Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:97/11.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/29/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:REVERSÃO
GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - O exercício efetivo de funções de gestão é um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores.
II - Cabe à AT o ónus da prova do exercício efetivo de funções de gerente por parte do revertido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 05.12.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por A... (doravante Recorrido ou Oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 3344200701000233 e apensos, que o Serviço de Finanças (SF) de Lisboa 11 lhe moveu, por reversão de dívidas de coimas e imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinentes ao ano/exercício de 2006, da devedora originária N..., Lda.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A - O presente recurso, visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou a oposição judicial procedente, declarando o oponente parte ilegítima na execução.

B - Entendeu o tribunal a quo que: “ Assim não se encontrando junto/provado qualquer outro facto que permita concluir que o oponente exerceu de facto a gerência só podemos concluir que não estão verificados os fundamentos para a reversão, sendo o despacho que assim o decidiu ilegal.

C - Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, in casu, se mostravam verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução contra a administradora, designadamente a gerência de facto por parte da recorrida.

D - A lei não conceptualiza, em bom rigor, o que sejam os poderes de administração ou gerência, mas somos leva dos a considerar que são os que se traduzam na representação da empresa face a terceiros (ex: credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias, etc.) de acordo com o objeto social e mediante os quais o ente coletivo fique vinculado artigos 259º e 260º do CSC. A administração ou gerência de uma sociedade comercial constitui o órgão que possibilita a atuação no comércio jurídico com terceiros, ou seja, envolve atos de exteriorização da vontade social. Os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberação dos sócios (art.º 260, n1 do CSC).

E - O administrador/gerente, uma vez nomeado e iniciado o exercício das suas funções passa a ter direitos e obrigações para com a sociedade e para com terceiros. Há - de cumprir obrigações emergentes dos estatutos da sociedade e de outra origem interna e obrigações de variados preceitos legais. Tem o dever de administrar a empresa de modo a que ela subsista e cresça, para tal desenvolvendo os negócios adequados e, orientando a demais atividade daquela, devendo cumprir os contratos celebrados, pagar as dívidas da sociedade e cobrar os seus créditos e sempre de molde a evitar que o património sociedade se torne insuficiente para o pagamento do passivo da sociedade, e tem ainda a obrigação, in extremis, de pedir em tribunal a convocação dos credores para que estes e o juiz decidam o destino da empresa.

F - Nos presentes autos resulta claro que o ora recorrido foi gerente da sociedade devedora originária como o mesmo assente, mas ao contrário do que alega, e como defende a Fazenda Publica, até ao registo da renúncia na conservatória de registo comercial competente.

G - Posto isto, não se vislumbra qualquer ilegalidade praticada pela AT, antes se denotando o exercício da sua atividade dentro dos limites estritos da lei.

H - Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, levando a que também preconizasse um a errada valoração da factualidade dada como assente violando o direito aplicável, no caso os art.º 22º, 23º e 24º da LGT ; 3º, 1 1º, 14º e 15º do CRC; e , 168º, 256º e 258º do CSC.

Termos em que, concedendo - se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

Porém V. Ex.as decidindo farão

A costumada justiça”.

O Recorrido contra-alegou, nas formulando as seguintes conclusões:

“1ª – O recurso interposto pela Fazenda Pública foi admitido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, por decisão de 26-09-2019;

2ª - Esta decisão foi notificada à ora recorrente em 27-09-2019, notificação com a refrª 003651097;

3ª - A recorrente, nos termos do nº 3 do artigo 282º do CPPT, na redacção então em vigor, dispunha do prazo legal de 15 dias, a contar da notificação da decisão de admissão do recurso do Tribunal Central Administrativo Sul para, querendo, apresentar alegações;

4ª - O disposto no artigo nº 3 do 282º, do CPPT, na redacção então em vigor e aplicável ao caso concreto, não manda o Tribunal notificar as partes, neste caso a Fazenda Pública, para alegar;

