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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1099/14.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/17/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
MÉTODO DE AFERIÇÃO DA CULPA DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, AL.B), DA L.G.T.
CONDUTA CENSURÁVEL DO GERENTE DA SOCIEDADE.
Sumário:1. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
2. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
3. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
4. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
5. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
6. A culpa em causa no artº.24, nº.1, da L.G.T., deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
7. Apesar da apresentação da sociedade executada à insolvência, do exame da factualidade provada não se pode concluir que a impossibilidade de pagamento da dívida exequenda objecto do processo de execução de que a presente oposição constitui apenso se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da administração da empresa, o opoente/recorrido usou da diligência de um gestor criterioso.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.58 a 68 do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pelo recorrido, J… F… J… de A…, visando a execução fiscal nº…., a qual corre seus termos no 4º. Serviço de Finanças de L…, contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.M.I., relativas ao ano de 2010 e no montante global de € 9.004,90.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.88 a 95-verso dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalvado melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” julgou procedente o pedido formulado pelo oponente com visível deficit instrutório derivado da falta de exame crítico da prova e, erro de facto, pois apenas assim poderia ser determinado que quanto à originária devedora/primitiva executada, o oponente fosse julgado parte ilegítima na execução, e, em consequência absolvido da instância executiva, por falta de culpa;
2-Na verdade, contrariamente ao decidido, o oponente não fez prova suficiente de modo a ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia;
3-Ou seja, o oponente, revertido face à insuficiência do património societário para solver as dívidas fiscais, ele próprio insolvente, alega que tal se deveu não a culpa sua mas a causas externas, designadamente à crise no sector imobiliário, como genericamente refere;
4-A questão que se impõe neste conspecto e, nos presentes autos, consiste em saber se os factos alegados pelo oponente são suficientes para afastar a presunção de culpa decorrente da al b) do n.º 1 do artº 24º da LGT;
5-Ora, o exercício da gerência criteriosa e diligente e respectiva prova têm de basear-se em elementos concretos que evidenciem a tomada de decisões que influenciem a vida da empresa, onde se demonstre a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre a actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, julgando sobre a concreta impossibilidade de pagar as dívidas fiscais e da conduta do gerente que deverá ser irrepreensível, sem qualquer nexo de culpa que lhe possa ser imputável;
6-Refere a decisão em crise que: “o facto de o oponente se ter apresentado à insolvência permite afirmar que o resultado danoso (insuficiência do património da sociedade) não se deveu a culpa exclusiva do oponente. No entanto, salvo melhor entendimento, não foi feito o exame crítico da prova, a decisão do Tribunal de Comércio de Lisboa que refere que o activo da sociedade, em Dezembro de 2010, era de € 4.197.171,80, dos quais € 3.958.992,03 inventário e um passivo de € 4.134.599,49, dos quais € 2.000.438,85 de financiamentos obtidos.”;
7-Por outro lado, a declaração Insolvência proferida quanto à devedora originária teve caráter pleno [alínea i) do artigo 36.º -CIRE]. E neste conspecto, desde já se pode concluir que se a maioria das responsabilidades financeiras da insolvente foram assumidas perante entidades bancárias, tal evidencia por si só um endividamento excessivamente elevado e recorrente;
8-Por outro lado, a insuficiência dos bens da massa insolvente para satisfação das dívidas da insolvente que, aquando da chamada à insolvência já se apresentou tardiamente uma vez que os bens apreendidos e vendidos em processo de insolvência não foram bastantes para pagamento da totalidade das dívidas contraídas, denota culpa;
