Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:41/17.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:AUDIÇÃO PRÉVIA
NOVOS ELEMENTOS NO PROCEDIMENTO
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
AS PROVISÕES PARA CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA
PRINCÍPIO DA PRUDÊNCIA
Sumário:I – Os novos elementos introduzidos no procedimento pelo contribuinte, no âmbito da audição prévia são obrigatoriamente tidos em conta na fundamentação da decisão.

II – As provisões para créditos de cobrança duvidosa constituem manifestação do princípio da prudência cuja justificação deve resultar do risco da sua incobrabilidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

N..., Lda, intentou no Tribunal Tributário de Lisboa impugnação Judicial pedindo a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o acto de liquidação adicional n.º 2000 8310..., relativo a Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício de 1996 e respectivos juros compensatórios.

Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa a Impugnação Judicial foi julgada procedente, determinando-se a anulação do acto de liquidação impugnado.

Inconformada a Fazenda Pública recorre dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo tendo, nas suas alegações, apresentado as seguintes conclusões:

«1. Com o devido respeito, que é muito, in casu, deveria ter sido dada maior acuidade ao escopo do vertido nos arts.55º e 58º da LGT; artºs 45º, 46º e 48º do CPPT e artºs 33º, nº1 corpo e alínea a) e art.34º nº1 corpo e alíneas e 2 do CIRC, assim como aos Princípios da legalidade, da Proporcionalidade, da Praticabilidade, da Eficiência, da Adequabilidade, do Inquisitório, da busca da verdade material

2. devidamente condimentados com o teor dos documentos de fls. 18 dos autos: de fls. 268 a 274 dos autos: a Informação oficial de fls. 311 a 312 dos autos, para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO aduzida pelo Recorrido.

3. Nesta senda, o acervo factual dado como assente nos itens 3º, 4°, 5°,6°,7°,8°,9° e 10º do segmento fáctico do aresto a quo, condimentado com a matéria dada como não provada, seriam de per si, bastantes para que o dispositivo da douta sentença recorrida o fosse no sentido da Improcedência da presente lide. Até porque, se mais não for, salvaguardado o devido respeito, entende a Recorrente que o douto Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação dos princípios da descoberta da verdade da material, do inquisitório e do contraditório.

4. Efectivamente, como supra se aludiu, e consta de fls.22 do douto aresto a quo, mormente na fundamentação fáctico-jurídica do douto aresto a quo, foi a falta de colaboração por parte da Impugnante, ou a sua colaboração "deficiente" e "lacunosa" que levou a acção inspectiva a considerar os elementos fornecidos pela Impugnante como imprecisos ou mesmo inexistentes.

5. Resulta do item 3º da matéria dada como assente que o despoletar de muita da divergência, deficiência e incongruência de valores e elementos teve que ver com o facto de a Impugnante ter entregue nova declaração modelo 22, em substituição da originária. E de, juntamente com aquela nova declaração modelo 22, terem sido juntos pela Impugnante novos elementos e um novo mapa modelo 30 a instruir aquela declaração de substituição (cfr. item 4° da matéria dada como assente).

6. Concludentemente, aqueles actos volitivos por parte da Impugnante, preconizadores de uma constante alteração do status quo dos elementos atinentes à vexata quaestio do processo ema preço, levaram a que os serviços inspectivos se deparassem com novas incongruências e incorrecções determinativas de novas correcções e conclusões (cfr. itens 6° a 10° da matéria dada como assente).

7. Aliás foi nesse contexto deficiente que a Inspecção evidenciou as discrepâncias notórias da contabilidade e dos mapas modelo 30 e salientou a incapacidade de essa documentação oferecer comprovação suficiente para poder ser aferida a correcção do invocado acerca das provisões.

8. Em face do sobredito, e como consta vazado no douto aresto a quo (cfr. 3º parágrafo, fls.21, da sentença recorrida,), “Tais criticas, s.m.o., são irrepreensíveis enquanto tomadas na sua objectividade, pois os mapas elaborados ou a própria contabilidade não esmiuçam nem o contencioso de uns créditos, nem nominalmente os indicam, por uma parte nem, por outra, quanto aos créditos em mora, não identificam nominalmente os devedores, ou as datas de vencimento dos créditos, isto para além de que em muitos casos era a própria facturação (e vencimento) que estava omissa, ou seja, o próprio crédito surgia identificado. Veja-se, aliás, nesse sentido, o teor do ofício dirigido à impugnante, consignado na nota 2 inserta na matéria de facto provada a e sua resposta na nota 3 que se lhe segue."

9. Saliente-se que, consta da própria fundamentação fáctico-jurídica do douto aresto a quo que: "Com efeito se a Impugnante não estava correspondendo, mister era que a acção inspectiva, ao abrigo do princípio de procura da verdade material e, inclusive, no respeito por um contraditório que sentido fizesse, instasse então a impugnante a apresentar a concreta documentação tida (e efectivamente) descritiva dos elementos ainda em falta. Ao não o fazer ou, então, ao não procurar ela esses elementos, convertendo a acção inspectiva em acção externa, ofendeu aquele princípio e retirou consequência ao contraditório a que começara por dar cumprimento. E, com isso, subtraiu a possibilidade concreta de serem colmatadas de uma vez por todas as deficiências apontadas à contabilidade - ou de a própria acção inspectiva o fazer recorrendo aos meios que lhe são próprios. Pode argumentar-se que essa demissão teve lugar, precisamente, devido ao que parecia ser uma certa relutância ou então uma incapacidade da impugnante em entregar os elementos em falta (dá até a sensação de que a contabilidade estava a ser corrigida e reelaborada ao mesmo tempo que decorria a acção inspectiva - cfr. notas a respeito da não entrega de documentação e do seu paradeiro, feitas no relatório inspectivo). Inclusive, na medida em que a Impugnante correspondeu ao seu dever de colaboração, fê-lo de forma tão deficiente e lacunosa que parece ter induzido a acção inspectiva a sublinarmente ter os elementos pretendidos por imprecisos ou mesmo inexistentes e, assim, a ter que não havia que procura-los, por ser inútil. Portanto, não há a nosso ver uma alteração de argumentação da acção inspectiva entre o relatório intercalar e o final, sobre o qual a Impugnante pôde e não pôde, respectivamente, pronunciar-se antes de a liquidação impugnada ser elaborada. Há antes uma intelecção por parte da acção inspectiva, propiciada pela própria Impugnante e pelo seu comportamento procedimental, que conduziu a acção inspectiva a entender que a documentação que pedia não era esclarecedora, ou nem sequer existia, ou de todo o modo não teria a virtualidade de colmatar as falhas que observava." - (cfr- fls.22 da douta sentença a quo).

10. Neste pendor, considera a Recorrente, que o douto Tribunal a quo preconizou uma errada interpretação e aplicação das regras do ónus da prova ao caso em apreço. E assim vai dito, porquanto, a Impugnante depois de instada pelos serviços inspectivos para apresentar os elementos e documentação em falta, a verdade é que ela nunca o fez completamente (cfr. 2º Parágrafo de fls. 21 da douta sentença a quo).

11. A Impugnante, foi fazendo, e admitindo essa necessidade, foi alterando declarações e trazendo ao procedimento novos elementos, todavia, não tendo os mesmos a virtualidade de sanar de vez as discrepâncias detectadas.