5ª - O Tribunal Tributário de Lisboa não tinha, nem devia notificar a recorrente da admissão do recurso e para apresentar alegações, pois esta já havia sido há muito notificada dessa admissão;

6ª - O despacho proferido em 2-03-2020 pelo Tribunal “a quo” que mandou dar “cumprimento ao nº 3 do artigo 282º do CPPR” e a respectiva notificação, com data de 03-06-2020 sob o assunto: “Interposição de recurso (282º/3 do CPPT)”, nada relevam, pois que, então, o prazo para a recorrente alegar há muito que se encontrava esgotado, porque o mesmo conta-se da notificação à Fazenda Pública da admissão do recurso ocorrida por notificação de 27-09-2019, do Tribunal Central Administrativo Sul, com a refrª 003651097.;

7ª - A recorrente é que tinha que saber que notificada da decisão de 26-09-2020 que admitiu o recurso devia, querendo, alegar no prazo de 15 dias a contar dessa mesma notificação, no Tribunal Tributário de Lisboa;

8ª – Não tendo a recorrente alegado no referido prazo de 15 dias, contados da notificado do despacho que admitiu o recurso, o mesmo terá de ser julgado deserto por falta de alegações;

9ª - Se assim não for, o prazo que a Fazenda Pública teve para alegar é completamente desproporcional e irrazoável, pois que em vez de ter o prazo de 15 dias para alegar, contado desde a notificação da admissão do recurso, teve quase dez meses para o fazer, o que não é admissível, é ilegal e inconstitucional;

10ª - As alegações da Fazenda Pública são claramente extemporâneas, devendo o recurso ser declarado deserto e ser ordenado o desentranhamento das alegações da recorrente, tudo com legais consequências;

11ª – Resulta do disposto no nº 1 do artigo 24º da LGT e é jurisprudência pacífica o entendimento de que para a responsabilização pessoal dos gerentes não basta a gerência nominal ou de direito, sendo necessário que ocorra e se prove a gerência de facto, isto é, o exercício real e efectivo do cargo. Não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função;

12ª - É sobre quem pretende efectivar a responsabilidade subsidiária dos gerentes (neste caso sobre a Fazenda pública), que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência;

13ª – Para se provar o efectivo exercício de funções de gerência, não basta a mera invocação da inscrição no Registo Comercial do cargo de gerente, para daí se extrair actos de gerência praticados pelo oponente em nome e representação da sociedade devedora originária.

14ª - Face ao disposto no artigo 24º, nº 1, da LGT e no artigo 78º do Código das Sociedades Comerciais, compete à Fazenda Pública, e não ao eventual responsável subsidiário, o ónus da prova dos pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles os respeitantes à existência da efectiva gestão de facto e à culpa pela insuficiência do patromónio societário;

15ª - Ora, no caso em apreço, a Fazenda Pública não provou que o ora oponente e recorrido é gerente de facto, designadamente, no período em causa, de 1-01-2006 a 31-12-2009;

16ª – A Fazenda Pública não apresentou, nem alegou nos autos qualquer facto ou acto material, muito menos provou, donde resultasse que a partir, pelo menos, de 01-07-2004 o oponente e recorrido tivesse praticado qualquer acto administravo, representativo ou vinculativo da sociedade;

17ª - Como resulta dos elementos e provas constants dos autos e do elenco dos factos dados como provados, não se encontra provada a gerência de facto do oponente no período em causa;

18ª - O que se provou é que o oponente desde, pelo menos, 1-07-2014, além de não ser gerente de facto, também não era gerente de direito, como resulta da respectiva certidão comercial dada como assente no facto A) do elenco dos factos provados da douta sentença recorrida. Dela decorre que o oponente e recorrido renunciou à gerência em 01-07-2004 – vidé Av. 2 AP. 115/20100524- rectificação do AV. 1: “Data da renúncia: 2004-07-01”;

