Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1905/21.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/19/2023
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
TEMPESTIVIDADE - MEDIDAS EXCECIONAIS E TEMPORÁRIAS
SUSPENSÃO DOS PRAZOS
Sumário:I - «- No âmbito das medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, o legislador previu a aplicação do regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, enquanto durar a situação excepcional, incluindo prazos administrativos que digam respeito à prática de actos por particulares, entre os quais, no que para o caso releva, a dedução de reclamação graciosa e, posteriormente, a Lei n.º 16/2020, de 29-05, determinou o fim da suspensão dos prazos, nos seguintes termos: (i) os prazos que terminassem durante o regime de suspensão consideram-se vencidos no 20º dia útil após a entrada em vigor daquela lei (isto é, após 3 de Junho); (ii) quanto aos prazos que terminassem após 3 de Junho, os mesmos passam a terminar, consoante o que ocorra primeiro, (ii.1) no 20º dia útil após a entrada em vigor daquela lei ou (ii.2) na data em que deveriam terminar caso não tivesse ocorrido a suspensão (portanto, se o seu termo sempre fosse posterior ao 20º dia útil após 3 de Junho, na prática, tudo se passa como se, quanto a estes prazos, não tivesse havido suspensão).
II - Se o legislador, vamos dizer, de partida, entendeu por bem fazer uma particular referência aos Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares, sendo que em relação aos prazos tributários acabou até por misturar prazos processuais e prazos procedimentais, temos por adquirido que o legislador, de chegada, não poderia deixar de ter em conta tal realidade (e não era difícil), sendo que, não o tendo feito, resta apenas aplicar o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03.
III - Nesta medida, valendo aqui o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03, temos que o prazo para deduzir reclamação graciosa, que expiraria, originalmente, em 14 e 19-05-2020 (120 dias após, respectivamente, 15 e 20-01-2020), e que correu termos entre estas últimas datas e 09-03-2020, esteve suspenso desde esta data até 02-06-2020, voltando a correr os seus termos normais, a partir de 03-06-2020, de modo que, tendo a Recorrente apresentado o procedimento de reclamação graciosa em 04-08-2020, a mesma não é extemporânea, tal qual se decidiu no despacho aqui objecto de impugnação e foi sancionado pela decisão recorrida.
IV - Diga-se ainda que, mesmo que fosse de sancionar o decidido quanto à aplicação do nº 1 do art. 5º da Lei nº 16/2020, de 29-05 na situação dos autos, o direito à tutela efectiva constitucionalmente garantido, nos termos dos arts. 20º nº 1 e 268º nº 4 CRP acaba por impor a mesma solução, na medida em que por referência à norma apontada, tal prazo esgotar-se-ia em 03-07-2020, o que se traduziria numa manifesta diminuição do prazo de que a ora Recorrente dispunha para fazer uso da reclamação graciosa, sendo que não pode aceitar-se a leitura da referida norma em qualquer caso, como o dos autos, em que da sua aplicação resulte uma diminuição do prazo de que o interessado dispunha para exercer o seu direito, sob pena se colocar em crise o direito à tutela efectiva, o que implica a desaplicação da aludida norma nesses casos, o que nos remete novamente para o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03 e para a solução já descrita.»
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a ação administrativa de impugnação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IRS de 2015 e respetivos juros compensatórios, proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação de competências, e de condenação à prática do ato devido, consubstanciado na apreciação da reclamação graciosa apresentada por M… e I…, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