12. Assim sendo, e atento que era a Impugnante quem melhor estava colocada em situação de fornecer os elementos em falta, e a que melhor era conhecedora dos elementos e factos cujo esclarecimento foi solicitado e era necessário para a Inspecção, era a Impugnante que ao abrigo do dever de colaboração e cooperação (art.55° e 58º da LGT e art. 48 do CPPT) que os deveria ter fornecido e esclarecido de forma completa e verdadeira.

13. Não obstante assim não aconteceu!

14. Aliás, consta da própria fundamentação fáctico-jurídica do douto aresto a quo que, "...as conclusões tiradas no relatório inspectivo final devem-se directamente à falta de colaboração proficiente da própria Impugnante que agora pretende extrair disso consequências em seu beneficio, como num venire contra factum propium, já que se ocorreu como descrito, tal teve lugar depois de instada a apresentar os elementos tidos por necessários e em falta, ao que ela nunca completamente correspondeu..."- (cfr.2º parágrafo de fls. 21 do douto aresto a quo).

15. Malgrado, o respeitoso Tribunal a quo, fez constar do douto aresto recorrido, que a Inspecção "...ao não procurar esses elementos, convertendo a acção inspectiva em acção externa, ofendeu aquele princípio e retirou consequência ao contraditório a que começara a dar cumprimento. E, com isso, subtraiu a possibilidade concreta de serem colmatadas de uma vez por todas as deficiências apontadas à contabilidade... -(cfr.3º parágrafo de fls. 21 do douto aresto a quo).

16. Ora, o supra asseverado pelo douto Tribunal a quo, atentas todas as vicissitudes factuais que envolvem o caso vertente, mais ainda as que foram dadas como assentes e as consideradas como não provadas, levam-nos a considerar que o propugnado e vaticinado na douta sentença recorrida constitui um ónus excessivo que se pretende imprimir e imputar aos serviços da Inspecção, atento o desenvolvimento da factologia constante dos autos e do segmento fáctico do douto aresto a quo.

17. Efectivamente, sabia a Impugnante quais os concretos elementos e documentos que teria que entregar para colmatar as deficiências e discrepâncias detectadas pela Inspecção, todavia, não o fez de forma completa e esclarecedora como o determina o artº48º, nº 2 do CPPT.

18. É sabido, milita o dever de colaboração que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento. Não obstante, tal dever não foi respeitado pelo Recorrido, ou pelo menos, não o foi, nos termos para tanto exigíveis no caso sub judice.

19. Posto que, atendo o principio da auto-responsabilidade pelos actos das partes no processo e/ou procedimento, as próprias regras do ónus da prova aplicáveis, mutatis mutandis no âmbito do procedimento Tributário, uma vez não cumprido de forma completa e verdadeira o seu dever de colaboração para com a entidade Impugnada, ter-se-ão que aplicar as regras da inversão do ónus da prova.

20. O asseverado pelo respeitoso Tribunal a quo, não se deverá aceitar, porquanto tal significaria que de cada vez que o contribuinte não se preocupasse em dar cumprimento ao seu dever de colaboração com a Inspecção, no âmbito de um procedimento de inspecção tributária, ou pelo menos, não lhe dando cabal e exigível colaboração,

21. tal vicissitude significaria que, ainda assim era a AT que teria que converter uma acção de inspecção em acção externa!

22. O mesmo que dizer, que apesar de a falta ser imputável ao impugnante, por não dar guarida a um dos principais deveres a que está adscrito no âmbito do procedimento tributário, e depois de a entidade impugnada ter feito o mínimo exigível de actividade procedimental (sendo a impugnante a melhor colocada para fornecer os elementos em falta),

23. ainda é à entidade impugnada que se lhe exige uma conversão de um processo de acção inspectiva em acção externa... Com os custos que lhe estão inerentes, com a deslocação de funcionários, e sem se saber do êxito de tal diligência, aliás, tal, também não foi referido nem sopesado pelo respeitoso Tribunal a quo, apesar de o sugerir.

24. Nem refere de que forma é que uma eventual acção externa solucionaria o inadimplemento imputável à Impugnante no caso e concreto.

25. Em bom rigor, e salvo o devido respeito por opinião diversa, o vaticinado pelo respeitoso Tribunal a quo, não tem correspondência com o princípio da proporcionalidade, da eficiência, da praticabilidade e simplicidade de meios.

26. E mais ainda, atendendo a que a entidade impugnada labora, reiterada e invariavelmente, num sistema de procedimentos e processos em MASSA, tendo como desígnio o interesse público que ela prossegue. E aquele interesse público, tem também inerente o evitar a criação de facilitismos injustos a cargo do erário público {com a multiplicação de processos de conversão de acções inspectivas em acções externas, na plêiade de situações análogas à do caso vertente.)

27. Como é sabido, emerge do brocardo latino "Dormientibus non succurrit jus", que o direito não socorre os preguiçosos...

28. Sendo que, no caso em concreto, o direito não pode beneficiar a inactividade ou actividade defeituosa do Impugnante no âmbito do procedimento em referência, demitindo-se aquele, de forma não permitida do seu dever de colaboração para com a entidade Impugnada nos termos exigíveis pelo art.48º nº 2 do CPPT.

29. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, devidamente conjugada com os elementos constantes dos autos, mormente do acervo probatório documental (entre outra, as informações oficiais supra aduzidas) que foi apurado e sindicado, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ao caso vertente.

30. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito aos factos dados como assentes, nos termos supra explanados, assim como não considerou, nem valorizou, como se impunha a documentação supra mencionada, o que consubstancia erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!»

Notificada da admissão do recurso, a Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.




II – Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida (cf. artigo 639.°, n.° 1, do Código de Processo Civil) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.°, n° 2 do Código de Processo Civil) esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.° 3 do mesmo artigo 635.°). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir, desde logo, se a sentença recorrida padece de:

i) errada valoração da prova por resultar dos documentos constantes dos autos conclusão diversa;

ii) erro de julgamento de direito por violação do princípio da colaboração, da auto-responsabilização e errada interpretação e aplicação das regras do ónus da prova.

iii) erro de julgamento de direito ao atribuir um ónus excessivo à administração tributária quando lhe imputa o dever de convolar a acção inspectiva em acção externa em violação dos princípios da proporcionalidade, da eficiência, da praticabilidade e simplicidade de meios e subsidiariamente dos princípios da descoberta da verdade material, do inquisitório e do contraditório.


III - Fundamentação de facto


A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz:

1. A Impugnante, N..., L.dª [ACE 52463 - comércio a retalho de materiais de construção], foi objeto de uma ação inspetiva, iniciada em 16 de junho de 1999, por meio de análise interna à sua declaração para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, modelo 22, relativamente ao seu exercício de 1996, a qual havia sido por ela entregue no dia 2 de junho de 1997.

