Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 756/17.1BEALM |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 02/21/2019 |
Relator: | PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO |
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; ESCOLAS DE CONDUÇÃO; APLICAÇÃO NO TEMPO DA LEI N.º 14/2014, DE 18 DE MARÇO, E DA PORTARIA N.º 185/2015, DE 23 DE JUNHO; DISTÂNCIA MÍNIMA. |
Sumário: | I- A nulidade da sentença consubstancia a sanção da infração ao dever que impende sobre o Tribunal de, em decorrência do princípio da disponibilidade objetiva, resolver todas as pretensões/questões que as partes tinham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estivesse ou ficasse prejudicada pela solução dada a outras ou, ainda, cujo conhecimento se mostre, entretanto, abrangido pelo efeito de caso julgado que se haja formado. Daí que a nulidade da decisão judicial ocorra no âmbito da respetiva validade formal, e pressuponha que o concreto ato jurisdicional tenha desrespeitado as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou violado o conteúdo e limites do poder à sombra da qual foi decretado. II- Deve entender-se que questões- para efeitos de aferição da omissão de pronúncia- são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição quanto às questões objeto de litígio. III- As questões suscitadas pelas partes e que exigem a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que não incorrerá em nulidade por omissão de pronúncia o julgador que, apreciando na decisão todos os problemas/questões fundamentais objeto do litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes. IV- A autorização para funcionamento da escola de condução em instalações provisórias concedida à Recorrente caducou com a entrada em vigor da Lei n.º 14/2014, de 18 de março, ou seja, em 17/06/2014, impondo-se, a partir deste momento, que a Recorrente iniciasse o procedimento tendente à obtenção da aprovação das instalações definitivas, e que o Recorrido adotasse os procedimentos necessários, até em sede das suas competências de fiscalização, para que a Recorrente regularizasse a respetiva situação. VI- A conversão das instalações provisórias em instalações definitivas, porque constitui uma nova pretensão, suscetível de alterar a esfera jurídica da Recorrente na medida em que impõe uma alteração ao licenciamento e ao alvará de que é detentora (cfr. 14.º, n.º 6 da Lei n.º 14/2014, de 18 de março), deverá ser apreciada à luz do novo regime jurídico, instituído pela já aludida Lei n.º 14/2014, e não pelo regime anterior. VII- Os art.ºs 14.º, 17.º, 19.º e 22.º da Lei n.º 14/2014, de 18 de março, não possuem qualquer normativo que prescreva a exigência de um raio superior a 500 metros de distância relativamente à escola de condução já existente. Todavia, o próprio diploma remete a sua densificação para regulamentação a publicar no prazo de 90 dias, em conformidade com o consignado nos art.ºs 14.º, n.º 3, 17.º, n.ºs 2, al. b), 4 e 5 e 69.º, n.º 1 da dita Lei. VIII- Sendo certo que a Portaria n.º 185/2015 apenas foi publicada em 23/06/2015 (e não nos 90 dias previstos no art.º 69.º, n.º 1 da Lei n.º 14/2014), a verdade é que, na medida em que esta Portaria destina-se a regulamentar e permitir a aplicação concreta da Lei n.º 14/2014, deve entender-se que é aplicável às pretensões apresentadas já no domínio desta Lei n.º 14/2014 e que sejam apreciadas após a data da entrada em vigor da sobredita Portaria. IX- Até à entrada em vigor da Lei n.º 14/2014, a Recorrente beneficiou de uma autorização para funcionar em instalações provisórias, autorização esta que, por possuir a característica de provisoriedade, não lhe permite fundar uma situação com a estabilidade de um direito adquirido. X- A apreciação dos pedidos de autorização para funcionamento de escola de condução em instalações definitivas apresentados após a entrada em vigor da Lei n.º 14/2014 deve ser efetuada em conformidade com as exigências vertidas na Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho, se esta já estiver em vigor no momento da decisão do pedido, pois que: i) o entendimento diverso do espraiado conduz a uma diferenciação inexplicável no tratamento de situações idênticas, suscetível de desembocar na violação do princípio da igualdade. ii) a exequibilidade da Lei n.º 14/2014 depende diretamente da regulação densificadora instituída pela Portaria n.º 185/2015, assomando inviável a aplicabilidade prática de tal Lei sem a Portaria regulamentadora; XI- A expressão “processo pendente”, contida no art.º 37.º da Portaria, deve significar como reconduzindo-se aos procedimentos iniciados em data anterior ao da entrada em vigor da Lei n.º 14/2014, dado que esta é a interpretação que melhor assevera a unidade do sistema, protegendo e concretizando não só o princípio tempus regit actum, como também o princípio da igualdade. XII- A distância mínima de 500 metros, prescrita no art.º 19.º, n.º 2, al. c) da Portaria n.º 185/2015, deve ser achada em linha reta e em metros lineares, independentemente das características naturais do terreno. XIII- O art.º 19.º, n.º 2, al. c) da Portaria n.º 185/2015 não introduz requisito que extravase o âmbito material da Lei n.º 14/2014, pois que: i) é a própria Lei n.º 14/2014 (art.ºs 14.º, n.º 3, 17.º, n.ºs 2, al. b), 4 e 5 e 69.º, n.º 1) que remete a sua densificação para regulamentação a publicar no prazo de 90 dias; ii) o art.º 17.º da Lei n.º 14/2014, referente à capacidade técnica da entidade exploradora da escola de condução, estabelece no n.º 4 que as condições e requisitos respeitantes às instalações da escola de condução são fixadas na portaria descrita no art.º 69.º, n.º 1; iii)o art.º 17.º, n.º 2 da Lei n.º 14/2014 enumera os “requisitos mínimos de aferição da competência técnica”, o que inculca a convicção de que o próprio legislador pretendeu desenhar uma constelação minimal de requisitos, remetendo para a portaria regulamentadora o estabelecimento de requisitos acrescidos e concretizadores. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
* Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.* Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar: i) Se a sentença a quo padece de nulidade, consonantemente com o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC e art.º 95.º, n.º 1 do CPTA, uma vez que não apreciou nem decidiu as questões referentes i) à inaplicabilidade da exigência dos 500 metros de distância, de acordo com o regime previsto na Lei n.º 14/2014, de 18 de março, e na Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho e ii) à violação dos princípios da boa-fé, da confiança e da legalidade; Subsidiariamente, ii) Se a sentença a quo padece de erro de julgamento no que concerne à apreciação realizada no que concerne ao princípio da boa-fé. II- FUNDAMENTAÇÃO II.1. Os Factos É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Almada, a qual se reproduz ipsis verbis: A) A Requerente dedica-se ao ensino da condução automóvel através da denominada “Escola de Condução ………………………”, sendo detentora de alvará emitido para o efeito em 25 de Agosto de 1956 ( prova documental cfr. doc. n.º 1 junto com o requerimento inicial).
E) A Requerente requereu a vistoria das mencionadas instalações e procedeu ao pagamento da respectiva taxa. (acordo e prova documental cfr. processo administrativo fls 49 a 51).
