Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:47/18.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:ATENUAÇÃO ESPECIAL
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DO IMPOSTO
Sumário:I. A contradição entre os fundamentos e a decisão não se configura como nulidade da sentença no âmbito do CPP, mas sim como fundamento do recurso.
II. Tendo a arguida reconhecido a sua responsabilidade e tendo pago voluntariamente o valor de imposto em falta, em momento anterior ao da decisão do PCO, no âmbito do PEF entretanto instaurado, reúnem-se os requisitos previstos no n.º 2 do art.º 32.º do RGIT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso do despacho decisório proferido a 22.06.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa, no qual foi julgado procedente o recurso apresentado por A B….. – ….., Lda (doravante Recorrida, atualmente com a designação social K….., Lda), da decisão de aplicação de coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças (SF) de Lisboa ….., no processo de contraordenação (PCO) a que foi atribuído, na fase administrativa, o n.º 3…..247.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A) In casu, com elevado respeito pelo vaticinado pelo respeitoso Areópago a quo, na humilde perspectiva fáctico- jurídica da aqui Recorrente (AT), deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos artigos 114.º, n.º 2, n.º 5, a) e 26.º n.º 4 do RGIT, conjugado com o n.º 2 do art. 32.º do mesmo Diploma Legal e artº. 410, nº.2, al.b), do C.P.Penal, norma aplicável ex vi dos artºs.3, al. b), do R.G.I.T., e 41, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10.

B) Assim como, deveria ter sido devidamente considerado e valorizado o acervo probatório documental constante dos autos, maxime o escopo do vertido no despacho da fixação da coima emanado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – ….. (de fls. 59 e 60 dos autos em apreço) referente ao processo sub judice, à informação do SF de Lisboa ….. (de fls. 72 dos presentes autos), para que assim tivesse retirado as devidas e correctas ilações jurídico-factuais do caso concreto.

C) De igual forma, respeitosamente se considera que o Tribunal a quo, não retirou as correctas ilações jurídico-factuais da matéria dada como assente na douta sentença a quo (em concreto a factualidade dada como assente nos itens B), C) e D) do douto aresto recorrido).

D) Tudo assim, devidamente condimentado e conjugado com o vertido na “Motivação” plasmada na douta sentença a quo e que serviu para o respeitoso Areópago fixar a factualidade dada como assente.

E) Para que, se pudesse aquilatar pela não substituição da decisão administrativa que aplicou uma coima no valor de 3.137,93 euros, pela que, o douto areópago a quo determinou, no valor de 1.525,00€.

SEM PRESCINDIR,

F) Suscita-se ainda a nulidade por contradição entre a fundamentação e o dispositivo da decisão recorrida, consagrada no artº.410, nº.2, al.b), do C.P.Penal, norma aplicável ex vi dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., e 41, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10.

G) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e plasmado dos itens 17º ao 63.º das Alegações de Recurso que supra se aduziram e, das quais, as presentes Conclusões são parte integrante.

H) Consequentemente, salvaguardado o elevado respeito, o Areópago a quo, preconizou erro de julgamento”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificados o Recorrido e o Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 411.º, n.ºs 5 e 6, e 413.º, ambos do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de mera ordenação social (RGCO), ex vi art.º 3.º, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributária (RGIT), foi apresentada resposta pelo primeiro, na qual foram formuladas as seguintes conclusões:

A) Vem a Recorrente Fazenda Pública pleitear a revogação da sentença proferida, em 22.06.2018. com rectificação de 03.01.2019, pelo Tribunal a quo que julgou procedente o Recurso de contra-ordenação apresentado pela ora Recorrida decidindo a alterar “a decisão Administrativa que aplicou uma coima no valor de 3.137,93f aplicando em sua substituição uma coima de 1.525,00€. ", invocando ter existido erro de julgamento.

B) A Recorrida considera que a decisão recorrida não padece de qualquer erro ou vício e que por conseguinte se deve manter, entendendo ainda que o Recurso apresentado pela FP além de infundado deve ser desde logo rejeitado por a FP não ter cumprido o ónus de alegar e formular conclusões que sobre si impendia.

C) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cf artigos 635.° n.° 4, 639.° n.° 1 e 2 e 640.° n° 1 do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

D) Nos termos dos artigos 639° e 640° do CPC, o recorrente deve apresentar as suas conclusões, de forma sintética, indicando os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: as normas jurídicas violadas, e o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

E) A Recorrente limita-se a invocar de foram genérica que “deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos artigos 114,°, n° 2, n.°5, a) e 26.° n° 4 do RGIT, conjugado com o n.° 2 do art 32.° do mesmo diploma Legal e art.° 410, n°. 2 al b) do C.P. Penal (…)”

F) A Recorrente não põe em causa as normas legais que constituem fundamento jurídico da decisão recorrida, não invoca ter havido qualquer violação das mesmas, nem refere ter havido algum erro no sentido em que elas foram, no seu entender, interpretadas e aplicadas, como era seu ónus.

G) A Recorrente limita-se a afirmar que no seu entender “deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo" do vertido naquelas normas, de forma a que a sentença decidisse a seu favor, mantendo o valor da coima aplicada na fase administrativa, sem indicar contudo qualquer erro ou violação das normas legais aplicáveis que fossem (mesmo que apenas na sua opinião) imputáveis à sentença recorrida.

H) Conclui ainda a Recorrente que "deveria ter sido devidamente considerado e valorizado o acervo probatório documental constante dos autos, maxime o escopo do vertido no despacho da fixação da coima emanado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …... (...), à informação do SF de Lisboa ….. (...) para que assim tivesse retirado as devidas e correctas ilações jurídico-factuais do caso concreto".

I) E também que: "o Tribunal a quo, não retirou as correctas ilações jurídico-factuais da matéria dada como assente na douta sentença a quo (em concreto a factualidade dada como assente nos itens B), C) e D) do douto arresto recorrido”.

J) A Recorrente, limita-se a invocar factos provados e meios probatórios concluindo que dos mesmos não teriam sido retiradas as "correctas ilações jurídico-factuais", não especificando contudo nenhum ponto de facto que considerasse incorrectamente julgado.

K) Em suma, a Recorrente limita-se a lamentar que a douta sentença recorrida não tivesse retirado nem das normas jurídicas, nem dos factos provados (nem dos meios probatórios existentes, que aliás foram todos tidos em consideração pela sentença, conforme consta da sua motivação), a "correcta ilação jurídico-factual" (que no entender da Recorrente seria a manutenção da coima aplicada na fase administrativa), sem fundamentar contudo qualquer erro de julgamento cometido.

L) O Recurso não pode ser constituído por afirmações genéricas que traduzem a mera insatisfação da Recorrente quanto ao sentido da decisão do Tribunal a quo, sem que exista qualquer fundamento de facto ou de direito que o sustente, como se verifica neste caso.

M) Salvo melhor opinião, a ora Recorrida entende assim que a Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia, impostos pelos artigos 639° e 640° do CPC, devendo o Recurso apresentado ser, por consequência, rejeitado.

N) A Recorrente suscita a nulidade por contradição entre a fundamentação e o dispositivo da decisão recorrida, consagrada no art.º 410, n.°2, al h) do C. P. Penal ("conforme melhor é explanado e plasmado dos itens 17° ao 63° das Alegações de Recurso que supra se aduziram e, das quais, as presentes Conclusões são parte integrante ", concluindo que o Tribunal a quo “preconizou erro de julgamento”.

O) A Recorrente limitou-se a invocar uma alegada nulidade remetendo na íntegra o seu fundamento para os artigos 17° a 63° das Alegações, integrando até as Conclusões nas próprias Alegações (e não o inverso).

P) A remissão, na íntegra, para as Alegações não pode ter a virtualidade de dar cumprimento ao ónus que sobre a Recorrente impende.

Q) Assim, salvo melhor opinião, também quanto à segunda parte das Conclusões da Recorrente, entende a Recorrida que a Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia, impostos pelos artigos 639° e 640° do CPC, devendo o Recurso apresentado ser por consequência rejeitado.

R) O processo contra-ordenacional subjacente a estes autos, foi instaurado por falta de entrega de IVA no valor de 10.145,27€ dentro do prazo legal a que correspondem as normas punitivas definidas nos artigos 114o n°2 e n° 5 a) e 26° n° 4 do RGIT.

S) Esta falta que a Recorrida desde logo reconheceu (Doc. 2 junto à p.i,), deveu-se exclusivamente a falta de capacidade de tesouraria pontual para cumprir o pagamento integral dentro do prazo legal.