2. No decurso de tal procedimento, na sequência de notificação da segunda metade quer do mês de junho [Tratou-se de ofício de 16 de junho, com um pedido de esclarecimentos sobre a razão de ser da diferença entre o valor da Conta de Clientes de Cobrança Duvidosa [75.731.000$00] e o das Provisões para Cobranças Duvidosas [76.886.000$00], que foi respondido pela Impugnante a 21 de julho de 1999 ficar a dever-se a erro na declaração originária no quadro 30, linhas 13 e 14, enviando então correção, em que o valor dos clientes de cobrança duvidosa é de 78.550.000$00 e o valor de Clientes conta corrente corrigido é de 152.539.000$00] e [Nesse mesmo oficio, com o pedido de esclarecimentos foram igualmente pedidas à Impugnante relações discriminadas de créditos em mora e de créditos em contencioso, com o número das faturas, data, nome e número de identificação fiscal do cliente, prova das diligências de cobrança/processo judicial em curso. Esses elementos não foram enviados pela Impugnante até à elaboração do relatório a que se reportam os pontos 5.ss.], quer da segunda metade do mês de agosto [Por este oficio, de 20 de agosto, foi reiterado o pedido dos elementos referidos na nota anterior, vindo a Impugnante a entregar em três momentos diversos fotocópia das faturas, extratos de contas, cartas a reclamar os créditos e «processos em conten:ioso»] sempre de 1999, procedeu a Impugnante a determinados esclarecimentos, vindo a ser notificada na segunda metade de setembro de 1999 para ser ouvida sobre o projeto de correções entretanto elaborado.

3. Entretanto, no dia 20 de setembro de 1999 a Impugnante entregou nova declaração modelo 22, em substituição da originária.

4. E em 30 de setembro de 1999 a Impugnante apresentou a sua posição acerca daquele projeto de correções, que instruiu com aquela declaração de substituição e com um novo mapa modelo 30, para além de outros elementos.

5. Debruçando-se sobre o tema em análise, mas partindo destes novos elementos, os serviços inspetivos consideraram que havia sido suprimida uma incorreção respeitante a reintegração de imobilizado corpóreo, que à Impugnante havia sido indicada como incorretamente inscrita na declaração originária.

6. Contudo, no que tange a outra das incorreções que lhe haviam sido apontadas, respeitante a provisões para créditos de cobrança duvidosa, os serviços inspetivos consideraram que a alteração de valores no quadro 30 da declaração de substituição
a. linha 13 -clientes conta corrente, e
b. linha 14 - clientes de cobrança duvidosa,
não casavam com as alterações também introduzidas no novo balancete, ou no novo mapa 30, ou na discriminação dos clientes/valores apresentadas, com base nos seguintes elementos:
declarações modelo 22
Rubrica
declaração originária
(2 de junho 1997)
declaração de substituição
(21 de julho 1999)
declaração de substituição (20 de setembro 1999)
clientes conta corrente
linha 13
155.358.568$00
152.539.361$00
143.018.779$00
clientes cobrança duvidosa
linha 14
75.73 1.469$00
78.550.676$00
88.071. 258$00
provisões cobrança duvidosa
linha 19
(76.886.055$00)
(76.886.055$00)
(76.886.055$00)
Estado
linha 17
803.927$00
803.927$00
803.927$00
total
linha 20
155.007.909$00
155.007.909$00
155.007.909$00

declaração de substituição modelo 22 v. balancete de substituição
Rubrica
declaração de substituição
(20 de setembro 1999)
balancete
(20 de setembro 1999)
diferenças
Bancos
74.242.109$00
--
--
títulos negociáveis
2.814.260$00
76.166.768$00
--
Soma
77.056.369$00
76.166.76$50
+889.601$00
Clientes
231.090.037$00
232.384.907$00
-1.294.870$00
Estado
(15.984.234$00)
(16.389.503$00)
+405.269$00
mapas modelo 30
Rubrica
mapa originário
mapa de substituição (20 de setembro 1999)
provisões créditos em contencioso
31.422.201$00
31.474.868$00
provisões mora no pagamento
8.710.672$00
8.658.005$00
total
40.132.873$00
40.132.873$00
declaração de substituição modelo 22 v. mapas modelo 30
Rubrica
mapa modelo 30
e declaração originários
mapa modelo 30 declaração substituição
(20 de setembro 1999)
provisões créditos em contencioso
68.175.383$00
68.228.050$00
provisões mora no pagamento
10.375.293$00
19.843.208$00
total
78.550.676$00
88.071.258$00

7. Em face dessas discrepâncias, no relatório final, de 8 de outubro de 1999, argumentou que a prova da incobrabilidade tem de ser feita com base no Balancete Analítico e/ou no extrato das respetivas contas 218 [clientes cobrança duvidosa], para cuja aferição é insuficiente tanto o Balancete Geral como a declaração para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (porque a conta 21 - conta clientes é agregada).

8. Argumentou ainda que a prova [do crédito e] da pendência da mora ou do contencioso tem de ser feita pelos documentos ao crédito relativos e às diligências de cobrança, ou sobre a pendência do respetivo contencioso.

9. E, assim, concluiu-se ali que dos elementos apesar de tudo entregues [discriminação clientes/valores do novo mapa modelo 30, e demais elementos entregues até 17 de setembro de 1999 (faturas, cartas, extratos e processo em contencioso)], não havia mais razões para que continuasse a haver uma secção/conta de créditos de "outros [clientes de cobrança duvidosa]" inidentificados, pelo que o seu valor continuava a não ser fiscalmente atendível [para a constituição de provisões para acautelar a sua eventual não cobrança].

10. Deste modo, com base no novo mapa modelo 30, como única fonte oficial elaborada pela Impugnante sobre a identificação dos valores/clientes (de alguns, pelo menos), o relatório propôs a desconsideração como custo, por não justificado, do valor das provisões em causa no montante de 6.434.878$00, na parte referente a créditos em contencioso, e no de 5.976.805$00, na parte relativa a créditos em mora, valores estes que assim acresciam ao lucro tributável da Impugnante [que, dos declarados 10.863.806$00, passava assim para 23.275.489$00].

11. Elaborado documento de apuramento e aprovadas que foram aquelas correções, a Administração Tributária viria a elaborar à Impugnante, já em 5 de abril de 2000, a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de 1996 com o nº[2000]8310..., da qual resultou [compensada que foi com a liquidação originária] uma dívida a título de imposto, derrama e juros compensatórios num valor global de 6.191.857$00/€30.884,85, com prazo de pagamento com termo a 7 de junho de 2000; foi também nesse mês que a Impugnante foi notificada do relatório inspetivo.

12. Não tendo a Impugnante satisfeito a liquidação naquele prazo, viria a ser instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 8 o processo executivo com o nº3107-00/104639.0, em 11 de agosto de 2000, para cobrança coerciva daquela dívida.

13. No âmbito dessa execução a Impugnante viria a pagar a dívida, bem como o respetivo acrescido, no dia 31 de outubro de 2001.

14. Contudo, já no dia 5 de setembro de 2000 a Impugnante reclamara graciosamente daquela liquidação, procedimento a que coube o n°3107-00/400344.6 no mencionado Serviço de Finanças, o qual não chegou a ser tramitado, muito menos decidido.

15. E não o foi, nomeadamente até 5 de março de 2001, data em que a Impugnante apresentou a petição na origem dos presentes autos.