(prova documental cfr. Fls.92 e segs do procedimento administrativo). N) Na sequência da informação mencionada no facto provado anterior foi a Requerente notificada do seguinte: (prova documental cfr fls 93 do procedimento administrativo).
O) A Requerente juntou no procedimento administrativo uma certidão com o seguinte teor: (prova documental cfr fls 92 e segs do procedimento administrativo)
P) Na sequência da junção ao procedimento administrativo da certidão mencionada no facto provado anterior, foi elaborada a Informação nº15/2017/DRMTLVT, datada de 20 de Janeiro de 2017, onde se concluiu que a mesma não correspondia ao solicitado no ofício mencionado no facto provado N (cfr. prova documental fls 96 do processo administrativo). (cfr. prova documental doc. Nº7 junto com o requerimento inicial) U) A 21 de Agosto de 2017, foi elaborada pelos serviços da Entidade Requerida, uma Informação/ Parecer, com seguinte teor: (cfr. prova documental fls 14 e seguintes do processo administrativo). V) Sobre a informação, mencionada no facto provado anterior foi exarado, a 14 de Setembro de 2017, o seguinte despacho: “Concordo com o que vem informado e proposto” (cfr. prova documental fls 14 do processo administrativo). X) A Autora foi notificada, na pessoa dos seus mandatários por correio registado com aviso de recepção a 2 de Outubro de 2017, do seguinte: (cfr. prova documental fls 15 do processo administrativo)
Z) Por despacho do Subdiretor Geral de Viação datado de 24 de Fevereiro de 2006, foi decidido que na apreciação do pedido de mudança provisória de instalações deveria ser considerada a dispensa dos requisitos da distância mínima de 500m entre escolas de condução, da existência de condições de mobilidade para deficientes e a existência de área de estacionamento junto às instalações (confissão). (…)”. * Deve proceder-se à modificação e aditamento à matéria de facto constante da sentença recorrida, nos termos do estabelecido no art.º 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ao caso vertente em virtude do previsto no art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, quando subsista necessidade identificada de se proceder ao enquadramento circunstanciado do caso, em termos que permitam percecionar e captar o alcance dos atos praticados no procedimento administrativo a que se referem os autos. Ora, na alínea L) dos factos provados consignou-se, além do mais, que “a Entidade Requerida ter entendido aguardar a entrada em vigor da regulamentação do novo regime jurídico do ensino de condução, aprovada pela Lei n.º 14/2014, de 18 de março, que ocorreu em 22 de setembro de 2015, após a publicação da Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho”. A análise do facto em causa evidencia imediatamente a existência de teor jurídico-conclusivo, que deve ser expurgado, uma vez que a entrada em vigor de um regime jurídico não envolve uma apreciação da matéria de facto, mas antes a aplicação do direito aos factos considerados demonstrados. Sendo assim, impõe-se proceder à alteração da alínea L) do probatório nos termos do prescrito no art.º 662.º, n.º 1 do CPC, ex vi do art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, nos seguintes moldes: L) Sobre o requerimento mencionado no facto provado anterior, não recaiu qualquer despacho, em virtude de a Entidade Requerida ter entendido aguardar a entrada em vigor da regulamentação do novo regime jurídico do ensino de condução, aprovada pela Lei n.º 14/2014, 18 de março, e pela Portaria n.º 185/2015, de 23 de Junho. II.2. O Direito A Recorrente requereu no Tribunal Administrativo de Círculo de Almada a presente providência cautelar contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP., peticionando que, “uma vez proferida a decisão de encerramento compulsivo da escola de condução da Requerente, que a mesma seja imediatamente suspensão da mesma na sua eficácia, em ordem a que esta não produza quaisquer efeitos que inviabilizem o funcionamento da escola de condução, designadamente o não acesso à plataforma informática que permite à escola a marcação de exames e de licenças de aprendizagem”. O Tribunal Administrativo de Círculo de Almada indeferiu o decretamento da providência cautelar pedida com fundamento na inverificação do requisito atinente ao fumus boni juris. Discorda a Recorrente do julgado na Instância a quo, imputando-lhe a nulidade e erros de julgamento. Passemos, pois, ao exame da decisão recorrida. * A) Quanto à imputada nulidade por omissão de pronúnciaA Recorrente esgrime, em primeiro lugar, que a sentença a quo padece de nulidade, consonantemente com o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC e art.º 95.º, n.º 1 do CPTA, uma vez que não apreciou nem decidiu as questões referentes i) à inaplicabilidade da exigência dos 500 metros de distância, de acordo com o regime previsto na Lei n.º 14/2014, de 18 de março, e na Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho e ii) à violação dos princípios da boa-fé, da confiança e da legalidade. Ora, desde já se adianta que, se é certo que não assiste razão à Recorrente no que concerne à apreciação da alegada violação dos princípios da boa-fé, da confiança e da legalidade, também é certo que já lhe assiste razão no que tange à questão da inaplicabilidade da exigência dos 500 metros de distância, de acordo com o regime previsto na Lei n.º 14/2014, de 18 de março, e na Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho. Vejamos porquê. O art.º 95.º, n.º 1 do CPTA prescreve que a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras. Esta disposição transpõe para o contencioso administrativo o que é um princípio processual de longa tradição, vertido no art.º 608.º, n.º 2 do CPC e que estabelece que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. O desrespeito deste dever imposto ao Juiz contamina a sentença com uma patologia genética, conducente ao mais grave desvalor, ou seja, à nulidade, nos termos que se encontram plasmados no art.º 615.º do CPC, por força do estatuído no art.º 140.º, n.º 3 do CPTA. Assim, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC). A nulidade consubstancia, pois, a sanção da infração ao dever que impende sobre o Tribunal de, em decorrência do princípio da disponibilidade objetiva, resolver todas as pretensões/questões que as partes tinham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estivesse ou ficasse prejudicada pela solução dada a outras ou, ainda, cujo conhecimento se mostre, entretanto, abrangido pelo efeito de caso julgado que se haja formado. Daí que a nulidade da decisão judicial ocorra no âmbito da respetiva validade formal, e pressuponha que o concreto ato jurisdicional tenha desrespeitado as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou violado o conteúdo e limites do poder à sombra da qual foi decretado (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/09/2018, no processo 01411/16). O problema que se coloca neste contexto é o de, em determinadas situações, destrinçar as questões dos argumentos elencados pelas partes, dado que, apenas a ausência de apreciação e julgamento das primeiras é suscetível de inquinar de nulidade a decisão objeto de recurso. Realmente, a não ponderação ou apreciação, por banda do tribunal, da totalidade do elenco argumentativo apresentado pelas partes é conducente, quando muito, ao erro de julgamento, mas não à nulidade da decisão. E tal sucede porque o tribunal não tem o dever de apreciar a totalidade dos argumentos oferecidos pelas partes, podendo bastar-se, na sua decisão, com uma fundamentação sopesante de argumentos diferentes dos ofertados pelas partes. Deste modo, deve entender-se que questões são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição quanto às questões objeto de litígio. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que não incorrerá na nulidade em referência o julgador que, apreciando na decisão todos os problemas/questões fundamentais objeto do litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes. “Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, (…) sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/12/2018 no processo 930/12.7BALSB). Do que vem de se exprimir decorre, portanto, que somente existe omissão de pronúncia e, consequente, nulidade se o tribunal na decisão, contrariando o disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, “proferir uma decisão de fundabilidade ou infundabilidade das exceções e da pretensão [causa de pedir/pedido] sem apreciar os problemas/questões fundamentais objeto do litígio” (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26/04/2018 no processo 01002/16, de 30/05/2018, no processo 0986/14, de 20/06/2018 no processo 0209/14, de 14/11/2018 no processo 0829/12.7BELRA e de 20/12/2018 no processo 0229/17.2BELSB e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22/11/2018 no processo 942/14.6BELLE). Dito doutro modo, “a omissão de pronúncia só existe «quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocadas pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, ((1) Cfr. Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143.) «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão». Como se disse, o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar («Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito». Ou seja, o juiz deve, sob pena de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (e sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras - nº 2 do art. 608° do novo CPC), mas já não constituindo nulidade a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes das da sentença, que as partes hajam invocado.((2) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 5ª ed., Lisboa, 2007, p. 913 - anotação 10 ao art. 125º. Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora, 2001, pag. 670.) É claro que isto não significa que a decisão não possa sofrer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte. Todavia, essa é uma outra vertente do julgamento que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais da sentença.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24/10/2018, no processo 01096/11.5BELRA). Finalizando, e como se consignou no Aresto deste Tribunal Central Administrativo proferido em 06/12/2018, no processo 79/18.9BCLSB, “quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, não usar de razões ou fundamentos jurídicos ou factuais invocados pelas mesmas partes, não está a omitir o conhecimento de questões de que devia conhecer com suscetibilidade do cometimento de nulidade; independentemente da maior ou menor validade daquela argumentação, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia se não se acha em causa o conhecimento de questão de que o tribunal devesse conhecer, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso, a atinente à imputação das condutas descritas aos arguidos.” Realizado este périplo jurisprudencial, importa reverter ao caso versado. Ora, escrutinada a decisão a quo, verifica-se que a mesma debruça-se sobre a questão da invocada violação dos princípios da boa-fé, da confiança e da legalidade. Basta, de resto, a leitura das páginas 34 a 39 da referida decisão em crise para constatar que a sobredita, após múltiplas considerações jurídicas, conclui pela não ocorrência da violação dos aludidos princípios. Assim, independentemente do acerto do discurso fundamentador da sentença a quo, a verdade é que esta apreciou e decidiu a questão em causa. Todavia, não é já possível sustentar asserção similar no que se refere à primeira questão colocada pela Recorrente. Com efeito, a Recorrente, logo no requerimento inicial, e por forma a demonstrar a ocorrência de fumus boni juris, sustentou que não lhe era aplicável a exigência dos 500 metros de distância, de acordo com o regime previsto na Lei n.º 14/2014, de 18 de março, e na Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho. No entanto, a analisando a sentença recorrida, não se descortina qualquer trecho em que o Tribunal a quo pondere ou defina qual a lei aplicável à situação jurídica posta nos autos, se o regime jurídico delineado pela Lei n.º 14/2014, de 18 de março, e regulamentado pela Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho- mormente, se a regulamentação criada por esta Portaria é aplicável à agora Recorrente-, se o regime jurídico estipulado pelo Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de abril, e regulamentado pelo Decreto-Regulamentar n.º 5/98, de 9 de abril. De facto, a decisão recorrida apenas transcreve preceitos- alguns aparentemente pertinentes- da legislação vigente anteriormente e da legislação atual, não cuidando de afirmar ou infirmar a subsunção da situação da Recorrente em qualquer dos aludidos preceitos, principalmente, tendo em conta que a situação da Recorrente agora sob escrutínio iniciou-se em 17/05/2013, ou seja, em data em que a legislação atualmente vigente não tinha ainda sido editada, e prolonga-se até aos dias de hoje, sendo certo que, entretanto, ocorreu alteração do regime jurídico que regula a situação da Recorrente. Em concomitância, interessa realçar que a problemática que a Recorrente clama como fundadora da omissão agora em escrutínio não se reconduz a um mero argumento jurídico, antes consubstanciando uma verdadeira questão essencial. Com efeito, a sentença a quo não apreciou ou definiu qual o acervo normativo que deve regular a situação da ora Recorrente e, portanto, não emitiu qualquer pronúncia no que tange à exigibilidade da verificação do requisito de 500 metros de distância (relativamente à escola de condução mais próxima). Ora, esta matéria apresenta-se, indiscutivelmente, como absolutamente essencial para revelação do sentido de decisão a conferir quanto à apreciação do requisito atinente ao fumus boni juris, O que quer dizer que, em bom rigor, esta matéria deve ser qualificada, por si só, como uma verdadeira causa de pedir estruturante do pedido de decretamento da medida cautelar concretamente peticionada. Deste modo, impera concluir que a matéria agora em análise configura, realmente, uma questão essencial. O que consequência a conclusão de que, não subsistindo qualquer pronúncia sobre tal matéria na sentença recorrida, esta sentença padece de omissão de pronúncia. Destarte, nos termos do disposto nos art.ºs 95.º, n.º 1 do CPTA e 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicáveis ao caso versado por força do prescrito no art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, impõe-se conferir procedência ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, declarar a nulidade da sentença a quo. * Dispõe o art.º 149.º, n.º 1 do CPTA que, ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objeto da causa, conhecendo do facto e do direito. De igual modo, o art.º 665.º, n.º 1 do CPC preceitua que, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.Encontra-se, assim, instituído o princípio da substituição do Tribunal recorrido pelo Tribunal ad quem nas situações de nulidade da decisão recorrida, devendo o Tribunal superior, por princípio, apreciar e julgar o mérito da causa, ou seja, o objeto da ação, apreciando os factos e o direito aplicáveis. Revertendo ao caso versado, tal significa que a este Tribunal impõe-se a apreciação e julgamento do mérito da providência cautelar, quer no que toca ao requisito referente ao fumus boni juris, quer no que toca ao requisito atinente ao periculum in mora, caso tal venha a revelar-se necessário. * B) Quanto à verificação de fumus boni juris No sentido de demonstrar a sua tese quanto à ilegalidade da atuação da entidade Recorrida, a Recorrente avança com duas ordens de argumentos: o primeiro, no sentido de que não lhe é aplicável o requisito da distância mínima de 500 metros até à escola de condução mais próxima, requisito este estabelecido no art.