Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07264/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/30/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS AO PROCESSO EM FASE DE RECURSO.
PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
AMPLITUDE DA ÁREA DE TUTELA DA NORMA IMPOSITIVA DO SIGILO BANCÁRIO.
ARTº.63-B, Nº.1, AL.C), DA L.G.TRIBUTÁRIA, NA REDACÇÃO DA LEI 64-A/2008, DE 31/12.
REGIME DE TRIBUTAÇÃO DAS MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA.
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA, EM SENTIDO ESTRITO (ARTºS.87, Nº.1, AL.D), E 89-A, DA L.G.T.).
INCREMENTOS PATRIMONIAIS OU DESPESA NÃO JUSTIFICADOS (ARTº.87, Nº.1, AL.F), DA L.G.T.).
ÓNUS DA PROVA.
PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS DE CAPITAL.
Sumário:1. Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
a-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
b-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
c-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
d-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil);
e-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
2. A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal.
3. No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância, o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº.1, do C. P. Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida.
4. O princípio da investigação, o qual traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário).
5. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
6. O dever de sigilo bancário a que se encontram adstritas as instituições de crédito e as sociedades financeiras, tem subjacente, na nossa ordem jurídica, a salvaguarda de interesses públicos e privados. Os interesses públicos prendem-se com o regular funcionamento da actividade bancária, o qual pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem. Os interesses privados com a perspectiva que consiste na finalidade do instituto do segredo bancário ser também do interesse dos clientes, para quem o aspecto mais significativo do encorajamento e tutela do aforro se consubstancia na garantia da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca. Com o sigilo bancário o legislador pretende, pois, rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados.
7. A questão central que se coloca nesta matéria parece residir, porém, na maior ou menor amplitude com que se delimite a área de tutela da norma impositiva do sigilo bancário. Considerando-se que o bem jurídico protegido é a privacidade no seu círculo mais extenso poderá melhor compreender-se uma compressão do seu âmbito em função de valores ou interesses supra-individuais. Pelo contrário, colocando-se o assento tónico do dever de segredo na esfera mais intensa da intimidade da vida privada, apenas se justificará uma intromissão externa nos casos especialmente previstos e em articulação com os mecanismos do direito processual.
8. Actualmente, caminha-se claramente no sentido da flexibilização das situações em que o sigilo bancário pode ser afastado por via administrativa, por parte das autoridades fiscais, sempre que estejam em causa situações de suspeita de fraude ou evasão fiscal, lesivas do erário público, no limite pondo em causa a satisfação das necessidades colectivas, mas igualmente dos próprios interesses dos particulares não relapsos, devido a violação do princípio da igualdade e do dever fundamental de pagar impostos.
9. A derrogação do sigilo bancário prevista no artº.63-B, nº.1, al.c), da L.G.T., está relacionada com a verificação de indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos do artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T.
10. Na tributação com base em manifestações de fortuna, em sentido amplo, podem ser discernidas duas tipologias de situações:
a) A correspondente ao artº.87, nº.1, al.d), da L.G.T., que determina a possibilidade de avaliação indirecta quando os rendimentos declarados em sede de I.R.S. se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artº.89-A do mesmo diploma (manifestações de fortuna, em sentido estrito);
b) A constante da al.f), do nº.1, do artº.87, da L.G.T., segundo a qual é possível tal avaliação indirecta, quando haja um acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados (incrementos patrimoniais ou despesa não justificados).
11. De acordo com o artº.87, nº.1, al.f), sendo detectada pela AT uma divergência entre os valores declarados pelo sujeito passivo através da sua declaração mod.3 do I.R.S. e um acréscimo patrimonial ou consumo evidenciado de pelo menos um terço, aquela encontra-se legitimada a presumir, através da avaliação indirecta, um rendimento resultante dessa diferença de valores. A aplicação deste regime depende do pressuposto da omissão da declaração de rendimentos ou da apresentação de declaração com rendimentos desproporcionados, para menos, face ao nível de rendimento evidenciado pelas manifestações de fortuna apresentadas. Nestes casos, cabe ao contribuinte a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas. Para o efeito, o contribuinte deve apresentar os respectivos elementos probatórios demonstrativos de que a fonte das manifestações de fortuna apresentadas não é constituída por rendimentos indevidamente não declarados, conforme se retira do disposto no artº.89-A, nº.3, da L.G.T.