16. De acordo com o mapa modelo 30 reformulado pela Impugnante, acima referido, são os seguintes os clientes/créditos da Impugnante, no valor de 6.434.878$00, não aceites pela ação inspetiva como justificadamente provisionados em créditos para cobrança duvidosa em 1996 -créditos em contencioso:
I...
      1.391.816$00
Processo
S...
      2.058.749$00
Processo
E...
      1.147.000$00
Processo
Outros
      1.837.313$00
Processo
e, Outros corresponde, por sua vez, a:
Q... –E…, S. A.
231.026$00
Ação declarativa de condenação no Tribunal Cível da comarca de Lisboa
T... – P…, S. A.
46.046$00
Justificação e Reclamação de Créditos no processo especial de falência nº1107/* do 11º Juízo Cível da comarca de Lisboa de 2 de maio de 1995
S...
383.325$00
Pedido cível enxerto no processo comum singular A2-235/96.4TAOER - Juízo Criminal da comarca de Oeiras em 24 de outubro de 1996
J...
88.196$00
Queixa-crime por emissão de cheque sem provisão em 10 de outubro de 1996
J..., Lda
154.801$00
Injunção de 11de setembro de 1996 no Tribunal de Pequena Instância Cível da comarca de Lisboa
J...
204.043$00
Queixa-crime por emissão de cheque sem provisão em 21 de fevereiro de 1996 -Tribunal da comarca de Oeiras
F... – C…, L.da
259.296$00
Ação declarativa de condenação nº1510 no 5° Juízo Cível da comarca de Lisboa; execução sumária nº1861/96
E… E…, L.da
52.474$00
Execução sumária de 27 de novembro de 1996 no Tribunal Cível da comarca de Lisboa; injunção de 11 de setembro de 1996; injunção 4537/96 no Tribunal de Pequena Instância Cível da comarca de Lisboa
U…- Material Eléctrico, Lda
217.773$00
Ação declarativa de condenação de 22 de agosto de 1996 no Tribunal Cível da comarca de Lisboa;
E…- T…, L.da
297.030$00
Ação declarativa de condenação de 11 de Setembro de 1996 no Tribunal Cível da comarca de Lisboa
17. E, de acordo com o mapa modelo 30 reformulado pela Impugnante, acima referido, são os seguintes os clientes/créditos da Impugnante, no valor de 5.976.805$00, não aceites pela ação inspetiva como justificadamente provisionados em créditos para cobrança duvidosa em 1996 -créditos em mora:
N...
1.480.812$00
Faturado e interpelada para cumprir em 17 de dezembro de 1996 (falta de fatura e de diligências para cobrança)
S...
1.480.812$00
Faturado e interpelada para cumprir (falta de fatura e de diligências para cobrança)
Outros
4.905.963$00
(inelegibilidade por inidentificação)
25%
1.892.880$00
e, Outros corresponde, por sua vez, a:
A...558.188$00Interpelação para cumprir de 18 de julho 1996
A...
79.933$00
Interpelação para cumprir de 20 de dezembro 1995
A...
16.031$00
Interpelação para cumprir de finais de 1996
C… - S…
282.287$00
Interpelação para cumprir de finais de 1996
D… - I…, L.da226.690$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
F… - I…, L.da621.159$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
F...
85.343$00
Interpelação para cumprir de finais de 1996
J...133.568$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
J…, L.da681.361$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
J…177.178$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
M…470.538$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
M…- S…, Lda113.976$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
O…- E…, Lda462.870$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
S…- S…, Lda580.870$00Interpelação para cumprir de 26 de outubro de 1996
S…- S…, Lda415.984$00Interpelação para cumprir de 11 de outubro de 1996
total4.905.963$00
25%1.226.491$00
A…
171.393$00
(falta de fatura e prova de diligências para cobrança)
Outros
813.625$00
(inelegibilidade por inidentificação)
50%
492.508$00
e, Outros corresponde, por sua vez, a:

A…263.496$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
A…
25.377$00
Interpelação para cumprir de 14 de outubro de 1996
C… - P…, Lda
77.130$00
Interpelação para cumprir de finais de 1996
D… - I…, L.da
73.961$00
Interpelação para cumprir de finais de 1996
F…, Lda53.185$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
J…128.129$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
M…, L.da
156.434$00
Interpelação para cumprir de 11 de outubro de 1996
O…- E…, L.da17.611$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
S... - Instalações Especiais, L.da18.302$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
S… - S…, L.da415.984$00Interpelação para cumprir de 11 de outubro de 1996
total813.625$00
50% 406.813$00
Outros
310.483$00
(inelegibilidade por inidentificação)
75%
232.862$00
e, Outros corresponde, por sua vez, a:

F…, Lda37.800$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
Construções S…, L.da77.401$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
C… - P…, Lda195.282$00Interpelação para cumprir de 11 de outubro de 1996
total310.483$00
75% 232.862$00
Á…1.808.660$00(falta de fatura e prova de diligências para cobrança)
A…1.500.000$00Letra protestada por não pagamento em 8 de abril de 1996 (falta de fatura e prova de diligências para cobrança)
Outros
49.895$00
(inelegibilidade por inidentificação)
100%
3.358.555$00
e, Outros corresponde, por sua vez, a:

A…23.245$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
M…, L.da26.650$00Interpelação para cumprir de finais de 1996
Total e 100%49.895$00

Consta ainda da mesma sentença que «Não há outra matéria provada relevante para a apreciação da causa. E, com essa pertinência, não resultou já provado:
1. Relativamente ao mapa modelo 30 reformulado pela Impugnante, referido na matéria de facto provada, do quadro do ponto 16. da matéria julgada provada, quais os processos que se constituíam como o contencioso relativo à declaração ou cobrança dos créditos provisionados como créditos para cobrança duvidosa em 1996 - créditos em contencioso:
I...
      1.391.816$00
Processo?
S...
      2.058.749$00
Processo?
E...
      1.147.000$00
Processo?

2. E, de acordo com o mapa modelo 30 reformulado pela Impugnante, referido na matéria de facto provada, quais as faturas da Impugnante e diligências para cobrança por si desenvolvidas relativamente aos seguintes clientes/créditos da matéria de facto provada, sob o ponto 17., não aceites pela ação inspetiva como justificadamente provisionados em créditos para cobrança duvidosa em 1996 - créditos em mora:

provisão de 50%
A…
171.393$00
(falta de fatura e prova de diligências para cobrança)
provisão de 100%
Á…1.808.660$00(falta de fatura e prova de diligências para cobrança)

Não há outros factos não provados com a referida pertinência.
O Tribunal formou a sua convicção através da análise do teor do processo administrativo e da reclamação apensa, que contêm os elementos do procedimento inspetivo, documentos de correção, em conjugação ainda com a liquidação impugnada, de fls.18 e de fls.268-274 destes autos. Tal arrimo probatório, de resto comprovando factos consensuais, serviu de suporte aos factos elencados sob os pontos 1.-11. Da matéria julgada provada. O consignado nos pontos 12.-13. resulta, especificamente, de fls.38-41 do processo administrativo e da informação oficial prestada a fls.311-312 destes autos. É de novo da reclamação graciosa e da petição inicial destes autos que se extraiu o consignado sob os pontos 14.-15. da matéria de facto provada. O teor do que foi consignado sob os pontos 16.-17. (sob as restrições que lhe empresta a matéria julgada não provada) resultou da análise de toda a documentação apresentada pela Impugnante na reclamação graciosa e, depois, novamente nestes autos, onde faz fls.61-63 e fls.64- 156 [ponto 16. e seguindo a sequência dos respetivos quadros] e fls.170-208, fls.209-229, fls.235- 241 e fls.230-234 [ponto 17. e seguindo a sequência dos respetivos quadros], que se seguiu por maior facilidade, respeitando tal ou à identificação do contencioso, ou às diligências de cobrança, em qualquer dos casos sempre com a devida faturação atinente (salvo os casos referidos na matéria de facto não provada).
Na medida em que a fidedignidade de tal documentação não foi posta em causa, nem dúvidas suscita acerca da sua correspondência com os originais, mereceu ser suporte demonstrativo dos factos nela contidos, nos termos em que lho reconhecem os arts.373ºnºl, 374º e 376ºnºl do Código Civil, quanto à documentação de origem privada e, a proveniente da própria Administração Tributária ou dos processos judiciais, em face do que estatuem os seus arts.369º nº1, 371ºnº1, em conjugação, ainda, com a força probatória que àquela reconhece o art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Os factos julgados não provados mereceram esse juízo negativo quanto à sua verificação, precisamente, por não resultarem plasmados naquela documentação por fim oferecida pela Impugnante.».