º 19.º, n.º 1, al. c) da Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho; o segundo, no sentido de que a aplicação de tal requisito é violadora dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança. Analisemos, então, o caso. Considerando a factualidade elencada como provada- e que a Recorrente não coloca em crise, visto que não lhe aponta qualquer deficiência, insuficiência ou excesso-, verifica-se que a Recorrente dedica-se ao ensino da condução automóvel, sendo detentora do alvará para o efeito, emitido em 25/08/1956. Em 17/05/2013 requereu ao agora Recorrido a autorização para proceder à mudança provisória de instalações, em virtude de ter sido decretada judicialmente a ordem de despejo das anteriores instalações. Por decisão proferida em 27/05/2013, o Recorrido autorizou a mudança provisória de instalações pelo período de 9 meses, mais instando a Recorrente a requerer a vistoria às instalações no prazo de 6 meses, de acordo com os art.ºs 11.º, n.º 2 e 10.º, n.º 5 do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 9 de abril. Após a realização da vistoria, foi proferido despacho em junho de 2013, que aprovou a mudança para as instalações provisórias. Em 07/02/2014, a Recorrente apresentou pedido de prorrogação de prazo para manutenção da autorização de instalações provisórias, com fundamento na circunstância de que a nova lei não continha qualquer requisito referente à distância de 500 metros, o que permitiria a autorização para instalações definitivas no local. Em tal requerimento, a Recorrente, reconhecendo que a escola de condução mais próxima dista 425 metros, evidencia pretender que a decisão quanto à autorização para converter as instalações provisórias em definitivas seja adiada até à entrada em vigor na nova lei, pois que, como se referiu, esta não conteria tal requisito. Esta pretensão não obteve qualquer resposta por parte do Recorrido, que entendeu aguardar não só pela entrada em vigor da Lei n.º 14/2014, de 18 de março, como também da Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho. Após algumas vicissitudes e na sequência de informação elaborada em 27/12/2016, o Recorrido notificou a Recorrente, em dezembro de 2016, para comprovar a distância a outras escolas de condução, no mínimo de 500 metros, através de certidão emitida pela Câmara Municipal, no caso da Recorrente pretender permanecer naquelas instalações ou, em alternativa, apresentar proposta de novas instalações, juntando plantas e demais documentos necessários à instrução do processo. Tendo a Recorrente junto certidão, foi verificado que a mesma não correspondia à realidade, pelo que a Recorrente foi de novo notificada para apresentar nova certidão para comprovação do respeito ao requisito previsto na al. c) do n.º 2 do art.º 19.º da Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho. A Recorrente juntou a nova certidão, emitida pelo Município do Montijo em 14/02/2017, nos termos da qual consta que o raio entre a escola da Recorrente e a mais próxima é de 407,75 metros lineares, muito embora o caminho a percorrer imponha um percurso de cerca de 570 metros lineares, atenta a existência de obstáculos naturais no terreno. Nesse seguimento, o Recorrido notificou a Recorrente de que, em face do incumprimento da distância mínima, a mesma deveria indicar novas instalações no prazo de 90 dias, sob pena de encerramento compulsivo, nos termos do art.º 33.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 da Lei n.º 14/2014. A Recorrente, em resposta, apresentou exposição, na qual defende, em suma, que o requisito respeitante ao raio de 500 metros não lhe é aplicável. E o Recorrido manteve a decisão anterior, nos termos descritos nos pontos U) e V) do probatório, tendo notificado a Recorrente de tanto por ofício datado de 28/09/2017. Estabelecidos e descritos os factos relevantes, importa agora percorrer o acervo normativo que baliza a pretensão da Recorrente. Ora, ao tempo em que a Recorrente formalizou o pedido de mudança para instalações provisórias- em 17/05/2013-, bem como ao tempo em que a mudança para instalações provisórias foi autorizada e aprovada- no máximo, em junho de 2013-, encontrava-se em vigor o Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de abril (com as alterações inseridas pela Lei n.º 51/98, de 18 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 315/99, de 11 de agosto e pelo Decreto-Lei n.º 127/2004, de 1 de junho), que aprovava o regime jurídico da condução. Este diploma era, por seu turno, regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 9 de abril (alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 20/2000, de 19 de dezembro, e pelo Decreto Regulamentar n.º 22/2004, de 7 de junho). O Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de abril, prescrevia, no seu art.º 2.º, o seguinte: “Artigo 2.º Titularidade do alvará 1- (…) 2- (…) 3- (…) 4- Há lugar a averbamento no alvará de todos os actos administrativos respeitantes ao funcionamento e à transmissão da escola de condução. 5- (…) 6- (…) 7- A Direcção-Geral de Viação deve cancelar o alvará de escola de condução ao titular que: a) Sustente situação irregular por período superior a três meses, contado da data da notificação para corrigir essa situação; (…).” No que respeita às instalações, estabelecia o art.º 16.º o que se segue: “Artigo 16.º Instalações 1 - A escola de condução deve possuir instalações adequadas que permitam garantir a qualidade da formação dos candidatos a condutor. 2 - Em regulamento são fixadas as instalações obrigatórias, bem como os requisitos a que as mesmas devem obedecer. 3 - A mudança e alteração das instalações de escola de condução depende de prévia autorização da Direcção-Geral de Viação e obedece às condições a fixar em regulamento. 4 - Nas situações previstas no número anterior e mediante requerimento devidamente fundamentado, pode ser autorizado o funcionamento temporário de escola de condução em instalações provisórias, desde que estas disponham de condições suficientes para a ministração do ensino. (…)” Como decorre do disposto no art.º 16.º vindo de transcrever, a densificação da de várias matérias foi relegada para regulação a editar, o que culminou com a publicação do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 9 de abril. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de abril remeteu para regulamento matérias que, pela sua tecnicidade ou pela necessidade da sua progressiva atualização, se revelam de maior mutabilidade e, consequentemente, carecem de alteração legislativa mais frequente. Com relevância para o caso posto interessa considerar a redação dos art.ºs 1.º, 3., 4.º, 10.º e 11.º do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 9 de abril. “Artigo 1.º Licenciamento de escola de condução 1 - Os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril, a satisfazer pela entidade interessada na abertura de escola de condução, devem ser comprovados através da seguinte documentação: (…) 2 - O requerimento para abertura de escola de condução é dirigido ao director-geral de Viação, devendo dele constar os seguintes elementos: a) (…) b) (…) c) Indicação do distrito, concelho, freguesia e local de instalação da escola, demonstrando que não se situa num raio inferior a 500 m de outra escola; d) (…) 3 – (…) 4 – (…) 5 – (…)” “Artigo 3.