Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09227/15
Secção:CT
Data do Acordão:01/12/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO. NULIDADE PROCESSUAL DE CONHECIMENTO OFICIOSO.
PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL.
C.I.V.A. OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
DEDUÇÃO E REEMBOLSO DE I.V.A. NOÇÃO.
ARTº.9, Nº.30, DO C.I.V.A.
ISENÇÃO DA TRIBUTAÇÃO EM SEDE DE I.V.A. DA LOCAÇÃO DE BENS IMÓVEIS.
REGIME DE RENÚNCIA À ISENÇÃO DO I.V.A. NAS OPERAÇÕES IMOBILIÁRIAS.
DEC.LEI 241/86, DE 20/08. DEC.LEI 21/2007, DE 29/1.
EXIGÊNCIA QUE O CERTIFICADO DE RENÚNCIA SEJA EXIBIDO AQUANDO DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO.
Sumário:1. O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte.
2. No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.).
3. A análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário).
4. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
5. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
6. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
7. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.
8. Com a isenção prevista no artº.9, nº.30, do C.I.V.A., actual artº.9, nº.29, do mesmo diploma, pretendeu o legislador isentar da tributação em sede de I.V.A. a locação de bens imóveis, ou seja, a renda recebida pela cedência de espaço nu, tanto para fins habitacionais como industriais, comerciais ou outros, não abrangendo, todavia, a isenção as prestações e serviços que exorbitam do contrato de arrendamento, respeitando a outro género de contrato, como o alojamento no âmbito da actividade hoteleira e análogas.
9. E recorde-se que o princípio geral de tributação, consagrado no C.I.V.A., considera que a locação de bens imóveis é uma prestação de serviços sujeita a I.V.A., em resultado da conjugação do artº.1, nº.1, al.a), com o artº.4, nº.1, do mesmo diploma. No entanto, o próprio C.I.V.A. prevê derrogações ao princípio geral, entre as quais se encontra a prevista no artº.9, nº.30, que determina que a locação de bens imóveis se encontra isenta de I.V.A. (estamos perante uma isenção simples ou incompleta, a qual não confere direito à dedução de imposto, ou seja, sem crédito de imposto a montante), tudo na esteira do consignado no artº.13, da Sexta Directiva I.V.A. (cfr.directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977). O contrato de locação de imóvel que se enquadra na norma sob exegese, independentemente da natureza jurídica do negócio e do estatuto do locador, consiste na colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, em conformidade com o conceito de locação definido nos artºs.1022 e 1023, do C.Civil (a renda recebida pela cedência de espaço nu), assim constituindo uma actividade relativamente passiva ligada ao simples decurso do tempo e que não gera um valor acrescentado significativo.
10. Permite a lei que o sujeito passivo renuncie ao regime de isenção de I.V.A. previsto no citado artº.9, nº.30, do C.I.V.A., assim passando a ser tributadas em I.V.A., por opção expressa do sujeito passivo (que passa a poder deduzir o mesmo imposto, estando reunidas as condições legais para tal), além do mais, nas operações relativas à locação de imóveis, conforme dispunha o artº.12, nº.4, do C.I.V.A.
11. A possibilidade de renúncia à isenção do I.V.A., nas operações imobiliárias, encontrava consagração no artº.13, C, da Sexta Directiva (actualmente no artº.137, da Directiva I.V.A.-2006/69/CE, do Conselho, de 24/7), cabendo aos Estados-Membros a determinação e regulamentação das condições do exercício deste direito nas suas legislações internas. O regime especial de renúncia à isenção nas operações imobiliárias actualmente em vigor, foi aprovado pelo dec.lei 21/2007, de 29/1 (diploma que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, portanto em 30/1/2007 - cfr.artº.6, do mesmo diploma), o qual revogou o anterior dec.lei 241/86, de 20/08, incorporando as alterações promovidas ao abrigo da Directiva I.V.A.
12. Recorde-se que o artº.12, nº.6, do C.I.V.A., em vigor em 2006 (anterior à alteração introduzida pelo artº.1, do dec.lei 21/2007, de 29/1), ao exigir expressamente que o certificado de renúncia seja exibido “aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão” pressupõe, necessariamente, que o contrato seja celebrado em data posterior ou contemporânea à do certificado, pois só assim, este poderá ser exibido no momento da sua celebração. Tal exigência (de que o certificado de renúncia seja exibido aquando da celebração do contrato) passou a estar consagrada no artº.5, do regime de renúncia constante do citado dec.lei 21/2007, de 29/1.