9-Em suma, a insolvência resultou, além do mais, de uma sucessão de empréstimos bancários durante determinado período, sem que se evidenciem quaisquer razões que pela sua gravidade ou urgência, forçassem a tal endividamento. Por outro lado, o administrador ou gerente que (como diz) não tinha actividade remunerada face à dificuldade financeira da sociedade, não podia ignorar que estava a contrair dívidas que não tinha qualquer possibilidade de satisfazer, tanto mais que assim sendo, não podia nutrir qualquer expectativa razoável de que os seus ganhos viessem a ser substancialmente acrescidos, face ao quadro geral que esboçou, de uma crise financeira com reflexos na economia de mercado. Em suma, não logrou o oponente provar a inexistência de nexo causal entre os pedidos de crédito e a insolvência sofrida, limitando-se a alegar sem apresentar qualquer prova em concreto;
10-Ora, tendo em conta que a devedora originária suportou os custos contraídos de empréstimos, diminuindo consequentemente os proveitos imputáveis aos seus clientes, verifica-se que tal percurso a terá levado a perder a fonte de financiamento no âmbito da actividade que desenvolveu no sector imobiliário. Nesse pendor, considera-se que não foi provada a indispensabilidade de recurso ao financiamento para satisfação das necessidades de giro da devedora originária, nomeadamente a carência de tesouraria, notório que é o consequente e advindo aumento do endividamento, em montantes diríamos, superiores ao património próprio;
11-Ou seja, a devedora principal, tal como também é descrita pelo revertido revela um excessivo endividamento e falta de liquidez prejudicial ao fito empresarial, o que, sem possibilidade de retorno, levou à insolvência, esta também facilitada face ao peso dos inventários, numa excessiva dependência da “venda” de bens para satisfação dos compromissos;
12-Ora o oponente enquanto sócio gerente da sociedade não estava obrigado a recorrer ao endividamento sucessivo; contudo, tendo feito essa opção apenas agravou a situação financeira societária quando, a contrário, deveria antes ter requerido atempadamente a própria insolvência da sociedade nos termos do CIRE. Portanto, verifica-se incumprido o dever de apresentação (atempada) à insolvência;
13-Termos em que, salvo melhor entendimento foram violados os normativos legais aplicáveis subjudice por errada interpretação dos factos, falta de exame crítico da prova e sua subsequente subsunção ao direito. Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.104 a 107 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.60 a 62 dos autos):
1-Em 02/02/1998, foi registado na Conservatória do Registo Comercial de L…, o contrato de sociedade e designação de membros do órgão social da sociedade comercial “A… - Imobiliária, Lda.”, a qual tem como objeto social a compra para revenda de prédios rústicos ou urbanos; administração de bens imobiliários próprios ou alheios; gestão de condomínios e consultoria em investimentos imobiliários (cfr.documento junto a fls.6 a 7-verso do processo de execução fiscal apenso);
2-Na mesma data, referida no ponto anterior, é nomeado como gerente: J… F… J… de A… (cfr.documento junto a fls.6 a 7-verso do processo de execução fiscal apenso);
3-Em 24/10/2011, é instaurado o processo de execução fiscal nº.3… no 4º. Serviço de Finanças de L…, no qual figura como executada a sociedade “A…. - Imobiliária, Lda.” (cfr.documento junto a fls.1 do processo de execução fiscal apenso);
4-O processo de execução fiscal identificado no nº.3 visa a cobrança de dívida de IMI/2010, com data limite de pagamento voluntário de 30/09/2011, pelo valor de € 9.004,90 (cfr.documentos juntos a fls.1 a 2-verso do processo de execução fiscal apenso);
5-Em 08/03/2012, é proferida sentença pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, 4º juízo, proc. nº.1…, que declara a sociedade “A…. - Imobiliária, Lda.”, insolvente (cfr.documento junto a fls.3 a 5 do processo de execução fiscal apenso);
6-Da sentença de insolvência, enunciada no ponto anterior, sobressai que a sociedade “A… - Imobiliária, Lda.” apresentou-se à insolvência alegando encontrar-se impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, sendo o seu passivo manifestamente superior ao ativo (cfr.documento junto a fls.3 a 5 do processo de execução fiscal apenso);
7-Em 2014 é proferido “Despacho (Reversão)” contra J… F…. J… de A…, no âmbito do processo de execução fiscal nº.3…, pela dívida exequenda no valor de € 9.004,90 e ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T. (cfr. documento junto a fls.10 do processo de execução fiscal apenso);
8-Em 23/04/2014, é emitida pela A.T. “Citação (Reversão)” para que J… F… J… de A… procedesse ao pagamento da quantia exequenda referida no ponto anterior (cfr.documento junto a fls.11 do processo de execução fiscal apenso);
9-O ora oponente, J… F… J… de A…, foi declarado insolvente por sentença proferida em 27/01/2012 e, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa (7.ª Secção Cível), em 20/11/2012, no âmbito do processo n.º 1…. (cfr. documento junto a fls.21 a 26 dos presentes autos);
10-Da decisão judicial identificada no ponto anterior consta a matéria de facto provada, a qual se encontra a fls.23 e verso dos presentes autos, com o conteúdo relevante que infra segue:

(Texto no Original)

(…)


(Texto no Original)

(cfr.documento junto a fls.18 a 26 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e, expressamente referidos no probatório, supra…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da produção de prova que originou a ilisão da presunção de culpa do revertido/opoente J… F… J… de A…, em consequência do que determinou a extinção da execução fiscal nº.3….quanto ao mesmo.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente alega, em síntese, que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, o oponente não fez prova suficiente de modo a ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia. Que não foi provada a indispensabilidade de recurso ao financiamento para satisfação das necessidades de giro da devedora originária, nomeadamente as carências de tesouraria. Que o exercício de gerência criteriosa e diligente e respectiva prova tem de basear-se em elementos concretos que evidenciem a tomada de decisões que influenciem a vida da empresa, demonstrando-se a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre a actuação do gerente e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade em causa. Que o oponente/recorrido, enquanto sócio gerente da sociedade executada originária, não estava obrigado a recorrer ao endividamento sucessivo. Contudo, tendo feito essa opção apenas agravou a situação financeira societária quando, a contrário, deveria antes ter requerido atempadamente a própria insolvência da sociedade nos termos do CIRE. Portanto, verifica-se incumprido o dever de apresentação (atempada) à insolvência da dita sociedade (cfr.conclusões 1 a 12 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (ano de 2010) a que respeitam as dívidas que constituem o débito exequendo revertido - cfr.nºs.4 e 7 do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, desde logo, se dirá que a reversão do opoente/recorrido se fundamentou no citado artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., visto que o mesmo exerceu a gerência única da sociedade executada originária, “A…. - Imobiliária, Lda.”, tanto no período de constituição da dívida exequenda, como no decurso do período em que a mesma esteve a pagamento, tudo como ele próprio reconhece (cfr.artº.4 da p.i.), mais resultando do probatório (cfr.nºs.1, 2 e 7 da factualidade provada).
Quanto a este vector, confirma-se a decisão do Tribunal “a quo”.
Passemos ao exame dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, no caso “sub judice”.
Conforme é jurisprudência uniforme, é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
“In casu”, a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente/recorrido, ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo, factualidade por si reconhecida (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/3/2009, rec.709/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Fundando-se a reversão da execução no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, no caso o opoente/recorrido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 13/11/2014, proc.7549/14; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE).
A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.
Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não resultou de qualquer conduta que lhe possa ser imputável, em termos de causalidade adequada (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada não se pode concluir que o opoente/recorrido tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária, “A… - Imobiliária, Lda.”, se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da administração, usou da diligência de um "bonus pater familias". É que, da matéria de facto provada, essencialmente do conteúdo das decisões judiciais a decretar a situação de insolvência da sociedade executada originária e do próprio opoente/recorrido (cfr.nºs.5, 6, 9 e 10 do probatório), nada se retira quanto à impossibilidade de pagamento da dívida exequenda objecto do processo de execução de que a presente oposição constitui apenso. Igualmente, nada se retira quanto à impossibilidade de tesouraria da sociedade executada originária com vista ao pagamento da dívida exequenda durante o mês de Setembro de 2011 (cfr.nº.4 do probatório), sendo que a declaração de insolvência, tanto da dita sociedade, como do próprio opoente/recorrido, ocorre já em 2012. Mais, da decisão judicial a decretar a situação de insolvência da sociedade executada originária, não se fixa qualquer data a partir da qual se reconhece a impossibilidade de pagamento dos débitos que oneravam a dita empresa. Por outro lado, o próprio activo da empresa ainda era superior ao passivo em finais de 2010 (cfr.activo de € 4.197.171,80 e passivo de € 4.134.599,49 - nº.5 da factualidade provada constante da dita decisão judicial).
Ainda, a factualidade provada em sede de decisão judicial a decretar a insolvência do opoente/recorrido, constante do nº.10 do probatório, não permite que este Tribunal conclua pela prova da existência de vectores exteriores à sociedade executada originária que tenham provocado a dita insuficiência económica da empresa, de forma exclusiva. Antes pelo contrário, conforme vinca o recorrente, verifica-se, além do mais, o incumprimento do dever de apresentação (atempada) à insolvência da dita sociedade, sendo que tal incumprimento é, naturalmente, imputável ao opoente/recorrido, enquanto gerente único da sociedade.
Terminando, apesar da apresentação da dita sociedade à insolvência, do exame da factualidade provada não se pode concluir que a impossibilidade de pagamento da dívida exequenda objecto do processo de execução de que a presente oposição constitui apenso se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da administração da empresa, o opoente/recorrido usou da diligência de um gestor criterioso.
E recorde-se que o acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se reconduz à mera omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência devida, tudo de acordo com as disposições legais aplicáveis aos gestores, que impõem a supra citada observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade do mesmo ente societário.
Donde, há que concluir, contrariamente ao Tribunal "a quo", que houve culpa na actuação do oponente/recorrido J… F… J… de A…, verificando-se assim todos os requisitos legais para a reversão contra o mesmo da dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.3…..
Arrematando, julga-se procedente o examinado recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre a norma constante do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO e revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a oposição e parte legítima o opoente J... no âmbito da execução fiscal nº...., o qual corre termos no 4º. Serviço de Finanças de ....
X
Condena-se o recorrido em custas, sem prejuízo da dispensa de pagamento da taxa de justiça devida nesta instância de recurso, dado não ter produzido contra-alegações.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 17 de Maio de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto - com voto de vencido)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)