a) Andou mal a decisão recorrida ao ter anulado o despacho que indeferiu liminarmente a reclamação graciosa apresentada pelos aqui Recorridos e condenou a Recorrente a apreciá-la.
b) In casu, a reclamação apresentada pelos Recorridos tem natureza facultativa, e, nessa medida, permitia que os Recorridos pudessem, ab initio, impugnar judicialmente as liquidações contestadas na suprarreferida reclamação.
c) À interposição da reclamação graciosa aqui em apreciação aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 e o artigo 5.º da Lei n.º 16/2020.
d) Tal prazo não é substantivo, e muito menos se lhe aplica as regras da caducidade do direito de ação, como erradamente conclui a sentença recorrida.
e) Na verdade, o prazo para apresentação de uma reclamação graciosa não deixa de ser um prazo administrativo/procedimental pelo simples facto de ser contínuo e de se contar nos termos do disposto no artigo 279.º do Código Civil, a natureza procedimental/administrativa é lhe conferida pelo facto de ele se inserir num procedimento administrativo/tributário, como bem se percebe pelo estabelecido na alínea f) do n.º 1 do artigo 54.º da LGT, bem como, o entendimento veiculado na doutrina a este respeito.
f) O artigo 5.º da Lei n.º 16/2020 tem que ser interpretado de forma uniforme com o restante ordenamento jurídico, e necessariamente em articulação com o regime jurídico consagrado na Lei n.º 1-A/2020, em especial os n.ºs 9 e 10 do seu artigo 7.º.
g) Ora, no caso dos presentes autos, ocorrendo o termo original do prazo em 16/04/2020, na constância da suspensão dos prazos em virtude da situação pandémica, prevista na Lei n.º 1-A/2020, é de concluir que o prazo para apresentação da reclamação graciosa considera-se vencido em 03/07/2020, no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, nos termos do disposto no n.º 1 do seu artigo 5.º.
h) Pelo que, a reclamação graciosa apresentada em 13/07/2020 é manifestamente intempestiva.
i) A própria doutrina confirma o entendimento da Recorrente, “O mesmo artigo 7.º, no n.º 9, alínea c) da Lei n.º 1-A/2020, de 20 de março, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, estatuía que o disposto nos artigos anteriores se aplicava, e enquanto durasse a situação excecional, com as necessárias adaptações, aos prazos administrativos que corressem a favor de particulares. Ou seja, a regra era a da suspensão dos prazos administrativos que corressem a favor de particulares em procedimentos não urgentes.
Estavam em causa prazos administrativos para a prática de atos pelos particulares em procedimentos administrativos. E cabiam ali, designadamente:
(…) O prazo para reclamar de ato expresso (…)
(…)
Aquela suspensão dos prazos terminou com a revogação do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, pelo artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio. Ou seja, em 3 de junho de 2020.
Ocorrendo o termo original daqueles prazos na vigência do regime de suspensão, consideram-se vencidos no vigésimo dia útil posterior a 3 de junho de 2020, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 16/2020”7 (evidenciado nosso).
j) “(…) o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 determinou igualmente que a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da COVID-19 “constitui causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos” (n.º 3), determinação essa que “prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional” (n.º 4).
A referência a “todos os tipos de processos” tinha evidentemente por objeto os “processos” a que se referia o n.º 1 desse mesmo artigo 7.º. E incluía, assim, os processos ¯ todos os processos ¯ administrativos. Por seu turno, a circunstância de a lei ter em vista os prazos de prescrição ou de caducidade que fossem relativos a esses processos permite revelar que o que dela resultava era fundamentalmente a suspensão dos prazos de prescrição ou de caducidade dos quais depende, em termos de mérito/procedência ou de admissibilidade, a propositura de certas ações em juízo.
(…)
O que esta regra de suspensão de prazos de prescrição e de caducidade veio permitir foi então e apenas a possibilidade de «desconsiderar» os dias de vigência da situação excecional e assim diferir para o futuro o termo dos prazos que condicionassem a admissibilidade ou a procedência de ações em juízo. Ou, como o dizia a parte final do n.º 4 do artigo 7.º: esses prazos seriam “alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional”. Com o que, na prática, se prosseguia o objetivo de, durante a vigência dessa situação excecional, não «obrigar» ninguém a ter de propor ações perante os tribunais administrativos (…)”(evidenciados nosso).
k) Face a todo o exposto é por demais evidente que a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 16/2020 à contagem do prazo para apresentação de reclamação graciosa é a única que assegura o estrito cumprimento do princípio da legalidade a que a Recorrente está adstrita, não lhe podendo ser assacado qualquer vício que inquine a sua validade.
l) Ao invés, é a sentença recorrida que padece de manifesto erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da norma legal aplicável ao caso vertente, o que, necessariamente, afeta a sua validade.
m) Por todo o exposto conclui-se que a sentença recorrida está inquinada de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, e como tal não se pode manter na ordem jurídica.