13. A exigência de declaração prévia, junto da A. Fiscal, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção é compatível com o direito da União, tal como já se pronunciou o TJUE no Caso Kirchberg (C-269/03, de 9/09/2004) a propósito de uma disposição da lei Luxemburguesa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.345 a 359 do presente processo que julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, "B..., S.A. - Sucursal em Portugal", visando mediatamente pedidos de renúncia à isenção de I.V.A. efectuados relativamente a dois imoveis.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.373 a 389 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta decisão de que se recorre não traduz uma correcta valoração e interpretação da matéria fáctica dada como provada, nem tão pouco uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes, em prejuízo da apelante. Na verdade;
2-Não está em causa qualquer liquidação, mas apenas o reconhecimento do direito a dedução do IVA suportado, ou o direito à renúncia a isenção de IVA com o consequente direito à dedução do mesmo, sendo a acção administrativa especial o meio apropriado e não a impugnação judicial;
3-Neste pendor, a presente demanda eivada que está por erro na forma de processo, que como bem atesta o Código de Processo Civil, maxime, artigo 196°, é de conhecimento oficioso, pelo que não poderia ser aceite a presente impugnação em juízo, e que aqui expressamente se invoca para todos os legais efeitos;
4-Conforme vertido na douta sentença, a vexata quaestio "passa por saber se tendo a impugnante celebrado o contrato de locação financeira em 2006 e formalizado o pedido de renúncia em Fevereiro de 2007, qual dos regimes de renúncia de isenção lhe é aplicável e se preenche as condições de renúncia.'';
5-Mais a mais, laborou o respeitoso Tribunal a quo, em erro de julgamento, porquanto in casu, não se aplica o regime do Decreto-Lei 241/86, como erradamente este considerou, mas sim o Decreto-Lei 21/2007;
6-Mas para melhor se descortinar do desacerto da decisão prolatada pelo respeitoso Tribunal a quo, cumpre chamar à colação o artigo 5° do Decreto-Lei 21/2007 de 29 de Janeiro, que preconiza o seguinte: "1- É revogado o Decreto-Lei n°241/86, de 20 de Agosto, 2- As renúncias à isenção validamente exercidas ao abrigo do Decreto-Lei nº241/86, de 20 de Agosto, continuam a produzir efeitos enquanto vigorarem os contratos respectivos, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 10° do regime aprovado pelo artigo 3° do presente decreto-lei";
7-E o artigo 6° (Entrada em vigor), "O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (...).";
8-Ora, resulta pacífico que o Decreto-Lei n°21/2007, de 29 de Janeiro, entrou em vigor no dia 30/01/2007;
9-Importa pois que conforme resulta dos factos provados e dos não provados, apenas em Fevereiro, a impugnante, diligenciou para proceder à renúncia da isenção de IVA, pelo que, apenas tendo tentado em 12 de Fevereiro de 2007 formalizar o pedido, o que não logrou;
10-Assim, tal impedimento não tem qualquer relevância pois mesmo que na primitiva tentativa não lograda se considerasse como efectiva, seria sempre na vigência do regime do Decreto-Lei n°21/2007;
11-Ora, o respeitoso Tribunal a quo, na sentença, a fls. 15, dá razão à impugnante pelo facto de se tratar de uma situação de fronteira com a entrada em vigor do novo regime;