12. As prestações acessórias de capital podem-se delimitar no conceito de acréscimos patrimoniais não justificados para efeitos de enquadramento tanto no artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T., como no artº.9, nº.1, al.d), do C.I.R.S. (a enquadrar na Categoria G de rendimentos), devendo visualizar-se este último preceito como uma verdadeira norma residual de incidência, dando melhor concretização à teoria do rendimento-acréscimo subjacente ao I.R.S.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
... (E OUTRA), com os demais sinais dos autos, deduziram recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.117 a 123 do presente processo, através da qual julgou improcedente o recurso deduzido ao abrigo do artº.146-B, do C.P.P.Tributário, da decisão do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de derrogação do sigilo bancário de todas as contas existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que sejam titulares os recorrentes e relativamente aos anos de 2010 e 2011.
X
Os recorrentes terminam as alegações do recurso (cfr.fls.127 a 132 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A sentença recorrida incorre em défice instrutório, na realidade o Tribunal “a quo” não fez tudo quanto deveria ter feito para apurar a verdade dos factos;
2-Sendo certo que é obrigação da A.T. explicitar de forma concreta como chega e em que consistem os indícios de fortuna que a levam a requerer a derrogação do sigilo bancário, não basta dizer que por aplicação de uma hipotética taxa de juro de 4 %, os contribuintes tiveram um acréscimo X de rendimentos;
3-O Tribunal “a quo” deveria ter dentro dos seus poderes de investigação e dever de averiguação solicitado às partes todos os elementos de que necessitava para se pronunciar, não podendo tomar decisões tendo como base a declaração, não comprovada, da A.T. de que os contribuintes teriam usufruído de uma taxa de depósitos a prazo de 4 % mais a mais estando nos autos documentos comprovativos da existência de outro tipo de poupanças;
4-O douto acórdão ora em apreço violou o disposto nos artºs.99, nº.1, da L.G.T., e 13, nº.1, do C.P.P.T.;
5-Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e sempre com o mui douto suprimento de V.Exas., deve dar-se integral provimento ao presente recurso e em conformidade, revogada a decisão recorrida, considerando-se legal e tempestiva a petição dos recorrentes, tudo com as legais consequências, e como, aliás, é de inteira, JUSTIÇA!
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Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal apôs o seu visto no processo (cfr.fls.149 dos autos).
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.146-D, nº.1, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.117 a 121 dos autos):
1- Após consulta da declaração modelo 39 no sistema informático, a A.T. verificou que relativamente aos sujeitos passivos, ora reclamantes, foram declarados na referida participação, rendimentos de tipo 3 (inclui fundamentalmente juros de depósitos), nos mon­tantes constantes do seguinte quadro (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso):

2009 2010 2011
Impugnante A 30.464,16 21.157,64 49.423,00
Impugnante B 18.256,80 15.318,82 25.272,58
Totais 48.720,96 36.476,46 74.695,58

2-Os sujeitos passivos foram notificados, através do ofício nº.551, para prestar esclarecimentos relativamente à fonte de rendimentos que viabilizaram os inves­timentos efectuados (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso);
3-Responderam em 11/02/2013 que o capital proveio dos rendimentos do trabalho por si declarados nas declarações de I.R.S., herança por morte dos pais do sujeito passivo A (o pai faleceu em 1989 e a mãe em 2003) e da venda de um aparta­mento há 10/12 anos. Informam ainda que o sujeito passivo A, no âmbito da sua profissão contacta diariamente com diversas instituições bancárias, o que lhe possibilita negociar os investimentos bancários e as taxas de remuneração (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso);