Voto de vencido:

Contrariamente ao decidido, negaria provimento ao recurso jurisdicional e confirmaria a sentença.

Com efeito, a apreciação crítica da prova levar-me-ia a concluir no sentido da ilisão da presunção de culpa do revertido/oponente J….

Como o acórdão bem assinala, “o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade”.

Ora, no caso concreto, deve ponderar-se, em termos cronológicos, a proximidade das datas correspondentes ao termo do prazo de pagamento do imposto subjacente à dívida exequenda (20/09/11) e a da apresentação à insolvência da devedora originária (anterior a 7/03/12).

Deve ser ponderado, igualmente, que, tal como resultou provado, em 2012, o gerente/revertido, apesar de manter o exercício de funções de gerente na ..., já não recebia remuneração pelas mesmas, há mais de três anos.

De ponderar é, também, que, desde 2006, o gerente/revertido contraiu, a título pessoal, diversos empréstimos a fim de honrar anteriores compromissos da ... e a fim de viabilizar tal sociedade.

Mais deve ser tido em conta que, como ficou demonstrado, vendeu e hipotecou património pessoal que foi utilizado para suportar responsabilidades e encargos da .... Consta dos factos provados (cfr. ponto 10) que, em Maio de 2009, vendeu duas fracções autónomas pelo preço de 1 milhão, montante este que, deduzido o valor devido ao credor hipotecário, foi canalizado para apoio à sociedade ....

Em meu entendimento, este circunstancialismo de facto, devidamente ponderado e analisado no contexto de grave crise no sector imobiliário, revela uma conduta que se insere num quadro lógico e orientado para salvar a empresa (que era fonte do seu rendimentos) e para o cumprimento das obrigações da mesma.

Como se retira do Ac. da Relação de Lisboa, junto aos autos a fls. 19 e ss, relativo ao processo de insolvência do Recorrido, era “legítimo supor que a crise – leia-se, a crise no sector imobiliário – fosse transitória ou, pelo menos, menos extensa do que veio a acontecer, fazendo fé no que era proclamado pelos responsáveis políticos, dando-se assim “espaço à esperança de ver ultrapassado o constrangimento “ que atingiria o País e em particular o sector imobiliário, paralisado pela brutal supressão do crédito às empresas e às famílias”.

Este entendimento, aplicado à situação da devedora originária, permite-nos não acompanhar o entendimento que perpassa do acórdão quanto ao incumprimento atempado da apresentação à insolvência da ....

Quanto à menção feita no acórdão relativamente aos valores de activo, de € 4.197.171,80, e de passivo, de € 4.134.599,49, deve realçar-se que os mesmos se reportam ao final de 2010, quando a dívida em causa tinha a sua data limite do pagamento fixada em 30/09/11, sendo certo que, em Março de 2012, o passivo da ... já se cifrava em € 4.615.917,01, conforme resulta da sentença junta a fls. 3 e ss do Pef.

Em suma, pelas razões apontadas, decidiria em sentido coincidente com o da sentença.

Lisboa, 17/03/18