Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03412/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/03/2009
Relator:Rogério Martins
Descritores:REVERSÃO; GESTÃO DE DIREITO; GESTÃO DE FACTO; ÓNUS DA PROVA; ART.º 24º, N.º1, DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA
Sumário: I – A responsabilidade subsidiária de gerentes de sociedades, prevista no art.° 24°, n° 1 da LGT, depende do exercício de facto da gerência.

II – São presunções legais as que estão previstas na própria lei e presunções judiciais as que se fundam em regras práticas da experiência.

III – Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul:

A Fazenda Pública veio interpor, a fls. 202-216, RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 27.04.2009, a fls. 179-192, na parte em que foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida por Maria ...contra o despacho de reversão da execução fiscal inicialmente deduzida contra a firma M ..., L.da.

Invocou para tanto que a sentença recorrida nessa parte violou, por erro de aplicação ao caso concreto, o disposto na alínea b) do nº 1 do art. 24° da Lei Geral Tributária.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

São estas as conclusões das alegações de recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto:

a) A oposição foi interposta relativamente às execuções fiscais n.°s 1066200001013602 e 1066200001019716, instauradas contra a sociedade Martins ..., L.da, por dívidas de IRC, IRS, IVA e Coimas dos anos de 1999 a 2003.

b) Revertidos por tais dívidas, os ora recorridos, marido e mulher, questionaram a prescrição das dívidas do ano de 1999 e a sua responsabilidade subsidiária.

c) A douta sentença de que ora se recorre declarou prescritas as dívidas do ano de 1999; julgou procedente a oposição quanto às dívidas por coimas; julgou a mesma procedente quanto às dívidas por impostos relativamente à ora recorrida; e julgou a oposição improcedente quanto às dívidas por impostos no que respeita ao ora recorrido.

d) A FP pretende atacar a decisão apenas na parte que se refere à procedência da oposição quanto às dívidas por impostos relativamente à ora recorrida Maria ....

e) Relativamente ao recorrido marido a douta sentença considerou-o parte ilegítima nos PEF por ter a Administração Tributária alegado e demonstrado que subscreveu as declarações fiscais constantes dos autos, enquanto representante legal da primitiva executada. "A assinatura de tais declarações constitui indício suficiente do exercício efectivo da gerência de facto."

f) Contrariamente, a recorrida mulher foi considerada parte ilegítima por se entender que "nenhum facto vem alegado ou foi junto qualquer documento donde se infira o exercício efectivo da gerência de facto."

g) Do registo comercial da sociedade executada, podem-se retirar os seguintes factos:

- Na data da sua constituição (Ap. 05/280369), ambos os recorridos foram constituídos sócios-gerentes da sociedade devedora originária.

- Em 02/10/1995 (Ap. 06 da mesma data), foi registada uma alteração parcial do contrato social, reforçando-se as quotas de ambos e na qual se prevê a atribuição do cargo de gerência à recorrida Maria ....

- Através da Ap. 20/310103, foi registada a transmissão da quota do ora recorrido João ..., para Pedro ..., e a cessação das funções de gerência daquele, por renúncia a partir de 17/01/2003.

- Na mesma data (Ap. 21/310103), foi nomeado gerente o novo sócio Pedro ....

- Ainda na mesma data, mas através da Ap. 23, foi registada a cessação das funções de gerência por parte da ainda sócia, Maria ..., por renúncia a partir de 17/01/2003.

- Finalmente, por Ap. 09/2105203, encontra-se registada a transmissão da quota da recorrida Maria ... a Pedro ....

h) Em resumo, a recorrida foi gerente da sociedade desde a data da sua constituição, em 1969, até 17/01/2003 e foi sócia desde a mesma data até 21/05/2003.

i) Dizendo as dívidas tributárias em causa respeito a factos ocorridos no período do exercício do seu cargo e também cujo prazo legal de pagamento e entrega terminou no período desse mesmo exercício, a recorrida é por elas responsável subsidiária, nos termos do disposto no art. 24° n.° 1 b) da LGT.

j) Seguindo a linha da doutrina e da jurisprudência, aquele preceito deve ser interpretado no sentido de não caberem na sua previsão os gerentes meramente de direito, que não de facto. Mas, também, terá de se presumir a gerência de facto verificada a gerência de direito, cabendo ao oponente alegar e convencer o julgador que não exerceu a gerência de facto.

k) Trata-se de uma presunção judicial, o que significa que se admite a sua elisão por qualquer meio de prova, sendo suficiente a contraprova, não sendo exigível prova do contrário (art.ºs 350° e 351° do CC).

