Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08300/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:03/19/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
IMPOSTO ÚNICO DE CIRCULAÇÃO (I.U.C.).
PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMÓVEIS.
OBRIGAÇÃO DE PROCEDER AO RESPECTIVO REGISTO.
ARTº.3, Nº.1, DO C.I.U.C.
PRESUNÇÃO LEGAL ILIDÍVEL.
ARTº.347, DO C.CIVIL.
NOÇÃO DE FACTURA E DE NOTA DE DÉBITO.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
6. O Imposto Único de Circulação (I.U.C.) deve configurar-se como um tributo de natureza periódica e anual, sendo os sujeitos passivos do I.U.C., em primeiro lugar, os proprietários dos veículos, mais podendo ser ainda equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação (cfr.artºs.3 e 4, do Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei 22-A/2007, de 29/6).
7. A propriedade de veículos automóveis está sujeita a registo obrigatório (cfr.artº.5, nºs.1 e 2 do dec.lei 54/75, de 12/2). A obrigação de proceder ao registo recai sobre o comprador - sujeito activo do facto sujeito a registo, que é, no caso, a propriedade do veículo (cfr.artº.8-B, nº.1, do Código do Registo Predial, aplicável ao Registo Automóvel por força do artº.29, do dec.lei 54/75, de 12/2, conjugado com o artº.5, nº.1, al.a), deste último diploma). No entanto, o Regulamento do Registo Automóvel (cfr.dec.lei 55/75, de 12/2) contém um regime especial, em vigor desde 2008, para entidades que, em virtude da sua actividade comercial, procedam com regularidade à transmissão da propriedade de veículos automóveis. Segundo esse regime, que se encontra estabelecido no artº.25, nº.1, al.d), do dec.lei 55/75, de 12/2 (versão resultante do dec.lei 20/2008, de 31/1), o registo pode ser promovido pelo vendedor, mediante um requerimento subscrito apenas por si próprio.
8. O I.U.C. está legalmente configurado para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere, desde logo, do artº.3, nº.1, do C.I.U.C., norma onde se estabelece que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, mais acrescentando que se consideram como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. O citado artº.3, nº.1, do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artº.73, da L.G.T.
9. A ilisão da presunção legal obedece à regra constante do artº.347, do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova - a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (cfr.artº.346, do C.Civil) que torne os factos presumidos duvidosos. Pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais.
10. Tanto a factura como a nota de débito constituem documentos contabilísticos elaborados no seio da empresa e que se destinam ao exterior. A factura deve visualizar-se como o documento contabilístico através do qual o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transacção realizada. Por sua vez, a nota de débito consiste no documento em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve determinado montante pecuniário. Ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, assim não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda (somente a emissão de factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação - cfr.artº.787, do C.Civil).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.112 a 118 do presente processo que julgou parcialmente procedente a impugnação pelo recorrido, “..................................., L.da.”, intentada, visando liquidações oficiosas de Imposto Único de Circulação, relativas ao ano de 2008 e no valor total de € 1.325,28.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.139 a 150 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O Tribunal a quo determinou a anulação parcial da decisão de indeferimento das reclamações graciosas deduzidas dos actos tributários controvertidos na parte relativa aos veículos vendidos a terceiros, com consequente anulação dos actos tributários de liquidação de lUC subjacentes, sendo que se impõe que se proceda à determinação do campo de aplicação fáctico-jurídico da norma de incidência subjectiva vertida no artigo 3 do CIUC, em conjugação com as normas atinentes ao direito material probatório;
2- Salvo o devido respeito, o entendimento do Tribunal a quo decorre, não só de uma leitura da letra da lei desadequada, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado no ClUC e em todo o sistema jurídico-fiscal, bem como de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado na norma em apreço e em todo o CIUC;
3-Estabelece o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC que "São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados;
