Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05854/10
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:09/29/2011
Relator:COELHO DA CUNHA
Descritores:INJUNÇÃO.
TRANSACÇÕES COMERCIAIS.
IDONEIDADE DO MEIO PROCESSUAL.
DEC. LEI Nº 32/2003
Sumário:I – O processo previsto no Dec.Lei nº 32/2003 de 17.12, designadamente no seu artigo 7º, prevê que o atraso de pagamento em transacções comerciais confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da causa.

II – Aquele diploma transpôs para o direito interno a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.06, que veio estabelecer medidas de luta contra o atraso de pagamento em transacções comerciais, independentemente de as mesmas terem sido estabelecidas entre pessoas colectivas privadas ou entre empresas e entidades públicas (cfr. artº 3º, al.a) do Dec.-Lei nº32/2003).

III – No caso de o procedimento ter valor ao da alçada da Relação, os autos são remetidos para o tribunal competente, transformando-se o procedimento de injunção em acção ordinária (artº 7º nº2 do Dec.-Lei nº32/2003), não se vislumbrando qualquer inidoneidade processual que possa impedir a tramitação sob a forma da acção administrativa comum.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção Administrativa do TCA -Sul


1- Relatório
A..., S.A., com sede no ..., apresentou junto do Balcão Nacional de Injunções, ao abrigo do Dec.Lei n.º32/2003, de 17.02, a presente injunção contra B..., S.A, pedindo a condenação desta no pagamento de quantia de €50.806,64, a título de capital e taxa de justiça.
Por oposição da Requerida o processo foi remetido ao TAF de Leiria para aí prosseguir os seus termos. Aqui o Mmº Juiz declarou-se, territorialmente, incompetente, para conhecer da questão que lhe foi submetida para apreciação e atribuiu essa competência ao TAC de Lisboa, para onde ordenou a remessa dos autos, após trânsito.
Nessa sequência, em 16.09.2009, foi proferida sentença pelo TCA de Lisboa, na qual se decidiu julgar procedente a excepção da nulidade de todo o processado e, em consequência, absolver o Requerido da instância.
Inconformada com assim decidido a sociedade A..., S.A., interpôs recurso jurisprudencial para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes:
“1. A sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo, ao interpretar de forma restritiva, os referidos artigos 1º e 3.° do Decreto-Lei n.°32/2003, de 17 de Fevereiro, viola o disposto no artigo 9º, nº2, do Código Civil, na medida em que adopta uma leitura que não tem a menor correspondência com o elemento literal dos preceitos referidos.
2. A sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo, ao interpretar de forma restritiva, os referidos artigos 1º e 3º do Decreto-Lei nº32/2003, de 17 de Fevereiro, viola o disposto no artigo 2º, nº2, do mesmo diploma, que prevê, em termos expressos, as únicas circunstâncias que afastam a aplicação deste mesmo diploma - o segundo parágrafo do preâmbulo, aliás, é expressivo no propósito de tipificação, nesse nº2, das situações excluídas.
3. A sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo, ao considerar que a transacção aqui em causa não está abrangida pelo mecanismo de injunção, violou o disposto nos artigos 1º, 2º, nos 1 e 2, e 3.°, alínea a), do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, e nos artigos 1º e 2º, nº1, da Directiva nº2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, que, no conceito de transacção comercial, claramente abrangem a situação aqui em causa, enquanto "(...) transacção entre (...) empresas e entidades públicas que dê origem (...) à prestação de serviços contra uma remuneração".
4. A sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo, ao considerar que existe erro na forma de processo no caso concreto violou, em suma, o disposto nos artigos 1º, 2º, nºs 1e 2, 3º, alíneas a) e b), e 7º do Decreto-Lei nº32/2003, de 17 de Fevereiro, no artigo 7º do Decreto-Lei nº269/98, de 1 de Setembro, no artigo 9º, nº2, do Código Civil e nos artigos 1º e 2º, nº1, da Directiva nº2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho.
Termos em que se requer a V. Ex.a se digne admitir e julgar procedente o presente recurso jurisdicional, tudo com as legais consequências, designadamente a revogação da sentença ora recorrida, proferida pelo Tribunal a quo, e o prosseguimento ao processo de injunção anteriormente iniciado, como é de justiça.”