º Aprovação das instalações 1 - O interessado, no prazo de 90 dias a partir da data de notificação do deferimento do requerimento para abertura de escola, deve requerer a aprovação das instalações da mesma, incluindo a área de estacionamento dos veículos de instrução e do recinto de manobras, quando o pretenda instalar. 2 – (…) 3 – (…) 4 - A Direcção-Geral de Viação pode fazer depender a aprovação a que se refere o n.º 1 de alterações às instalações quando estas não se mostrem adequadas aos fins a que se destinam.” “Artigo 4.º Vistoria e aprovação do apetrechamento 1 - O requerente notificado da aprovação das instalações propostas deve, no prazo de 60 dias, apetrechar as instalações da escola nos termos exigidos no presente regulamento e requerer a respectiva vistoria e aprovação. 2 – (…) 3 – (…) 4 – (…)” “Artigo 10.º Mudança e alteração de instalações 1 - A mudança e alteração de instalações de escola de condução a que se refere o n.º 3 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril, devem ser requeridas ao director-geral de Viação. 2 - O requerimento para a mudança deve indicar a localização das futuras instalações e ser instruído com as plantas exigidas para a abertura de escola de condução, acompanhado de estudo que a fundamente. 3 - O requerimento para a alteração das instalações deve ser instruído com planta, em triplicado, na escala de 1:100, donde constem as alterações a efectuar. 4 - As novas instalações propostas para a escola devem obedecer em compartimentação e apetrechamento ao disposto no presente diploma. 5 - Concedida a autorização, o titular do alvará deve, no prazo de seis meses, requerer vistoria às instalações e apetrechamento. 6 - Quando naquela vistoria se verifique que as instalações ou o seu apetrechamento não obedecem aos requisitos legais, é marcado o prazo máximo de 60 dias para correcção das deficiências detectadas, devendo, até final do mesmo, ser requerida nova vistoria pelo titular do alvará. 7 - Não tendo sido feitas, no prazo referido no número anterior, as correcções necessárias, é arquivado o processo. 8 - Aprovadas as novas instalações e o apetrechamento, o titular do alvará deve enviá-lo ao serviço competente da Direcção-Geral de Viação e requerer nele o averbamento.” “Artigo 11.º Mudança provisória de instalações 1 - A autorização para mudança provisória de instalações de escola de condução prevista no n.º 4 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril, deve ser requerida ao serviço competente da Direcção-Geral de Viação e conter, para além das condições exigidas naquela disposição legal, a indicação da localização das instalações, bem como o período de utilização. 2 - Concedida a autorização, deve o titular do alvará requerer vistoria às instalações e apetrechamento. 3 - É aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos n.os 6 a 8 do artigo 10.º” Em 18/03/2014 foi publicada a Lei n.º 14/2014, que veio aprovar o regime jurídico do ensino da condução, regulando o acesso e o exercício da atividade de exploração de escolas de condução e das profissões de instrutor de condução e de diretor de escola de condução e a certificação das respetivas entidades formadoras. Este diploma veio, por isso e também, revogar o Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de abril, bem como o Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 9 de abril, com efeitos a partir de 16/06/2014. Os normativos pertinentes para resolução do caso em discussão são os a seguir elencados e transcritos, na parte relevante. Assim, no que concerne aos requisitos para acesso à atividade de exploração de escolas de condução estabelece-se: “Artigo 14.º Requisitos de acesso 1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 7, o acesso à atividade de exploração de escolas de condução depende da obtenção prévia de licença emitida para o efeito. 2 - A licença referida no número anterior é concedida a empresas, singulares ou coletivas, que cumpram o previsto nos artigos 15.º a 18.º. 3 - As condições de instrução do pedido de licença são fixadas pela portaria referida no n.º 1 do artigo 69.º. 4 - Na falta de decisão expressa do IMT, I. P., no prazo máximo de 60 dias a contar da apresentação do pedido de licença, e verificando-se o prévio pagamento das taxas que se mostrem devidas nos termos do presente diploma, considera-se tacitamente deferido o pedido de licença. 5 - O modelo da licença de empresa exploradora de escolas de condução é fixado por despacho do presidente do Conselho Diretivo do IMT, I. P., podendo ser substituída pelos comprovativos de realização do respetivo pedido e do pagamento das taxas devidas, em caso de deferimento tácito e até que a licença expressa seja emitida. 6 - Nos casos em que ocorram atos que impliquem alterações ao conteúdo da licença de empresa exploradora de escolas de condução esta deve ser substituída. 7 – (…) 8 – (…)” “Artigo 15.º Idoneidade 1 – (…) 2 - As situações de inidoneidade previstas no número anterior caducam decorridos cinco anos após a decisão que as determinou, exceto se outro prazo for fixado por decisão ou sentença.” “Artigo 17.º Capacidade técnica 1 - A empresa exploradora de escola de condução deve assegurar a existência de uma estrutura e organização interna adequadas, com os recursos humanos em número suficiente e habilitados com as competências adequadas, que permitam o desenvolvimento da atividade do ensino da condução, de acordo com as exigências estabelecidas e o número de escolas que explore. 2 - São requisitos mínimos de aferição da competência técnica: a) (…) b) Instalações e equipamento pedagógico de suporte à formação adequados, que garantam a qualidade da formação dos candidatos a condutor e a acessibilidade, mobilidade e comodidade dos seus utilizadores, incluindo os cidadãos com mobilidade condicionada; c) (…) d) (…) 3 – (…) 4 - As condições relativas ao requisito estabelecido na alínea b) do n.º 2 e os termos da comunicação referida no número anterior são fixadas na portaria prevista no n.º 1 do artigo 69.º. 5 - Pode ser autorizado o funcionamento temporário de escola de condução em instalações provisórias, desde que estas disponham de condições adequadas para a ministração do ensino da condução, nos termos a definir pela portaria referida no n.º 1 do artigo 69.º.” “Artigo 19.º Manutenção dos requisitos de licenciamento 1 - Os requisitos de licenciamento de empresa exploradora de escolas de condução são de verificação permanente, devendo as entidades titulares da licença comprovar o seu cumprimento sempre que tal lhes seja solicitado pelo IMT, I. P. 2 - A falta superveniente de qualquer das condições de licenciamento previstas nos artigos 15.º a 18.º deve ser suprida no prazo de 60 dias a contar da notificação do IMT, I. P., para o efeito. 3 – (…)” Após a verificação e preenchimento dos enumerados requisitos de acesso à atividade de exploração de escolas de condução, importa iniciar a respetiva atividade, de acordo com o “Artigo 22.º Início da atividade 1 - Após o licenciamento, expresso ou tácito, a empresa de exploração de escolas de condução tem 60 dias para iniciar a atividade, abrindo pelo menos uma escola de condução ao público. 2 - A abertura ou mudança de cada escola de condução deve ser objeto de mera comunicação prévia ao IMT, I. P., que contenha os seguintes elementos: a) Identificação da empresa exploradora; b) Indicação da localização da escola em causa; c) Identificação do âmbito de ensino respetivo, dos instrutores e dos veículos de instrução a ela afetos.” O incumprimento dos requisitos de acesso à atividade de exploração de escolas de condução pode conduzir à revogação da licença e ao encerramento compulsivo da escola de condução, em conformidade com o estatuído nos art.