T) Logo que lhe foi possível, em 26.06.2017, pouco mais de um mês depois do prazo, a Recorrida efectuou o pagamento do valor em causa (Doc. 6 junto à p.i).

U) Nessa data, ainda não tinham sido tomadas quaisquer medidas coercivas para a cobrança deste valor pois ainda não tinham decorrido 30 dias desde a citação em 16.06.2017 do processo executivo instaurado por falta de pagamento daquele imposto.

V) Em 16.06.2017 a Recorrida foi notificada para apresentação de defesa ou pagamento antecipado de uma coima no valor de 3.053,58€ acrescida de custas.

W) Com fundamento nos factos descritos anteriormente, a ora Recorrida requereu em 26.06.2007 (Doc. 2 junto à p.i.) que fosse verificado o preenchimento dos pressupostos de atenuação especial da coima previstos no artigo 32° n°2 do RGIT no momento da decisão, reduzindo-se a metade os limites de valores de aplicação da coima.

X) Através do Ofício n° ….. de 03.07.2017, a Recorrida foi notificada da decisão de indeferimento da “pretensão do arguido por se verificar que não reúne os pressupostos para a aplicação do n° 2 do artigo 32°do RGIT. Proceda-se a fixação da coima." (Doc. 3 junto à p.i).

Y) Em 03.11.2017, a coima foi assim fixada em 3.137,93€ acrescida de custas, sem que fossem reduzidos a metade os limites de aplicação da coima que resultam do n° 2 do artigo 114° do RGIT, como deveria ter sido em conformidade com a Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

Z) “Tais limites [para metade] resultam do n° 2 do artigo 114° do RGIT, na redacção actualmente em vigor (que já vigorava à data dos factos), conjugado com o disposto no artigo 26° nº 4 do mesmo diploma (porquanto a infracção foi imputada a uma pessoa colectiva) e reduzidos a metade (por força do disposto no n° 3 do artigo 18° da Lei- Quadro das Contra-ordenações, aplicável ex vi do disposto na alínea b) do artigo 3o do RGIT), ou seja, sendo os limites mínimo e máximo da coima previstas no tipo legal de contra-ordenação do nº 2 do artigo 114º do RGIT de 15% e metade do imposto em falta e elevando-se estes para o seu dobro (30%) e o valor do imposto em falta) por serem imputáveis a pessoa colectiva, mas devendo reduzir-se a metade estes valores em caso de atenuação especial da coima, temos que, os limites legais das coimas especialmente atenuadas aplicáveis, são de 15% e metade do valor do imposto em falta»" - Acórdãos de 23.04.2014 no Processo n° 0194/14 e de 21.05.2014 no Processo n° 0306/14 do STA.

AA) A Recorrida apresentou Recurso Judicial em relação à fixação da coima em 3.137,93 € acrescida de custas, uma vez que a mesma foi fixada sem que tivessem sido atendidas na sua determinação as condições de atenuação especial como deveriam ter sido.

BB) A verificação se a ora Recorrida reunia ou não, em 26.06.2017, os requisitos para que lhe fosse especialmente atenuada a coima no momento da sua decisão, é pois o objecto de decisão do presente processo de Recurso de contraordemação.

CC) Dispõe o n° 2 do artigo 32° do RGIT que "Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo"

DD) Quanto ao requisito 1: está provado nos autos, por prova documental, que o infractor reconheceu a sua responsabilidade - cfr. artigo 2o do Doc. 2 junto à p.i: "Esta falta, que a requerente desde já reconhece". A própria sentença refere que, "Consta do probatório que a Arguida cometeu a infracção de que vem acusada, uma vez que a própria reconhece que não procedeu ao pagamento da íntegra por falta de capacidade de tesouraria pontual.” (a fls 5 da sentença).

EE)Quanto ao requisito 2: consta do facto provado D) que a Recorrida regularizou a sua situação tributária em 26.06.2017 e do facto provado B) que a decisão do processo foi tomada em 03.11.2017, ie, está provado que a Recorrida tinha a situação tributária regularizada até à decisão do processo.