Termos em que deve o presente recurso proceder e a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, com as legais consequências.


Nas contra-alegações apresentadas concluem os ora Recorridos:

A. Os Recorridos foram notificados de liquidações adicionais de IRS e de juros compensatórios, que tinham como data-limite de pagamento o dia 18 de dezembro de 2019, tendo apresentado reclamação graciosa face à injustiça de que foram alvo na sua liquidação de IRS respeitante ao ano de 2015.
B. A reclamação graciosa apresentada no dia 13 de julho de 2020 é tempestiva em virtude da suspensão de prazos ditada pela situação excecional de pandemia de COVID-19, que se materializou no artigo 7.º, n.º 9, alínea c) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
C. No entanto, de acordo com a AT, o termo do prazo ocorreu no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da lei (dia 03/07/2020) por aplicação do artigo 5.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio – considerando que se tratava de um “prazo administrativo”;
D. De acordo com o Tribunal a quo, o termo do prazo ocorreu no fim dos 120 dias da sua contagem, acrescidos da suspensão (dia 13/07/2020) por aplicação do artigo 6.º do mesmo diploma legal, pois o prazo de exercício do direito a uma tutela jurisdicional efetiva por via da apresentação de uma reclamação graciosa contra um ato de liquidação de imposto é um “prazo de caducidade”.
E. É também este o entendimento unânime da jurisprudência deste venerando Tribunal Central Administrativo Sul (cf., a título de exemplo, acórdão de 28 de setembro de 2017, processo n.º 183/12.7BELRA e acórdão de 7 de dezembro de 2021 tirado no processo n.º 977/14.9BELLE).
F. E não se vislumbra qualquer razão para alterar este entendimento sedimentado doutrinal e jurisprudencialmente.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. por certo suprirão deve ser negado provimento ao presente recurso, com as demais consequências legais, designadamente, a manutenção na ordem jurídica da douta sentença recorrida pois apenas assim se fará a devida
JUSTIÇA!


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na aplicação do direito, ao considerar tempestiva a reclamação graciosa apresentada pelos AA. e ora Recorridos.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

«Compulsados os autos e analisada a prova produzida, com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
1) Em 30-10-2019 os serviços da AT emitiram em nome do Autor a liquidação de IRS do exercício de 2015 n.º 2019 5005688109 no valor de € 148.534,03 (cf. liquidação a págs. 14 de fls. 19 a 38 do SITAF);
2) Na mesma data os serviços da AT emitiram em nome da Autora a liquidação de IRS do exercício de 2015 n.º 2019 5005688108 no valor de € 7.709,48 (cf. liquidação a págs. 17 de fls. 19 a 38 do SITAF);
3) Em 08-11-2019 os serviços da AT emitiram em nome do Autor a demonstração de compensação referente ao IRS do exercício de 2015 n.º 2019 00023451134 no valor de € 30.586,66, constando como data limite de pagamento 18-12-2019 (cf. demonstração a págs. 16 de fls. 19 a 38 do SITAF);
4) Na mesma data os serviços da AT emitiram em nome da Autora a demonstração de compensação referente ao IRS do exercício de 2015 n.º 2019 00023451131 no valor de € 10.347,99, constando como data limite de pagamento 18-12-2019 (cf. demonstração a págs. 18 de fls. 19 a 38 do SITAF);
5) Em 13-07-2020 foi expedido em nome dos Autores uma encomenda dirigida aos serviços da AT (cf. registo a págs. 20 de fls. 19 a 38 do SITAF);
6) Em 15-07-2020 deu entrada nos serviços da Entidade Demandada um requerimento em nome dos Autores do qual se extrai ter em vista Tribunal Tributário de Lisboa reclamar graciosamente das liquidações descritas em 1) e 2) (cf. requerimento a págs. 55 13 de fls. 19 a 38 do SITAF);
7) Em 08-06-2021 os serviços da AT elaboraram uma informação sobre o pedido descrito em 6) no sentido do seu indeferimento por intempestividade (cf. informação a págs. 2 a 6 de fls. 19 a 38 do SITAF);
8) Em 28-06-2021 foi proferido despacho sobre a informação descrita em 7) no sentido do indeferimento liminar do pedido descrito em 6) (cf. despacho a págs. 2 de fls. 19 a 38 do SITAF);
9) Em 24-09-2021 deram entrada neste Tribunal os presentes autos (cf. registo do SITAF).


