Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:724/14.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMPOSTO SELO
CADUCIDADE DIREITO AÇÃO
BOA FÉ
Sumário:I- Existindo três prestações para pagamento do imposto liquidado, e independentemente da posição que se assuma na controvérsia jurídica sobre os prazos de impugnação da liquidação do imposto do selo a que se refere a verba 28 da TGIS, o facto de em cada uma das notas de cobrança se prever expressamente a impugnação da liquidação, nos termos e prazos estabelecidos no artigo 102.º do CPPT, impõe que face ao princípio geral de direito da boa fé e sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração Tributária, porquanto traduzirem expetativas e confiança que merecem ser tuteladas, se deva relevar como início do prazo de três meses da impugnação o que se conta do termo do prazo de pagamento voluntário da prestação em causa.

II- A impugnação tem sempre por objeto a liquidação na sua totalidade e não a prestação a que se refere a nota de cobrança de Imposto de Selo.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

P….., SA, veio interpor recurso dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pela Mmª. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou verificada a exceção perentória de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolveu do pedido a Fazenda Pública, relativamente aos atos de liquidação de Imposto de Selo de 2012, efetuados com base no nº 28.1 da Tabela Geral de Imposto (TGIS), referente ao prédio em regime de propriedade total com divisões suscetíveis de utilização independente, designado U 003392, freguesia de Sacavém, concelho de Loures.


A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

I.Os vícios de duplicação de coleta e de falta de autorização legal para a liquidação do imposto não são meras situações de ilegalidade, subsumíveis nos fundamentos da impugnação judicial, nos termos do artigo 99º do CPPT.

II. Pelo contrário: são situações de especial gravidade que a Lei expressamente consagra como fundamento de Oposição à Execução Fiscal (artigo 204º do CPPT).

III. Desta distinção legal há que tirar todas as devidas consequências.

IV. Na falta de um elenco legal de situações que expressamente determinem a nulidade da liquidação, e na presença de uma norma geral que estende a possibilidade de arguição de vício noutro prazo a outras normas que o prevejam (artigo 102º nº 4 do CPPT), forçoso é concluir que o vício de duplicação da coleta, assim como o vício de falta de autorização legal para a liquidação, assumem uma especial gravidade, que determina a nulidade do ato que deles padeça.

Ainda que se entendesse que tais vícios não determinam a nulidade, ainda assim, a sua arguição, em sede de impugnação judicial, deve ser admitida a todo o tempo ou, pelo menos, até à data do termo do prazo para a Oposição à Execução, ao abrigo do número 4 do artigo 102º do CPPT.

VI. A bem da certeza e segurança jurídicas, é forçoso reconhecer que as situações previstas no artigo 204º do CPPT como fundamento para a oposição em matéria fiscal, são situações de especial gravidade que determinam a nulidade da liquidação que enferme de tais vícios, ou, no mínimo, que a arguição de tais vícios em sede de Impugnação possa ser feita a todo o tempo, ou pelo menos até ao termo do prazo da Oposição à execução.

VII. Independentemente dos vícios invocados e da consequência jurídica desses vícios – nulidade ou anulabilidade da liquidação – importa discutir também, autonomamente, no caso concreto dos autos, qual a data relevante para o início do prazo legal normal para a Impugnação, que é de 3 meses a contar do termo do prazo do pagamento voluntário. A primeira liquidação do Imposto relativa ao ano de 2012, foi notificada à Impugnante em Dezembro de 2012 e foi efetuada de uma só vez: uma só liquidação, um só pagamento, a efetuar até 20 de Dezembro de 2012.

IX. Em março de 2013 a Recorrente foi notificada para pagar novamente o Imposto, relativo ao ano de 2012.

X. Naturalmente, considerou estar perante um caso de duplicação da coleta do Imposto, vício que poderia invocar a todo o tempo, e de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 204.º do CPPT.