ºs 32.º e 33.º, e que rezam o seguinte: “Artigo 32.º Revogação da licença 1 - A licença de empresa exploradora de escola de condução é revogada pelo IMT, I. P., quando: (…) c) Com exceção do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º, a empresa que deixe de cumprir qualquer das condições previstas nos artigos 15.º a 18.º; (…) 2 – (…)” “Artigo 33.º Encerramento compulsivo de escola de condução 1 - O IMT, I. P., encerra compulsivamente escolas de condução, nos seguintes casos: a) Quando as condições de higiene, salubridade e segurança das instalações ou o seu equipamento pedagógico ponham em sério risco a integridade física das pessoas e a qualidade do ensino; b) Quando a empresa exploradora não proceda à correção das deficiências nas instalações ou das irregularidades detetadas ou quando não observe as regras de funcionamento da escola de condução, previstas na presente lei; c) Quando, nos processos de transmissão de escola de condução, o adquirente não cumpra as condições previstas nos artigos 15.º a 18.º; d) Quando se verifique cessão de exploração da escola de condução; e) Quando se verifique a revogação da licença nos termos do disposto no artigo anterior. 2 - Nas situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior, o encerramento só pode ser determinado se as irregularidades não forem sanadas no prazo de 90 dias após notificação do IMT, I. P., para o efeito. 3 - No decurso do processo de encerramento compulsivo pode ser decretada a medida provisória de suspensão de pedido de marcação de provas de exame de candidatos a condutor, nos casos em que as irregularidades detetadas ponham em causa a qualidade do ensino da condução ministrado. 4 - Para o encerramento compulsivo das escolas de condução referidas no n.º 2 do artigo 2.º, o IMT, I. P., recorre à cooperação administrativa prevista no artigo 71.º. 5 – (…)” Finalmente, é de realçar que a própria Lei n.º 14/2014, de 18 de março, exige regulamentação no prazo de 90 dias, nos termos do previsto no “Artigo 69.º Regulamentação 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei deve ser regulamentada por portaria do membro do Governo responsável pela área dos transportes, no prazo de 90 dias após a sua publicação. 2 - A regulamentação do disposto no artigo 11.º deve ser efetuada por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e dos transportes. 3 - A regulamentação prevista nos capítulos IV a VI da presente lei deve ser efetuada por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do emprego e dos transportes.” Finalmente, o art.º 77.º dispõe sobre o início de vigência daquele diploma: “Artigo 77.º Entrada em vigor A presente lei entra em vigor 90 dias após a data da sua publicação.” A regulamentação da Lei n.º 14/2014 não aconteceu no prazo estipulado de 90 dias, antes vindo a suceder com a emissão da Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho. Esta Portaria contém as seguintes disposições com relevo para a solução a dar ao caso em apreciação: “Artigo 18.º Licenciamento de Empresa Exploradora de Escola de Condução 1 - A empresa, singular ou coletiva, que pretenda obter licença enquanto EEEC deve requerer o respetivo licenciamento. 2 - A empresa deve preencher na aplicação informática disponibilizada pelo IMT, I. P., os dados relativos a: (…) 3 - (…) 4 - A empresa deve ainda declarar que: a) (…) b) Assegura a capacidade técnica prevista no artigo 17.º da Lei n.º 14/2014, de 18 de março. 5 – (…) 6 – (…) 7 - Após verificação, pelo IMT, I. P., de que se encontram reunidos os requisitos para o licenciamento de EEEC ou, na falta de decisão expressa, no prazo de 60 dias a contar do pagamento da taxa devida, considera-se o pedido tacitamente deferido e é emitida a licença de EEEC. 8 - A licença de EEEC contém os seguintes dados: (…) 9 - A eficácia da licença de EEEC fica condicionada à abertura e funcionamento de escola de condução no prazo de 60 dias. Artigo 19.º Comunicação de abertura de escola de condução 1 - Após o licenciamento, a nova EEEC deve comunicar ao IMT, I. P., a abertura da primeira escola de condução. 2 - Nos casos em que a primeira escola de condução é nova, a EEEC deve requerer a realização de vistoria no prazo de 10 dias após a emissão da licença de EEEC nos termos do n.º 6 do artigo anterior e indicar ou confirmar os seguintes elementos: a) (…) b) Localização, incluindo morada e georreferenciação; c) Indicação de que a localização da escola de condução se situa num raio superior a 500 metros de escola de condução já existente; d) (…) e) (…) f) (…) g) (…) h) (…) i) (…) 3 - A comunicação referida no número anterior deve ser acompanhada da seguinte documentação: a) (…) b) (…) c) (…) d) (…) e) Declaração comprovativa de que a localização da escola de condução cumpre o disposto na alínea c) do número anterior; f) (…) g) (…) 4 - O IMT, I. P., realiza a vistoria no prazo de 20 dias, contados da data do pagamento da respetiva taxa. 5 - Quando a primeira escola de condução seja adquirida, a nova EEEC deve comunicar a transmissão, considerando-se esta comunicação como a comunicação de abertura prevista no artigo 22.º da Lei n.º 14/2014, de 18 de março. Artigo 27.º Alteração de instalações ou mudança de localização de escola de condução e funcionamento temporário de escola de condução em instalações provisórias 1 - A EEEC que pretenda alterar as instalações de uma escola de condução que explore ou mudar a sua localização deve proceder à respetiva comunicação prévia, observando-se disposto artigo 19.º, com as necessárias adaptações. 2 - Nos casos em que a EEEC pretenda o funcionamento temporário de escola de condução em instalações provisórias deve requerer a respetiva autorização, podendo ser dispensada de alguns dos requisitos previstos no artigo 24.º, consoante o motivo apresentado. 3 - O funcionamento temporário de escola de condução em instalações provisórias é concedido pelo prazo máximo de 6 meses. Artigo 37.º Direitos adquiridos Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a presente portaria não se aplica aos processos pendentes e às situações constituídas. Artigo 38.º Entrada em vigor 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o presente diploma entra em vigor 90 dias após a sua publicação. 2 - As disposições da presente portaria relativas à abertura de novas escolas de condução, à alteração de instalações de escola de condução e à mudança de localização de escola de condução entram em vigor no dia seguinte ao da publicação da presente portaria. 3 - A obrigatoriedade de dispositivo de monitorização para registo da formação prática entra em vigor após a publicação da deliberação do Conselho Diretivo do IMT, I. P., referida no n.º 10 do artigo 7.º Ora, considerando o disposto no art.º 38.º, n.º 1 da Portaria agora em escrutínio, conclui-se que a mesma entrou em vigor em 21/09/2015, ou seja, 90 dias após a sua publicação. No que tange às disposições relativas à abertura de novas escolas de condução, à alteração de instalações de escola de condução e à mudança de localização de escola de condução, importa referir que tais disposições entraram em vigor em 24/06/2015, em consonância com o n.º 2 do art.º 38.º. Tendo presente o conjunto normativo que, necessariamente, deverá ser considerado para dilucidação da questão posta, impera então indagar qual o regime aplicável à situação da Recorrente. Ora, considerando a data em que a Recorrente requereu a autorização para mudança provisória de instalações- em 17/05/2013-, bem como a data em que tal mudança foi autorizada- em 27/05/2013-, não subsiste qualquer dúvida de que a situação da Recorrente, quanto ao funcionamento em instalações provisórias, foi constituída ao abrigo do disposto no art.