4-E é no texto da lei que deve ser procurada a resposta para qualquer problema, pois que é este o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar os sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, pelo que o legislador tributário ao estabelecer no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados;
5-Em contrapartida, o normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do n.º 1 do artigo 3.º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros;
6-Trata-se, assim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários aqueles que como tal constem do registo automóvel;
7-No que concerne ao elemento sistemático de interpretação da lei, demonstra este que o entendimento do Tribunal a quo não encontra apoio na lei, o que resulta não apenas do aludido n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, mas também de outras normas consagradas no referido Código, como o artigo 6.º do CIUC, que prescreve no n.º 1 que "O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.";
8-Da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo geram o nascimento da obrigação de imposto;
9-Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que "o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4”, pelo que, o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação directa com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo (Confronte-se o disposto no n° 2 do artigo 4° e no n° 3 do artigo 6°, ambos do CIUC, no n° 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n° 54/75, de 12 de Fevereiro e no artigo 42° do Regulamento do Registo de Automóveis);
10-E no mesmo sentido milita a solução legislativa adaptada pelo legislador fiscal no n.º 2 do artigo 3 do CIUC ao fazer coincidir as equiparações aí consagradas com as situações em que o registo automóvel obriga ao respectivo registo;
11-Assim, a não actualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42 do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC, e não na do Estado, enquanto sujeito activo deste imposto;
12-A não ser assim colocar-se-iam em causa inequivocamente os princípios da segurança e certeza jurídicas legal e constitucionalmente asseguradas (o instituto do registo deixaria de proporcionar a segurança e certeza que constituem as suas finalidades principais), assim como o poder/dever da AT de liquidar impostos;
13-E, mesmo admitindo que do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral) o legislador tributário quis, intencional e expressamente, que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais (os veículos) se encontrem registados;
14-Acresce que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação vertida na douta sentença recorrida no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente desadequada, na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui prova clara de que o que o legislador fiscal pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel;
15-Com efeito, o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública, isto é, o Imposto Único de Circulação passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos;
16-Neste sentido, dos debates parlamentares em torno da aprovação do DL n.º 20/2008, de 31 de Janeiro resulta inequivocamente que o Imposto Único de Circulação é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos, bem como tal entendimento resulta da recomendação n.º 6-B/2012- Proc. n.º-3478/10, de 22/06/2012 do Senhor Provedor de Justiça, dirigida ao Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações, a qual afirma ser o Imposto Único de Circulação devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos;
17-Sendo certo que a preocupação ambiental foi um dos propósitos subjacentes à reforma da tributação automóvel e que a ratio do regime consagrado no CIUC foi a de tributar os utilizadores dos veículos, o que significa que, nos casos enunciados e taxativamente previstos no preceito, são sujeitos passivos do imposto os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade e os titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação, certo é também que o são nos mesmos termos que o proprietário;
18-De tudo quanto se expôs resulta claro que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.º 1 e 2, do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a recorrida, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC, constante da Conservatória do Registo Automóvel, sendo por esse facto o sujeito de imposto;
19-Não obstante, ainda que a pretensão da recorrida se mostrasse procedente por via da possibilidade de ilisão da presunção decorrente da norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, sempre se imporia ao Tribunal a quo ajuizar em concreto da força probatória dos documentos juntos aos autos pela impugnante, o que efectivamente não sucedeu;