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Não foram alegados quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como provados ou não provados.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.


II.2 Do Direito

A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a ação administrativa e condenou a Entidade Demandada a apreciar a reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IRS e juros, respeitantes ao ano de 2015.

Alega a Entidade Demandada e ora Recorrente, em suma, que o termo original do prazo ocorreu em 2020.04.16, e que na constância da suspensão dos prazos em virtude da situação pandémica, prevista na Lei n.º 1-A/2020, é de concluir que o prazo para apresentação da reclamação graciosa considera-se vencido em 03/07/2020, no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, nos termos do disposto no n.º 1 do seu artigo 5.º [cf. conclusão g) das alegações de recurso], pelo que, a reclamação graciosa apresentada em 13/07/2020 é manifestamente intempestiva [cf. conclusão h) das alegações de recurso].

Vejamos, então:

A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, veio aprovar medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID19, e ratificar os efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (cf. sumário e artigo 1º da lei citada).

Destas medidas excecionais e temporárias sobressai, no que aqui interessa, o disposto no artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, com a epígrafe Prazos e diligências, que foi posteriormente alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

Através da citada Lei n.º 1-A/2020, o Legislador determinou a aplicação do regime das férias judiciais aos atos processuais e procedimentais que devessem ser praticados no âmbito de processo e procedimentos que corriam termos, nomeadamente, nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos órgãos da execução fiscal.

Posteriormente, através da Lei n.º 4-A/2020, a referência ao regime das férias judiciais foi substituída e determinada a suspensão dos prazos, fixado o seu termo inicial a partir de 9 de março de 2020.

Assim, nos termos deste artigo 7/1 da Lei nº 1-A/2020, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais ficaram suspensos, terminando esta suspensão com a cessação da situação excecional provocada pela doença COVID-19.

O nº 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, com a alteração introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, ficou com a seguinte redação:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.
(…)
9 - O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, aos prazos para a prática de atos em:
a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;
b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais;
c) Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.
10 - A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.
(…)

Deste modo, entre 9 de março de 2020 (cfr. o artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020) e a data ainda a definir por Decreto-Lei, no qual se declararia o termo da situação excecional (nº 2 deste artigo 7º) não se iniciavam nem corriam quaisquer prazos para a prática de atos procedimentais e processuais em processos não urgentes.

Com a revogação do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, pelo artigo 8º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, esta suspensão terminou no dia 3 de junho de 2020. Com efeito, a Lei nº 16/2020, dizia no artigo 10º: A presente lei entra em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação.

Diz a Lei nº 16/2020, de 29 de maio:

(…)
Artigo 5.º
Prazos administrativos
1 - Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão estabelecido pelo artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação original e na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, consideram-se vencidos no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.
2 - Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor da presente lei, caso a suspensão referida no número anterior não tivesse tido lugar, consideram-se vencidos:
a) No vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei caso se vencessem até esta data;
b) Na data em que se venceriam originalmente caso se vencessem em data posterior ao vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.
3 - O disposto no presente artigo não se aplica aos prazos das fases administrativas em matéria contraordenacional.
Artigo 6.º
Prazos de prescrição e caducidade
Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.

(…)


Sobre os factos não há controvérsia, nem foram impugnados em sede de recurso.

A reclamação graciosa apresentada pelos AA. e ora Recorridos contra as liquidações de IRS e de juros, respeitantes ao ano de 2015, foi liminarmente indeferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por intempestividade.