XI. Em junho de 2013, a Recorrente recebeu nova notificação para pagamento do Imposto, com expressa referência a que se referia ao Imposto de 2012 e com expressa menção de que poderia Impugnar no prazo de 3 meses a contar do termo do prazo de pagamento voluntário daquela notificação

XII. O mesmo ocorreu com a terceira notificação, a qual fixa um prazo de pagamento voluntário a terminar em 30 de Novembro de 2013, mencionando expressamente o prazo para Impugnação de 3 meses a contar do termo do prazo do pagamento voluntário de 30 de Novembro de 2013.

XIII. A Impugnação deu entrada antes de decorrido o prazo de 3 meses a contar do termo do prazo para pagamento voluntário da 3ª notificação.

XIV. E, por isso, antes de decorrido o prazo expressamente notificado à Contribuinte como sendo o prazo para o exercício da sua defesa.

XV. O princípio da certeza e da segurança jurídica determina, no caso concreto, que é o prazo fixado na notificação que deve prevalecer sobre qualquer outro que não esteja expresso na Lei.

XVI. A Lei que aprovou o Imposto em causa nada diz sobre o prazo para Impugnação da respetiva Liquidação; assim como nada diz sobre a natureza de cada um dos pagamentos, ou se se trata de três liquidações parciais, ou de pagamentos por conta.

XVII. A natureza prestacional dos pagamentos exigidos à Impugnante, com referência expressa ao ano de 2012, não resulta da Lei.

XVIII. E tendo a Impugnante sido expressamente notificada, em Novembro de 2013, de que dispunha do prazo de 3 meses a contar do final de Novembro de 2013 para Impugnar a Liquidação, relativa ao não de 2012, não lhe era exigível o cumprimento de outro prazo que não o que lhe foi expressamente fixado na notificação.

XIX. A apreciação da questão de saber qual o ano a que diz respeito a Liquidação e se a Lei que criou o Imposto permite ou não a sua Liquidação em 2013 para o ano de 2012 - sendo que prevê expressamente a liquidação do imposto de 2012 no próprio ano de 2012 e essa liquidação foi feita à contribuinte em 2012 – é necessariamente prévia à apreciação da eventual intempestividade da Impugnação,

XX. Na medida em que a falta de autorização legal para a Liquidação é motivo de nulidade da Liquidação, ou, no mínimo é vício que pode ser alegado a todo o tempo, pelo menos até ao termo do prazo para a oposição à execução, nos termos previstos no artigo 204º do CPPT, sendo, aliás, de conhecimento oficioso pelo Tribunal, tal como o da duplicação da coleta.

TERMOS EM QUE, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser julgado procedente o presente Recurso e, em consequência, ser revogada a douta Sentença recorrida e determinado que os autos devem prosseguir para decisão sobre o mérito da causa.


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para apreciação da matéria de exceção:

1- Em 22/03/2013, são efetuadas as liquidações de Imposto de Selo do ano de 2012, seguintes:

2- As liquidações a que se reporta o ponto anterior, respeitam às notas de cobrança nº ….. a ….. – cfr. fls. 19 a 269 dos autos;

3- As notas de cobrança, identificadas no ponto anterior respeitam a três prestações, a efetuar durante o mês de Abril, Julho e Novembro de 2013 – cfr. fls. 19 a 269 dos autos;

4- A impugnante não procedeu ao pagamento das notas de cobrança a que respeitam as liquidações de IS do ano de 2012, tendo sido instaurados os processos de execução fiscal – cfr. fls. 19 a 269 dos autos;

5- A presente impugnação foi deduzida em 28/02/2014 – cfr. 5 dos autos.



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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

6-Nas notas de cobrança evidenciadas em 2, constava, designadamente, a seguinte menção:

“Poderá reclamar ou impugnar a liquidação nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70.º e 102.º do CPPT” cfr. fls. 19 a 269 dos autos;


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou verificada a exceção da caducidade do direito de ação e absolveu do pedido a Fazenda Pública.