19ª – Desde da data de 18-05-2004, em consequência das citadas cessões de quotas, a nomeação do Sr V... como único gerente da mesma sociedade e da renúncia do oponente ao cargo de gerente, este Sr V... passou a ser o único gerente de facto e de direito da sociedade e a desenvolver actividades, em nome e representação desta sociedade, como seu único gerente, fazendo compras de materiais, emitindo facturas e assinando recibos em nome desta sociedade, como a testemunha M... afirmou na audiência, declarando que a dita sociedade com a firma “N..., Lda”, sendo já representada pelo mesmo Sr V..., como seu único gerente, executou trabalhos de construção civil em imóveis pertencentes à mesma testemunha, recebeu os correspondentes preços e emitiu as respectivas facturas e recibos;

20ª - Mesmo que se considerasse que o oponente era gerente de direito (o que não é verdade, nem se admite), a mera inscrição no Registo Comercial da sociedade, como gerente, no acto da constituição da sociedade, só por si, não permite concluir a existência de qualquer acto de gerência praticado pelo oponente em nome e representação da sociedade, nem, muito menos, permite concluir a culpa do oponente pela insuficiência do património da referida sociedade;

21ª - A Fazenda Pública, também, não provou a culpa do oponente pela insuficiência do património da referida sociedade, nem podia provar, pois, o mesmo desde pelo menos, 1-07-2014, não é gerente de facto;

22ª - Do elenco dos factos dados como provados na sentença, não se encontra provado qualquer facto donde resulte a culpado oponente pela insuficiência do património da referida sociedade, nem tal se podia provar, pois, se o oponente não exercia a gerência de facto, não era possível a prova da existência de nexo de causalidade entre a sua pretensa actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade;

23ª - No caso em apreço, face aos elementos constantes nos autos e à matéria provada não se encontram verificados (nem de facto, nem de direito) os requisitos/fundamentoscumulativo necessários para operar a reversão para o ora oponente;

24ª - O despacho de reversão é ilegal, como bem decidiu o tribunal “a quo”;

25ª - Mostra-se, pois, verificado o fundamento da oposição previsto na al. b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT;

26ª - Face à factualidade assente e aos elementos de prova constants nos autos, bem andou,o tribunal “a quo” ao ter declarado a ilegitimidade do oponente e a extinção da execução, julgando provada e procedente a oposição à execução;

27ª – A sentença recorrida não lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nem viola quaisquer disposições legais.

28ª - Devem, pois, improceder totalmente as alegações, conclusões e pretensões da Fazenda Pública, aliás, apresentadas muito para além do prazo legal, mantendo-se a douta sentença recorrida na ordem jurídica, tudo com legais consequências.

Nestes termos e nos mais de direito, com o douto suprimento de Vªs Excias, Senhores Drs. Juízes Desembargadores, deve: a) Serem declaradas extemporâneas as alegações de recurso da recorrente e, em consequência, ser declarado deserto o recurso interposta pela recorrente, por falta de alegações, com legais consequências; b) Se assim não se entender, negar-se provimento ao presente recurso e, com legais consequências, manter-se integralmente a douta sentença recorrida”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão prévia suscitada pelo Recorrido:

a) O recurso deve ser julgado deserto?

Questão suscitada pela Recorrente:

b) Há erro de julgamento, por se poder concluir que o Recorrido exerceu a gerência da devedora originária?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Do Registo Comercial da sociedade N..., Lda (devedora originária), consta, nomeadamente os seguintes registos e averbamentos:


«Imagem no original»

B) Contra a sociedade identificada em A) foram instaurados os seguintes processos de execução fiscal no Serviço de Finanças de Lisboa 11:

C) Em 08-03-2010 foi lavrada informação de que não são conhecidos bens penhoráveis à executada e que, por consulta à certidão da Conservatória do registo Comercial a executada tem como gerente A... (ora oponente) (fls 25, dos autos);

D) Em 08-03-2010 o Chefe do serviço de Finanças de Lisboa 11 proferiu Projecto de Despacho de Reversão (fls 26, dos autos)


«Imagem no original»


«Imagem no original»