4-Informam ainda que o sujeito passivo A, no âmbito da sua profissão contacta diariamente com diversas instituições bancárias, o que lhe possibilita negociar os investimentos bancários e as taxas de remuneração (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso);
5-Não autorizam a A.T. a aceder à sua informação bancária (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso);
6-Através do sistema informático, verificou a A.T. que os sujeitos passivos na declaração modelo 3 de I.R.S. relativa ao ano de 2001, declararam a venda de um imóvel pelo valor de € 86.292,04 (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso);
7-Desde o ano de 2001 os sujeitos passivos declararam os seguintes rendimentos coletáveis em sede de I.R.S. (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso):

Anos Rendimento Coletável
2001 65.617,10
2002 43.074,66
2003 43.459,84
2004 45.209,91
2005 51.656,93
2006 63.897,47
2007 57.745 78
2008 60.204,82
2009 63.341,35
2010 75.846,66
2011 80.150,07
Total 650.204,59

8-Para identificar os contribuintes incumpridores em situações potencialmente reve­ladoras de omissão de rendimentos, a A.T. recorreu aos seguintes critérios (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso):
a. Para os rendimentos declarados com o código 3, nos anos de 2010 e 2011, foi estimada uma taxa de juro implícita de 4%, determinando-se assim o capital investido nos dois anos, e confirmar se de um ano para o outro houve acréscimo de património não justificado.
b. A capacidade normal de poupança do agregado não poderá ser superior ao dobro do seu rendimento global.
9-Com o referido pressuposto o capital investido no ano de 2010 teria sido de € 911.911,50 (36.476,46/4%) e o capital investido no ano de 2011 teria sido de € 1.867.389,50 (74.695,58/4%), tudo conforme consta do relatório junto ao processo administrativo apenso;
10-Assim, considerou a A.T. estar perante um aumento do capital investido do ano de 2010 para o ano de 2011 no montante de € 955.478,00 (1.867.389,50 - 911.911,50) para uma capacidade de poupança estimada de € 160.300,14 (80.150,07x2), tudo conforme consta do relatório junto ao processo administrativo apenso;
11-O que demonstra a existência de um acréscimo de património superior a € 100.000,00, verificado simultaneamente com a existência de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso);
12-Pelo que foi proposta a derrogação do sigilo bancário, ao abrigo do nº.4, do arti­go 63-B, da L.G.T., relativamente aos anos de 2010 e 2011, por se encontrarem preenchidos os pressupostos previstos na alínea c), do nº.1, do artigo 63-B, da L.G.T. (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso);
13-Por despacho do Exmo. Sr. Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira foi autorizado que “...funcionários da Inspeção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancá­rios existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou institui­ções de crédito portuguesas, de que sejam titulares os sujeitos passivos ... (...) e ... , (...) relativamente aos anos de 2010 e 2011...”. (cfr.documento junto a fls.8 dos presentes autos);
14-Os recorrentes foram notificados por ofício nº.2126, de 10/4/2013, da decisão que autorizou o acesso aos documentos bancários necessários para apurar a rea­lidade da situação tributária relativa aos anos de 2010 e 2011, nos termos das alíneas c), do nº.1, do artigo 63-B, da L.G.T. (cfr.documento junto a fls.7 dos presentes autos cujo conteúdo se dá por repro­duzido);
15-O qual foi recebido em 15/4/2013 (cfr.documento junto ao processo administrativo apenso);
16-A petição inicial foi remetida por correio registado endereçado a este T.A.F. em 25/4/2013 (cfr.documentos juntos a fls.21 e 70 dos presentes autos cujo conteúdo se dá por reproduzido);
17-Em 2011 os impugnantes receberam ainda a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização pelo dinheiro depositado no BPP (cfr.documentos juntos a fls.16 e 17 dos presentes autos cujo conteúdo se dá por reproduzido).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram.