I) Neste sentido, v. Acórdãos do TCA Sul de 09/10/2007 e 11/07/2007, proferidos nos Procs. 01953/07 e 01735/07, respectivamente.

m) É à gerência (enquanto órgão cujas funções são definidas por lei que força criá-lo para permitir à sociedade actuar no comércio jurídico) que incumbe (pode e deve) praticar todos os actos necessários para o cumprimento dos deveres impostos por lei à sociedade e os necessários ou convenientes para realizar o seu objecto social (art. 259° do CSC).

n) Determina o art. 64° do CSC um dever geral de diligência de carácter objectivo, indiferente às circunstâncias pessoais do gerente, não podendo este desculpar-se invocando desconhecimento, incapacidade ou incompetência para gerir empresas.

o) Também o STA se tem vindo a pronunciar no sentido exposto, tal como explanado no Acórdão de 10/12/2008, proferido no Proc. 0861/08, o qual interpreta o Acórdão do Pleno de 28/02/2007, no Proc. 1131/06.

p) A recorrida sempre foi gerente, tal como o seu marido, desde a data da constituição da sociedade até Janeiro de 2003, sendo que esta se obrigava pela intervenção conjunta dos dois sócios-gerentes conforme se pode verificar através do teor da inscrição Ap. 05/280369.

q) Todo o circunstancialismo de facto e de direito nos levam à conclusão de que, efectivamente, a gerência era exercida conjuntamente por ambos os elementos do casal, tratando-se de um negócio familiar:

- Ambos eram sócios e gerentes de direito;

- Para obrigar a sociedade era necessária a intervenção conjunta dos dois;

- Eram casados sob o regime da comunhão geral de bens (como consta do registo comercial);

- Entraram para a gerência e procederam à sua renúncia nas mesmas datas.

r) Se, por um lado, o Tribunal a quo defende, contrariamente a toda a Jurisprudência, que a FP não beneficia de qualquer presunção relativa à gerência, incongruentemente, satisfaz-se com um mero "indício" relativamente ao recorrido marido.

s) Da petição inicial não se infere qualquer facto ou prova (de referir que não foram arroladas, nem ouvidas pelo Tribunal, quaisquer testemunhas), da qual resulte o não exercício da gerência por parte dos ora recorridos.

t) Pelo que, estando nos autos provada a gerência de direito, dela se deve inferir a gerência de facto, através de uma presunção natural ou judicial, com base em dados da experiência comum, que os recorridos não conseguiram abalar.

u) Também no que se refere à culpa, a mesma deve ser apurada de acordo com a diligência de um bom pai de família, sendo que, uma vez nomeados gerentes e estando no exercício das suas funções, têm o dever de administrar a empresa de modo a evitar que o património da sociedade se torne insuficiente para satisfazer os créditos fiscais.

v) A sociedade executada foi objecto de acção inspectiva aos exercícios de 1999 a 2002, tendo as dívidas exequendas dela derivado.

w) Da leitura do relatório de inspecção tributária, podemos verificar que a sociedade executada procedeu, no período de exercício do cargo dos recorridos, à retenção na fonte das categorias A, B e F, no montante de €12.718,64, que não entregou nos cofres do Estado.

x) Relativamente ao IVA, foram entregues declarações periódicas não acompanhadas do respectivo meio de pagamento, no valor de €80.392,95.

y) Pelo que, não é de todo defensável a ausência de culpa dos recorridos, quando o que está aqui em causa é a retenção e a liquidação de imposto e a sua posterior falta de entrega nos cofres ao Estado. O esforço financeiro da empresa mostra-se neutro visto que reteve IRS e liquidou IVA a outrem e não procedeu à sua entrega ao Estado.

z) Aliás, cabia aos ora recorridos a prova da ausência de culpa, nos termos da alínea b) do n.° 1 do art. 24° da LGT, o que, de modo algum lograram fazer, tal como se refere na douta sentença recorrida a propósito do recorrido marido.

aa) Por conseguinte, uma vez que estão preenchidos os condicionalismos legais, forçoso é reconhecer que a recorrida Maria ... é responsável pelo pagamento das dívidas exequendas relativas aos anos de 2000 a 2002, tal como foi considerado pelo Tribunal a quo para o seu marido.