Contra-alegou o requerido, B… – B..., S.A., concluindo como segue:
“A. A relação jurídica existente entre Recorrente e Recorrida assenta em contratos públicos que visam a prestação de bens e serviços públicos básicos à população.
B. Como nos ensina Freitas do Amaral, "um contrato é administrativo se o respectivo objecto respeitar ao conteúdo da função administrativa e se traduzir, em regra, em prestações referentes ao funcionamento de serviços públicos, ao provimento de agentes públicos ou à utilização de fundos públicos. Em alternativa, se o objecto não for nenhum destes, o contrato só será administrativo se visar um fim de utilidade pública". (ver cit. supra)
C. O artigo 11º, n.s 2 do Decreto-Lei nº305-A/2000, que criou a Recorrente A…, estabelece que "A articulação entre o sistema explorado e gerido pela concessionária e os sistema correspondente de cada um dos municípios utilizadores será assegurada através de contratos de fornecimento e recolha, a celebrar entre a concessionária e cada um dos municípios".
D. Já o nº3 do mesmo artigo refere que "São também considerados utilizadores quaisquer pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, no casa da distribuição directa da água ou da recolha directa de efluentes integradas no sistema, sendo obrigatória para os mesmos a ligação a este, mediante contraio a celebrar com a respectiva concessionária", enquadrando-se a Recorrida nesta concepção de "utilizador".
E. Nunca foi intenção do legislador nacional e comunitário englobar no conceito de "transacção comercial" a categoria dos contratos públicos, na qual se inserem os contratos objecto da relação jurídica em litígio.
F. Estabelece a "Recomendação da Comissão de 12 de Maio de 1995, relativa aos prazos de pagamento nas transacções comerciais", nos seus considerandos, que "Os Estados-membros são convidados a tomar as medidas jurídicas e práticas necessárias para fazer respeitar os prazos de pagamento contratuais nas transacções comerciais e para assegurar prazos de pagamento melhores nos contratos públicos".
G. Com a supra referida distinção, o legislador comunitário pretendeu excluir do conceito de "transacção comercial" a realidade dos contratos públicos, referindo em separado as duas realidades e enunciando objectivos distintos para as mesmas.
H. O objectivo do legislador nacional e comunitário ao estabelecer um regime especial para as "transacções comerciais" era primordialmente o de proteger as PMEs contra prazos muito dilatados de pagamento, que pusessem em causa a prossecução da sua actividade.
I. É muito distinta a realidade das PME's e a das empresas prestadoras de serviços públicos, como o são as partes no presente litígio, responsáveis por serviços que respondem a necessidades básicas das populações.
J. As empresas prestadoras de serviços de utilidade pública actuam em sectores em que a concorrência é nula ou quase nula, sendo pouco atreitas aos normais riscos de mercado com que se deparam as demais empresas.
K. O risco de insolvência e dos despedimentos em massa é uma realidade deveras distante da que vivem as empresas prestadoras de serviços públicos essenciais.
L. Não podendo os consumidores prescindir dos serviços públicos básicos, a probabilidade de incumprirem dos contratos é exponencialmente reduzida em relação ao que acontece em outros sectores de actividade.
M. Essa situação implica também que haja uma regularidade nos pagamentos das tarifas devidas pela Recorrida B… à Recorrente B…, uma vez que esses fornecimentos e serviços são condição essencial para que a Recorrida A…, posteriormente, assegure a prestação de serviços básicos à população.
N. "O sentido literal é um possível sentido da lei, mas não dá garantias, sem mais, de constituir a significação decisiva e definitiva. Há que submetê-lo a crítica e para isso se passa à chamada interpretação lógica", (ver cit. supra)
O. Manda o argumento racional que atendamos à mens legislatoris aquando do processo de apreciação do conteúdo e alcance dos preceitos legais.
P. "O elemento histórico vem em reforço do elemento racional ou em preenchimento da sua deficiência." (ver cit. supra)
Q. A regra no que respeita aos tipos de transacções que devem ser abrangidos pelo mecanismo da Injunção é a do artigo 1º do Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, que estabelece o limiar dos 15.000 € para o recurso à Injunção.
