Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04633/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/22/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
CUSTOS.
ÓNUS DA PROVA.
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO.
Sumário:1.A AT cumpre o ónus probatório que sobre si impende, em ordem a desconsiderar certo montante declarado pelo contribuinte na respectiva declaração de rendimentos como custo fiscal dedutível, tarefa que se encontra facilitada quando esse custo escriturado não tem, na contabilidade, o suporte respectivo (documento de venda passado pelo fornecedor), em ordem a documentar a operação;

2. Cumprido tal ónus pela AT, a partir daqui, cabia ao contribuinte suprir tal falta documental, designadamente por prova testemunhal, em ordem a demonstrar a real existência de tal operação, e se o conseguisse, a liquidação seria anulada, por demonstrado o bem fundado de tal lançamento na sua contabilidade, sem prejuízo da sanção contra-ordenacional que ao caso coubesse;
O princípio do inquisitório não pode ter um alcance tão alargado que por completo substitua as obrigações impendentes sobre os contribuintes, como a de fazerem escriturar as suas operações com base em documentos de suporte, em que na sua falta a AT, a todo o transe, tenha de obter esses documentos, que em primeira linha aos contribuintes pertence
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. Fernando ……………….., ………………, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. Estando a contabilidade da ora recorrida, organizada de acordo com a lei fiscal e comercial, não revelando esta omissões, erros, inexactidões e tendo o contribuinte cumprido os seus deveres de esclarecimento da sua situação tributária, as declarações, dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade presumem-se verdadeiros.
II. Competiria à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos requisitos para que legitimamente pudesse lançar mão das correcções aritméticas à matéria tributável (neste sentido, vide o Acórdão do STA de 17/04/02, proferido no Recurso n° 26635).
III. Prova que salvo melhor opinião, a Administração Tributária não fez, pelo que a douta Sentença recorrida ao ter decidido em sentido oposto, padece de erro de julgamento, não podendo desde logo, permanecer na ordem jurídica.
IV. A Inspecção Tributária actua adstrita ao princípio do inquisitório e da verdade material (artigos 58° da LGT e 6° do RCPIT).
V. Devendo reconstituir em termos formais e substantivos a verdade sobre a situação tributária dos contribuintes, pelo que deveria ter analisado todos os elementos disponíveis, e não só aqueles que superficialmente foram analisados.
VI. A Administração Tributária desrespeitou integralmente o princípio do inquisitório, já que omitiu o seu dever de averiguar em rigor, os pressupostos de facto de que depende a tributação.
VII. Se a Administração Tributária pretendia obter documentos fiscalmente relevantes que não constavam na contabilidade, deveria ter notificado a recorrente (artigo 113° n° 2 e 3 do RGIT).
VIII. Notificação essa a realizar na pessoa dos gerentes da sociedade e com o formalismo próprio, cujo regime legal em caso algum admite notificações verbais (artigo 38° do CPPT).
IX. Bem como, ter indagado junto do vendedor da efectiva realização da operação em causa, tanto mais que consta de elementos contabilístico-administrativos coincidentes se cruzados, em poder da Herdade ………….., Monte ………………, ………………… e Santo …………….., o que não foi feito (neste sentido, vide, o Acórdão do STA de 21/10/2009, proferido no Recurso n° 0583109).
X. Mal andou assim a Administração tributária ao não desenvolver as diligências necessárias à comprovação dos pagamentos em causa, designadamente junto do destinatário dos pagamentos, o que inquinou a liquidação, pelo que a douta Sentença recorrida ao manter a liquidação impugnada, não pode permanecer na ordem jurídica.
XI. Em sede de IRC, o facto de uma dada transacção se não encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, não preclude a dedutibilidade do custo, pois que admite a prova da existência e principais características da transacção através de qualquer meio (neste sentido, vide, o Acórdão do TCA SUL de 01/06/2010, proferido no recurso n° 03982/10).
XII. As notas internas constantes nos vendedores e os cheques comprovada mente pagos aos destinatários, com saída das respectivas contas bancárias, são inequivocamente elementos que compaginados, se afiguram suficientes para que possam ser aceites como custos fiscais as aquisições de cortiça na quantia de 25.000.000$00.
XIII. Assim, a douta Sentença recorrida ao considerar que os custos em causa não devem ser aceites para efeitos de dedução ao lucro tributável, preconizou uma errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que padece de erro de julgamento, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.
XIV. Da prova carreada para os autos resulta uma dúvida fundada, sobre a quantificação do facto tributário.
XV. Os resultados obtidos na determinação da matéria tributável, foram relevantemente contrariados com argumentos que, suscitando fundada dúvida sobre a quantificação dos factos tributários em análise, determinavam obrigatoriamente a anulação do acto tributário de liquidação.
XVI. Assim, a douta Sentença recorrida ao manter a liquidação impugnada, preconizou uma errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que padece de erro de julgamento, não podendo em consequência, também pelo ora exposto, permanecer na ordem jurídica.

Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso interposto ser julgado procedente, pelas razões expendidas, e em consequência, revogada a douta Sentença recorrida, com todas as consequências legais daí advindas.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a ora recorrente não dispor do competente documento comprovativo do custo atinente, desconsiderado pela AT.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a AT logrou cumprir o ónus probatório que sobre impendia em ordem a desconsiderar o custo contabilizado de 25.000.000$00 declarado pela ora recorrente na respectiva declaração de rendimentos, relativo à aquisição de cortiça, no exercício de 2001; E se em sede de recurso é de conhecer de questão nova que também não seja de conhecimento oficioso.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1- Os serviços de inspecção tributária procederam a uma acção de inspecção à sociedade Fernando ……………………, ………………….., SA., em sede de IVA e IRC dos exercícios de 2000 e 2001 (como consta de fls. 5 do relatório de inspecção em apenso).
2- A actividade exercida pela impugnante consiste na transformação de cortiça que adquire em bruto no mato, a intermediários e/ou a outros industriais, que depois de cozida e separada pelos diversos calibres é vendida tanto para o mercado nacional como para o mercado comunitário (Espanha) (cfr. fls. 6 do relatório).
3- Os serviços de inspecção verificaram que no exercício de 2001, o contribuinte contabilizou na conta "compras" e consequentemente em CMVMC o montante de 25.000.000$00 (€ 124.699,47) sem documentos comprovativos, tendo sido registado na contabilidade da impugnante por contrapartida da conta "caixa" (cfr. fls. 13 e 53 do relatório apenso).
4- Os serviços de inspecção procederam a correcções ao lucro tributável de IRC relativamente a custos não documentados referentes a compras e despesas de deslocação e custos não indispensáveis para o exercício da actividade no total de € 1.745,70 e € 138.171,42 nos exercícios de 2000 e 2001 respectivamente (cfr. fls. 1/verso do relatório de inspecção em apenso).
5- Foi ainda considerado como despesas não documentadas o montante de € 136.147,95 de que resultou imposto em falta no exercício de 2001 no valor de € 68.073,98 (cfr. fls. 1/verso do relatório de inspecção).
6- O relatório de inspecção inclui o anexo 15 constituído por 22 folhas, tendo sido elaborado um quadro referente a "Relação dos valores contabilizados em 2001, na conta 62.2.27.1 - deslocações de órgãos sociais, de valor superior a 100.000$00" no qual estão manuscritos à margem os seguintes valores: 86.130$00, 200.000$00 e 119.540$00 (cfr. teor de fls. 97 do relatório).
7- No mesmo anexo, a fls. 98 do relatório os serviços de inspecção mencionaram o seguinte: “(...) O doc. 21 de Esc. 182.875$00, inclui o valor de Esc. 86.130$00, referente a despesas que de acordo com os respectivos documentos de suporte que se juntam em anexo, respeitam a encargos não relacionados com a actividade, pelo que os mesmos não podem ser aceites como custo. (...) No doc. 251 no total de Esc. 643.960$00 estão incluídas quatro facturas de restaurante de Esc. 50.000$00 cada, as quais não possuem qualquer discriminação dos serviços prestados, pelo que as mesmas não podem ser aceites como custos, no total de Esc. 200.000$00, conforme comprovativos que se juntam em anexo. O doc. 32 de Esc. 155.917$00, inclui duas facturas de viagem e hotel no total de Esc. 119.540$00, em nome da empresa Pereira e Sancho, Lda., que se juntam em anexo, pelo que as mesmas não podem ser aceites como custos, nos termos do disposto no n° 1 do art. 23º do CIRC, por se tratar de documentos emitidos em nome de terceiros”.
8- Em 15/07/2005 foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação de IRC do exercício de 2001 de que resultou imposto a pagar no montante de € 130.171,96 (cfr. fls 37 do processo administrativo em apenso).
9- Em 05/06/2006 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa como consta de fls 27 do processo administrativo.
10- A ora impugnante foi notificada da decisão de indeferimento em 20/06/2006 (cfr. fls. 87/88 do processo administrativo).
11- Em 14/7/2006 foi apresentado recurso hierárquico contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 18/24 do processo administrativo).
12- Em 16/05/2008 foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico (cfr. fls. 15 do processo administrativo em apenso).
13- Em 12/06/2008 a ora impugnante foi notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico como consta dos documentos de fls. 33/34 do apenso.
14- Em 19/08/2008 foi apresentada a petição de impugnação de fls. 1/11 dos presentes autos.
15- Em 25/03/1999 foi emitido o cheque n° ………………….. no montante de 5.000.000$00 (cfr. fls. 13).
16- Em 09/09/2000 foi emitido o cheque n° ………………. no montante de 10.600.000$00 (cfr. fls. 14).
­17- Em 30/09/2000 foi emitido o cheque n° …………… no montante de 5.000.000$00 (cfr. fls. 15).
18- Em 12/06/2000 foi emitido o cheque n° ………………….. no montante de 5.000.000$00 (cfr. fls. 16).