*

I – Matéria de facto.

A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A) - Em 10/05/2000 a Administração Fiscal instaurou o processo de execução n.º 1066200001013602, contra a executada M ..., L.da, com o NIF 500186715, para cobrança coerciva de dívidas de IVA do ano de 1999, período 9912, cfr. fls. 1 e 2.

B) - A executada foi citada em 24/05/2000, por carta registada com aviso de recepção, cfr. fls. 4 e 5.

C) - Em 24/05/2001, os autos a que se refere a alínea anterior completaram um ano de paragem por facto não imputável à executada.

D) - Em 13/11/2001, foram apensados aos presentes autos os processos a que se refere o termo de fls. 6, nomeadamente, o processo n.º 1066001019716.

E) - O processo de execução fiscal n.º 1066001019716, foi instaurado, em 16/11/2000, contra a executada M ..., L.da, com o NIF 500186715, para cobrança coerciva de dívidas de IVA do ano de 2000, período 0004, cfr. fls. 1 e 2.

F) - A executada foi citada em 02/02/2001, por carta registada com aviso de recepção, cfr. fls. 4 e 5 do processo de execução fiscal.

G) - Em 13/11/2002, os autos a que se refere E) completaram um ano de paragem por facto não imputável à executada.

H) - Por despacho de 08/05/2007, as execuções reverteram contra os ora Oponentes para cobrança coerciva de dívidas de Coimas fiscais de 2001 e 2002, 2003, IRC de 1999, 2000 e 2002, IRS de 1999, 2000, 2001 e 2002, IVA de 1999, 2000, 2001 e 2002

I) - Os Oponente foram pessoalmente citados em 22/05/2007, cfr. fls. 33 e 36.

J) - A petição inicial da presente oposição foi apresentada em 18/06/2007, cfr. fls. 4 destes autos.

L) - A Administração Fiscal procedeu a inspecção à actividade da devedora originária e efectuou o relatório de fls. 93 e segs. destes autos que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão:
«(…)
1.2. Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
IRS
Correcções técnicas por falta de entrega de retenções efectuadas nos termos do actual n° 1 do artigo 99° do CIRS e actual n° 1 do artigo 101° do mesmo código, tendo infringido o disposto nos n.°s 2 e 3 do actual artigo 98° do mesmo código (Ponto III - 1.):
1999: 3.036,77€,
2000: 3.938,75€,
2001: 3.733,58€,
2002: 2.009,54€.
IRC
Correcções técnicas de amortizações, por terem sido excedidos os limites legais, infracção à actual alínea c) do n° 1 do artigo 33° do CIRC (Ponto III —2.):
1999: 276,72€
II - OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
1. Credencial e período em que decorreu a acção
Em cumprimento da ordem de serviço n° 13 157, de 29 de Outubro de 2002, da Direcção de Finanças de Faro, cuja extensão foi alargada em 22 de Janeiro de 2003, procedi à análise da situação tributária do sujeito passivo “M ..., Lda.”, NIPC: 500 186 715, com sede na Rua ..., em Lagoa (Serviço de Finanças de Lagoa — 1 066).
A acção de fiscalização teve início em 8 de Janeiro de 2003 e concluída em 4 de Abril de 2003.
2. Motivo, âmbito e incidência temporal
A acção com o PNAIT 22140, de âmbito parcial - IVA, para os exercícios de 1999 e 2000 foi posteriormente alargada para âmbito geral, para os exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002.
A acção de inspecção teve origem no facto de existirem processos de contra-ordenação, referentes a IVA dos períodos 99,05, 00.04 e 00.05, com os respectivos montantes: 4.175,36€; 4109,47€ e 4.861,60€.
3. Outras Situações
Foram enviadas pelo sujeito passivo declarações periódicas de IVA, onde foi apurado IVA a pagar, cujos montantes não foram pagos até à presente data, referentes a 1999, 2000, 2001 e 2002, no total de 80.392,95€, conforme se discrimina no anexo 1, por períodos.
Foi efectuada notificação à empresa, na pessoa de Pedro ..., para nos termos do n° 6 do artigo 105° do RGIT, proceder ao pagamento dos impostos em falta (anexo 2).
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
1. IRS
A sociedade procedeu à retenção sobre rendimentos pagos das categorias A (rendimentos de trabalho dependente), B (rendimentos empresariais e profissionais) e F (rendimentos prediais), nos termos do actual n° 1 do artigo 99° do CIRS e actual n° 1 do artigo 101° do mesmo código, não tendo declarado o montante de 12.718,64€, conforme se discrimina no anexo 1, por categorias e por períodos, valores estes que não foram entregues nos cofres do Estado até à presente data, tendo infringido o disposto nos n.°s 2 e 3 do actual artigo 98° do CIRS.
2.IRC
Foram corrigidas as seguintes amortizações, por terem sido excedidos os limites legais:
1999