R. O regime do Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro, representa um regime excepcional em relação à supra referida regra dos 15.000 €, na qual o legislador português e comunitário apenas pretendeu enquadrar as realidades que entendeu merecerem protecção adicional.
S. A situação dos autos não está abrangida por esta intenção de protecção adicional do legislador, ficando por isso excluída do escopo da norma excepcional em causa, à luz do princípio básico de direito segundo o qual "as normas excepcionais não comportam aplicação analógica".
T. A interpretação do conceito de "transacção comercial" que defendemos é a que mais se integra na regulação vigente a nível de contratos públicos e suas especificidades, nas regras comuns de processo civil e naquele que é o sentido da Directivas e da "Recomendação" comunitária quanto a esta matéria.
U. Definido o conceito de "transacção comercial" nos termos que expusemos, não se tornaria necessária a referência expressa aos contratos públicos no nº2 do artigo 2º do Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro, uma vez que só faria sentido excluir expressamente do âmbito de aplicação do regime aquelas realidades que, não fosse a ressalva, estariam naturalmente abrangidas pelo conceito de "transacção comercial", e não as situações que estariam à partida excluídas do conceito, na interpretação conforme com a sua "ratio juris".
O Digno Magistrado do MºPº emitiu douto parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
X X
2. Fundamentação
2.1 Matéria de Facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto, com relevo para a decisão:
1) Por contrato de concessão celebrado entre o Estado Português - concedente - e A..., SA- concessionária -, o concedente atribuiu à concessionária, em regime de exclusivo, a concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Oeste para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes, designadamente do município de Alenquer, criado pelo art. 1°, do DL 305-A/2000, de 24/11 (acordo).
2) De acordo com a cláusula 37ª desse contrato de concessão a concessionária não se pode opor à transmissão da posição contratual de cada um dos municípios utilizadores para uma concessionária do respectivo sistema municipal de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes (acordo).
3) Entre o Município de Alenquer e a ré foi celebrado um contrato de concessão da exploração e gestão dos serviços públicos de distribuição de água e drenagem de águas residuais de Alenquer, consignando-se na cláusula 74ª desse contrato que o fornecimento de água e a recolha, tratamento e rejeição de efluentes à ré seria efectuada pela autora (acordo).
4) Em 19 de Dezembro de 2003 foi celebrado entre o Município de Alenquer e a autora, ao abrigo do art. 11° nº2, do DL 305-A/2000, de 24/11, um contrato de fornecimento de água (acordo).
5) Em 19 de Dezembro de 2003 foi celebrado entre o Município de Alenquer e a autora, ao abrigo do art. 11° nº2, do DL 305-A/2000, de 24/11, um contrato de recolha de efluentes (acordo).
x
Ao abrigo do art.º712º CPC adita-se ao probatório a seguinte matéria de facto que se reputa relevante para a decisão:
6) Em 20.11.2008, a requerente apresentou requerimento de injunção contra o requerido solicitando o pagamento de € 50.806,64 a título de capital e de €144,00, a título de taxa de justiça, pelo seguinte:
“(…) Contrato de Fornecimento de bens ou serviços Contrato n.º
Data do contrato: 19-12-2003 Período a que se refere:
Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:
1. A Requerente é, nos termos do Decreto-Lei n.°305-A/2000, de 24 de Novembro, a concessionária da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Oeste sendo que, nos termos do artigo 2°, n °2 e 4, do Decreto-Lei n.°379/93, de 5 de Novembro, e do artigo 11.°, do DL 305-A/2000, a Requerente celebrou contratos de Fornecimento de Água e de Recolha de Efluentes com o Município de Alenquer, em 19/12/2003, tendo a posição contratual do Município nesses contratos sido transmitida para a concessionária do respectivo sistema municipal de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes, a empresa B..., S.A., nos termos da Base XXXV, em anexo ao Decreto-Lei nº 319/94, de 24 de Dezembro, da Base XXXIII, em anexe ao Decreto-Lei n.°162/96, de 4 de Setembro, da cláusula 37º do contrato de concessão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Oeste, e ainda da cláusula 74a n°2 do Contrato de Concessão da Exploração e Gestão dos Serviços Públicos de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais de Alenquer, celebrado entre o Município de Alenquer e a B....