12-Entendemos que não existe base legal para tal decisão, pois no estrito cumprimento do princípio da legalidade, que como se sabe tem cobertura constitucional, a partir da publicação do DL 21/2007 (vide artigo 6°), o antedito diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, não podendo haver situações de fronteira, sendo a lei clara e expressa, ou se aplica este diploma, ou o anterior, dependendo da data que se requer a renúncia à isenção de IVA;
13-Para tanto devemos ter em consideração a data dos factos, sendo que in casu, não pode ser a data do contrato, mas sim do pedido de renúncia à isenção de IVA;
14-Na verdade, o contrato de aquisição da fracção autónoma designada pela letra "B", inscrita provisoriamente na matriz sob o artigo P4175 da freguesia do ..., concelho de ..., ocorreu em 29/12/2006 (2) dos factos assentes), sendo que só em 12 de Fevereiro a impugnante tentou obter o certificado de renúncia à isenção de IVA;
15-Entendemos que o pedido de renúncia à isenção de IVA é um acto autónoma, diferente do contrato, sendo este que deve ser tido em conta para aferir do DL aplicável;
16-Neste conspecto, estando em causa um procedimento que permite a renúncia a uma isenção prevista no Código do IVA, entendemos pois que as normas sobre o procedimento e processo são de aplicação imediata, pelo que o artigo 5° n°1 do DL 21/2007 preconiza que "As renúncias à isenção validamente exercidas ao abrigo do Decreto-Lei n°241/86, de 20 de Agosto, continuam a produzir efeitos enquanto vigorarem os contratos respectivos";
17-Assim, claro e cristalino se torna que aquando da entrada em vigor do antedito diploma, a renúncia à isenção, não fora exercida relativamente ao imóvel sito em ..., contrariamente ao sito em ..., daí a diferença de tratamento, pois estavam abrangidos por diferentes diplomas legais;
18-Por conseguinte, salvo o devido respeito, que muito é, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados;
19-Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas;
20-TERMOS EM QUE, deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com todas as consequências legais. Todavia, em decidindo, Vossas Excelências farão a costumada Justiça!
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do Tribunal "a quo" (cfr.fls.390 a 408 dos autos), rematando com as seguintes Conclusões:
1-Não pode a impugnante, ora recorrida, concordar com os termos do recurso apresentado pela Autoridade Tributária e Representante da Fazenda Pública, porquanto o mesmo se encontra totalmente desprovido de fundamentos de facto e de direito. Desde logo;
2-Não deve proceder a excepção invocada pelo Exmo. Senhor Representante da Fazenda Pública nas suas, aliás doutas, alegações de recurso, na medida em que, em face do disposto no nº1 do artigo 198°, do CPC, bem como do artigo 87°, n°2 do CPTA, aplicável ex vi do disposto no artigo 2° do CPPT, a excepção referente à forma do processo é extemporânea e não pode ser agora invocada. Quanto à questão de mérito;
3-Andou bem o douto Tribunal a quo ao entender que no caso em concreto se aplicaria o regime estabelecido no Decreto-Lei n°241/86, de 20 de Agosto e não o regime estabelecido no Decreto-Lei n°21/2007, de 29 de Janeiro. Tanto mais que;
4-A motivação do Ilustre Tribunal a quo se baseia num conjunto de factos que não foram impugnados, nem contestados e que, no seu conjunto, tiveram a virtude de demonstrar ao douto Tribunal a quo que (págs. 13 e seguintes da douta sentença):
"... a actuação da Administração Tributaria criou a convicção na impugnante que, quer o pedido, quer o certificado poderiam ser concretizados em momento posterior ao acto, razão pela qual não era possuidora de um certificado de renúncia à data da celebração do contrato."