Os documentos juntos pelos recorrentes não provam a idade do recorrente mari­do, nem a venda do imóvel em 2006 (a AT, no ponto nº.4 da informação refere-se à venda do imóvel em 2001 pelo valor de € 86.292,04 e não em 2006), nem tão pouco as taxas de juro dos investimentos realizados…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
18-A decisão de derrogação do sigilo bancário identificada no nº.13 do probatório igualmente se baseou na existência de indícios de um acréscimo de património dos recorrentes superior a € 100.000,00, simultaneamente com uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, nos termos dos artºs.87, nº.1, al.f), e 89-A, nº.5, da L.G.Tributária, situação que determina a avaliação indirecta de rendimentos (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso);
19-Na p.i. de recurso que originou os presentes autos, os ora recorrentes apresentam como fundamentos:
a)Que não estão preenchidos os requisitos legais para se operar a derrogação do sigilo bancário dos recorrentes, dado que a taxa de 4% calculada pela A. Fiscal face aos seus rendimentos declarados em 2010 e 2011 não é correcta, porquanto tiveram rendimentos de capitais superiores a tais cálculos, rendimentos esses que, em alguns casos, foram superiores aos 9%;
b)Terminam, pedindo que seja dado sem efeito a decisão de derrogação do sigilo bancário, a qual deve ser substituída por outra que não autorize o acesso da A. Fiscal às contas dos recorrentes (cfr.conteúdo da p.i. junta a fls.3 a 6 dos presentes autos).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente o recurso deduzido ao abrigo do artº.146-B, do C.P.P.Tributário, da decisão do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de derrogação do sigilo bancário identificada no nº.13 do probatório.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Com as alegações de recurso, os recorrentes juntaram aos presentes autos um documento através do qual, segundo alegam, visa pôr em causa os cálculos efectuados pela A. Fiscal com vista a concluir pela existência de indícios da existência de acréscimos de património não justificados, para efeitos do artº.63-B, nº.1, al.c), da L.G.Tributária. Para tanto, nas alegações (que não nas conclusões do recurso), aduzem que tiveram acesso a taxas de juros de 7% ao ano em depósitos a prazo no ano de 2011, para comprovar tal afirmação juntando uma declaração do BANIF, na qual, sem se identificar qualquer conta bancária concreta, se declara que o recorrente ... é cliente da mesma instituição bancária e contratou um depósito a prazo no ano de 2011 com a taxa de remuneração de 7% (cfr.documento junto a fls.134 do processo).
A entidade recorrida foi notificada da junção de tal documento não tendo produzido quaisquer alegações sobre o mesmo.
Assim, a primeira questão que se impõe decidir, de natureza adjectiva, consiste em saber da possibilidade legal de tal junção e da manutenção do referido documento nos autos.
Vigora no direito português o modelo de apelação restrita, de acordo com o qual o recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1ª. Instância, mas tão- somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que proferiu a sentença. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Em princípio, não pode alegar-se matéria nova nos Tribunais Superiores, em fase de recurso, não obstante o Tribunal “ad quem” tenha o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Daí que, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso. A lei, porém, prevê excepções que passamos a analisar.
Dispõe o artº.523, do C.P.Civil (cfr.artº.423, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), que os documentos, como meios de prova, da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respectivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância (actualmente até vinte dias antes da realização da audiência final - cfr.artº.423, nº.2, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.
Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
1-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
2-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
3-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
4-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.651, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6);
5-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C.P.Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/3/2011, proc.4593/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, Setembro de 2008, Almedina, pág.227 e seg.).
No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.nº.4 supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº.1, do C.P.Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1ª. Instância ser proferida (cfr.Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534).
Descendo ao caso dos autos, é manifesto que, atenta a data dos factos a que o documento junto em fase de recurso pelos recorrentes se reporta (cfr.relativas ao ano de 2011, portanto anteriores ao momento da instauração da presente acção, o qual ocorreu em 25/4/2013 - nº.16 do probatório), os recorrentes podiam ter procedido à junção do referido documento com a petição que iniciou o presente processo. Por outras palavras, o documento junto pelos recorrentes com as alegações do recurso não visa provar factos com natureza superveniente, igualmente não legitimando tal junção a própria fundamentação, ou dispositivo, da sentença exarada na 1ª. Instância (era razoavelmente previsível para os recorrentes tal decisão).