2. Para obter o pagamento dos serviços prestados nos termos destes contratos, a Requerente emitiu e entregou à Requerida as facturas respectivas, as quais, não tendo sido pagas nas datas dos respectivos vencimentos, deram lugar à aplicação de juros de mora, nos termos do art.°102.° do Código Comercial e respectivos avisos da Direcção-Geral do Tesouro, os quais, contados até 17.11.08, deram lugar às seguintes notas de débito: n.°3100540544, emitida em 30.06.08, vencida em 29.08.08, no montante de €33.370,72; n.º3100540557, emitida em 30.06.08, vencida em 29.08.08, no montante de€21.189, 17; n.°3100540590, emitida e vencida em 17.11.08, no montante de €648,71, as quais deduzidas da nota de crédito nº100510096, emitida em 17/11/08, no montante de €4.401,96, ascendem ao montante global de €50.806, 64, de que a Requerida é devedora.
3. A Requerida é, assim, no âmbito da presente injunção, devedora de €50.806, 64, cujo pagamento ora se reclama.” (cfr. requerimento de injunção, a fls. 4 dos autos).
x x
2.2- Matéria de Direito
Como aludimos supra, a decisão judicial recorrida decidiu julgar procedente a excepção de nulidade de todo o processo, absolvendo da instancia a sociedade B..., S.A . E, fê-lo, sobretudo, por considerar, por um lado, que o montante reclamado não tem origem numa transacção comercial, tal como é definida no artigo 3º, al.a) do Dec.Lei nº32/2003, de 17.02, dado que as empresas litigantes actuam fora da lógica do mercado e da livre concorrência, e em serviço do interesse público e, por outro lado, porque não é admitido o uso da providência de injunção quanto a obrigações pecuniárias que excedam o valor previsto no artigo 1º do Dec. Lei nº 269/98, de 01.09.
Assim não o entendeu a recorrente que alega ter a decisão recorrida incorrido em erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 1º, 2º nºs 1 e 2, 3º alíneas a) e c) e 7º do Dec.Lei nº32/2003, de 17.02, no artigo 7º do Dec.Lei nº269/98, de 01.09, no artigo 9º nº2 do Cód. Civil e nos artigos 1º e 2º nº1, da Directiva nº2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Concelho, de 29.06.
Está bem de ver que a única questão a conhecer prende-se com a interpretação a dar ao conceito de transacção comercial vertido no artigo 3ºal.a), do Dec. Lei 32/2003.
Vejamos então.
Este diploma, que transpôs para o direito interno a Directiva nº 2000/35/CE, visa, tal como ressalta do seu preâmbulo “ estabelecer medidas de luta contra os atrasos de pagamentos em .... todas as transacções comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre pessoas colectivas privadas – a estas se equiparando os profissionais liberais –ou públicas, ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas últimas procedem a um considerável volume de negócios.” Ou seja, “regulamenta todas as transacções comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes.. "., com exclusão daquelas que provem de contratos celebrados com consumidores (cfr. artigo 2º nº2 al.a) deste diploma.)
Diz o artigo 3º al.a) do Dec.Lei 32/2003, que: “ Para efeitos do presente diploma, entende-se por : a) «Transacção comercial» qualquer transacção entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração; b) «Empresa» qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular ” .
Analisando estes preceitos legais, afigura-se-nos, sem margem para qualquer dúvida, que para o citado diploma são transacções comercias os “contratos de fornecimento de mercadorias ou de prestação de serviços mediante remuneração, seja qual for a natureza, forma ou designação desses contratos, mas com restrição às espécies de sujeitos outorgantes, referidas no art. 3º al. a), e com as exclusões do nº2 do art. 2º).” (cf. Pedro R. Martinez, Direito das Obrigações – Contratos, 2003, p. 26, 49, 54, 62, 69, 335 e 336).
Como bem nota o Ministério Público, no seu parecer, o artigo 3º al.a) do Dec.Lei 32/2003 “ exprime-se de forma a incluir aí qualquer transacção entre empresas e entidades públicas .... desde que haja o fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços... contra uma remuneração” Ou seja, o conceito de transacção comercial, tal como está definido no aludido artigo, aplica-se a todas as transacções comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre pessoas colectivas privadas - a estas se equiparando os profissionais liberais - ou públicas, ou entre empresas e entidades públicas.