Que,
“… a impugnante não conseguiu efectuar o pedido via internet, por se ter confrontado com um obstáculo inultrapassável só imputável à Administração Tributária, que não actualizou o artigo matricial …”
Que,
"Ora, o pedido foi feito pelo meio previsto no regime aprovado pelo Dec-Lei n°21/2007, (...) mas esse pedido respeita aos contratos relativos à fracção sita em ..., concelho de ..., celebrados em data em que se encontrava em vigor o regime previsto no Dec.-Lei n°241//86, de 20 de Agosto, pelo que estes contratos estão abrangidos por esse regime e não pelo que entrou em vigor um mês depois à sua celebração.";
5-Contrariamente ao alegado pelo douto representante da Fazenda Pública a págs. 8 das suas, aliás doutas, alegações, o contrato cuja isenção de IVA se pretende renunciar não tem eficácia meramente inter partes... tal poderia seria verdade, se o mesmo não tivesse implicações jurídico-fiscais e não fosse condição de eficácia do reconhecimento de um direito constante do artigo 12° do Código do IVA;
6-Atendendo à data em que ocorreram a transmissão do imóvel e a celebração do contrato de locação financeira, entende a recorrida que deve aplicar-se ao imóvel de ... o regime em vigor aquando da ocorrência dos factos constitutivos do seu direito - o regime aplicável em 2006;
7-Tal decorre tanto dos termos das regras gerais (CC) como especificas (LGT) de aplicação da lei no tempo, impondo que aos factos constitutivos das relações e situações jurídicas se aplique sempre a lei em vigor nesse momento e nunca leis posteriores;
8-Correspondendo o contrato de compra e venda, onde se incorpora o exercício do direito à renúncia da isenção, a um facto constitutivo da relação jurídica tributária, o regime legal que estabelece os seus requisitos de validade substancial e formal não pode ser qualificado de regime procedimental;
9-Como tal, não pode ser desqualificada a aplicação do DL 241/86, como o pretendeu a Autoridade Recorrente, sob a invocação do artigo 12°, n°3, da LGT;
10-Tal facto levaria a atentar contra os direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos da recorrida, que renunciou à isenção nos termos do regime em vigor à data do facto constitutivo do seu direito;
11-Motivos pelos quais se entende que a AT errou ao considerar aplicável o regime legal de renúncia à isenção previsto no DL 21/2007;
12-Por todos os factos, considera a recorrida que a Autoridade Tributária actuou, no presente caso com dois pesos e duas medidas, admitindo soluções diferentes para situações em tudo iguais. Mais;
13-Que a neutralidade fiscal inerente ao IVA está a ser posta em causa, quando a Autoridade Tributária recusa o direito à dedução do IVA suportado na aquisição do Imóvel de ..., mas enriquece com o IVA que é cobrado nas rendas e lhe é integralmente entregue;
14-Em síntese:
1. Pretende a autoridade Recorrente aplicar, o regime vertido no DL 201/2007, de 29 de Janeiro, a factos ocorridos antes da sua publicação e entrada em vigor;
2. Faz tábua rasa do entendimento (manifestado oficialmente por vários meios conforme resulta da prova produzida) e actuação mantidos por mais de 20 anos por si própria sem curar da convicção que essa actuação criou nos contribuintes, no caso em concreto na ora recorrida;
3. Não atende à violação do princípio da boa-fé, consubstanciado na confiança gerada na recorrida;
4. Não atende à violação do princípio da igualdade, perante demais situações, incluindo as dos imóveis de ... e de ... da recorrida – e isto só para falar das operações formalizadas em 2006;
5. Não atende à violação do princípio da certeza e da segurança jurídicas, ínsitos nos artigos 12° da LGT e 106° da CRP. Donde;
15-Não podem proceder as, aliás doutas, alegações da Fazenda Pública, na medida em que não pode a mesma pretender que se aplique nova lei a factos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor;
16-TERMOS EM QUE, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso improceder, mantendo-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências. Só assim se decidindo, SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.423 e 424 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.426 e verso do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.347 a 351 dos autos - numeração nossa):
1-A impugnante, "B..., S.A. - Sucursal em Portugal", com o n.i.p.c. …, tem como objecto social a locação financeira e desenvolve, para efeitos de IVA, uma actividade mista, encontrando-se enquadrada no regime normal, mensal (cfr.relatório de inspecção tributária junto a fls.176 a 194 do processo de revisão do acto tributário apenso);
2-Por escritura outorgada em 29/12/2006, a impugnante comprou a fracção autónoma designada pela letra "B", inscrita provisoriamente na matriz sob do artigo P4175 da freguesia do ..., concelho de ..., pendente de avaliação, pelo preço de € 8.000.000,00, acrescido de IVA, que declarou destinar a ser dada em locação financeira imobiliária (cfr.documento junto a fls.58 a 63 dos presentes autos);
