aos órgãos administrativos. III. Quanto ao despejo estabelece o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao senhorio levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, in casu, ao Presidente da Câmara Municipal, sem prejuízo da possibilidade de delegação de competência. IV. Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que significa que neste caso se confere a competência legal para determinar não apenas o despejo, mas a sua execução, a um órgão administrativo. V. Especificamente no caso de o despejo ter por fundamento a falta de pagamento das rendas, o legislador conferiu à Administração o poder de decidir o despejo e de o executar, consagrando, por isso, o despejo administrativo. VI. Tratando-se de um poder administrativo, de autotutela declarativa e de autotutela executiva, exclui-se a competência jurisdicional dos tribunais administrativos para a execução do despejo. * Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provado o seu respetivo fundamento, mantendo a sentença recorrida, com a presente fundamentação. Custas pelo Recorrente. Registe e Notifique.
(Ana Celeste Carvalho - Relatora) (Pedro Marchão Marques) (Alda Nunes) |