Assim, não pode, pois, acompanhar-se a interpretação defendida na decisão recorrida que incorre em claro erro de hermenêutica ao excluir do conceito de transacção comercial, o crédito que a Requerente detém sobre a empresa “Ada, S.A- B..., S.A”, decorrente dos contratos de Fornecimento de Água e de Recolha de Efluentes, celebrados entre a sociedade A..., S.A., - concessionária do sistema multimunicipal e a Sociedade B..., S.A. de abastecimento de água e de saneamento do Oeste – e o Município de Alenquer e, esta edilidade e a Sociedade B..., S.A., empresa a quem o Município adjudicou a concessão e gestão dos serviços públicos de distribuição de água e de drenagem das águas residuais de Alenquer, melhor descriminados a fls.35/83, 92/97, 157167 e 177/269 dos autos.
Na verdade, a ora recorrida até o reconhece, desde logo no artigo 12º da oposição, quando afirma que a sociedade A..., S.A. passou a cobrar –lhe directamente a facturação dos volumes de água fornecidos e de efluentes recolhidos, correspondentes ao Município de Alenquer. Acresce ainda dizer, que em nenhum artigo dessa peça processual a, então, requerida alegou que montante que a recorrente reclama não devia ser abrangido pelo mecanismo da injunção, invocando tão somente que as notas de débito enviadas pela A..., S.A. respeitam a actualizações de tarifas, cujo custo teria que suportar na totalidade.
Assim sendo tem de concluir-se que nada parece obstar a que recorrente se socorra do procedimento de injunção para se fazer pagar do crédito que detém sobre a empresa municipal,” Ada -S.A.” e que provém de uma transacção comercial.
Tal como decorre do art 7º do Regime Anexo ao Dec-Lei nº 269/98, de 01-09 (na redacção do art 8º do Dec-Lei nº 32/2003), a injunção é uma providência destinada a permitir que o credor de uma prestação obtenha de uma forma célere e simplificada um título executivo, visando o cumprimento de obrigação pecuniária e que se aplica em duas situações: (i) as referidas no art 1º do diploma preambular do Dec-Lei nº 269/98, isto é, os casos em que se visa exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 (na redacção do art 6º do Dec-Lei nº 303/2007, de 24.08) e (ii) aquelas em que se exige o cumprimento de obrigações que emergem de transacções comerciais, tal como são definidas no art 3º do Dec-Lei nº 32/2003, de 17.02.
Todavia, no caso de o procedimento e injunção ter valor superior ao da alçada da Relação - como é o caso em análise, em que o montante peticionado (€50.806,64) por fornecimento de bens ou serviços, excede a alçada dos Tribunais Centrais Administrativos (cfr. artigo 6º n.º 4 do ETAF) – a dedução de oposição – que foi apresentada pelo ora recorrido – implica, necessariamente a remessa dos autos para o tribunal competente, e a sua sujeição à forma de processo comum, transformando-se o procedimento de injunção, em acção ordinária (cfr. artigo 7º nº2 do Dec.Lei nº32/2003, na redacção dada pelo Dec.Lei nº107/2005, de 01.07) – vide neste sentido, entre vários, o acórdão de 18.12.2008 do STJ, Proc. nº 08B3884.
E como não se descortina qual seja a inidoneidade processual que possa impedir a tramitação dos autos sob a forma de acção administrativa comum e que demandasse a absolvição da recorrida da instância, tal como o considerou a sentença recorrida, só nos resta concluir que o Tribunal “ a quo” fez, assim, incorrecta aplicação dos artigos 7º, nº2 do Dec. Lei nº32/2003, de 17.02, e artigos 35º e 37º e segs. do CPTA. No mesmo sentido já se pronunciou este TCAS, no Ac. proferido em 14.01.2010, rec. 05635/09
Improcedem na íntegra as conclusões do presente recurso.
x
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida e ordenando a baixa dos autos ao TAC de Lisboa, para aí prosseguir termos, se a isso nada obstar.
Custas pela recorrida
Lisboa, 29/09/2011

COELHO DA CUNHA
FONSECA DA PAZ
RUI PEREIRA