A questão base submetida à apreciação do Tribunal Tributário reconduz-se a saber como se deve fazer a contagem do prazo, o que implica responder sobre se estamos perante um prazo administrativo, caso em que o cômputo será feito aplicando o disposto no artigo 5º da Lei nº 16/2020, de 29 de maio, como defende a Recorrente ou se ao caso se aplicam as normas relativas ao cálculo do termo do prazo de caducidade como defenderam os AA. e ora Recorridos.

Vejamos o que se decidiu na sentença recorrida no segmento que aqui interessa:

Ora, sendo aplicável ao prazo para apresentação da reclamação graciosa o disposto no artigo 279.º do Código Civil (CC), por remissão do n.º 1 do artigo 20.º do CPPT e também do n.º 3 do artigo 57.º da Lei Geral Tributária (LGT), temos que aquele prazo tem natureza substantiva.
Assim, e uma vez que os prazos substantivos respeitam ao período de tempo exigido para exercício de direitos materiais, são-lhes aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição, como decorre do n.º 2 do artigo 298.º também do CC, tendo o seu decurso como consequência, em princípio, a extinção do respetivo direito, conforme o artigo 331.º do mesmo Código.
Neste sentido, os prazos administrativos a que se refere o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 16/2020 são aqueles para a prática de atos pela administração ou pelas entidades administrativas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 9 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, assim como aqueles atos a praticar por particulares mas que não importam a extinção do respetivo direito por falta do seu exercício.
Já aos atos cuja falta de exercício ou o seu exercício extemporâneo impliquem a referida extinção do direito, aplica-se o artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, pelo que o prazo de caducidade do direito à apresentação da reclamação graciosa deixou de estar suspenso por força das alterações introduzidas pela referida lei, sendo este alargado pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.
Aplicando o exposto aos autos e atentos os factos descritos em 3) e 4), temos então que o prazo para apresentação da reclamação graciosa se iniciou em 19-12-2019, sendo este o dia seguinte ao termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações de IRS, conforme o artigo 279.º do CC, aplicável por remissão do n.º 1 do artigo 20.º do CPPT.
Assim, desde aquele dia até ao dia 08-03-2020, último dia antes da suspensão determinada pelo artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020 com o n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.° 4-A/2020, decorreram 81 dias do prazo, faltando 39 dias para a ocorrência da caducidade do direito à reclamação graciosa.
Por força do artigo 11.º da Lei n.º 16/2020 a suspensão dos prazos de caducidade terminou em 03-06-2020, retomando-se nessa data a contagem dos 39 dias em falta, que terminaram em 11-07-2020, sábado, aplicando-se contudo a alínea e) do artigo 279.º do CC, por interpretação atualista da norma, transferindo-se o fim do prazo para o primeiro dia útil seguinte (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0533/07, de 28-11-2007, disponível em www.dgsi.pt).
No caso, tendo a reclamação graciosa sido remetida pelo correio, sob registo, considera-se que a mesma foi efetuada na data do respetivo registo, nos termos do n.º 2 do artigo 26.º do CPPT, pelo que, atento o supra exposto e o facto descrito em 5), a reclamação graciosa se tem como apresentada em 13-07-2020, último dia dentro do prazo para o efeito.
Nestes termos a decisão assente nos factos em 8) não se pode manter, pelo que deve a mesma ser anulada e condenada a Entidade Demandada a apreciar a reclamação graciosa.


A Recorrente não se conforma com esta decisão defendendo que tenho o prazo terminado durante o regime de suspensão deve considerar-se vencido no 20º dia útil posterior à entrada em vigor da Lei nº 16/2020, de29 de maio. O prazo de apresentação teria, pois, terminado em 3 de julho.