20- Propondo-se comprovar a transmissão da propriedade dos veículos, e assim eximir­se à responsabilidade própria de sujeito passivo de IUC, veio a impugnante juntar facturas e notas débito emitidas por ocasião da invocada celebração dos contratos de compra e venda;
21-Ora, a entender-se que do artigo 3 do CIUC decorre a presunção ilidível de que a pessoa inscrita no Registo Automóvel é o seu proprietário, e como tal sujeito passivo de IUC, temos forçosamente de concluir que estaremos perante uma presunção legal;
22-A qual, de acordo com o prescrito no artigo 350 do Código Civil (CC) constitui prova plena e dispensa a parte a favor da qual a mesma se constitui da prova do facto a que tal presunção conduz, daí resultando necessariamente um ónus probatório a cargo da parte contrária, reconduzido à prova efectiva de que o facto presumido (presunção legal) não é verdadeiro, de modo a que não subsista qualquer dúvida, conforme exigido pelo disposto no artigo 347.º do CC;
23-Pelo que, de forma a que a presunção decorrente do artigo 3 n.º 1, do CIUC e do Registo Automóvel fosse ilidida teria a recorrida de provar que não era proprietária dos veículos em causa no período a que respeitam as liquidações;
24-Efectivamente, o registo automóvel é um registo público, como previsto no n.º 1 do artigo 1 do Código do Registo Automóvel, pelo que, nos autos em causa está, conforme acima referido, a ilisão de presunção de veracidade de factos que se encontram registados publicamente com o fim de servir interesses públicos e dos quais qualquer pessoa se pode valer;
25-E aos documentos probatórios apresentados pela recorrida não pode, pois, ser atribuído senão um reduzido valor probatório, pois que consubstanciados em documentos particulares, com carácter comercial, e unilaterais uma vez que sem qualquer intervenção do comprador na sua emissão;
26- Impunha-se, atendendo ao exposto, que a recorrida tivesse feito prova capaz de que não era proprietária dos veículos em causa no período a que as liquidações impugnadas respeitam, o que manifestamente não sucedeu, sendo que a douta sentença recorrida espelha errado julgamento no que diz respeito à matéria de facto provada nos presentes autos;
27- Não se mostrando os documentos probatórios aptos a comprovar a celebração de contratos sinalagmáticos como a compra e venda, por não revelarem por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes, conclui-se que se mostram devidamente legitimadas as liquidações de lUC impugnadas não padecendo de qualquer vício de violação de lei;
28-Destarte, sempre se mostrará a actuação da Administração Tributária e Aduaneira legitimada, com consequente adequação das liquidações de IUC em apreço;
29-Pelo que, entendemos padecer a douta sentença de errónea apreciação dos factos no caso sub judice atendendo ao enquadramento jurídico a efectuar, quando determina que sujeito passivo do IUC será quem se mostrar como titular da propriedade independentemente da titularidade do registo de propriedade constante da Conservatória do Registo Automóvel, bem como incorreu em erro de julgamento, por não ter sido produzida nos presentes autos prova capaz de suportar a alegada transmissão da propriedade dos veículos, violando assim as normas constantes dos n.º 1 do artigo 3 do CIUC, n.º 1 do artigo 1 do Código do Registo Automóvel e dos artigos 350 e 347 do CC;
30-Pelo que, pugna-se pela substituição da decisão proferida nos autos de modo a que, com as legais consequências, se considere correcta e fundamentada a posição da Administração Fiscal quanto às liquidações de IUC e respectivos juros compensatórios;
31-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente. SENDO QUE V. EXAS. DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
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Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.165 a 170 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.113 a 115 dos autos:
1-A firma impugnante é uma sociedade que tem por objecto o aluguer de veículos automóveis, no âmbito da qual celebrou vários contratos de aluguer com os respectivos locatários, tendo estes últimos adquirido as viaturas ao abrigo do direito de opção de compra, no termo final dos respectivos contratos (cfr.documentos de facturação aos clientes juntos a folhas não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso);
2-As viaturas em causa encontravam-se registadas no registo automóvel, à data do respectivo aniversário da data de matrícula relativo ao ano de 2008, em nome da impugnante (cfr.factualidade admitida pela impugnante no artº.51 da p.i.; informação da A. Fiscal constante de fls.65 e 66 dos presentes autos; projecto de decisão junto a fls.16 e 17 do processo de reclamação graciosa apenso);