IV – Da apreciação do recurso


A Fazenda Pública não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida pela ora recorrida, anulou a decisão tácita da reclamação graciosa, bem como a liquidação impugnada, por «violação do princípio da descoberta da verdade material e do inquisitório, estabelecido aquele especificamente no art. 6° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, este no art.58º da Lei Geral Tributária».

A recorrente insurge-se contra a sentença imputando-lhe a verificação de erro de julgamento de facto por «errada valoração da prova (documental) produzida e consequentemente da factualidade considerada assente», o que resulta da análise do corpo das alegações.

Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, conforme se extrai das conclusões e alegações de recurso constata-se que a recorrente não especificou, nem concretizou, quais os factos que considera incorrectamente julgados, conforme era seu ónus, por força do estatuído no n.º 1, do artigo 640.º do CPC.

Não preenchendo o ónus de impugnação da matéria de facto, que sobre ela recaía, por força da referida disposição legal, não pode este Tribunal proceder ao reexame da matéria de facto.

Poder-se-ia inferir que a recorrente pretenderia invocar a insuficiência da matéria de facto como forma de justificar a conclusão a que chega sobe a improcedência da acção. Contudo, nem assim se retira um sentido útil à alegação.

Com efeito, alega a recorrente que da documentação constante dos autos, bem como dos factos assentes deveria o tribunal a quo ter extraído conclusão diversa, julgando a acção de impugnação improcedente, sem explicitar qual o raciocínio em que se sustenta.

Em concreto, alude a recorrente ao «teor dos documentos de fls. 18 dos autos: de fls. 268 a 274 dos autos: a Informação oficial de fls. 311 a 312 dos autos, para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO aduzida pelo Recorrido.»

Ora, em sede de recurso, a impugnação da matéria de facto faz recair sobre o recorrente o ónus de alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa, o que manifestamente não logrou efectuar.

Ainda assim, compulsados os aludidos documentos constatamos que o documento de fls. 18 constitui a notificação da liquidação impugnada. O documento de fls. 268 corresponde à guia de pagamento da referida liquidação de imposto e os restantes (até fls. 274) constituem prints relativos à liquidação de imposto e respectivos juros. A informação oficial de fls. 311 constitui o ofício de resposta, a solicitação do Tribunal, informando que o imposto referente a IRC de 1996 está pago.

Ora, os referidos documentos comprovam a notificação do imposto liquidado e o seu pagamento pela recorrida, factos que constam dos pontos 11 e 13 dos factos assentes, não constituindo os mesmos prova suficiente de que a impugnação devesse ter sido julgada improcedente, só porque ocorreu o pagamento do imposto, como parece pretender a recorrente.

Na verdade, constitui um dos princípios basilares do contencioso tributário actual que o pagamento do imposto não preclude o direito de reclamação ou de impugnação da sua legalidade, conforme resulta do disposto no artigo 9.º, n.º 3 da LGT, já que, por força da referida disposição legal, o pagamento da dívida tributária não preclude o exercício da tutela dos seus direitos, pelo que, se impõe a improcedência quanto ao presente segmento do recurso que nos vem dirigido.


*

Prossegue a recorrente sustentando que «o acervo factual dado como assente nos itens 3º, 4°, 5°,6°,7°,8°,9° e 10º do segmento fáctico do aresto a quo, condimentado com a matéria dada como não provada, seriam de per si, bastantes para que o dispositivo da douta sentença recorrida o fosse no sentido da Improcedência da presente lide. Até porque, se mais não for, salvaguardado o devido respeito, entende a Recorrente que o douto Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação dos princípios da descoberta da verdade da material, do inquisitório e do contraditório.

Os factos provados identificados pela recorrente correspondem ao conteúdo do relatório de inspecção traduzindo a observação e apreciação efectuada pelos técnicos que levaram a efeito a acção de inspecção, pelo que, só por si, sem mais, são insuficientes para concluir em sentido diverso ao que se chegou em primeira instância, impondo-se apreciá-los em conjunto com as demais provas que constam dos autos.

No fundo, a recorrente considera que o Tribunal a quo errou na apreciação que fez da prova produzida, ao julgar que as conclusões finais do relatório são justificadas pela falta de colaboração ou deficiente e lacunosa colaboração prestada pela recorrida, uma vez que os mapas elaborados ou a própria contabilidade não esclareciam nem o contencioso de uns créditos, nem identificavam os devedores, noutros casos faltou a própria facturação. Para depois concluir que, se a recorrida não correspondeu ao solicitado impunha-se, no âmbito da acção inspectiva, ao abrigo do princípio da procura da verdade material e do respeito pelo contraditório, que a AT instasse a impugnante, ora recorrida, a apresentar a concreta documentação descritiva dos elementos em falta.

A questão assim colocada parece conduzir à conclusão de que existe contradição na fundamentação da sentença recorrida.

Contudo, importa ter presente, em primeiro lugar, que na decisão recorrida alude-se que ocorreu falta de colaboração proficiente, que a colaboração foi deficiente ou lacunosa, não se conclui que ocorreu falta de colaboração da recorrida tout court, como alega a recorrente.

Por outro lado, importa salientar que aquela fundamentação, destacada pela recorrente como sendo incongruente, constituiu o desenvolvimento do raciocínio levado a cabo, pelo juiz a quo, num contexto em que estava a ser apreciada a segunda questão suscitada na petição inicial. A recorrida invocava que o procedimento de inspecção era nulo, por falta de coerência entre a fundamentação do projecto de relatório sobre o qual exerceu o direito de audição e as conclusões constantes do relatório, o que na sua óptica, comprometeria o seu direito de participação, subvertendo o princípio do inquisitório e do contraditório. Foi neste contexto que a fundamentação da sentença recorrida foi gizada.

O segmento da fundamentação em causa é o seguinte:
«Aquando da elaboração do relatório intercalar, sobre o qual a Impugnante se pronunciou, foram-lhe apontadas determinadas pechas e erros na contabilidade objeto de análise na ação inspetiva, relativa a 1996. Já antes diversa documentação subjacente à contabilidade lhe fora pedida, além de elementos da contabilidade propriamente dita, cfr. nota "2" inserta na matéria de facto provada. No âmbito procedimental da própria ação inspetiva ela corrigiu um desses erros e procurou a seu modo corrigir e explicitar o demais - o aqui em causa. Como decorre dos mapas que elaborou e da declaração de substituição que então entregou, não foi com integral sucesso que o fez. Ora, foi nesse contexto deficiente que a ação inspetiva evidenciou as discrepâncias notórias da contabilidade e dos mapas modelo 30 e salientou a incapacidade de essa documentação (para além das discrepâncias) oferecer comprovação suficiente para poder ser aferida a correção do invocado acerca das provisões, na parte em que eram questionadas. A saber, porque em suma não ofereciam:

•identificação de alguns dos créditos e do respetivo contencioso associado a cada um dos que como tal haviam sido provisionados;

•identificação dos créditos/devedores e das diligências para cobrança dos provisionados como em mora; e, ainda e desde logo,