Mais, o próprio documento não pode pôr em causa os indícios, constantes do processo, em relação à aplicação aos recorrentes dos pressupostos de derrogação do sigilo bancário ao abrigo do citado artº.63-B, nº.1, al.c), da L.G.Tributária, desde logo por não identificar qualquer conta bancária. Por outro lado, por ser declaração apresentada por somente uma entidade bancária das muitas que exercem a actividade de banca a retalho em Portugal. Por último, a decisão de derrogação do sigilo bancário é relativa aos anos de 2010 e 2011, quando o documento sob exame somente aponta ao ano de 2011.
Concluindo, dada a sua impertinência e desnecessidade, deverá o documento junto a fls.134 dos autos ser desentranhado do processo e restituído aos apresentantes, condenando-se estes ao pagamento de multa pelo incidente (cfr.artº.443, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.10, do R.C.Processuais), ao que se provirá no dispositivo do presente acórdão.
X
Os recorrentes dissentem do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que a sentença recorrida incorre em défice instrutório. Que o Tribunal “a quo” não fez tudo quanto deveria ter feito para apurar a verdade dos factos. Que é obrigação da A.T. explicitar de forma concreta como chega e em que consistem os indícios de fortuna que a levam a requerer a derrogação do sigilo bancário, não basta dizer que por aplicação de uma hipotética taxa de juro de 4 %, os contribuintes tiveram um acréscimo X de rendimentos. Que o Tribunal “a quo”, dentro dos seus poderes de investigação, tinha o dever de solicitar às partes todos os elementos de que necessitava para se pronunciar, não podendo tomar decisões tendo como base a declaração da A.T., não comprovada, de que os contribuintes teriam usufruído de uma taxa de depósitos a prazo de 4 %, mais a mais, estando nos autos documentos comprovativos da existência de outro tipo de poupanças. Que a decisão recorrida violou o disposto nos artºs.99, nº.1, da L.G.T., e 13, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 1 a 4 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Os apelantes chamam à colação o princípio da investigação (em conjugação com um alegado défice instrutório), o qual traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário). É que, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos citados artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99 da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7031/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
No entanto, a alegada violação do dito princípio da investigação, em conjugação com o proposto défice instrutório, implicava, da parte dos apelantes, a antecedente impugnação da factualidade provada constante da sentença do Tribunal “a quo”. Ora, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.6011/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra por parte dos recorrentes.
Examinemos, agora, o presente recurso na vertente do direito substantivo.
Antes de mais, diremos que a decisão de derrogação do sigilo bancário em exame nos presentes autos fundamenta-se no artº.63-B, nº.1, al.c), da L.G.Tributária, na redacção resultante da Lei 64-A/2008, de 31/12, atentos os anos fiscais em causa, os anos de 2010 e 2011 (cfr.artºs.12 e 63-B, nº.9, da L.G.T.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.568).
A primeira concretização legislativa do sigilo bancário, no nosso país, data de 1967 e surgiu com o dec.lei nº.47909, de 7/9/1967. Mais tarde, a matéria do segredo bancário passou a ser disciplinada pelo dec.lei nº.729-E/75, de 22/12/1975. Seguidamente, surge-nos o dec.lei nº.2/78, de 9/1, diploma que pretendeu instituir um regime de segredo bancário de âmbito geral, de molde a abranger também as instituições de crédito não nacionalizadas, operando, em consequência, a revogação do diploma de 1975. O dec.lei nº.2/78, de 9/1, foi, entretanto, revogado pelo dec.lei nº.298/92, de 31/12, diploma este que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, cujos artºs.78 a 84 vieram reformular a disciplina jurídica do segredo bancário (cfr.para uma resenha histórica do segredo bancário poderá ver-se em Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2.ª edição, Coimbra, pág.346 e seg.; uma extensa abordagem da evolução legislativa do segredo bancário, também no acórdão do Tribunal Constitucional nº.278/95, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1995; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.229 e seg.).