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.

Não se mostra provado que os cheques emitidos em 1999 e 2000 cujas cópias foram apresentadas (apenas frente) tenham sido referentes à compra da cortiça em 2001, sendo que, o seu total não corresponde ao valor registado na contabilidade.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que o custo desconsiderado pela AT de € 25.000.000$00 relativo à invocada compra de cortiça não podia ser aceite como custo do exercício de 2001 por não apoiado em documento de suporte do respectivo fornecedor, sendo que os cheques emitidos pela impugnante, para além de serem de data anterior, não perfazem tal montante e nem foi junto a cópia do respectivo verso, desconhecendo-se quem, efectivamente,foi o respectivo beneficiário, pelo que não pode titular o pagamento do respectivo preço.

Para a impugnante e ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra o assim entendido e decidido que vem esgrimir argumentos tendentes a reapreciar a sentença recorrida em ordem a sobre ela emitir um juízo de censura conducente à sua revogação ou alteração, pugnando que a AT não fez a prova necessária para desconsiderar os dados e lançamentos da sua contabilidade, regularmente organizada, que esta desrespeitou o princípio do inquisitório ao não ter providenciado por alcançar os justificativos da compra de tal cortiça em causa e que ocorre a fundada dúvida nessa quantificação, que lhe aproveita e que leva à anulação da liquidação.

Vejamos então.
Como constitui jurisprudência corrente, designadamente deste Tribunal, cabe à AT o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo ao invés, sobre o administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, o que no entanto tem de ser temperado com o princípio da verdade material e, por consequência, com o da oficiosidade da investigação e indagação das provas, que rege o procedimento tributário, por força do disposto nos art.ºs 74.º da LGT (mas que já era entendido anteriormente, por força do disposto no art.º 342.º, n.º1 do Código Civil, enquanto norma que exprime um princípio geral nesta matéria), 55.º e 56.º do RCPIT e 50.º do CPPT, entre outros.

Desta conjugação resulta que o ónus da prova, nos termos antes referidos, não assume uma natureza formal ou adjectiva, mas antes substantiva ou material de que resulta que, apesar de nenhuma das partes ter uma particular incumbência de provar o que quer que seja, a decisão final não pode, no entanto e pela impossibilidade legal de manutenção de um “non liquet” deixar de desfavorecer a parte que se encontrava onerada com a prova dos necessários e relevantes factos.