A questão foi analisada no recente acórdão STA de 2022.11.09, Proc nº 090/21.2BEBRG, disponível em www.dgsi.pt, com o qual concordamos e do qual se transcreve:

(…) no âmbito das medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, o legislador previu a aplicação do regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, enquanto durar a situação excepcional, incluindo prazos administrativos que digam respeito à prática de actos por particulares, entre os quais, no que para o caso releva, a dedução de reclamação graciosa e, posteriormente, a Lei n.º 16/2020, de 29-05, determinou o fim da suspensão dos prazos, nos seguintes termos: (i) os prazos que terminassem durante o regime de suspensão consideram-se vencidos no 20º dia útil após a entrada em vigor daquela lei (isto é, após 3 de Junho); (ii) quanto aos prazos que terminassem após 3 de Junho, os mesmos passam a terminar, consoante o que ocorra primeiro, (ii.1) no 20º dia útil após a entrada em vigor daquela lei ou (ii.2) na data em que deveriam terminar caso não tivesse ocorrido a suspensão (portanto, se o seu termo sempre fosse posterior ao 20º dia útil após 3 de Junho, na prática, tudo se passa como se, quanto a estes prazos, não tivesse havido suspensão).
Com este pano de fundo, a decisão recorrida entendeu que “Em face do quadro normativo referenciado, resulta que o prazo para deduzir reclamação graciosa, expirou, originalmente, em 14 e 19-05-2020 (120 dias após, respectivamente, 15 e 20-01-2020), portanto, na vigência da suspensão dos prazos processuais e procedimentais, pelo que se mostrou suspenso até à entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, ou seja, 03 de Junho, devendo ser apresentado no prazo de 20 dias (úteis) a contar dessa data, conforme o estabelecia o n.º 1 do art.º 5º daquele diploma legal, para os “prazos administrativos cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão estabelecido pelo artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redacção original e na redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril”.

Do que resulta que a Autora deveria ter apresentado o procedimento de reclamação graciosa até 03-07-2020, pelo que tendo apenas sido apresentado em 04-08-2020 [cfr. ponto 1) dos factos considerados provados], a mesma é extemporânea, tal qual se decidiu no despacho aqui objecto de impugnação. …”.

Ora, importa já adiantar que esta não é a melhor solução para o caso dos autos.

Desde logo, estando assente que o legislador previu a aplicação do regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, enquanto durar a situação excepcional, não é menos verdade que o legislador de Março de 2020 (Lei nº 1-A/2020, de 19-03) e de Abril de 2020 (Lei nº 4-A/2020, de 06-04) entendeu especificar nesta sede os denominados Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares, tendo ainda, vamos dizer, a preocupação de particularizar que Os prazos tributários a que se refere a alínea c) do número anterior dizem respeito apenas aos actos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de actos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários.

Ora, o legislador de Maio de 2020 (Lei nº 16/2020, de 29-05), para além de revogar o art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03 (art. 8º) que continha o regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, enquanto durar a situação excepcional, nomeadamente com referência à matéria apontada no parágrafo anterior, estabeleceu antes, no seu art. 5º, com a epígrafe “Prazos administrativos”, o fim da suspensão dos prazos administrativos cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão estabelecido pelo artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redacção original e na redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, fixando, para o efeito, nos termos do seu nº 1, o prazo de 20 dias (úteis) a contar da entrada em vigor desta Lei de Maio de 2020.

Neste ponto, a Recorrente aponta que, tendo em conta que a anterior legislação considerava/fazia equiparar o prazo para interposição de reclamação graciosa como um prazo tributário, interpretou essa norma como não sendo aplicável ao prazo para interposição de reclamação graciosa, pois que, nesta última alteração, o legislador nada esclareceu relativamente ao prazo para interposição de reclamação graciosa.

E cremos que tem razão.

Se o legislador, vamos dizer, de partida, entendeu por bem fazer uma particular referência aos Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares, sendo que em relação aos prazos tributários acabou até por misturar prazos processuais e prazos procedimentais, temos por adquirido que o legislador, de chegada, não poderia deixar de ter em conta tal realidade (e não era difícil), sendo que, não o tendo feito, resta apenas aplicar o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03.