FF) Perante esta factualidade, a douta sentença concluiu que: "nos termos do n° 2 do art° 32° do RGIT julgo verificados os pressupostos para a atenuação especial da coima, e por conseguinte, nos termos do disposto no art° 18.° n° 3 do RGCO, os limites máximo e mínimo são reduzidos a metade.".

GG) De seguida, ao abrigo do n° 1 do artigo 85° do RGIT, o Tribunal a quo procedeu à revisão da coima aplicada, tendo em conta, os critérios definidos no n° 1 do artigo 27° do RGIT, o qual dispõe o seguinte: "Sem prejuízo dos limites máximos fixados no artigo anterior, a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o beneficio económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação."

HH) Assim, além da redução dos limites máximo e mínimo para metade, que passaram a estar entre 15% e metade do valor da coima, em resultado do reconhecimento do preenchimento dos requisitos para uma atenuação especial da coima a fixar, o Tribunal a quo teve em consideração as circunstâncias dadas como provadas (facto provado B)) reunidas pelo própria Administração Tributária, a saber: ao contribuinte não são imputáveis actos de ocultação, o benefício económico retirado foi de 0,00, a frequência da prática é acidental, quanto à culpa houve negligência simples, a situação económica e financeira é baixa e o tempo decorrido desde a prática da infracção é inferior a 3 meses.

II) Em todos os critérios, as circunstâncias apuradas foram no sentido da aplicação da coima mínima, pelo que não merece nenhuma censura o valor da coima fixada pelo Tribunal a quo.

JJ) A própria Administração Tributária ao aplicar uma coima de 3.137,93€ valorizou todas as circunstâncias do contribuinte resultando na coima mínima.

KK) A diferença é que a coima mínima para a Administração Tributária era de 30% do valor do imposto em falta, e não de 15%, como deveria ter sido, se tivesse considerado, como devia, estarem reunidos os requisitos para a atenuação especial da coima. Se o tivesse considerado, como devia, também teria aplicado uma coima idêntica à que foi aplicada pelo Tribunal a quo.

LL) Face ao exposto, bem andou o Tribunal a quo fixando a coima a aplicar à ora Recorrida junto ao limite mínimo legal, que atendendo às circunstâncias em presença era de 15% e não de 30% como considerou a Administração Tributária, e como pretende agora manter a FP.

MM) A FP no Recurso apresentado defende a manutenção da coima fixada na fase administrativa de forma totalmente infundada.

NN) De facto, consta do facto provado B) que a ora Recorrida tem uma situação económico-financeira baixa, que a sua actuação se classifica de negligente, que a frequência da infracção é acidental e que o pagamento foi efectuado num curto período de tempo.

OO) De modo a tentar sustentar a fixação de uma coima elevada à ora Recorrida, não hesitou a FP em afirmar que a ora Recorrida optou intencionalmente pela não entrega do imposto, com um comportamento revelador de indiferença em relação ao cumprimento escrupuloso das suas obrigações fiscais, só tendo procedido ao pagamento em fase de cobrança coerciva, depois dos "mecanismos e procedimentos para cobrança coerciva terem sido accionados".

PP) Esta descrição não corresponde à verdade, e é até desmentida pela fundamentação do despacho de fixação da coima da própria Administração Tributária (facto provado B)), como mencionámos acima.

QQ) Em 10.05.2017, com a declaração periódica, e no prazo legal, a Recorrente pagou 6.000 € de imposto (Doc. 1 junto à p.i.), tendo procedido ao pagamento do remanescente em 26.06.2017 (facto provado C)). Logo em 25.05.2017 (15 dias depois do prazo de pagamento), a Administração Tributária instaurou um processo executivo para cobrança coerciva do imposto (facto provado A)). A recorrida só foi citada, desse processo em 16.06.2017 tendo 30 dias para proceder ao pagamento antes de serem accionados os mecanismos e procedimentos para cobrança coerciva. Ora, muito antes de decorrido esse prazo, logo em 26.06.2017 a Recorrida procedeu ao pagamento do imposto em falta.

RR) A sequência dos acontecimentos comprova assim que a Recorrida procedeu ao pagamento num curto período de tempo e antes de serem accionados os mecanismos de cobrança coerciva (penhoras, etc.), não assistindo qualquer razão à FP.

SS) A FP também não tem razão ao alegar a existência de uma contradição entre o fundamento e a decisão, determinante de nulidade da sentença (artigos 46° a 56° do Recurso).