3-Foi efectuada a liquidação oficiosa do imposto pelos serviços competentes da DGI por falta de liquidação do mesmo por parte do s.p., da qual foi deduzida reclamação graciosa que mereceu decisão de indeferimento de 28/02/2013, com fundamento na informação dimanada dos serviços, tudo conforme consta de fls.20 e 21 do processo de reclamação graciosa apenso (cfr.relação dos actos tributários relativos ao ano de 2008 constante de fls.14 e 15 do processo de reclamação graciosa apenso);
4-A reclamação graciosa referida supra foi fundamentada na caducidade do direito de liquidação do imposto, o qual mereceu projecto de decisão de indeferimento, tendo o reclamante apresentado requerimento no exercício do direito de audição em que sustenta que já não era o s.p. do tributo em relação às viaturas aí identificadas, por já não ser proprietário dos veículos a que a mesma dizia respeito no ano a que se reporta a exigibilidade do imposto e por força dos contratos de aluguer que havia celebrado com os locatários e em cujo termo foi exercido a opção de compra das viaturas, assim como da declaração de perda de dois veículos por sinistro e furto (cfr.requerimentos apresentados pela reclamante constantes do processo de reclamação graciosa apenso).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso e que a mesma foi impugnada parcialmente pelo recorrente este Tribunal considera não escrito o nº.1 da factualidade provada e supra exarada, mais aditando ao probatório os seguintes factos, tudo nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
5-A impugnante, “ ..........................., L.da.”, é uma sociedade que tem por objecto o aluguer de veículos automóveis e a prestação de serviços conexos (cfr.factualidade admitida no artº.47 da p.i.);
6-A impugnante emitiu facturas relativas à venda dos veículos a que dizem respeito as liquidações de I.U.C. impugnadas (cfr.documentos de facturação aos clientes juntos a folhas não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso);
7-A impugnante registou na sua contabilidade o montante do preço relativo às facturas emitidas e em dívida pelos adquirentes (cfr.notas de débito juntas a folhas não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos identificados na factualidade aditada e na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte da impugnante/recorrida, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº.361, do C.Civil).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação no que diz respeito às liquidações de I.U.C. objecto do presente processo, com excepção das relativas a viaturas sinistradas e furtadas (cfr.nºs.3 e 4 do probatório).
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega o recorrente, em primeiro lugar, que devia o Tribunal "a quo" ajuizar em concreto da força probatória dos documentos juntos aos autos pela impugnante, o que efectivamente não sucedeu. Que propondo-se comprovar a transmissão da propriedade dos veículos, e assim eximir-se à responsabilidade própria de sujeito passivo de I.U.C., veio a impugnante juntar facturas e notas débito emitidas por ocasião da invocada celebração dos contratos de compra e venda. Que aos documentos apresentados pela recorrida não pode ser atribuído senão um reduzido valor probatório, pois que consubstanciados em documentos particulares, com carácter comercial e unilateral, uma vez que sem qualquer intervenção do comprador na sua emissão. Que não se mostram tais documentos probatórios aptos a comprovar a celebração de contratos sinalagmáticos como a compra e venda, por não revelarem, por si só, uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e. a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes. Que se impunha, atendendo ao exposto, que a recorrida tivesse feito prova capaz de que não era proprietária dos veículos em causa no período a que as liquidações impugnadas respeitam, o que manifestamente não sucedeu, sendo que a douta sentença recorrida espelha errado julgamento no que diz respeito à matéria de facto provada nos presentes autos (cfr.conclusões 19, 20 e 25 a 27 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
No caso concreto, segundo percebemos, o recorrente põe em causa os documentos de facturação aos clientes juntos a folhas não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso e que serviram para fundamentar o nº.1 do probatório. Concretizando encontramo-nos perante facturas e notas de débito juntas pela sociedade recorrida ao processo de reclamação graciosa apenso.