º 16.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de abril (que estipulava que nas situações previstas no número anterior e mediante requerimento devidamente fundamentado, pode ser autorizado o funcionamento temporário de escola de condução em instalações provisórias, desde que estas disponham de condições suficientes para a ministração do ensino.), bem como ao abrigo do preceituado no art.º 11.º do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 4 de abril, que rege sobre a mudança provisória de instalações. Nos termos das indicadas disposições, bem como da prática do Recorrido no que concerne à concessão de autorização para a mudança para instalações provisórias -veja-se o facto inserto no ponto Z) do probatório coligido-, verifica-se que, efetivamente, nada obstaculizava a que o requisito descrito no art.º 1.º, n.º 2, al. c) do Decreto Regulamentar n.º 5/98 pudesse ser dispensado. Ressalte-se que este requisito era tangente à imposição de demonstração de que a escola de condução requerente não se situava num raio inferior a 500 metros de outra escola. Ademais, inexistia prazo estabelecido no regime legal para a duração do funcionamento da escola em instalações provisórias. De resto, assinale-se que a autorização de mudança para instalações provisórias foi concedida à agora Recorrente pelo prazo de 9 meses, sendo certo que a Recorrente, em 07/02/2014, formulou novo requerimento de prorrogação do prazo da autorização concedida para funcionamento em instalações provisórias, prorrogação esta a durar até à entrada em vigor da nova lei, altura em que seria requerida nova vistoria “com vista a que seja concedida autorização para instalações definitivas para este local”. Uma vez mais se diga que, à luz do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 86/98 e Decreto Regulamentar n.º 5/98, não se descortina razão jurídica impeditiva da prorrogação do prazo para funcionamento em instalações provisórias, especialmente considerando a circunstância da iminente entrada em vigor de um novo regime jurídico. E, certamente, raciocínio similar foi adotado pelo Recorrido, visto que este não proferiu qualquer decisão expressa no tocante ao requerimento apresentado pela Recorrente em 07/02/2014, optando por “aguardar a entrada em vigor da regulamentação do novo regime jurídico do ensino de condução, aprovada pela Lei n.º 14/2014, 18 de março, e pela Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho” (cfr. Ponto L) do probatório reunido). A Lei n.º 14/2014, de 18 de março, foi publicada e 18 de março e entrou em vigor em 17/06/2014. Sendo assim, nada tendo o Recorrido decidido em contrário, entendemos que a ausência de pronúncia expressa é indicativa da permissão de manutenção das instalações provisórias por parte da Recorrente até àquela referida data de 17/06/2014. Atentando no concreto conteúdo do requerimento apresentado em 07/02/2014 pela Recorrente e na atitude adotada pelo Recorrido- e patenteada no ponto L) do probatório-, cremos que não pode deixar de entender-se que a autorização das instalações provisórias concedida à Recorrente caducou com a entrada em vigor, precisamente, da Lei n.º 14/2014, ou seja, em 17/06/2014. É que, reitere-se, a própria Recorrente formulou pedido expresso no sentido do prolongamento do funcionamento das instalações provisórias até à entrada em vigor da nova lei. E o Recorrido, como se disse, anuiu nessa pretensão. A partir daquele momento- 17/06/2014-, impunha-se que a Recorrente iniciasse o procedimento tendente à obtenção da aprovação das instalações definitivas, bem como se impunha que o Recorrido adotasse os procedimentos necessários, até em sede das suas competências de fiscalização, para que a Recorrente regularizasse a respetiva situação. Com efeito, importa valorizar que, no mencionado requerimento de 07/02/2014, a própria Recorrente explicitou a sua intenção de que, com a entrada em vigor da nova lei, seria requerida nova vistoria “com vista a que seja concedida autorização para instalações definitivas para este local”, razão pela qual pretendia que a autorização de instalações provisórias apenas fosse prorrogada até àquele momento de entrada em vigor. Sendo assim, a conversão das instalações provisórias em instalações definitivas, porque constitui uma nova pretensão, suscetível de alterar a esfera jurídica da Recorrente na medida em que impõe uma alteração ao licenciamento e ao alvará de que é detentora (cfr. 14.º, n.º 6 da Lei n.º 14/2014), sempre deveria ser apreciada à luz do novo regime jurídico, instituído pela já aludida Lei n.º 14/2014, e não pelo regime anterior. Compulsado então o novo regime desenhado pela Lei n.º 14/2014, contata-se que, em lado algum, está consagrada a exigência atinente à “Indicação de que a localização da escola de condução se situa num raio superior a 500 metros de escola de condução já existente”. Com efeito, o disposto nos art.º 14.º, 17.º, 19.º e 22.º do diploma agora em causa, que relevam para o caso em apreço, não possuem qualquer normativo que prescreva a exigência de um raio superior a 500 metros de distância relativamente à escola de condução já existente. Todavia, o próprio diploma remete a sua densificação para regulamentação a publicar no prazo de 90 dias, em conformidade com o consignado nos art.ºs 14.º, n.º 3, 17.º, n.ºs 2, al. b), 4 e 5 e 69.º, n.º 1 da dita Lei n.º 14/2014. É certo que a Portaria n.º 185/2015 apenas foi publicada em 23/06/2015, e não nos 90 dias previstos no art.º 69.º, n.º 1 da Lei n.º 14/2014. Porém, na medida em que esta Portaria destina-se a regulamentar e permitir a aplicação concreta da Lei n.º 14/2014, deve entender-se que é aplicável às pretensões apresentadas já no domínio desta Lei n.º 14/2014 e que sejam apreciadas após a data da entrada em vigor da sobredita Portaria. E este é, precisamente, o caso trazido aos autos. Realmente, escrutinada a factualidade vertida nos autos como provada, verifica-se que a Recorrente, após a entrada em vigor da Lei .º 14/2014, não promoveu ou diligenciou pela alteração definitiva das instalações onde funcionava, apenas havendo notícia nos autos de que, em 22/07/2015, e em virtude dum sócio da Recorrente ter-se dirigido aos serviços do Recorrido, foi espoletado o procedimento atinente à mudança definitiva das instalações da escola de condução. Ou seja, no momento em que o Recorrido iniciou a sua atuação fiscalizadora no que concerne à mudança da localização definitiva das instalações da Recorrente estavam já em vigor as normas da Portaria n.º 185/2015, de 23 de junho, relativas à alteração de instalações de escola de condução e à mudança de localização de escola de condução, visto que tais disposições entraram em vigor logo em 24/06/2015, em consonância com o n.º 2 do art.º 38.º da referenciada Portaria. Contra esta conclusão, oferece a Recorrente o teor do disposto no art.º 37.º da Portaria n.º 185/2015 que, sob a epígrafe Direitos adquiridos, estipula que “a presente portaria não se aplica aos processos pendentes e às situações constituídas”. Mas não lhe assiste razão. Em primeiro lugar, porque inexiste “situação constituída” de que a Recorrente beneficie. Recorde-se que, até à entrada em vigor da Lei n.