No caso, tendo em conta que a AT desconsiderou como um custo dedutível em sede de apuramento do lucro tributável o montante de 25.000.000$00, escriturado na contabilidade da ora recorrente, a título de compra de cortiça, mas que não tinha por suporte qualquer documento, que se não encontrava arquivado, tendo sido escriturada tal compra por contrapartida da conta “caixa”, logo sem possibilidade de qualquer controlo, tendo o mesmo sendo sido solicitado ao respectivo técnico de contas aquando dessa inspecção e que o não forneceu, como do relatório da mesma se pode ler – cfr. relatório de fls 1 e segs do PAT apenso – tal ónus não pode deixar de se encontrar cumprido, tendo mesmo a AT, por força do princípio da legalidade que rege a sua actuação, previsto desde logo no art.º 266.º da CRP, de desconsiderar tal montante como um custo, por não documentado, já que por imposição da norma do art.º 41.º, n.º1, alínea h) do CIRC, então vigente (que não 42.º, n.º1, alínea g), como foi invocado no mesmo relatório, mas que tal renumeração só teve lugar pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, vigente para os períodos de imposto de 2002 e segs), a mesma não poderia ao abrigo dessa contabilidade, considerar-se um seu custo fiscal, antes não podia ser dedutível como custo fiscal. Em suma, no caso, tal ónus pela AT, não deixou de ser cumprido, sendo aliás, um caso de fácil preenchimento.

É certo que, nos termos do disposto nos art.ºs 72.º da LGT, 50.º do CPPT e 55.º e 56.º do RCPIT, vigora no procedimento administrativo-tributário o princípio do inquisitório, podendo o órgão instrutor utilizar todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, mas não se pode substituir, por completo, aos deveres de escrituração e de declaração que impendem sobre os contribuintes, como parece pretender a ora recorrente, por força do disposto, entre outros, dos art.ºs 98.º, n.º1, n.º2 e n.º3, alínea a) do CIRC (redacção de então) e 18.º e 29.º do Código Comercial, que impõe aos comerciantes um conjunto de obrigações de escrituração em ordem a dar a conhecer, de forma fácil, clara e precisa, as suas operações comerciais e fortuna.

Perante a falta de documento de suporte dessa operação de compra de cortiça, não se percebe qual poderia ser o documento ou meio de prova que a AT se poderia servir para documentar tal operação, como a mesma veio a invocar na matéria dos art.ºs 14.º a 17.º da sua petição inicial de impugnação judicial e agora repete na matéria da sua conclusão IX, já que essa foi factualidade que nem foi invocada pela ora recorrente aquando do seu direito de audição prévia, que nem exerceu, como do mesmo relatório se pode constatar, e que então a AT pudesse comprovar, tendo também em conta que tal princípio do inquisitório, tem de ser concatenado com outros que em primeira linha impendem sobre o contribuinte, não podendo ter um âmbito irrestrito ou ilimitado como parece defender a ora recorrente, de substituição por completo, às obrigações que recaem sobre os contribuintes, no caso, de escriturar as suas operações com base nos respectivos documentos de suporte.

Tendo a AT cumprido o ónus probatório que sobre si impendia em ordem à desconsideração como custo fiscal da citada verba de 25.000.000$00, relativa à aquisição de cortiça, cabia a partir daqui, à ora recorrente, ter vindo provar que tal verba correspondia à exacta quantidade de cortiça adquirida no exercício desse ano de 2001, subjacente a tal lançamento contabilístico e, se o conseguisse, não obstante tal falta de documento externo dessa operação na sua contabilidade e sem prejuízo da sanção por tal falta, a mesma teria de ser aceite como um seu custo, como tal dedutível no apuramento do lucro tributável, dando primazia à substância em detrimento da forma e em ordem ao apuramento de um lucro real efectivo, como propugna a norma do art.º 104.º, n.º2 da CRP, como nesta parte bem se pronuncia a ora recorrente.

E para este efeito, poderia a ora recorrente ter utilizado todos os meios de prova em direito permitidos, de modo a convencer que, não obstante tal falha do documento de suporte da operação, em regra, a factura emitida pelo vendedor da cortiça, ainda assim a mesma tinha ocorrido e nos exactos termos que a sua contabilidade exprimia, e logo o bem fundado desse lançamento, nos termos do disposto nos art.ºs 108.º e 115.º do CPPT, e, mesmo a prova testemunhal, nos termos do disposto no art.º 392.º do Código Civil, já que esta é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada, o que não fez.