3-Em 29/12/2006 a impugnante e a sociedade "S..., Lda." celebraram um contrato de locação financeira imobiliária relativo à fracção identificada no número anterior, e o n°2, do seu artigo 4° é do seguinte teor "Dado que é solicitada a renúncia à isenção do IVA, o desembolso global será acrescido de IVA" (cfr.documento junto a fls.64 a 90 dos presentes autos);
4-Nas condições particulares do contrato de locação financeira imobiliária, a que alude o número anterior, consta do n°2, do artigo 3° o seguinte: "Tendo em conta que a renúncia à isenção do IVA referida no n°2 do artigo 4° do Contrato de Locação Financeira Imobiliária não é imediata, a Locação cobrará juros a taxa prevista no Contrato sobre os montantes do IVA até efectiva recuperação." (cfr.documento junto a fls.64 a 90 dos presentes autos);
5-A impugnante, tentou, pelo menos em 12/02/2007, apresentar pedido de renúncia à isenção, via internet, relativo à fracção sita na freguesia do ..., concelho de ..., o que não foi possível concretizar por o artigo não ser válido (cfr.documentos juntos a fls. 170 e 171 do processo de revisão do acto tributário apenso);
6-Por requerimento datado de 26/02/2007, a impugnou solicitou ao Chefe do … Serviço de Finanças de Lisboa informação sobre a forma de operar a recuperação do IVA já suportado com a aquisição da fracção identificada no nº.2 supra, no período compreendido entre a celebração do contrato de locação financeira e a data de emissão do certificado de renúncia, por não ter sido possível obter o certificado, através do site da DGCI, via internet (cfr.documentos juntos a fls.93 a 96 dos presentes autos);
7-Consta do ponto 18 da informação n°1338, datada de 24/03/2010 que em 03/01/2008 a impugnante obteve o certificado de renúncia à isenção de IVA relacionado com a fracção identificada nos nºs.2 e 3 supra (cfr.informação exarada a fls.283 a 303 do processo de revisão do acto tributário apenso);
8-Em 06/08/2008, no âmbito do proc. n°…/07.0DLSB, M…, Directora de Serviços da Direcção de Serviços de Reembolsos da Direcção Geral dos Imposto, prestou declarações na qualidade de testemunha, constantes do auto de inquirição de fls.121 a 125, que aqui se dá por integralmente reproduzido, onde, para além do mais, afirmou "(...) ainda que a renúncia à isenção de IVA tenha sido pedida e certificada em data posterior à celebração do acto, é entendimento da Direcção de Serviços que se constitui o direito à liquidação e reembolso do IVA (...) o que importa é que na operação de transmissão tenha sido efectivamente liquidado e entregue o IVA" (cfr.auto de inquirição cuja cópia se encontra junta a fls.121 a 125 dos presentes autos);
9-No ofício n°055195, datado de 26/06/1996, dirigido à "S…, S.A.", relativo a exposição feita por esta sociedade sobre "IVA - Renúncia a isenção na locação de bens imóveis", consta decisão de deferimento do pedido de dedução de IVA relativo a situação em que a renúncia à isenção ocorreu em momento posterior à celebração do contrato (cfr.documento junto a fls.117 a 120 dos presentes autos);
10-Até ao início do ano de 2007, a impugnante requereu e obteve certificados de renúncia à isenção posteriormente à aquisição/locação dos imóveis (cfr.depoimento das testemunhas constante da acta de inquirição junta a fls.309 e 310 dos presentes autos; informação exarada a fls.283 a 303 do processo de revisão do acto tributário apenso);
11-O requerimento apresentado pela impugnante, a que se refere o nº.6 supra, foi apreciado pela Administração Tributária, na informação n°…, datada de 19/02/2009, que aqui se dá por integralmente reproduzida, no sentido de que o certificado deve ser requerido antes da celebração do contrato, sobre a qual recaiu despacho do Subdirector-Geral dos Impostos, datado de 25/02/2009, com o seguinte teor "Concordo. Comunique-se" (cfr.documento junto a fls.52 a 57 dos presentes autos);
12-Em resultado de acção de inspecção, na sequência de pedido de reembolso de IVA, foi este indeferido e a Administração Tributária procedeu à emissão de liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas a Dezembro de 2006 e a Agosto de 2007, no montante total de € 2.290.426,34, por dedução indevida em consequência da impugnante não ter certificados de renúncia emitidos até à data da celebração do contrato, sendo um deles relativo à fracção sita em ... (cfr.relatório de inspecção tributária junto a fls.176 a 194 e respectivos anexos de fls.195 a 281, tudo do processo de revisão do acto tributário apenso; documentos juntos a fls.140 e 145 do processo de revisão do acto tributário apenso);