O dever de sigilo bancário a que se encontram adstritas as instituições de crédito e as sociedades financeiras, tem subjacente, na nossa ordem jurídica, a salvaguarda de interesses públicos e privados. Os interesses públicos prendem-se com o regular funcionamento da actividade bancária, o qual pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem. Os interesses privados com a perspectiva que consiste na finalidade do instituto do segredo bancário ser também do interesse dos clientes, para quem o aspecto mais significativo do encorajamento e tutela do aforro se consubstancia na garantia da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca. Com o sigilo bancário o legislador pretende, pois, rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/2/2005, rec.35/05; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/3/2011, rec.196/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc. 6172/12).
Sustenta-se a necessidade de compatibilizar o segredo bancário com os deveres inspectivos da administração fiscal, partindo-se da ideia de que a tributação segundo o lucro real, constituindo a concretização de um princípio constitucional de igualdade (artº.104, da C.R.P.), exige uma distribuição justa dos encargos tributários entre os contribuintes e implica necessariamente a possibilidade de investigação administrativa dos elementos contabilísticos e documentais respeitantes às operações bancárias (cfr.Saldanha Sanches, Segredo Bancário e Tributação do Lucro Real, Ciência e Técnica Fiscal, nº.377, Janeiro-Março de 1995, pág.23 e seg.). Nesta perspectiva, poderia entender-se que os artºs.134, do C.I.R.S. e 125, do C.I.R.C., na medida em que facultam o livre acesso dos funcionários da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos aos locais destinados ao exercício de actividades tributáveis e ao exame dos livros e documentos que as suportam, representam, desde logo, um regime de excepção ao dever de segredo profissional por parte das entidades que disponham de informação relevante relativamente aos sujeitos passivos de imposto. Consentindo em considerar que o segredo bancário se fundamenta no direito à reserva da privacidade dos cidadãos e representa um instrumento necessário à dinâmica da actividade bancária e do sistema financeiro, justifica-se o dever de cooperação das instituições de crédito para com a administração fiscal com base na necessidade de harmonizar esses valores com o dever fundamental de pagar impostos e com as exigências sociais de arrecadar justa e atempadamente as receitas fiscais.
Em reforço deste entendimento poderia, ainda, apontar-se a extensão da regra de confidencialidade aos funcionários da administração tributária, relativamente aos dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes, instituída pelo artº.64, da L.G.T., que poderia significar o reconhecimento implícito, por parte do legislador, da necessidade de preservar o sigilo bancário na relação interna entre a banca e fisco.
A questão central que se coloca nesta matéria parece residir, porém, na maior ou menor amplitude com que se delimite a área de tutela da norma impositiva do sigilo bancário. Considerando-se que o bem jurídico protegido é a privacidade no seu círculo mais extenso poderá melhor compreender-se uma compressão do seu âmbito em função de valores ou interesses supra-individuais. Pelo contrário, colocando-se o assento tónico do dever de segredo na esfera mais intensa da intimidade da vida privada, apenas se justificará uma intromissão externa nos casos especialmente previstos e em articulação com os mecanismos do direito processual. O Tribunal Constitucional pronunciou-se já sobre esta matéria, tomando clara posição em favor da segunda alternativa. A situação económica do cidadão espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, fazem parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada condensado no artº.26, nº.1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia desse direito. Numa época histórica caracterizada pela generalidade das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes, designadamente, às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido. Não sendo um direito absoluto, e podendo ceder perante a necessidade de salvaguardar o interesse público da cooperação com a justiça e outros interesses constitucionalmente protegidos, é de aceitar que as restrições ao segredo bancário apenas possam derivar de lei formal expressa e que a sua aplicação concreta possa ser objecto de um adequado controlo jurisdicional (cfr.ac.Tribunal Constitucional nº.278/95, publicado no Diário da República, II Série, de 28/7/1995; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.316 e seg.).