Desde logo, se deve realçar que, de acordo com o artº.350, do C.Civil, a parte a favor de quem exista uma presunção legal (cfr.artº.3, nº.1, do C.I.U.C.), a qual constitui prova plena, não tem de provar o facto a que ela conduz. Não tem, portanto, quanto a esse facto, qualquer ónus probatório. Nesta situação, a ilisão da presunção (sempre possível de acordo com o artº.73, da L.G.T.) obedecerá já não à regra do artº.346, do C.Civil, mas antes à regra do artº.347, do mesmo diploma, normativo de onde se retira que a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto.
Ora, do exame de tais documentos particulares e unilaterais (cfr.nºs.6 e 7 do probatório), aos quais se deve reconhecer um muito reduzido valor para provar a existência de um contrato sinalagmático, é forçoso concluir, contrariamente ao Tribunal "a quo", que não logrou a sociedade recorrida provar a transmissão da propriedade dos veículos que constituem objecto das liquidações de I.U.C. impugnadas.
E recorde-se que nos termos do artº.376, nº.2, do C.Civil, no caso de documentos particulares, os factos compreendidos na declaração somente se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
Nestes termos, deve este Tribunal concluir pela existência de erro de julgamento de facto de que padece a decisão recorrida no que se refere à alegada prova da transmissão da propriedade dos veículos que constituem objecto das liquidações de I.U.C. impugnadas, assim sendo forçoso julgar procedente este fundamento do recurso. Em consequência, considera-se não escrita a factualidade constante do nº.1 do probatório supra exarado (cfr.artº.662, nº.1, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.T.).
Defende, por último e em síntese, o apelante que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto nos artºs.3, nºs.1 e 2, e 6, do C.I.U.C., era a recorrida, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do I.U.C., constante da Conservatória do Registo Automóvel, sendo por esse facto o sujeito de imposto. Que a recorrida não efectuou prova capaz de que não era proprietária dos veículos em causa no período a que as liquidações impugnadas respeitam. Que a decisão recorrida padece de erróneo enquadramento jurídico da factualidade constante dos autos (cfr.conclusões 1 a 18, 21 a 24 e 28 a 30 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14).
O Imposto Único de Circulação (I.U.C.) deve configurar-se como um tributo de natureza periódica e anual, sendo os sujeitos passivos do I.U.C., em primeiro lugar, os proprietários dos veículos, mais podendo ser ainda equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação (cfr.artºs.3 e 4, do Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei 22-A/2007, de 29/6).
Por sua vez, o momento da exigibilidade do I.U.C. consiste no primeiro dia do ano que se inicia a cada aniversário cumprido sobre a data da matrícula, tal como resulta do disposto no artº.6, nº.3, conjugado com o artº.4, nº.2, ambos do C.I.U.C. (cfr.A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, Imposto Sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Códigos anotados, Coimbra Editora, 2009, pág.187 e seg.).
A propriedade de veículos automóveis está sujeita a registo obrigatório (cfr.artº.5, nºs.1 e 2 do dec.lei 54/75, de 12/2). A obrigação de proceder ao registo recai sobre o comprador - sujeito activo do facto sujeito a registo, que é, no caso, a propriedade do veículo (cfr.artº.8-B, nº.1, do Código do Registo Predial, aplicável ao Registo Automóvel por força do artº.29, do dec.lei 54/75, de 12/2, conjugado com o artº.5, nº.1, al.a), deste último diploma).
No entanto, o Regulamento do Registo Automóvel (cfr.dec.lei 55/75, de 12/2) contém um regime especial, em vigor desde 2008, para entidades que, em virtude da sua actividade comercial, procedam com regularidade à transmissão da propriedade de veículos automóveis. Segundo esse regime, que se encontra estabelecido no artº.25, nº.1, al.d), do dec.lei 55/75, de 12/2 (versão resultante do dec.lei 20/2008, de 31/1), o registo pode ser promovido pelo vendedor, mediante um requerimento subscrito apenas por si próprio.