Dadas as correcções efectuadas, encontram-se em falta o seguinte montante de Imposto:
1999 (IRC: 34%) —94,08€.
(…)
VII - INFRACÇÕES VERIFICADAS
O s. p. infringiu as alíneas c) do no 1 do actual artigo 33° do CIRC, punível pelo artigo 34° do RJIFNA, para as faltas praticadas na declaração de rendimentos de 1999. Infringiu também o disposto no n°1 do artigo 26° do CIVA e o disposto nos n.°s 2 e 3 do actual artigo 98° do CIRS, puníveis pelo artigo 24° do R.JIFNA, para as faltas praticadas até 4 de Julho de 2001 e pelo artigo 105° do RGIT, para as faltas praticadas posteriormente a essa data, para os factos descritos onde há indícios de abuso de confiança fiscal e punível pelo artigo 29° do RJTFNA para as faltas praticadas até 4 de Julho de 2001 e pelo artigo 114° do RGIT, para as faltas praticadas posteriormente a essa data, para os restantes factos que constituem contra-ordenação.
O s. p. entregou no Serviço de Finanças de Lagoa em 15 de Janeiro de 2003, o pedido de redução de coimas nos termos do artigo 29° do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.° 15/2001 de 4 de Junho, no entanto não produz efeito para os factos que constituem indícios de abuso de confiança fiscal, por ter sido levantado auto de notícia, nos termos do n°4 do artigo 35° do RGIT.
VIII - OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES
Para além dos montantes atrás referidos, encontram-se outros processos de execução fiscal por regularizar no Serviço de Finanças de Lagoa.
IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
Após ter sido notificado do projecto de relatório, o sujeito passivo não exerceu o direito de audição previsto no artigo 60° da LGT e no artigo 60° do RCPIT.
Faro, 23 de Abril de 2003 A Inspectora Tributária»

L) — O Oponente João Martins subscreveu as declarações fiscais de fls. 102, 105, 108, 111, 118 e 126 enquanto representante legal da primitiva executada.

M) — Os Oponentes cessaram as funções de gerente da devedora originária em 17/01/2003, por renúncia, cfr. fls. 8 do processo de execução fiscal.

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Enquadramento jurídico.

O objecto do presente recurso jurisdicional restringe-se à parte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 27.04.2009, a fls. 179-192, em que se julgou procedente a oposição quanto às dívidas por impostos relativamente à ora recorrida.

Tal como se decidiu, as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos.

E, como aí se refere, é praticamente pacífico na doutrina que "as normas sobre direito probatório material as que afectam a substância do direito repercutindo-se sobre a própria viabilidade deste não são, em princípio, de aplicação imediata." (VAZ SERRA, em estudo publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 1119, página 8. Em sentido semelhante se pronunciam MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, 1979, página 193, BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, página 273, ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1ª edição, página 58.)

Em sede de responsabilidade subsidiária será de aplicar em cada caso as normas que estavam em vigor à data em que se constituiu a dívida tributária — neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18.12.2008, recurso n.º 02699/08, in www.dgsi.pt .

As dívidas em causa nos presentes autos respeitam aos anos de 2000 a 2003, pelo que o regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o que decorre do art. 24.° da Lei Geral Tributária, cujo n.º 1 (na redacção introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, que alterou a epígrafe, a alínea a) do n.º 1 e o n.º 2) dispõe o seguinte:

«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.»

Resulta da norma transcrita que os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas.

Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta, para responsabilização das pessoas aí indicadas, a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções - neste sentido, pacífico, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo , de 11/03/2009, recurso n.º 0709/08, in www.dgsi.pt .