13-As liquidações adicionais referidas no número anterior foram pagas pela impugnante (cfr.documentos juntos a fls.121 e 122 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.124 do 107 de fls. 302 do processo administrativo apenso);
14-Em 1/04/2009 a impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa, para exercer o direito à dedução do IVA, relativo às liquidações adicionais no valor de € 1.680.000,00 e € 538.763,84, alegando, para além do mais, que aos dois processos se deve aplicar o regime em vigor à data da celebração dos contratos, 16/6/2006 e 29/12/2006 (cfr. articulado inicial junto a fls.1 a 18 do processo de revisão do acto tributário apenso);
15-Por despacho proferido em 14/04/2010 do Subdirector-Geral dos Impostos (substituto legal do Director-Geral) foi o pedido de revisão parcialmente deferido, determinando a anulação da liquidação n°…, de 01/03/2008 e respectivos juros compensatórios, relativa a Agosto de 2007 e no montante total de € 545.435,66, com a consequente restituição dos montantes pagos, mais mantendo as restantes liquidações relativas a IVA e juros compensatórios de Dezembro de 2006, referentes à fracção sita em ... (cfr.documentos juntos a fls.282 a 303 do processo de revisão do acto tributário apenso);
16-A informação n°…, datada de 24/03/2010, onde foi exarado o despacho do Subdirector-Geral, que aqui se dá por integralmente reproduzida, refere, além do mais:
"(...)
Note-se que a emissão do certificado por via electrónica, apenas se começou a efectuar a partir da entrada em vigor do novo regime, o que significa que qualquer tentativa para obter o certificado via internet, significará sempre que já estaria na vigência do novo regime de renúncia. No caso associado ao imóvel de ..., ao invés do que sucedeu com a renúncia à isenção ao imóvel de ..., atendendo às datas conhecidas dos pedidos efectuados, já vigorava o regime de renúncia constante, do DL 21/2007, de 29 de Janeiro.
(...)
Face aos elementos que integram os Autos, verifica-se que na data da celebração do contrato, não estavam reunidas todas as condições e formalismos previstos para o exercício da renúncia, mais concretamente a detenção do certificado de renúncia.
(…)
Assim sendo, estamos perante uma operação isenta ao abrigo do actual n°29 do art° 9° do CIVA, que não confere direito à dedução de imposto.
(…)";
(cfr.documentos juntos a fls.282 a 303 do processo de revisão do acto tributário apenso);
17-Em 16/04/2010, através do ofício n°…, datado e registado em 15/04/2010, foi a impugnante notificada da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão (cfr. documentos juntos a fls.304 e 305 do processo de revisão do acto tributário apenso);
18-Em 15/07/2010 a impugnante remeteu por correio o articulado inicial da presente impugnação (cfr.data de registo dos correios aposta a fls.126 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provou que a impugnante tenha requerido certificado de renúncia relativo à fracção sita em ..., ..., junto do Serviço de Finanças, em data anterior a Fevereiro de 2007 (artigo 69° da pi).
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
As demais asserções da douta petição constituem conclusões de facto e/ou direito ou são inócuas para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “...A convicção do Tribunal alicerçou-se na consideração dos factos provados no teor dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo apenso, que não foram impugnados, na matéria aceite por acordo pelas partes, atenta a posição vertida nos respectivos articulados e no depoimento das testemunhas arroladas cuja credibilidade não foi questionada, as quais demonstraram conhecimento directo dos factos, quer pelas relações profissionais e de trabalho que mantinham com a impugnante, quer por se tratar da Directora dos Serviços de Reembolsos, tendo esta admitido a existência de situações em que o certificado foi solicitado e emitido posteriormente à celebração do contrato…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação intentada pelo recorrido, em consequência do que determinou a anulação da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão identificada no nº.15 do probatório supra, mais ordenando a devolução das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em primeiro lugar e em síntese, que nos presentes autos não está em causa qualquer liquidação, mas apenas o reconhecimento do direito à renúncia a isenção de I.V.A. com o consequente direito à dedução do mesmo, sendo a acção administrativa especial o meio apropriado e não a impugnação judicial. Que a presente demanda está eivada de erro na forma de processo, nulidade de conhecimento oficioso, pelo que não poderia ser aceite a presente impugnação em juízo, o que aqui expressamente se invoca para todos os legais efeitos (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, uma nulidade processual de conhecimento oficioso.