TT) A sentença recorrida ao afirmar que "analisando a decisão que aplicou a coima à Arguida concluímos que nenhuma censura merece a mesma" (a fls 5), referia-se apenas a que "a decisão administrativa cumpre o n° 1 do art. 79° do RGIT e as condutas da Arguida são subsumiveis à infracção de que vem acusada.", como facilmente de depreende de todos os parágrafos seguintes àquela afirmação inicial.

UU) Só por má fé se pode entender o contrário.

VV) Não merece, por conseguinte, prosperar a discordância da Recorrente, pois as razões formuladas carecem de fundamento sendo insuficientes para a alteração do entendimento sufragado na sentença recorrida que bem decidiu, tal como acima se demonstrou”.

O IMMP neste TCAS pronunciou-se, no sentido da improcedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, nada tendo sido dito.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Deve o recurso ser rejeitado?

b) Verifica-se erro de julgamento, dado não se reunirem os pressupostos para a atenuação especial?

c) Verifica-se nulidade da decisão, por contradição entre os fundamentos e a decisão?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) Em 25/05/2017, foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa ….., em nome da Arguida, o processo de contra-ordenação n.º …..247 relativo à falta de pagamento do imposto (IVA) de 201703 – cfr. fls. 1 e 2 dos Autos;

B) Em 3/11/2017, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ….., o despacho da fixação da coima referente ao processo referido em A), no montante de 3.137,93€, acrescido de custas no montante de 76,50€, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e na qual se lê, designadamente, o seguinte: «(…)

Descrição Sumária dos Factos

Ao (À)arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 16.145,27; 2. Valor da prestação tributária entregue: 6.000,00.; 3. Valor da prestação tributária em falta: 10.145,27; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2017-05-10; 5. Período a que respeita a infracção: 2017/03, (…).

Normas infringidas e Punitivas

Os factos relatados constituem violação do(s) artigos (s) abaixo indicado(s), punidos pelos(s) artigos(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões),

Medida da Coima

Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s) para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro(art. 27º do RGIT):

Requisitos / Contribuintes




(…)»; - cfr. fls. 59 e 60 dos Autos;

C) Em 26/06/2017, o imposto em falta foi pago na totalidade em cobrança coerciva – cfr. informação do SF de Lisboa ….. constante a fls. 72 dos Autos;

D) Em 12/09/2017, a Arguida apresentou recurso da decisão referida em B) - cfr. fls. 34 dos autos”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se no despacho decisório recorrido:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou nos elementos probatórios carreados para os autos, analisados à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.

Em particular foi efectuada a análise ponderada e detalhada do teor da prova documental junta aos autos, designadamente aquela constante de fls. 59 e 60 dos Autos, correspondente à decisão administrativa elaborada pelo Chefe de Finanças de Lisboa ….., cujo valor não foi abalado por qualquer outra prova junta pela Arguida”.



II.D. Atento o disposto no art.º 431.º, al. a), do CPP, ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, é alterada a redação da alínea C) do probatório, que passará a ser a seguinte:

C) Foi instaurado, a 25.05.2017, o processo de execução fiscal (PEF) n.º …..329, contra A B….. – ….. Lda, cuja dívida exequenda respeita ao imposto mencionado em B), PEF que foi extinto por pagamento voluntário efetuado a 26.06.2017 (cfr. fls. 12 e informação do SF de Lisboa ….. constante a fls. 72, todas dos autos em suporte de papel).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da admissibilidade do presente recurso

Cumpre, antes de mais, atentando nas conclusões formuladas pela ora Recorrida na sua resposta, aferir da admissibilidade do presente recurso.

Considera, em síntese, a Recorrida que as conclusões formuladas pela Recorrente não obedecem às exigências plasmadas nos art.ºs 639.º e 640.º do CPC, motivo pelo qual o recurso deve ser rejeitado.

Vejamos.

Antes de mais, em matéria de recurso, em tudo aquilo que não esteja definido no RGIT ou no RGCO, há que apelar ao CPP [ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT] e não ao CPC, ao contrário do referido pela Recorrida.

Assim, nos termos do art.º 412.º do CPP:

“1 - A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

2 - Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e

c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.

3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas”.