E) Com data de 08-03-2010 foi enviada notificação ao oponente para audição prévia (reversão), para a residência sita na E…, em Lisboa, onde consta como fundamentos da reversão (fls 27, dos autos):

F) Em 26-04-2010 o Chefe do SF de Lisboa 11 proferiu despacho de reversão (fls 29, dos autos):


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G) O oponente foi citado constando da citação, junta a fls 30, dos autos:


«Imagem no original»

H) Em 31-05-2010 deu entrada a oposição (fls 4, dos autos);

I) Por despacho do Chefe do SF de Lisboa 11 foi fixada o montante da garantia a prestar (fls 36, dos autos);

J) Em 17-09-2010 o oponente prestou a garantia no montante de €3.246,76 (fls 38, dos autos);

K) À data de 31-12-2012 constava no Sistema de Gestão e registo do Contribuinte a morada do oponente sita na Estrada P….s, Fátima (fls 151 e 152, dos autos);

L) Do registo cadastral de V... consta “Modelo 3 de IRS/Trabalho De pendente (fls 137, dos autos);

M) Consta do Registo Central do Contribuinte entrado em 25-02-2015 a morada do oponente como sendo …, Fátima (fls 145 e 146, dos autos)”.

II.B. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados e na inquirição das testemunhas.

Não se valoriza a declaração de renúncia à gerência por parte do oponente datada de 1 de Julho de 2004 e a acta nº 2 datada de 1 do mês de Julho de 2004, onde ficou a constar que foi deliberado designar gerente o não sócio V... porquanto foram juntos só após a inquirição das testemunhas e neste último documento uma das assinaturas (em número de duas) encontra-se ilegível.

Da inquirição das testemunhas decorre:

T..., disse que a sociedade vendida a um cidadão com nome estrangeiro, no ano a seguir à sua constituição, ou seja, foi vendida em 2004, próximo do verão. Esse Sr. era tratado por V….. Foi pago o preço. A partir desta data o Sr. M…. afastou-se da sociedade.

M..., disse que o Sr. V..., ou a empresa dele, foi-lhe recomendado para fazer umas obras suas. O Sr. V... assinava como gerente da empresa e trabalhou para si; tinha a trabalhar vários homens. As facturas eram em nome da empresa, essa N....

Maria Teresa Pazo Pires Maurício, sócia do oponente nas sociedades, disse que emitiu uma procuração”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da questão prévia suscitada pelo Recorrido

Considera, antes de mais, o Recorrido que o recurso deve ser julgado deserto, em virtude de as alegações não terem sido apresentadas em tempo.

Vejamos então.

In casu, a sentença foi proferida a 05.12.2018, pelo que é aplicável o regime do CPPT, em termos de recursos, anterior à redação que foi dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro [cfr. o seu art.º 13.º, n.º 1, al. c), ii)].

Nos termos do art.º 280.º, n.º 1, do CPPT, na redação então vigente:

“Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

Esta disposição legal aplica-se aos recursos dos atos jurisdicionais praticados no âmbito dos processos regulados no CPPT, onde se incluem os processos de oposição à execução fiscal [cfr. art.º 279.º, n.º 1, al. b), do CPPT].

Por seu turno, nos termos do então art.º 282.º do CPPT:

“1 - A interposição do recurso faz-se por meio de requerimento em que se declare a intenção de recorrer.

2 - O despacho que admitir o recurso será notificado ao recorrente, ao recorrido, não sendo revel, e ao Ministério Público.

3 - O prazo para alegações a efetuar no tribunal recorrido é de 15 dias contados, para o recorrente, a partir da notificação referida no número anterior e, para o recorrido, a partir do termo do prazo para as alegações do recorrente.

4 - Na falta de alegações, nos termos do n.º 3, o recurso será julgado logo deserto no tribunal recorrido.

5 - Se as alegações não tiverem conclusões, convidar-se-á o recorrente a apresentá-las.