O mecanismo da responsabilidade subsidiária dos gerentes só opera perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo.

E tal como bem ficou definido na sentença recorrida, cabe determinar sobre quem recai o ónus da prova da gerência de facto, isto é, do exercício efectivo do cargo.

Para a Administração Fiscal, uma vez, verificada a gerência de direito presume-se que quem é gerente exerce, realiza e conclui actos jurídicos próprios ao exercício da gerência, enquanto sujeito do órgão executivo e representativo duma sociedade comercial.

Esta questão já mereceu a atenção do Supremo Tribunal Administrativo, entre outros, no acórdão de 28.02.2007, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, no recurso n.º 01132/06, in http://www.dgsi.pt .

Mas precisamente este acórdão e outro também citado pela recorrente, de 10.12.2008, recurso 0861/08 (ver conclusão o)), vão no sentido oposto ao entendimento por si defendido:

“Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto” – ver ponto II do respectivo sumário.

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo, reiterou nos seus precisos termos a mesma posição, no acórdão de 11-03-2009, Processo: 0709/08 (ver sumário):

I – A responsabilidade subsidiária de gerentes de sociedades, prevista no art.° 24°, n° 1 da LGT, depende do exercício de facto da gerência.
II – São presunções legais as que estão previstas na própria lei e presunções judiciais as que se fundam em regras práticas da experiência.
III – Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.


Extrai-se desta jurisprudência - com a qual alinhou a sentença recorrida e se concorda na íntegra - o seguinte:

De acordo com o artigo 349º do Código Civil, «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».

Há, pois, presunções legais – ilações resultantes da lei – e presunções judiciais – ilações do julgador.

Ao contrário da presunção legal, que está plasmada na lei, resultando dela sem necessidade de intermediação, a presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora.

Não se pode por isso afirmar que Fazenda Pública beneficia da presunção judicial de gerência de facto e não tem que fazer prova desta para poder reverter a execução fiscal contra o gerente de direito.

Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido.

As presunções influenciam o regime do ónus probatório.

Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.

Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.»

Reportando-nos ao caso concreto, defende a recorrente que existe um circunstancialismo de facto e de direito que nos leva à conclusão de que, efectivamente, a gerência era exercida conjuntamente por ambos os elementos do casal, tratando-se de um negócio familiar, a saber: ambos eram sócios e gerentes de direito; para obrigar a sociedade era necessária a intervenção conjunta dos dois; eram casados sob o regime da comunhão geral de bens (como consta do registo comercial); entraram para a gerência e procederam à sua renúncia nas mesmas datas.

Desde logo cabe referir que os elementos, exactos, mencionados pela recorrente, são circunstâncias que nos permitem concluir pela gerência de direito mas não pela gerência de facto por parte da ora recorrida, sobretudo em relação ao período aqui em causa, o ano de exercício de 1999. Em particular o facto de ser necessária intervenção conjunta de ambos os cônjuges para obrigar a sociedade não significa que, efectivamente, a recorrida tenha participado no que quer que fosse em representação da sociedade, em particular no ano de 1999. O que consta do contrato de constituição da sociedade pode não ter sido, necessariamente, cumprido.

Extrair da circunstância de estar estabelecida a gerência conjunta de direito a gerência de facto por parte da recorrida, seria presumir a gerência de facto a partir da gerência de direito, o que, como vimos, não tem acolhimento na lei vigente à data.

Por outro lado e como se decidiu, em relação ao oponente ficou provado um facto, relevante, que indicia a prática de actos de gestão em nome e no interesse da sociedade executada, no período em questão: a entrega da declaração fiscal da sociedade do ano de 1999.

Se existiam apenas dois sócios gerentes e em relação à executada nenhum acto material se provou que permitisse concluir pelo exercício efectivo da gestão da empresa, ao contrário do que sucedeu com o seu marido, o oponente João ..., forçoso é concluir, por ilação natural, que este exercia a gestão de facto.

Como se concluiu, sem qualquer incoerência, na sentença recorrida.

Bem se decidiu, pois, que a oponente Maria ... é parte ilegítima nos processos executivos.

Termos em que se impõe manter a sentença recorrida.

*

Pelo exposto, os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Fazenda Pública.
*

Lisboa, 03.11.2009

(Rogério Martins)

(Lucas Martins)

(Magda Geraldes)