•identificação dos créditos/devedores de alguns dos provisionados como em mora, sucessivamente englobados em "Outros” [devedores, além dos identificados]".
Tais críticas, s. m. o., são irrepreensíveis enquanto tomadas na sua objetividade, pois os mapas elaborados ou a própria contabilidade não esmiúçam nem o contencioso de uns créditos, nem nominalmente os indicam, por uma parte nem, por outra, quanto aos créditos em mora, não identificam nominalmente os devedores, ou as datas de vencimento dos créditos, isto para além de que em muitos casos era a própria faturação [e vencimento] que estava omissa, ou seja, o próprio crédito surgia inidentificado. Veja­se, aliás, nesse sentido, o teor do ofício dirigido à Impugnante, consignado na nota “2"inserta na matéria de facto provada e sua resposta na nota “3" que se lhe segue.
Assim, as conclusões tiradas no relatório inspetivo final devem-se diretamente à falta de colaboração proficiente da própria Impugnante que agora pretende extrair disso consequências em seu benefício, como num venire contra factum proprium, já que se ocorreu como descrito, tal teve lugar depois de instada a apresentar os elementos tidos por necessários e em falta, ao que ela nunca completamente correspondeu. Portanto, é o princípio da verdade material o único que surge ofendido, não tendo objeto consistente de arguição os demais princípios.»

Confrontado com a questão supra identificada, a resposta dada pelo Tribunal recorrido foi no sentido de considerar que, na origem da diferença estavam as alterações que a própria recorrida introduziu, com a apresentação da declaração de substituição, modelo 22, bem como com a junção de novo mapa modelo 30, documentos que determinaram a diferente fundamentação entre o projecto e a decisão final do procedimento inspectivo, pelo que improcede a alegação recursiva.


*

A recorrente imputa ainda à sentença recorrida a verificação de erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação das regras do ónus da prova.

Para tanto, alega que a impugnante, ora recorrida, depois de instada pelos serviços inspectivos a apresentar os elementos e a documentação em falta, a verdade é que nunca o fez completamente.
Na sentença recorrida, sobre a questão, expendeu-se o seguinte: se a AT considerava que os documentos e as declarações apresentados pela recorrida, não esclareciam as dúvidas, impunha-se-lhe que solicitasse esclarecimentos, atentos os princípios que regem o procedimento, sobretudo o princípio da verdade material.

É com esta solução a que chegou o Tribunal a quo, que a recorrente também não se conforma, pois entende que, se a impugnante não correspondeu à solicitação que lhe havia sido dirigida pela AT, prestando a sua colaboração no âmbito da aludida acção inspectiva, não lhe devia ser exigível que, de novo, instasse a impugnante, ora recorrida, a apresentar a concreta documentação em falta, ou procurasse ela mesma esses elementos, muito menos que se lhe impusesse a conversão da acção inspectiva em acção externa, conforme decidiu o Tribunal recorrido. Constituindo tal, um ónus excessivo a cargo da AT.

De acordo com as regras relativas à repartição do ónus da prova prevista no artigo 342.º do Código Civil, bem como no artigo 74.º da LGT (aplicável ao caso, visto que à data da realização da acção de inspecção a LGT já se encontrava em vigor) era à recorrida que cabia o ónus de provar que reunia os requisitos necessários à dedução das provisões que declarara como custo. Assim sendo, não há que fazer apelo ao conceito de inversão do ónus da prova, como alega a recorrente para determinar que era à recorrida que se encontrava atribuído o encargo de comprovar a verificação dos pressupostos em causa.
Percorrendo a sentença recorrida, no segmento relativo à fundamentação, nada resulta em sentido contrário ao que se deixou dito.
Tanto assim é que, o Tribunal, após conceder provimento à impugnação com base em questão que a seguir trataremos, considerou que «igualmente a anulação procederia porque as correções afrontariam diretamente, ainda, o disposto no arts.33ºnºl corpo e alínea a) e 34ºn.ºs1 corpo e alíneas e 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, pois que nesta parte elas se mostram constituídas ou reforçadas de acordo com a lei aplicável.» Mais fazendo consignar que continuam outras provisões constituídas, sem que a prova relativa à verificação dos seus pressupostos tenha sido efectuada pela impugnante.
Donde se conclui que, também quanto à imputação do erro de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação das regras sobre repartição do ónus da prova, a sentença não merece a censura que lhe vem dirigida, improcedendo assim as respectivas conclusões de recurso.

*
A recorrente assaca à sentença recorrida o erro de julgamento de direito por considerar que o Tribunal recorrido não teve em consideração que impendia sobre o recorrido o dever de colaboração o qual não foi respeitado, e atento o princípio da auto responsabilização ter-se-ia que aplicar as regras da inversão do ónus da prova.
Esta questão está relacionada com a questão suscitada noutras conclusões e que importa apreciar e decidir em simultâneo atenta a sua indissociabilidade e que é a de saber se a sentença recorrida errou no julgamento que levou a cabo, relativamente à interpretação e aplicação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da eficiência, da praticabilidade e simplicidade de meios, da adequabilidade, do inquisitório e da busca da verdade material, do inquisitório e do contraditório, estes três últimos alegados subsidiariamente.
Os aludidos vícios imputados à sentença recorrida decorrem da discordância da recorrente quanto à seguinte conclusão a que chegou o tribunal a quo: ao abrigo do princípio da procura da verdade material e por respeito pelo princípio do contraditório, se a recorrida não correspondeu completamente ao que lhe foi solicitado, impunha-se à AT que a instasse a apresentar a concreta documentação descritiva dos elementos ainda em falta, para assim retirar consequências ao contraditório, ou procurasse tais elementos, convertendo a acção inspectiva em acção externa.

A recorrente não se conforma com tal julgamento, pois, «apesar de a falta [de prova] ser imputável ao impugnante, por não dar guarida a um dos principais deveres a que está adstrito no âmbito do procedimento tributário e depois de a entidade impugnada ter feito o mínimo exigível de actividade procedimental (sendo a impugnante a melhor colocada para fornecer os elementos em falta), ainda é à entidade impugnada que se lhe exige uma conversão de um processo de acção inspectiva em externa … Com os custos que lhe são inerentes, com a deslocação e funcionários, e sem se saber do êxito de tal diligência (…) atendendo a que (…) labora (…) num sistema de procedimentos e processos em MASSA, tendo como desígnio o interesse público (…) tem também inerente o evitar a criação de facilitismos injustos a cargo do erário público (com a multiplicação de processos de conversão de acções externas, na plêiade de situações análogas à do caso vertente.».

Se atentarmos na cronologia do procedimento, verificamos que num primeiro momento, em 16 de Junho, a AT solicitou à recorrida esclarecimentos sobre a razão de ser da diferença entre o valor da Conta Clientes de Cobrança Duvidosa que apresentava um valor de 75.731.000$00 e o valor das Provisões para Cobranças Duvidosas cujo montante era de 76.886.000$00. No mesmo pedido de esclarecimentos foi igualmente solicitado à ora recorrida que apresentasse relações discriminadas de créditos em mora e de créditos em contencioso, com a indicação do número das faturas, data, nome e número de identificação fiscal do cliente, bem como a prova das diligências de cobrança/processo judicial em curso (cf. ponto 2 da matéria de facto provada).