E de nada vale dizer, agora, que “carece de fundamento a distinção entre prazos administrativos e prazos tributários, no sentido de restringir apenas àqueles o regime contido no art. 5º da Lei nº 16/2020, de 29 de Maio, na exacta medida em que o prazo tributário aqui em causa, concretamente relacionado com o prazo para deduzir reclamação graciosa, se reconduzir a um prazo administrativo/procedimental”, porquanto, não é essa a essência da questão, dado que, o citado art. 5º diz respeito a uma categoria de prazos assinalada pelo legislador de partida, não podendo o julgador sancionar a conduta do legislador de chegada, porventura, com base numa noção mais rigorosa quanto à relevância e alcance dos conceitos em apreço para dizer que, afinal, só cabe falar de prazos processuais e prazos procedimentais, sendo que estes últimos estão todos integrados no tal art. 5º.

Com efeito, para além da regra do nº 1, o art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03, contempla depois uma distinção relativa a prazos administrativos e prazos tributários, que mereceu depois uma especificação quanto a estes últimos (em que deparamos mesmo com uma mistura de prazos processuais e prazos procedimentais), o que significa que não se pode aceitar, sem mais, este novo legislador, agora mais preocupado com os conceitos ou menos paternalista, que abandona o registo mais descritivo para assumir uma postura mais concisa, quando está em causa matéria que contende com os direitos dos contribuintes em colocar em crise as decisões da AT que afectam a sua esfera jurídica.

Nesta medida, valendo aqui o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03, temos que o prazo para deduzir reclamação graciosa, que expiraria, originalmente, em 14 e 19-05-2020 (120 dias após, respectivamente, 15 e 20-01-2020), e que correu termos entre estas ultimas datas e 09-03-2020, esteve suspenso desde esta data até 02-06-2020, voltando a correr os seus termos normais, a partir de 03-06-2020, de modo que, tendo a Recorrente apresentado o procedimento de reclamação graciosa em 04-08-2020 [cfr. ponto 1) dos factos considerados provados], a mesma não é extemporânea, tal qual se decidiu no despacho aqui objecto de impugnação e foi sancionado pela decisão recorrida.

Diga-se ainda que, mesmo que fosse de sancionar o decidido quanto à aplicação do nº 1 do art. 5º da Lei nº 16/2020, de 29-05 na situação dos autos, o direito à tutela efectiva constitucionalmente garantido, nos termos dos arts. 20º nº 1 e 268º nº 4 CRP acaba por impor a mesma solução.

Neste âmbito, e como já ficou dito, o prazo para deduzir reclamação graciosa que interessa para os autos - 120 dias após, respectivamente, 15 e 20-01-2020 - que correu termos entre estas ultimas datas e 09-03-2020, esteve suspenso desde esta data até 02-06-2020, voltando a correr os seus termos normais, a partir de 03-06-2020, ou seja, temos um primeiro período de 53 e 48, o que significa que, sem mais, aplicando o regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, a ora Recorrente teria ainda a seu favor um segundo período de 67 e 72 dias para o efeito apontado, o que nos remete para lá do 04-08-2020, data em que foi apresentada a reclamação graciosa.

Pois bem, como ficou dito na decisão recorrida, por referência ao art. 5º nº 1 da Lei nº 16/2020, de 29-05, tal esgotar-se-ia em 03-07-2020.

Neste contexto, deparamos com uma manifesta diminuição do prazo de que a ora Recorrente dispunha para fazer uso da reclamação graciosa, sendo que não pode aceitar-se a leitura da referida norma em qualquer caso, como o dos autos, em que da sua aplicação resulte uma diminuição do prazo de que o interessado dispunha para exercer o seu direito, de modo que, em todas as situações em que tal se verifique, ainda que possa dizer que o labirinto, afinal, está bem assinalado, tal tem de acontecer até ao fim do caminho a percorrer, sob pena se colocar em crise o direito à tutela efectiva nos termos preconizados pela Recorrente, o que implica a desaplicação da aludida norma nesses casos, o que nos remete novamente para o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03 e para a solução já descrita.