Também, desde 2001 que a obrigação de declarar a venda por parte do vendedor à autoridade competente para a matrícula se encontra expressamente estabelecida no Código da Estrada (cfr.artº.118, nº.4, do Código da Estrada, aprovado pelo dec.lei 114/94, de 3/5).
O I.U.C. está legalmente configurado para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere, desde logo, do artº.3, nº.1, do C.I.U.C., norma onde se estabelece que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, mais acrescentando que se consideram como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
O examinado artº.3, nº.1, do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artº.73, da L.G.T., tudo conforme já mencionado supra.
Nesta situação, a ilisão da presunção obedece à regra constante do artº.347, do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova - a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (cfr.artº.346, do C.Civil) que torne os factos presumidos duvidosos. Pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais. Recorde-se que as presunções legais são provas legais ou vinculadas, que não dependem da livre apreciação do Tribunal. Pelo contrário, a sua força probatória, legalmente tabelada, proporciona ao juiz uma verdade formal (cfr.Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.215 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.500 e seg.).
Assim, no caso dos autos, o que a sociedade recorrida tinha de provar, a fim de ilidir a presunção que decorre do artº.3, nº.1, do C.I.U.C., é que ela não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas.
Para provar que ocorreram tais transmissões de propriedade através de contratos de compra e venda, a impugnante e ora recorrida apresenta (cfr.nºs.6 e 7 do probatório):
1-Facturas relativas à venda dos veículos em causa;
2-Notas de débito através das quais registou na sua contabilidade o montante do preço relativo às facturas emitidas e em dívida pelos adquirentes.
No exame de tais documentos contabilísticos deve remeter-se, desde logo, para o consignado acima no que respeita à decisão do erro de julgamento de facto. Nestes termos, refira-se que nos encontramos perante meros documentos particulares e unilaterais, cuja emissão não supõe a intervenção da contraparte no alegado acordo, assim tendo um reduzido valor para provar a existência de um contrato sinalagmático, como é a compra e venda. E recorde-se que qualquer dos documentos contabilísticos em causa não prova, sequer, o pagamento do preço pelo comprador. Tanto a factura como a nota de débito constituem documentos contabilísticos elaborados no seio da empresa e que se destinam ao exterior. A factura deve visualizar-se como o documento contabilístico através do qual o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transacção realizada. Por sua vez, a nota de débito consiste no documento em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve determinado montante pecuniário. Ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, assim não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda (somente a emissão de factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação - cfr.artº.787, do C.Civil; António Borges e Outros, Elementos de Contabilidade Geral, 14ª. edição, Editora Rei dos Livros, pág.62 e seg.).
Assim sendo, deve concluir-se que a sociedade recorrida nem sequer produziu prova relativa à alegada venda dos veículos, sendo que teria que provar que não era proprietária das viaturas à data a que dizem respeito as liquidações, o que implicaria, no caso concreto, provar quem era o actual proprietário. E recorde-se que esta prova seria fácil de fazer, bastando à recorrida actualizar o registo, para o que tem a legitimidade como vendedor e de forma unilateral, promovendo o registo dos veículos em nome dos compradores, através de um simples requerimento, nos termos do artº.25, nº.1, al.d), do Regulamento do Registo Automóvel, tudo conforme já mencionado acima.
Resumindo, a prova apresentada pela recorrida é constituída, exclusivamente, por documentos particulares e unilaterais, com um valor insuficiente para, à luz do direito probatório material, negar a validade de factos - a propriedade de veículos - sobre os quais existe uma prova legal - presunção legal - que isenta a A. Fiscal de qualquer ónus probatório, e que não é contrariável através de mera contraprova, que lance dúvida sobre os factos provados pela presunção.
Arrematando, julga-se procedente o examinado recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre a norma constante do artº.3, do C.I.U.C., ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente improcedente a impugnação deduzida.
X
Condena-se o recorrido em custas, sem prejuízo da dispensa do pagamento da taxa de justiça devida no âmbito da instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 19 de Março de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Cremilde Miranda - 2º. Adjunto)