A recorrente respondeu a 21 de Julho de 1999 informando que a discrepância se devia a erro na declaração originária no quadro 30, linhas 13 e 14, enviando correção, através de declaração de substituição, em que o valor dos clientes de cobrança duvidosa passou a ser de 78.550.000$00 e o valor de Clientes conta corrente corrigido passou a 152.539.000$00 (cf. pontos 2 e 6 do probatório).

Por ofício de 20 de Agosto, foi reiterado o pedido dos elementos supra referidos vindo a Impugnante a entregar, em três momentos diversos, fotocópia das facturas, extratos de contas, cópias de cartas a reclamar os créditos e de processos em contencioso.

Em Setembro de 1999 foi notificada para se pronunciar sobre o projecto de correções entretanto elaborado e foi nesta fase do procedimento de inspecção que a recorrente procedeu à entrega de nova declaração modelo 22 em substituição da anterior, novo mapa modelo 30, bem como outros documentos, mas não a totalidade.

Com base nos elementos juntos a AT considerou que a recorrida havia feito prova quanto à reintegração de imobilizado corpóreo, concluindo que, quanto a estas, já não se mantinham os fundamentos para a correcção proposta.

No entanto, quanto a provisões para créditos de cobrança duvidosa mantinha-se a existência de provisões cuja justificação não foi comprovada, até à elaboração do relatório, conforme resulta dos pontos 16 e 17 da matéria de facto assente, parte deles apenas comprovada com a junção de documentos de prova com a reclamação graciosa e outra parte com a petição inicial da acção de impugnação a que se reportam os presentes autos.

Não constitui questão controvertida que o projecto de relatório foi objecto de audição prévia. A questão que a recorrente coloca é a de saber se, em face da junção de novos elementos pelo contribuinte, no âmbito da audição prévia, a AT estava vinculada à realização de nova audição, por decorrência do princípio da colaboração, do contraditório e do inquisitório.

A recorrente considera que a sentença recorrida errou na interpretação e aplicação do direito aos factos ao julgar que, perante a falta de colaboração proficiente, ainda assim, se impunha que a AT procurasse tais elementos, convertendo a acção inspectiva em acção externa, em violação, além dos demais princípios já enunciados, dos princípios da proporcionalidade, da eficiência, da praticabilidade e simplicidade de meios.

Vejamos.

O direito de audição prévia procedimental constitui um corolário do princípio da participação dos administrados na formação das decisões que lhe digam respeito visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses e encontra consagração no artigo 267. º, n.º 5, da CRP.

Mais especificamente, o direito de participação dos contribuintes nas decisões que lhes digam respeito, está previsto no procedimento tributário, no artigo 60.º, n.º 1 da LGT e, no caso concreto, concretiza-se antes da conclusão do relatório de inspecção, pela audição prévia [cf. alínea d) da citada norma e artigo 45.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT)]. O direito de audição é exercido sobre um projecto que conterá o sentido da decisão final do procedimento inspectivo (cf. artigo 60.º do RCPIT).

Além do direito de audição prévia, o princípio da participação no procedimento tributário tem outra vertente que constitui o princípio do contraditório (cf. artigo 45.º do CPPT e 8.º do RCPIT) que implica a possibilidade do inspeccionando reagir contra elementos de informação ou documentos recolhidos no âmbito dos actos inspectivos (ao longo da fase de instrução do procedimento inspectivo).

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 60.º do RCPIT que «1 - Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspecionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.»

Ainda com interesse para a apreciação da questão, dispõe o artigo 60.º, n.º 7, da LGT, que, se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, «os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.»

A falta de apreciação dos elementos novos, de facto ou de direito, invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento e não à nulidade do procedimento.

A aplicação da citada norma à factualidade apurada nos autos, conduz-nos à conclusão de que a introdução, pelo contribuinte, de elementos novos no procedimento inspectivo não determinam a renovação a fase de audição prévia, nem a repetição do convite à apresentação de prova dos factos tributários objecto de inspecção. Determinam, no entanto, a vinculação a cargo da AT de os ter em conta na fundamentação da decisão, o que implica a sua análise e apreciação.

Com esta solução visou o legislador conferir coerência ao sistema, na medida em que o procedimento inspectivo é enformado pelos princípios da celeridade e da eficácia, em que, numa fase prévia a AT procede à instrução do procedimento solicitando elementos de esclarecimento e prova sobre os documentos de suporte à contabilidade e sobre o cumprimento das obrigações declarativas e acessórias. Tais elementos serão carreados para o procedimento constituindo o suporte do projecto de decisão consubstanciada no projecto de relatório o qual suscitará a participação do contribuinte.

Ora, a AT solicitou à recorrida que apresentasse um conjunto de documentos destinados a comprovar a verificação dos pressupostos necessários à constituição e provisões e à sua dedutibilidade. Fê-lo por escrito, reiterando o pedido por duas vezes, sem que a recorrida satisfizesse integralmente o solicitado.

Tendo em conta o descrito circunstancialismo podemos extrair diversas conclusões. Considerando as regras da repartição do ónus da prova supra explicitadas, cabia à recorrida efectuar a referida prova solicitada, pelo que, atento o pedido de documentos reiterado por duas vezes, não seria exigível à AT em nome do princípio da colaboração substituir-se à parte na busca dos elementos de prova necessários que deviam constar da contabilidade, a menos que dispusesse ela própria de tais elementos, o que não resulta dos autos. Assim, ocorreu erro de julgamento quando o tribunal a quo sustenta a decisão no dever de procura da verdade material com a extensão propugnada, ao ponto de incumbir à AT o dever de converter a acção inspectiva em acção externa.

No caso dos autos os elementos novos foram objecto de apreciação e tidos em conta na fundamentação dando lugar à redução das correcções que haviam sido projectadas, cumprindo a AT com o estatuído no n.º 7 do artigo 60.º da LGT. Recorde-se que, não só a recorrida não juntou todos os elementos de prova solicitados pela AT, como juntou outros que não constam da notificação, facto que determinou a menção no relatório final de que o balancete geral, por ser agregado não corresponderia ao solicitado, decorrendo tal asserção da apreciação dos elementos novos juntos em sede de audição prévia, conforme resulta do disposto no artigo 60.º, n.º 7 da LGT. Não sendo exigível, naquela fase procedimental, que a AT continuasse a insistir com a recorrida para que juntasse os documentos comprovativos da verificação dos pressupostos da constituição das provisões em causa nos autos, muito menos lhe era exigível que convertesse a acção inspectiva em acção externa.

Aqui chegados, atendo o regime especial de audição prévia no âmbito tributário, é seguro concluir que a apresentação de elementos novos, em sede de audição prévia, determinou a obrigatoriedade de a AT ter em conta esses elementos na fundamentação da decisão, tal como sucedeu, ao considerar certas provisões justificadas, e não a abertura de nova fase de audição e de contraditório. Conforme supra exposto, essa obrigação de ter em conta os elementos novos concretiza-se através da menção e apreciação dos mesmos no relatório final.

No caso que nos ocupa, os elementos novos, com influência no procedimento inspectivo, juntos no âmbito do exercício do direito de audição prévia consubstanciados na declaração de rendimentos de substituição – Modelo 22, bem como do Mapa Modelo 30 e do balancete geral invocando que detectou algumas incorrecções que pretendeu regularizar, foram tidos em consideração.

Além de se fazer expressa menção aos elementos novos, resulta claramente do relatório final que a AT procedeu à apreciação de tais elementos que integrou na fundamentação, cumprindo assim com os ditames previstos no artigo 60.º, n.º 7 da LGT. Na verdade, nas circunstâncias do caso, não se impunham outras diligências para além da apreciação dos novos elementos, pelo que, ao assim não decidir, a sentença recorrida incorreu no apontado erro de julgamento, impondo-se julgar procedentes as presentes conclusões recurso.