Sendo assim, como é, não pode acompanhar-se o teor da decisão recorrida, o que implica a procedência do recurso, a revogação da sentença recorrida, impondo-se, isso sim, julgar a presente Acção Administrativa totalmente procedente, com a consequente anulação do despacho impugnado.


Reiterando o acolhimento da jurisprudência que acabou de se transcrever e a fundamentação que se acompanha e se considera transponível para o caso em análise, com as necessárias adaptações, conclui-se no sentido de que o prazo em causa esteve suspenso terminando esta suspensão com a cessação da situação excecional provocada pela doença COVID-19, retomando-se a contagem do prazo no dia 3 de junho de 2020: o prazo foi alargado pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.

Em face do exposto, e sem necessidade de mais considerações, é de julgar improcedente o recurso e de confirmar a sentença recorrida que julgou procedente a ação, anulou o despacho que rejeitou liminarmente a reclamação por intempestividade da sua apresentação e condenou a Entidade Demandada a apreciar a reclamação graciosa.


Sumário/Conclusões:

I. «- No âmbito das medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, o legislador previu a aplicação do regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, enquanto durar a situação excepcional, incluindo prazos administrativos que digam respeito à prática de actos por particulares, entre os quais, no que para o caso releva, a dedução de reclamação graciosa e, posteriormente, a Lei n.º 16/2020, de 29-05, determinou o fim da suspensão dos prazos, nos seguintes termos: (i) os prazos que terminassem durante o regime de suspensão consideram-se vencidos no 20º dia útil após a entrada em vigor daquela lei (isto é, após 3 de Junho); (ii) quanto aos prazos que terminassem após 3 de Junho, os mesmos passam a terminar, consoante o que ocorra primeiro, (ii.1) no 20º dia útil após a entrada em vigor daquela lei ou (ii.2) na data em que deveriam terminar caso não tivesse ocorrido a suspensão (portanto, se o seu termo sempre fosse posterior ao 20º dia útil após 3 de Junho, na prática, tudo se passa como se, quanto a estes prazos, não tivesse havido suspensão).
II. - Se o legislador, vamos dizer, de partida, entendeu por bem fazer uma particular referência aos Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares, sendo que em relação aos prazos tributários acabou até por misturar prazos processuais e prazos procedimentais, temos por adquirido que o legislador, de chegada, não poderia deixar de ter em conta tal realidade (e não era difícil), sendo que, não o tendo feito, resta apenas aplicar o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03.
III. - Nesta medida, valendo aqui o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03, temos que o prazo para deduzir reclamação graciosa, que expiraria, originalmente, em 14 e 19-05-2020 (120 dias após, respectivamente, 15 e 20-01-2020), e que correu termos entre estas últimas datas e 09-03-2020, esteve suspenso desde esta data até 02-06-2020, voltando a correr os seus termos normais, a partir de 03-06-2020, de modo que, tendo a Recorrente apresentado o procedimento de reclamação graciosa em 04-08-2020, a mesma não é extemporânea, tal qual se decidiu no despacho aqui objecto de impugnação e foi sancionado pela decisão recorrida.
IV. - Diga-se ainda que, mesmo que fosse de sancionar o decidido quanto à aplicação do nº 1 do art. 5º da Lei nº 16/2020, de 29-05 na situação dos autos, o direito à tutela efectiva constitucionalmente garantido, nos termos dos arts. 20º nº 1 e 268º nº 4 CRP acaba por impor a mesma solução, na medida em que por referência à norma apontada, tal prazo esgotar-se-ia em 03-07-2020, o que se traduziria numa manifesta diminuição do prazo de que a ora Recorrente dispunha para fazer uso da reclamação graciosa, sendo que não pode aceitar-se a leitura da referida norma em qualquer caso, como o dos autos, em que da sua aplicação resulte uma diminuição do prazo de que o interessado dispunha para exercer o seu direito, sob pena se colocar em crise o direito à tutela efectiva, o que implica a desaplicação da aludida norma nesses casos, o que nos remete novamente para o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03 e para a solução já descrita.»


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente que decaiu.

Lisboa, 19 de janeiro de 2023

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Jorge Cortês