Por seu turno, nos termos do art.º 417.º do CPP:

“3 - Se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada. Se a motivação do recurso não contiver as conclusões e não tiver sido formulado o convite a que se refere o n.º 2 do artigo 414.º, o relator convida o recorrente a apresentá-las em 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado”.

No caso, desde logo não resulta das alegações que a Recorrente pretenda impugnar a matéria de facto, considerando, sim, que há um erro de julgamento, face à factualidade assente.

Por outro lado, ainda que se reconheça que as conclusões poderiam ter uma formulação mais assertiva, é percetível que a Recorrente considera não se reunirem os pressupostos de aplicação da atenuação especial da coima, imputando, nessa sequência, o mencionado erro de julgamento à decisão recorrida.

Quanto à alegada nulidade, ainda que a técnica para remissão para as alegações não seja a mais perfeita, ainda assim considera-se que a mesma permite evidenciar de modo suficiente a pretensão da Recorrente.

Face ao exposto, considera-se inexistir fundamento para rejeitar o recurso.

III.B. Da nulidade por contradição entre a fundamentação e o dispositivo da decisão recorrida

Considera a Recorrente que a decisão sob apreciação padece de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, por ter atendido aos mesmos elementos que a autoridade administrativa em sede de determinação da medida da coima e ter fixado montante distinto.

Nos termos do art.º 379.º do CPP (ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT):

“1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;

b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Por outro lado, nos termos do art.º 410.º, n.º 2, do CPP, com a epígrafe “fundamentos do recurso”:

“2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

(…) b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”.

O mencionado art.º 379.º do CPP elenca as situações que configuram nulidade da sentença penal, entre as quais não se encontra a contradição entre os fundamentos e a decisão, ao contrário do que sucede no regime constante do processo civil.

Como tal, não se verifica nulidade de decisão com tal fundamento, sem prejuízo de o mesmo ser apreciado enquanto erro de julgamento.

III.C. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que padece a decisão em crise de erro de julgamento, não se reunindo os pressupostos da atenuação especial da coima.

Vejamos.

Nos termos do art.º 32.º do RGIT:

“1 - Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:

a) A prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária;

b) Estar regularizada a falta cometida;

c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.

2 - Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infrator reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo”.

Consagra esta disposição duas situações, perfeitamente discerníveis: no n.º 1, a situação de dispensa de aplicação de coima e, no n.º 2, a situação de atenuação especial de coima.

Os respetivos pressupostos são distintos.

Assim, para efeitos de dispensa de aplicação de coima, a mesma pode ocorrer quando (a) a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária, (b) estando regularizada a falta cometida e (c) a falta revelar um diminuto grau de culpa.

Já no caso da atenuação especial, são tão-só dois os pressupostos, para que mesma possa ocorrer: (a) o infrator reconhecer a sua responsabilidade e (b) o infrator regularizar a situação tributária até à decisão do processo. Ou seja, neste caso, ao contrário do que sucede com o regime da dispensa, não há que aferir o grau de culpa.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Como resulta da decisão sob escrutínio, a Recorrida incorreu na prática de contraordenação subsumível ao n.º 2 do art.º 114.º do RGIT, como, aliás, a própria assume.

Assim, e por consequência, desde logo encontra-se preenchido o primeiro dos requisitos previstos no n.º 2 do art.º 32.º do RGIT, ou seja, o infrator reconhecer a sua responsabilidade. Concretizando, e atentando na petição de recurso apresentada junto do Tribunal a quo, na mesma inequivocamente a Recorrida reconhece a sua responsabilidade, ao afirmar que “[e]sta falta que a recorrente desde logo reconheceu (…) deveu-se exclusivamente a falta de capacidade de tesouraria pontual para cumprir o pagamento dentro do prazo legal”. Aliás, nessa mesma peça processual a ora Recorrida peticiona a atenuação especial da coima e não a sua absolvição da prática da contraordenação em causa.

Cumpre, então, aferir se se encontra reunido o segundo dos requisitos, ou seja, ter o infrator regularizado a situação tributária até à decisão do processo.

In casu, como resulta provado, a decisão proferida pela autoridade administrativa foi-o a 03.11.2017 [cfr. facto B)], sendo que o pagamento do valor relativo ao IVA em causa ocorreu voluntariamente, em sede de execução fiscal, a 26.06.2017 [cfr. facto C)].