Atendendo à procedência do recurso, julga-se prejudicada a apreciação das restantes conclusões de recurso relativas à violação dos princípios supra identificados.

Foi facultado o contraditório, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 665.º, n.º 2 e 3, do CPC, impondo-se agora conhecer em substituição dos demais fundamentos da impugnação que não foram objecto de conhecimento em 1ª instância.

A recorrida procedeu à junção de vários documentos, uns com a reclamação graciosa, outros nos presentes autos tendo em vista a prova da verificação dos pressupostos da constituição de provisões relativas a créditos de cobrança duvidosa, concluindo que a liquidação impugnada é ilegal porquanto a dedução dos correspondentes custos tem suporte em tais documentos.

Vejamos então.

Para efeitos de IRC, consideram-se custos ou perdas, nos termos do artigo 23.º n.º 1 do CIRC, «os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

Nos artigos 33.º e 34.º do mesmo CIRC estabelece-se o regime de constituição das provisões susceptíveis de funcionarem como custos em cada exercício e de serem, por tal motivo, fiscalmente dedutíveis.

Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 33.º que podem ser deduzidas «as que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade».

O n.º 1 do artigo 34.º fornece-nos a definição de créditos de cobrança duvidosa, para cuja cobertura podem ser criadas provisões: «são aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado», devendo para o efeito verificar-se um dos requisitos previstos nas alíneas da citada norma, importando para o caso dos autos as situações previstas nas alíneas b) e c):

«b) os créditos tenham sido reclamados judicialmente;

c) os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.»

A dedutibilidade da provisão, nas percentagens previstas no n.º 2 do artigo 34.º do CIRC, depende do risco de incobrabilidade que se considera verificado nas situações «os créditos tenham sido reclamados judicialmente», sem prejuízo da sua reversibilidade nos termos do n.º 2 do artigo 33.º.

A constituição de provisões visa concretizar os princípios do balanceamento entre os custos e os proveitos e da precaução (cf. POC, ponto 2.9).

Nos termos da alínea c) do artigo 34.º do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos (correspondendo actualmente ao artigo 39.º), para efeitos de constituição da provisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles cujo risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verifica, entre outros, nos casos em que os créditos estão em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuada diligências para o seu recebimento.

Da prova documental junta aos autos, resulta comprovada a verificação dos pressupostos necessários à constituição das provisões respeitantes a créditos de cobrança duvidosa, mais precisamente, relativos a créditos em contencioso, constantes do ponto 16 da matéria de facto, com a restrição decorrente do ponto 1, dos factos não provados.

Ou seja, das correcções efectuadas, relativas a provisões que a impugnante constituiu, relativos a créditos em contencioso, não foi comprovada a existência de processo judicial (por falta de indicação do número do processo judicial e da efectiva propositura da acção) relativamente aos créditos respeitantes a I..., S... e a E....

Em concreto, do total das correcções efectuadas por falta de justificação das provisões constituídas por créditos em contencioso no montante de 6 434 878$00, a Recorrente logrou efectuar a prova da verificação dos requisitos necessários à constituição de provisões relativas a créditos em contencioso no valor de 1 837 313$00, que importa a procedência parcial da impugnação. O mesmo é dizer, que a impugnação deverá ser julgada improcedente, por resultaram não provados os pressupostos necessários à constituição da provisão e, concomitantemente, não pode ser admitida a correspondente dedutibilidade, por falta de prova, relativamente às correcções efectuadas no montante de 4 597 565$00 que se assim se mantêm.

No que se refere a créditos em mora, foram efectuadas correcções no montante total de 5 976 805$00, mostrando-se comprovados os requisitos relativos à constituição da respectiva provisão quanto aos créditos constantes do ponto 17 da matéria de facto com a restrição decorrente do ponto 2 dos factos não provados. Ou seja, da prova produzida, resultaram provados os pressupostos relativos à constituição de provisões constituídas por créditos em mora no valor de 3 996 752$00, pelo que, quanto a tal montante, se mostra procedente a acção. Por seu turno, resultaram não provados, conforme ponto 2 dos factos não provados, por falta de prova da existência do crédito e/ou das diligências para cobrança desenvolvidas pela impugnante, ora recorrida, que assim, não cumprem os requisitos necessários à sua dedutibilidade, as provisões constituídas relativamente ao crédito sobre A. S. Machado no valor de 171 393$00 e sobre Álvaro Ferro no valor de 1808660$00, num total de 1 980 053$00 relativamente às quais a acção deverá improceder.

Da conjugação dos pontos 16 e 17 da matéria de facto apurada, com os pontos 1 e 2 dos actos não provados, resulta comprovada a procedência parcial da impugnação relativamente a correcções no montante de 5 834 065$00 (1 837 313$00 + 3 996 752$00) a que correspondem € 29 100,19, e improcedente quanto às correcções no valor de 6577618$00 (4 597 565$00 + 1 980 053$00) que correspondem a € 32 809,02, correcções que se mantêm.

*

Quanto às custas, a sua responsabilidade deve ser repartida pelas partes na proporção do seu decaimento (cf. artigo 527.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT).

Assim, perante a procedência do recurso, a responsabilidade pelas custas recai sobre a recorrida, contudo, encontra-se dispensada da taxa de justiça, atendendo a que não contra-alegou.

Quanto às custas em primeira instância, são as mesmas repartidas pelas partes na proporção de 47% a cargo da Recorrente Fazenda Púbica, sendo a proporção da responsabilidade da Recorrida nas custas de 53%.

Contudo, atendendo à data da interposição da impugnação judicial, vigorava o Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11/2, em cuja alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º foi consagrada a isenção subjectiva de custas do «Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados».
Apesar de tal isenção ter deixado de ter previsão legal com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 /12, conforme decorre do artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, foram-se sucedendo várias disposição transitória quanto à respectiva aplicação no tempo (cf. artigo 14.º, n.º 1 do DL 324/2003, artigo 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26/2), que mantiveram a referida isenção da Fazenda Pública até à actualidade.

Assim, por força do n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012 de 13/2: «[n]os processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (...), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respetivo processo, a isenção de custas.» pelo que, a Fazenda Pública encontra-se isenta do respectivo pagamento.


IV – Conclusões


I – Os novos elementos introduzidos no procedimento pelo contribuinte, no âmbito da audição prévia são obrigatoriamente tidos em conta na fundamentação da decisão.

II – As provisões para créditos de cobrança duvidosa constituem manifestação do princípio da prudência cuja justificação deve resultar do risco da sua incobrabilidade.


V- Decisão


Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e em substituição, julgar parcialmente procedente a impugnação, anular a liquidação na parte relativa às correcções referentes a provisões constituídas para créditos em contencioso no valor de 1 837 313$00, às provisões constituídas por créditos em mora no valor de 3 996 752$00 e anular os juros compensatórios correspondentes ao imposto anulado.


Custas na proporção do decaimento que se fixa em 53% a cargo da recorrente e 47% a cargo da recorrida, beneficiando a recorrente de isenção subjectiva, sendo a recorrida isenta de taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado.


Registe e notifique.


Lisboa, 14 de Outubro de 2021.



Ana Cristina Carvalho

Lurdes Toscano

Catarina Almeida e Sousa