Dissequemos se o processo padece de tal vício.
Releve-se que a análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário).
O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.6415/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6862/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/3/2016, proc.5361/12; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág.344).
No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/2/2012, rec.441/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2012, proc.4704/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7103/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/3/2016, proc.5361/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.88 e seg.).
“In casu”, a forma de processo de impugnação é a adequada aos presentes autos, atendendo ao pedido formulado no articulado inicial, o qual consiste na anulação da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão do acto tributário (cfr.nº.15 do probatório), em que se manteve a liquidação de I.V.A., relativa a Dezembro de 2006, estruturada na sequência de pedido de reembolso efectuado pela sociedade impugnante/recorrida, conhecendo da legalidade da mesma (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/4/2003, rec.1771/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/11/2009, rec.681/09).
Concluindo, não se verifica qualquer situação de erro na forma de processo, contrariamente ao alegado pelo apelante.
O recorrente dissente do julgado alegando, igualmente e em sinopse, que o dec.lei 21/2007, de 29/1, entrou em vigor no dia 30/01/2007. Que só em 12 de Fevereiro de 2007 a sociedade recorrida tentou obter o certificado de renúncia à isenção de I.V.A. incidente sobre a locação do imóvel sito em .... Que face a tal pedido de renúncia à isenção de I.V.A. se deve aplicar o regime previsto no citado dec.lei 21/2007, de 29/1, que não o do anterior dec.lei 241/86, de 20/8. Que laborou o Tribunal "a quo" em erro de julgamento, porquanto, "in casu", não se aplica o regime do dec.lei 241/86, de 20/8, como erradamente este considerou, mas sim o regime do dec.lei 21/2007, de 29/1 (cfr.conclusões 4 a 19 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, se bem percebemos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro locupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2015, proc.6525/13).
Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.157 e seg.).
Com a isenção de I.V.A. consagrada no artº.9, nº.30, do C.I.V.A. (actual nº.29), pretendeu o legislador isentar da tributação em sede de I.V.A. a locação de bens imóveis, ou seja, a renda recebida pela cedência de espaço nu, tanto para fins habitacionais como industriais, comerciais ou outros, não abrangendo, todavia, a isenção as prestações e serviços que exorbitam do contrato de arrendamento, respeitando a outro género de contrato, como o alojamento no âmbito da actividade hoteleira e análogas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/9/2016, proc.8092/14; Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.148 e seg.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.276 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.135 e seg.).
E recorde-se que o princípio geral de tributação, consagrado no C.I.V.A., considera que a locação de bens imóveis é uma prestação de serviços sujeita a I.V.A., em resultado da conjugação do artº.1, nº.1, al.a), com o artº.4, nº.1, do mesmo diploma. No entanto, o próprio C.I.V.A. prevê derrogações ao princípio geral, entre as quais se encontra a prevista no artº.9, nº.30, que determina que a locação de bens imóveis se encontra isenta de I.V.A. (estamos perante uma isenção simples ou incompleta, a qual não confere direito à dedução de imposto, ou seja, sem crédito de imposto suportado a montante, em sede de operações internas), tudo na esteira do consignado no artº.13, da Sexta Directiva I.V.A. (cfr.directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977). O contrato de locação de imóvel que se enquadra na norma sob exegese, independentemente da natureza jurídica do negócio e do estatuto do locador, consiste na colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, em conformidade com o conceito de locação definido nos artºs.1022 e 1023, do C.Civil (a renda recebida pela cedência de espaço nu), assim constituindo uma actividade relativamente passiva ligada ao simples decurso do tempo e que não gera um valor acrescentado significativo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/9/2016, proc.8092/14; Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.15, Almedina, 2014, pág.139 e seg.).
Permite a lei que o sujeito passivo renuncie ao regime de isenção de I.V.A. previsto no citado artº.9, nº.30, do C.I.V.A., assim passando a ser tributadas em I.V.A., por opção expressa do sujeito passivo (que passa a poder deduzir o mesmo imposto, estando reunidas as condições legais para tal), além do mais, nas operações relativas à locação de imóveis, conforme dispunha o artº.12, nº.4, do C.I.V.A.