Para este efeito, veio apenas a juntar aos autos com a petição da sua impugnação judicial, a cópia de quatro cheques por si emitidos, todos de data anterior à do presente exercício, com quantias que no seu conjunto não perfazem tal montante de 25.000.000$00, como bem se fundamenta na sentença recorrida, para além de nem sequer terem sido juntas as cópias dos versos dos respectivos cheques, donde resulta ser impossível determinar quem foram os beneficiários das respectivas quantias neles inscritas [ou mesmo, se chegaram sequer a ser entregues aos respectivos destinatários neles inscritos e a descontá-los (em dois deles), porque nos outros dois, são passados ao portador, logo por completo se desconhece a favor de quem foram emitidos, para além de também se não saber quem terão sido os respectivos beneficiários] – cfr. art.ºs 1.º, 5.º, 14.º e segs e 28.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque – pelo que os mesmos, para além da relação cambiária que envolvem, nada provam em relação à sua eventual relação subjacente à sua emissão, desta forma, nada tendo a ora recorrente, no cumprimento do ónus que sobre si impendia, vindo provar quanto à real existência da aquisição de tal importância de cortiça que fez contabilizar pelo citado montante.

O mesmo sendo de dizer, no que a esta verba tange, que tal liquidação se encontra esteada em pressupostos habilitadores do direito à liquidação invocado e utilizado pela AT, com indícios objectivos e fundados, não infirmados por qualquer outra prova posteriormente surgida que viessem a colocá-los em causa, o que é suficiente para desconsiderar tal montante como um custo dedutível para efeitos fiscais, que criaram a convicção de que os mesmos enformam a realidade que visam demonstrar, e nela assentar uma liquidação adicional de IRC, no caso, desde logo por força do disposto nos art.ºs 62.º, n.º2, alínea i) e 63.º do RCPIT e 50.º do CPPT (1), o que acontece no caso, pelo que a respectiva liquidação não pode deixar de se manter, como bem se decidiu na sentença recorrida, que assim é de confirmar.

A ora recorrente, em diversa matéria das suas conclusões do recurso como na sua conclusão XII, vem invocar que outros documentos existem nos autos e que demonstram a ocorrência de tal operação de aquisição de cortiça, porém, da matéria de facto fixada no probatório da mesma sentença nada a tal respeito consta e nem a mesma veio invocar o errado julgamento de tal matéria ao abrigo do disposto no art.º 685.º-B do CPC (redacção actual introduzida pelo Dec-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, já vigente e a aplicável), como a lei lhe impõe, em ordem a sindicar tal julgamento feito sobre a matéria de facto, tendo mesmo quanto aos cheques, sido tal matéria dada expressamente como não provada, para além de que, dos autos, nenhuma nota interna vislumbramos que nos permita, oficiosamente, ao abrigo do disposto no art.º 712.º, n.º1 do CPC, dar tal operação como tendo sido realizada, nos termos em que da sua contabilidade constava, pelo que tal matéria invocada nessas conclusões, não encontra qualquer eco com a factualidade dada como provada no probatório da sentença recorrida e nem com qualquer prova que dos autos constem.

Também não faz qualquer sentido a ora recorrente vir esgrimir com as normas dos n.ºs 2 e 3 do art.º 113.º do RGIT – cfr. matéria da sua conclusão VII – quanto à notificação para apresentação da escrita ou de obter documentos, já que a notificação que aí está em causa apenas tem relevo e é exigida para efeitos do cometimento da contra-ordenação dolosa de recusa de entrega, exibição ou apresentação de escrita e de documentos fiscalmente relevantes, como da epígrafe do mesmo artigo se pode ver, nada tendo que ver com o presente caso, em que perante uma operação escriturada mas não apoiada no competente documento de suporte externo, foi pela AT desconsiderada como dedutível em custo fiscal, agindo vinculadamente, ao abrigo de norma que expressamente o determina.

Na matéria das suas conclusões XIV e XV, vem ainda a ora recorrente esgrimir com a dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário, mercê desta existir sobre a citada verba desconsiderada, questão que, não foi articulada na sua petição inicial de impugnação e nem conhecida na sentença recorrida, sendo por isso uma questão nova, logo fora do âmbito do objecto do presente recurso, por também não ser de conhecimento oficioso, onde contudo, sempre não poderá deixar de afirmar-se que, face à análise da prova (não) produzida, tal quantificação não encerra qualquer dúvida fundada merecedora da aplicação do disposto no art.º 100.º do CPTT, pelo que igualmente improcede o recurso enquanto ao arrimo desta matéria.


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,22 de Novembro de 2012
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pereira Gameiro



(1) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 17-5-2006, recurso n.º 422/06-30.