6 - Se as conclusões apresentadas pelo recorrente não refletirem os fundamentos descritos nas alegações, deverá o recorrente ser convidado para apresentar novas conclusões.

7 - O disposto nos números anteriores aplica-se às conclusões deficientes, obscuras ou complexas ou que não obedeçam aos requisitos aplicáveis na legislação processual ou quando o recurso versar sobre matéria de direito”.

Assim, nos termos do regime que vigorou até novembro de 2019, a interposição de recursos relativos a sentenças de oposição à execução fiscal, como in casu, implica dois momentos: um primeiro, no qual a parte que pretende recorrer apresenta requerimento justamente a declarar tal intenção, requerimento esse sobre o qual deve recair despacho de admissão ou não admissão do recurso; um segundo, após ser proferido despacho de admissão do recurso, consubstanciado na apresentação das respetivas alegações.

In casu, o que sucedeu foi a existência de um primeiro despacho de rejeição do recurso, que foi objeto de reclamação, ao abrigo do art.º 643.º do CPC. A reclamação foi deferida neste TCAS e admitido o recurso. No entanto, e considerando que o regime previsto no CPC está desenhado para o regime de recursos em sede de processo civil (agora idêntico no processo tributário, existindo um momento único para requerer a interposição de recurso, com apresentação simultânea de alegações), ordenou-se a devolução dos autos ao TTL, para a prática de todos os atos ulteriores à admissão de recurso.

Nesse seguimento, o Tribunal a quo entendeu ser de proferir despacho, a 02.06.2020, ordenando que fosse dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 282.º do CPPT, despacho que não foi posto em causa, sendo que as alegações apresentadas o foram dentro do prazo ali indicado.

Como tal, atenta esta tramitação, não assiste razão ao Recorrido.

III.B. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que, em seu entender, se encontra demonstrado o exercício da gerência de facto por parte do Oponente.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

À semelhança do que já decorria do art.º 13.º do CPT, o art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere­-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo das al. a) e al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT [cfr. facto F)].

Independentemente de se considerar não ser admissível a reversão nestes termos, porquanto a mesma só se pode sustentar numa das duas alíneas do n.º 1 do art.º 24.º da LGT [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.04.2014 (Processo: 0954/13): “[C]ada uma [das alíneas do n.º 1 do art.º 24.º da LGT tem] um âmbito de aplicação próprio e específico: enquanto a norma da alínea a) se aplica aos casos em que as dívidas se constituíram no período de exercício do cargo de gerente mas foram postas à cobrança depois da cessação dessas funções ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício, já a norma da alínea aplica-se aos casos em que o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tenha terminado no período de exercício do cargo”], há um aspeto comum, como já referimos, que é o facto de o regime da responsabilidade tributária ter subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor.

Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão de facto [cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28.02.2007 (Processo: 01132/06)], aplicar-se­-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Cabe à AT, desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos.

A prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.

Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções.

Na sequência do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.02.2007 (Processo: 01132/06), operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que “… [a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal”.

Como tal, continua o referido Acórdão do Pleno:

“Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

(…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização(sublinhado nosso).

Face a este entendimento, unânime há já vários anos na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais).

O mesmo resulta da interpretação do art.º 11.º do Código do Registo Comercial (CRCom).

Com efeito, nos termos desta disposição legal, “[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.

Atentando na finalidade inerente ao registo comercial e, nesse seguimento, chamando à colação o art.º 1.º do CRCom, do seu n.º 1 resulta que “[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”.

Sendo certo que é legalmente obrigatória a inscrição da nomeação dos membros dos órgãos de administração de sociedades comerciais, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do CRCom., da leitura conjunta das disposições legais referidas resulta que as mesmas visam dar publicidade a uma situação jurídica e não a uma situação de facto (1). Assim, e no que ao registo da nomeação de uma determinada pessoa como gerente de uma determinada sociedade a presunção que decorre do art.º 11.º do CRCom é uma presunção da gestão de direito (“situação jurídica”), e não da de facto.