Nestes termos, caminha-se claramente no sentido da flexibilização das situações em que o sigilo bancário pode ser afastado por via administrativa, por parte das autoridades fiscais, sempre que estejam em causa situações de suspeita de fraude ou evasão fiscal, lesivas do erário público, no limite pondo em causa a satisfação das necessidades colectivas, mas igualmente dos próprios interesses dos particulares não relapsos, devido a violação do princípio da igualdade e do dever fundamental de pagar impostos. O novo equilíbrio entre os valores mencionados assenta no reconhecimento de que a perspectiva mais garantística e restritiva do sigilo bancário pode dar cobertura a situações pouco transparentes, tanto para a A. Fiscal, a qual se vê privada de elementos essenciais para o apuramento do imposto, como para os próprios particulares, dado que o eventual benefício do instituto do segredo bancário pode gerar uma desigual repartição da carga tributária (cfr.Maria Eduarda Azevedo, O Segredo Bancário, Fisco, nº.33, Julho de 1991, pág.14; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.127 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc. 6172/12).
Independentemente de se tomar partido por uma das posições que ficaram expressas acima, o sigilo bancário não se apresenta hoje, na ordem jurídica portuguesa, com carácter absoluto, podendo sofrer compressões impostas pela necessidade de salvaguardar determinados direitos ou princípios (v.g.combate à fraude e evasão fiscais de que é expoente a Lei 30-G/2000, de 29/12).
“In casu”, a decisão de revogação do sigilo bancário objecto do presente processo foi efectuada, conforme já citado, ao abrigo do artº.63-B, nº.1, al.c), da L.G.Tributária, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12.
É a seguinte a redacção do preceito em exegese:
Artigo 63º.-B
“Acesso a informações e documentos bancários”
1-A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:

c)Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.°1 do artigo 87.°;

Haverá, portanto, que examinar se estão reunidos os pressupostos legais da decisão de derrogação do sigilo bancário objecto do presente recurso, de acordo com o regime previsto no aludido artº.63-B, nº.1, al.c), da L.G.Tributária, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12.
Na exegese da norma deve mencionar-se, desde logo, que o conceito de documento bancário utilizado pelo preceito se encontra previsto no artº.63-B, nº.10, da L.G.Tributária.
Com a distinção operada pela redacção dada ao nº.1, do artº.63-B, da L.G.T., ficou claro que a Administração Fiscal, a partir da entrada em vigor da Lei 55-B/2004, de 30/12, pode ter acesso a elementos protegidos pelo segredo bancário sempre que, na pendência ou na sequência de acções desenvolvidas num determinado procedimento tributário e da apreciação levada a cabo relativamente aos factos apurados, conclua pela existência de indícios de crime em matéria tributária (doloso ou não) ou de contra-ordenação (simples ou grave), neste último caso suportados em factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado. Mais se dirá que as informações bancárias obtidas pela Fazenda Pública ao abrigo deste regime jurídico, não se destinam a ser utilizados em processos criminais, nem mesmo contra-ordenacionais, tendo antes como destino fins meramente administrativos, designadamente a instrução de procedimentos tributários que tenham como objectivo a correcta quantificação da matéria colectável e a liquidação de tributos (cfr.artº.63-B, nº.9, da L.G.T.; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.283 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.572 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc. 6172/12).
A derrogação do sigilo bancário, no caso dos autos, está relacionada com a verificação de indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos do artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T.
Na tributação com base em manifestações de fortuna, em sentido amplo, podem ser discernidas duas tipologias de situações:
a) A correspondente ao artº.87, nº.1, al.d), da L.G.T., que determina a possibilidade de avaliação indirecta quando “os rendimentos declarados em sede de I.R.S. se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artº.89-A”;
b) A constante da al.f), do nº.1, do artº.87, da L.G.T., segundo a qual é possível tal avaliação indirecta, quando haja “um acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.