Importa, desde já, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo face à factualidade provada incorreu em erro de julgamento de direito ao ter decidido que o início do prazo para impugnar judicialmente as liquidações de imposto conta-se a partir do termo de pagamento voluntário da primeira prestação, pelo que tendo esta terminado em 30 de abril de 2013, e a Recorrente deduzido a impugnação em 28 de fevereiro de 2014, a mesma mostra-se intempestiva.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a impugnação judicial foi tempestivamente apresentada em 28 de fevereiro de 2014, porquanto, foi notificada três vezes para pagamento do imposto, a última das quais em 30 de novembro de 2013, sendo que, na sua esteira de razão, é a partir desta última data que se deve iniciar a contagem do prazo legal de três meses para impugnar.

Apreciando.

Vejamos, então, se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito.

Conforme resulta do acervo fático dos autos, encontramo-nos face a liquidações de imposto de selo a que se refere a verba 28 da TGIS, dispondo, neste particular, o artigo 44.º, nº5, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro: “Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI”.

Atenta a aludida remissão, importa ter presente o teor do citado artigo 120.º do CIMI, o qual, sob a epígrafe de “prazo de pagamento” preceitua que:

“1 - O imposto deve ser pago:

a) Em uma prestação, no mês de abril, quando o seu montante seja igual ou inferior a (euro) 250;

b) Em duas prestações, nos meses de abril e novembro, quando o seu montante seja superior a (euro) 250 e igual ou inferior a (euro) 500;

c) Em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, quando o seu montante seja superior a (euro) 500.

2 - Sempre que a liquidação deva ter lugar fora do prazo referido no n.º 2 do artigo 113.º o sujeito passivo é notificado para proceder ao pagamento, o qual deve ter lugar até ao fim do mês seguinte ao da notificação.

3 - Sempre que no mesmo ano, por motivos imputáveis aos serviços, seja liquidado imposto respeitante a dois ou mais anos e o montante total a cobrar seja superior a (euro) 250, o imposto relativo a cada um dos anos em atraso é pago com intervalos de seis meses contados a partir do mês seguinte inclusive ao da notificação referida no número anterior, sendo pago em primeiro lugar o imposto mais antigo.

4 - No caso previsto nos n.os 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes.

5 - Se o atraso na liquidação for imputável ao sujeito passivo é este notificado para proceder ao pagamento do imposto respeitante a todos os anos em atraso».

Aqui chegados e atento o supra aludido, nada temos a apontar ao raciocínio vertido pelo Tribunal a quo quando propugna que “o modo de pagamento do imposto (em prestações) não interfere com o prazo de cobrança voluntária do imposto, pois o ato tributário é único e indivisível.”, e isto porque, de facto, apenas existe um único ato de liquidação, embora a cobrança da coleta se possa fazer faseadamente. Noutra formulação dir-se-á que não há tantas liquidações quantas prestações de pagamento, decorrendo tal inferência, desde logo, do disposto no artigo 120.º, nº4 do CIMI.

Mas já não acompanhamos a cominação que é dada pela primeira instância a essa inferência, ou seja, a caducidade do direito de ação. Com efeito, ajuizamos que tal inferência não permite, per se, que o prazo de impugnação se deva contar a partir do termo do prazo de pagamento da primeira prestação, desde logo, porque tal denegaria tutela à parte e bem assim porque, atentando no teor da notificação tal esteira de entendimento colidiria, desde logo, com o princípio da boa-fé.

Senão vejamos.

Na apreciação que se segue adotaremos – transcrevendo – a análise esclarecedora e detalhada que foi feita no Acórdão deste TCA Sul, de 03 de maio de 2018, proferido no processo nº 723/14.7BELRS, a qual merece a nossa inteira concordância. Trata-se de Aresto prolatado em impugnação judicial deduzida pela mesma Recorrente, relativamente a situação fática em tudo idêntica à dos presentes autos.