É a este propósito relevante sublinhar que, em sede de execução fiscal, o pagamento pode ser voluntário ou coercivo. Assim, o pagamento voluntário, por contraponto com o pagamento coercivo, é aquele que é feito pelo executado diretamente, ou seja, sem que o mesmo decorra de qualquer atuação direta do órgão de execução fiscal.

Ora, tendo sido feito, em sede de execução fiscal, pagamento voluntário por parte da ora Recorrida e tendo tal pagamento ocorrido em momento anterior ao da decisão proferida em sede de contraordenação, reúne-se o segundo dos requisitos previstos no n.º 2 do art.º 32.º do RGIT, ou seja, o infrator ter regularizado a falta (1). Sublinha-se ainda a este propósito que o pagamento em sede de execução fiscal ocorreu cerca de mês e meio depois do momento em que deveria ter sido pago o IVA.

A aplicação do referido n.º 2 do art.º 32.º do RGIT tem como efeito que os limites máximo e mínimo da moldura abstrata sejam reduzidos a metade, como decorre do art.º 18.º, n.º 3, do RGCO.

Ora, nos termos do art.º 114.º, n.º 2, do RGIT, o limite mínimo da moldura abstrata seria correspondente ao dobro de 15% do imposto em falta (uma vez que a recorrente é uma pessoa coletiva – art.º 26.º, n.º 4, do RGIT). Dado que o imposto em falta ascendeu a 10.145,27 Eur., tal limite mínimo situa-se nos 3.043,58 Eur.

Como tal, a redução para metade, no tocante ao limite mínimo, in casu, implica que o mesmo se situe nos 1.521,79 Eur.

Quanto ao limite máximo, fixado nos 10.145,27 Eur. [considerando o art.º 26.º, n.º 4, e 114.º, n.º 2, todos do RGIT – dado que o dobro de metade do imposto corresponde ao valor total de imposto de 10.145,27 Eur], o mesmo, em sede de atenuação especial, situa-se nos 5.072,63 Eur.

Foi considerando esta moldura e atentando nos elementos constantes da decisão de aplicação de coima, no sentido de se estar perante uma situação de negligência simples, de a situação económica e financeira da Recorrida ser baixa, de o benefício económico ter sido de 0,00 Eur., de a conduta da ora Recorrida ter sido acidental e de que houve regularização, através de pagamento voluntário, que o Tribunal a quo aplicou coima, especialmente atenuada, no valor de 1.525,00 Eur.

É evidente que esses pressupostos atinentes à medida da coima, considerados aliás em sede de decisão de aplicação e não tendo sido postos em causa, deveriam, como foram, ser considerados pelo Tribunal a quo, sendo, naturalmente, a coima a aplicar distinta, porquanto o limite mínimo da moldura abstrata é bastante inferior. Veja-se, aliás, que na decisão de aplicação de coima (não atenuada), a autoridade administrativa fixou a coima muito próximo do limite mínimo por si calculado, o que revela a perceção da própria autoridade administrativa em termos de menor gravidade da sanção a aplicar.

Uma palavra final sobre a alegada oposição entre os fundamentos e a decisão, para se concluir que a mesma não se verifica. Com efeito, todo o itinerário cognoscitivo percorrido pelo Tribunal a quo se encontra cabalmente evidenciado, concluindo-se, nos termos já referidos, pela reunião dos pressupostos de atenuação especial e fixando concreta coima em conformidade com os factos constantes do processo, sendo o segmento decisório proferido conforme a esse itinerário. Quanto ao alegado, no sentido de, na decisão sob escrutínio, se ter escrito que “nenhuma censura merece a mesma [decisão administrativa]”, trata-se de uma apreciação exclusivamente do ponto de vista da análise do respeito pelo art.º 79.º do RGIT, como claramente decorre do teor da mencionada decisão.

Entende-se, assim, que a decisão em crise aplicou de forma correta o disposto nos art.ºs 114.º, n.ºs 2 a 5, 26.º, n.º 4, e 32.º, n.º 2, todos do RGIT, não assistindo, pois, razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de maio de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)


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(1) V., a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.05.2017 (Processo: 01193/16), relativa justamente a atenuação especial da coima em que o pagamento ocorreu em sede de execução fiscal.