Verifica-se, pois, uma dualidade de situações: a da existência de manifestações de fortuna, em sentido estrito, às quais correspondem determinados rendimentos padrão e a da existência de incrementos patrimoniais ou despesa não justificados. Ou seja, o artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T., abrange uma realidade enquadrável num conceito amplo de manifestações de fortuna e designada por acréscimo ou incremento patrimonial não justificado, definido em concreto por comparação com o rendimento declarado, sendo precisamente esta a situação dos autos e não, contrariamente ao alegado pelo recorrente, da al.d), do sobredito normativo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.760 e seg. e 778 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.363 e seg.).
Nestes casos, cabe ao contribuinte a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas. Para o efeito, o contribuinte deve apresentar os respectivos elementos probatórios demonstrativos de que a fonte das manifestações de fortuna apresentadas não é constituída por rendimentos indevidamente não declarados, conforme se retira do disposto no artº.89-A, nº.3, da L.G.T. Encontramo-nos perante regime dirigido à descoberta de rendimentos inominados sujeitos a I.R.S. Parte-se do consumo ou de aumentos de património evidenciados pelo sujeito passivo e de que a A. Fiscal tem conhecimento para a presunção de rendimentos que os sustentem (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/11/2012, rec.1197/12; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.782 e seg.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.299 e seg. e 310 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.370 e seg.).
Por último, deve mencionar-se que as ditas prestações acessórias de capital se podem delimitar no conceito de acréscimos patrimoniais não justificados para efeitos de enquadramento tanto no artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T., como no artº.9, nº.1, al.d), do C.I.R.S. (a enquadrar na Categoria G de rendimentos), devendo visualizar-se este último preceito como uma verdadeira norma residual de incidência, dando melhor concretização à teoria do rendimento-acréscimo subjacente ao I.R.S. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/11/2012, rec.1197/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.363 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.126 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, de acordo com a factualidade provada (cfr.nºs.7 a 12 e 18 do probatório), a A. Fiscal verificou que os rendimen­tos declarados pelos apelantes em 2010 (juros) a uma taxa de juro implícita de 4% correspondiam a capital investido de € 911.911,50.
E que à mesma taxa, para o ano de 2011, o capital investido correspondia a € 1.867.389,50.
Por conseguinte, de 2010 para 2011 verificou-se um aumento de capital investi­do no montante de € 955.478,00 = (€ 1.867.369,50 - € 911.911,50).
Ora, sabendo-se que pela totalidade dos anos de 2001 a 2011 os impugnantes declararam no total € 650.204,59 e que, concretamente, no ano de 2011, a poupança declarada foi de € 160.300,14 (€ 80.150,07x2), a A.T. demonstrou suficiente e fundadamente os indícios de acréscimo patrimonial não justificado, de valor superior a € 100.000,00, tendo assim o direito de aceder às informações bancárias nos termos do citado artº.63-B, nº.1, al.c), da L.G.Tributária, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12.
E mesmo considerando o valor da indemnização recebida pelo depósito consti­tuído no BPP (€ 25.000,00) isso apenas aumenta a poupança neste montante (cfr.nº.17 do probatório).
Ou seja, em vez dos € 160.300,14 de poupança para 2011, ter-se-iam de conside­rar justificados € 185.300,14.
Apesar disso, continua a haver acréscimo de património superior a € 100.000,00 não justificado, legitimando o poder de aceder à informação bancária por parte da A.T.
Cabia então aos recorrentes a comprovação de que correspondem à verdade os rendimentos declarados e de que outra é a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património em causa (cfr.artº.89-A, nº.3, da L.G.T.).
Mas não fizeram tal prova, para além da referida indemnização de € 25.000,00.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, a qual não padece dos vícios que lhe são assacados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-ORDENAR O DESENTRANHAMENTO E RESTITUIÇÃO AOS RECORRENTES do documento que juntaram às alegações de recurso, a fls.134 do processo, condenando-se os mesmos em multa no montante de duas (2) U.C.;
2-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condenam-se os recorrentes em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 30 de Janeiro de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)