Lê-se em tal acórdão:

“A apontada indivisibilidade do acto de liquidação, sendo verdade, apenas obriga a que o objecto da impugnação seja o próprio acto de liquidação “in totum” e não cada uma das prestações de pagamento, mas nada revela quanto aos prazos de impugnação.

A questão, note-se, não era pacífica na jurisprudência e, tanto assim, que o legislador se viu na necessidade de aditar um n.º2 ao art.º 129.º do CIMI, estabelecendo que “Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da primeira ou da única prestação do imposto”, aplicável ao imposto do selo por força do n.º3 do art.º49.º do CIS (aditado pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto) que dispõe: “Aplica-se às liquidações do imposto previsto na verba n.º28 da Tabela Geral, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 115.º e no n.º 2 do artigo 129.º do CIMI”.

Todavia, tal norma do n.º2 do art.º129.º do CIMI (também aditada pelo Decreto-Lei n.º41/2016, de 1 de Agosto, não tem natureza interpretativa, não se aplicando a situações tributárias constituídas anteriormente à sua entrada em vigor, 02/08/2016, conforme art.º15.º, n.º1 da lei que a aditou.

É certo que as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, mas sem prejuízo das garantias anteriormente constituídas dos contribuintes (art.º12.º, n.º3 da LGT) e as normas que estabelecem prazos de reclamação e de impugnação são normas de garantia com protecção constitucional e sujeitas a reserva de lei (art.º103.º, n.º2, da CRP).

Subsiste, pois por resolver a questão central do recurso, qual a de determinar o momento a partir do qual se deve contar o prazo de impugnação da liquidação de imposto do selo, considerando que podem existir três prestações de pagamento da colecta.

Ora, documentam os autos que os avisos de cobrança relativos à 3.ª prestação (cf. ponto c) do probatório), indicam como data de liquidação, “2013-03-22”; como data limite de pagamento, “Novembro/2013”; e a menção seguinte: “Poderá reclamar ou impugnar a liquidação nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70.º e 102.º do CPPT” (cf. a título de exemplo, avisos de cobrança constantes de fls. 293 e 347).

O art.º102.º, do CPPT estabelece, no segmento relevante para os autos:

«1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) ….».

Ora, o sentido que um destinatário normal (art.º236.º, n.º1 do Código Civil) colhe do conteúdo da nota de cobrança, em vista do disposto no art.º102.º, n.º1 alínea a) do CPPT para que a própria nota remete, é o de que dispõe do prazo de três meses a contar do termo do prazo para pagamento voluntário indicado na nota de cobrança (Novembro/2013).

É certo que se refere expressamente que “Poderá reclamar ou impugnar a liquidação” e consta da nota como data da liquidação, “2013-03-22”; mas isso não comporta qualquer elemento esclarecedor quanto ao prazo de impugnação, bem pelo contrário, pois como vimos, objecto da impugnação é sempre o acto de liquidação cuja colecta é paga em prestações e não a prestação em causa.

Como o STA já tem vindo a decidir, a errónea indicação na notificação do prazo de impugnação deve ser o atendível para aferição da tempestividade do meio impugnatório.

Assim, no Acórdão daquele alto tribunal, de 12/04/2012, exarado no proc.º0122/12, escreveu-se: «…como é de elementar justiça, o contribuinte Autor não pode ser prejudicado por uma errada indicação do prazo para impugnação contenciosa, quando esse erro é da inteira responsabilidade da Administração, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, já que se trata de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas.