Portanto, também por esta via, não se pode extrair da gerência de direito a gerência de facto.

Posto este enquadramento, cumpre apreciar o caso em concreto.

Ora, no caso dos autos, desde logo se refira que do despacho de reversão não consta qualquer indicação sobre quaisquer elementos factuais relativos ao exercício das funções de gestor de facto por parte do oponente, tendo o órgão de execução fiscal, sim, considerado que a gestão de facto se presumia da gestão de direito.

Assim, desde logo se refira que a AT, ao contrário do que era seu ónus, não alegou sequer o exercício efetivo de funções de gerente por parte do oponente, em sede de despacho de reversão (2).

Ora, como se deixou expresso supra, e ao contrário do que parece resultar das alegações da Recorrente, não goza esta de qualquer presunção no sentido de que a gerência de facto se extrai da de direito, cabendo-lhe sempre, independentemente de estarmos perante gestor que seja ou não de direito, demonstrar e provar a gestão de facto, demonstração e prova sim fundamentais para efeitos de reversão.

Sendo certo que, já em sede judicial, é lícito ao julgador o uso de presunções judiciais, e sendo até equacionável usar das mesmas quando estamos perante um gestor único, esta conclusão é afastada, desde logo, quando haja factualidade provada que conflitue com tal conclusão e que tem de ser considerada [v., a este propósito, o Acórdão deste TCAS, de 22.03.2018 (Processo: 534/10.9BELRS)].

Ora, a este respeito, refira-se, desde logo, que, ao contrário do que refere a Recorrente, não resulta de modo algum da decisão proferida sobre a matéria de facto que tenha sido o Recorrido o gerente de facto nos períodos concretamente relevantes.

Por outro lado, neste contexto, há que ter em conta que o Recorrido renunciou às suas funções de gerente em 2004, renúncia que foi objeto de registo em 2010.

É certo que a oponibilidade a terceiros da renúncia depende do respetivo registo.

No entanto, como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.02.1996 (Processo: 017179), “a inoponibilidade a terceiros da renúncia da gerência, antes do respectivo registo, só tem relevância quanto à validade dos actos praticados pelo gerente em nome da sociedade e que afectem esses terceiros e na obrigação exequenda não se põe qualquer problema de validade de qualquer acto praticado pelo gerente, mas tão-só uma questão de existência ou não de uma obrigação de responsabilidade que exige como seu pressuposto a gerência (…) e que assenta precisamente na falta da prática de actos em favor de terceiros reclamados pelo "estatuto jurídico" do gerente”.

Ou seja, caso a AT tivesse alegado e provado a prática de atos de gestão pelo Recorrido, após a renúncia não registada, estaríamos perante uma clássica situação de inoponibilidade da renúncia, por falta de registo. No entanto, nada disso sucedeu.

Portanto, ainda que a renúncia tenha sido levada a registo em 2010, a mesma não pode deixar de ser valorada nos termos referidos, enquanto elemento probatório pertinente. Da mesma forma que o exercício da gestão de facto não se infere do registo como gestor de direito, também não se pode desconsiderar essa manifestação de vontade do oponente, pelo simples facto de o registo ter sido feito em momento ulterior.

Atento este quadro factual e à completa ausência de alegação e prova por parte da AT da existência de atuação por parte do Recorrido que evidenciasse o efetivo exercício de funções de gestor, não se pode se não concluir que, não estando demonstrado tal exercício, essa ausência de prova reverte a favor do Recorrido.

Como tal, bem andou o Tribunal a quo ao decidir no sentido de não estar demonstrada a gestão de facto da devedora originária por parte do Oponente.

Logo, não se encontra preenchido o pressuposto previsto no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, motivo pelo qual se verifica a sua ilegitimidade.

Assim, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 29 de setembro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

(1) V. a este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.02.2019 (Processo: 357/09.8BELRS), bem como o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.03.2010 (Processo: 00349/05.6BEBRG).
(2) Cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 08.01.2015 (Processo: 7556/14).