A possibilidade de renúncia à isenção do I.V.A., nas operações imobiliárias, encontrava consagração no artº.13, C, da Sexta Directiva (e actualmente no artº.137, da Directiva I.V.A.-2006/69/CE, do Conselho, de 24/7), cabendo aos Estados-Membros a determinação e regulamentação das condições do exercício deste direito nas suas legislações internas.
O regime especial de renúncia à isenção nas operações imobiliárias actualmente em vigor, foi aprovado pelo dec.lei 21/2007, de 29/1 (diploma que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, portanto em 30/1/2007 - cfr.artº.6, do mesmo diploma), o qual revogou o anterior dec.lei 241/86, de 20/08, incorporando as alterações promovidas ao abrigo da Directiva I.V.A.
Recorde-se que o artº.12, nº.6, do C.I.V.A., em vigor em 2006 (anterior à alteração introduzida pelo artº.1, do dec.lei 21/2007, de 29/1), ao exigir expressamente que o certificado de renúncia seja exibido “aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão” pressupõe, necessariamente, que o contrato seja celebrado em data posterior ou contemporânea à do certificado, pois só assim, este poderá ser exibido no momento da sua celebração.
Tal exigência (de que o certificado de renúncia seja exibido aquando da celebração do contrato) passou a estar consagrada no artº.5, do regime de renúncia constante do citado dec.lei 21/2007, de 29/1.
A exigência de declaração prévia, junto da A. Fiscal, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção é compatível com o direito da União, tal como já se pronunciou o TJUE no Caso Kirchberg (C-269/03, de 9/09/2004) a propósito de uma disposição da lei Luxemburguesa (cfr.ac.T.C.A.Norte-2ª.Secção, 30/10/2014, proc. 12/08.6BCPRT).
Também na doutrina impera o entendimento de que o cumprimento das obrigações declarativas prescritas na lei para a renúncia à isenção é condição de eficácia do exercício da mesma, pois para aplicação da isenção a Administração Fiscal necessita, naturalmente, de comprovar a existência dos pressupostos de aplicação de natureza subjectiva, como, por exemplo, o regime fiscal a que se encontra sujeito o locatário (cfr. Clotilde Celorico Palma, Vicissitudes da renúncia à isenção das operações imobiliárias em IVA, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Novembro de 2009, 2.ª Secção, rec.486/09, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 3, nº.1, 2010, pág.369).
Revertendo ao caso dos autos, independentemente do regime aplicável ao caso concreto ser o constante do anterior dec.lei 241/86, de 20/08, ou do actual dec.lei 21/2007, de 29/1, não tendo sido cumprido previamente o formalismo legal previsto na lei para a renúncia à isenção, ou seja, não tendo sido emitido, antes do facto gerador do imposto, o certificado de renúncia a ser exibido aquando da celebração do contrato (cfr.nºs.3 e 5 do probatório), o qual tem natureza constitutiva, então, à data a que se reporta o facto gerador do imposto em causa nos autos (Dezembro de 2006), a sociedade recorrida encontrava-se abrangida pelo regime-regra de isenção de I.V.A., previsto no citado artº.9, nº.30, do C.I.V.A., normativo que, conforme mencionado supra, não confere o exercício do direito à dedução do I.V.A. suportado, e nessa medida, o acto impugnado não merece censura, contrariamente ao que entendeu o Tribunal "a quo" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/10/2015, rec.1455/12).
Por último, sempre se dirá que o acto impugnado não viola os princípios da boa-fé, da igualdade e da certeza e da segurança jurídicas, contrariamente ao que defende a sociedade recorrida, embora sem concretizar tais violações.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente o recurso deduzido pela Fazenda Pública e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito devido a violação do disposto no artº.12, nº.6, do C.I.V.A., em vigor em 2006 (anterior à alteração introduzida pelo artº.1, do dec.lei 21/2007, de 29/1), mais se julgando improcedente a presente impugnação, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO e, em consequência, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a impugnação.
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Condena-se a sociedade recorrida em custas.
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Registe. Notifique.
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Lisboa, 12 de Janeiro de 2017


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Cremilde Miranda - 2º. Adjunto)