Essa informação foi determinante da actuação do ora Recorrido que, dentro da convicção em que actuou, apresentou a petição no prazo que oficialmente lhe foi fornecido, não lhe sendo exigível comportamento diferente do que teve. E desse quadro ressalta, com evidência, que agiu em estado ou situação de boa fé, juridicamente relevante, afrontando directamente essa boa fé o comportamento da Administração ao querer, in casu, prevalecer-se da situação para a qual, culposamente contribuiu através de informação errada, violando, simultaneamente, o princípio geral de direito de que ninguém deve ser prejudicado por falta ou irregularidade que lhe não sejam imputáveis.

Aliás, a lei em situação com fortes semelhanças à dos autos determina que se tenha como boa a informação errada dada pela Administração (lato sensu). É o caso previsto no n.º 3 do artigo 198.º do Código Processo Civil, onde se prevê expressamente que a concessão irregular de um prazo de defesa mais dilatado faz admitir a dedução de defesa no prazo indicado na citação, e é o caso previsto no n.º 6 do artigo 161.° desse mesmo Código, quando estipula que os erros e omissões das notificações efectuadas pela secretaria dos tribunais (órgãos administrativos) não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. É ainda o caso previsto no artigo 58.°, n.º 4, alínea a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que admite que a impugnação contenciosa de actos anuláveis (que, em princípio, deve ser feita no prazo de três meses), seja feita posteriormente caso se demonstre que a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente “por a conduta da Administração o ter induzido em erro”.

Disposições legais que mais não são que uma afloração do princípio geral de direito da boa fé – ninguém pode ser penalizado em consequência da falta ou irregularidade que lhe não é imputável – instituídas por exigências evidentes de justiça e que, por isso, devem ser consideradas de aplicação generalizada, não só por imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que decorre da ideia de Estado de Direito democrático consignada no artigo 2.º da Constituição, mas também por serem postuladas pelo próprio princípio do acesso aos tribunais e à justiça (arts. 20.º, n.º 1, e 68.º, n.º 4, da Constituição), que não pode deixar de exigir para sua concretização a concessão de uma possibilidade efectiva e não apenas teórica de utilização dos meios contenciosos de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos.

Em suma, o princípio de boa-fé, que funciona como cláusula geral de valoração dos comportamentos dos intervenientes, impõe que o Autor, ora Recorrido, não possa ser prejudicado pelo erro contido na notificação, da responsabilidade de Administração» (fim de cit.).

De resto, compreende-se mal que a AT mantivesse as mesmas indicações constantes da nota de cobrança relativa à 1.ª prestação, nas notas de cobrança relativas às 2.ª e 3.ª prestações, se, como parece, a sua posição na controvérsia sobre os prazos de impugnação já alinhava pela solução que, posteriormente, veio a ser a consagrada pelo legislador no aditado n.º2 ao art.º129.º do CIMI.

Tudo visto, entendemos que, independentemente da posição que se assuma na controvérsia interpretativa sobre os prazos de impugnação da liquidação, existindo três prestações para pagamento do imposto liquidado, o facto de em cada uma das notas de cobrança se prever expressamente a impugnação da liquidação, nos termos e prazos estabelecidos no art.º102.º do CPPT, impõe que face ao princípio geral de direito da boa fé e sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, por se tratar de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas, se deva relevar como início do prazo de três meses da impugnação o que se conta do termo do prazo de pagamento voluntário da prestação em causa.”

Face a todo exposto, transpondo os conceitos de direito supra expendidos, entende-se, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, que a impugnação judicial deduzida é tempestiva, visto que interposta em 28 de fevereiro de 2014, contra atos de liquidação de imposto de Selo cujo pagamento voluntário teria lugar no mês de novembro de 2013, donde dentro do prazo legal dos três meses contemplados no citado normativo 102.º, nº1, alínea a), do CPPT.

Deste modo, a sentença que assim o não decidiu tem de ser revogada.


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IV- Decisão

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul, em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, e ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo para conhecimento das questões prejudicadas.

Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique.

Lisboa, 04, de junho de 2020

(Patrícia Manuel Pires)


(Cristina Flora)


(Tânia Meireles da Cunha)