º 14/2014, a Recorrente beneficiou de uma autorização para funcionar em instalações provisórias, autorização esta que, por possuir a característica de provisoriedade, não lhe permite fundar uma situação com a estabilidade de um direito adquirido. E, de todo o modo, a Recorrente sempre agiu e atuou de modo oposto e incoerente com a subsistência de um direito adquirido, sempre revelando ter a consciência e conhecimento de que funcionava em instalações provisórias sob a alçada de uma autorização que carecia de ser substituída por uma autorização definitiva. Em concomitância, realce-se que a antiguidade do alvará da Recorrente face a alvarás mais modernos também não lhe permite fundar qualquer direito adquirido, pois que, a mudança definitiva da localização de instalações obedece a um procedimento específico e conduz à alteração do alvará da escola de condução. Em segundo lugar, porque a expressão “processo pendente” não pode assumir o significado que a Recorrente lhe pretende atribuir. Com efeito, note-se, uma vez mais, que a Portaria n.º 185/2015 foi editada com a estrita função de regulamentar, densificando, a Lei n.º 14/2014, por forma a permitir a aplicabilidade deste diploma às concretas situações. Neste contexto, é indiscutível que a apreciação das pretensões apresentadas após a entrada em vigor da Lei n.º 14/2014 deve ser realizada em conformidade com esta mesma Lei. Mas, também é para nós indiscutível que a apreciação dos pedidos apresentados após a entrada em vigor da Lei n.º 14/2014 deve ser efetuada em conformidade com as exigências vertidas na Portaria n.º 185/2015, se esta já estiver em vigor no momento da decisão do pedido. Assim, ressuma como indiferente se a pretensão foi ou não apresentada após a entrada em vigor da mencionada Portaria. Relevante é que, no momento em que foi tomada a decisão, tal Portaria estivesse já em vigor. Este entendimento tem arrimo numa diversidade de considerações, sendo a primeira o facto de, ao propugnar-se entendimento diverso do espraiado, tal conduzir a uma diferenciação inexplicável no tratamento de situações idênticas. Ou seja, a sufragar-se a tese da Recorrente estar-se-ia a admitir que, no domínio do mesmo regime mestre, traçado pela Lei n.º 14/2014, poderia ser autorizado o funcionamento de escolas de condução em instalações definitivas com a exigência do cumprimento do requisito atinente aos 500 metros de distância e sem a exigência do cumprimento deste requisito. Ora, tal tratamento distinto desemboca, quanto a nós, na violação do princípio da igualdade. Adicionalmente, importa salientar o facto da exequibilidade da Lei n.º 14/2014 depender diretamente da regulação densificadora instituída pela Portaria n.º 185/2015, devendo até questionar-se a aplicabilidade prática de tal Lei sem a Portaria regulamentadora. E tanto assim é, que o Recorrido iniciou a sua atuação fiscalizadora apenas após a entrada em vigor da referida Portaria. Do que vem de se expender decorre, portanto, que a expressão “processo pendente” deve significar como reconduzindo-se aos procedimentos iniciados em data anterior ao da entrada em vigor da Lei n.º 14/2014. Esta é a interpretação que melhor assevera a unidade do sistema, protegendo e concretizando não só o princípio tempus regit actum, como também o princípio da igualdade. E não colhe em contrário desta asserção o argumento da retroatividade avançado pela Recorrente. É que, o que se disse é que a pretensão deve ser apreciada de acordo com a Lei n.º 14/2014 e com a Portaria n.º 185/2015, se aquela pretensão tiver sido apresentada após a entrada em vigor da sobredita Lei e se no momento da apreciação do pedido, a dita Portaria for já vigente. Por conseguinte, não está em causa uma situação em que a Recorrente não devesse contar e antecipar, até porque é a própria Lei n.º 14/2014 que remete importantes aspetos da sua exequibilidade e aplicação prática para regulamentação a criar e a editar. Aqui chegados, cumpre extrair a conclusão de que a autorização pretendida pela Recorrente, de alteração definitiva da localização das instalações onde funciona a sua escola de condução, deve ser apreciada em harmonia com os requisitos exigidos pelo regime jurídico que dimana da Lei n.º 14/2014 e da Portaria que a regulamenta, a Portaria n.º 185/2015. Vejamos, então, se o requisito atinente à distância de 500 metros é aplicável à pretensão da requerente. Ora, basta compulsar o preceituado nos art.ºs 14.º, n.ºs 1, 2, 3 e 6, e 17.º, n.ºs 2, al. b) e 4 da Lei n.º 14/2014 para, de imediato, assumir a remissão para a regulamentação propiciada pela Portaria n.º 185/2015. Perscrutada a Portaria n.º 185/2015, descortina-se o disposto no art.º 27.º, n.º 1 como a normação adequada e subsuntiva do caso agora em discussão. Realmente, este preceito estabelece que a entidade exploradora de escola de condução que pretenda alterar as instalações de uma escola de condução que explore ou mudar a sua localização deve proceder à respetiva comunicação prévia, observando-se o disposto no artigo 19.º, com as necessárias adaptações. Por seu turno, o art.º 19.º, n.º 2, al. c) e n.º 3, al. e) prescreve que a entidade requerente deve proceder à “Indicação de que a localização da escola de condução se situa num raio superior a 500 metros de escola de condução já existente”, competindo-lhe apresentar “Declaração comprovativa de que a localização da escola de condução cumpre o disposto na alínea c) do número anterior”. Quer isto significar, portanto, que a autorização pretendida pela Recorrente, de autorização de funcionamento definitiva na nova localização das instalações, não pode deixar de respeitar o requisito respeitante à verificação da distância de 500 metros até à escola de condução mais próxima. No caso da Recorrente, e como deriva do probatório reunido, tal distância mínima de 500 metros não é respeitada, não relevando para o caso que ocorram obstáculos naturais no terreno que impliquem que o caminho a percorrer desde a escola de condução da Recorrente até à mais próxima ultrapasse os 500 metros. É que, como deriva da própria redação do art.º 19.º, n.º 2, al. c) da Portaria n.º 185/2015, o “raio superior a 500 metros” não pode deixar de ser achado em linha reta e em metros lineares, independentemente das características naturais do terreno. Não estando respeitado o requisito decorrente do art.º 19.º, n.º 2, al. c) da Portaria n.º 185/2015, o Recorrido pode proceder à revogação da licença da Recorrente, nos termos do previsto no art.º 32.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 14/2014. Pode o Recorrido, também, determinar o encerramento compulsivo da escola de condução da Recorrente, concordantemente com o art.º 33.º, n.º 1, al. b) da mesma Lei n.º 14/2014, se entretanto as irregularidades não tiverem sido sanadas no prazo de 90 dias após a notificação para esse efeito sanatório (cfr. n.º 2 do mesmo art.º 33.º). Quer isto significar, portanto, que o agora Recorrido atuou consonantemente com o regime jurídico, não se descortinando, até ao momento, qualquer ilegalidade na atuação do Recorrido. Efetivamente, é a Recorrente quem se apresenta no papel de parte incumpridora dos requisitos legais, uma vez que, constatadamente, as instalações da escola de condução para a qual pretende autorização definitiva não cumprem a distância mínima de 500 metros até à escola de condução mais próxima. Por este motivo, a pretensão cautelar da Recorrente não merece decretamento, pois que não ocorre fumus boni juris. A Recorrente ensaia, ainda, um outro argumento, que apelida de “ilegitimidade da norma” constante do art.º 19.º, n.º 2, al. c) da Portaria n.º 185/2015. Clama a Recorrente que, na medida em esta norma introduz um requisito que não consta da Lei n.º 14/2014, viola os princípios da legalidade e da confiança. Ora, é claro que este argumento está destinado a fracassar. E por duas razões. A primeira, porque a própria Lei n.º 14/2014 remete a sua densificação para regulamentação a publicar no prazo de 90 dias, em conformidade com o consignado nos seus art.ºs 14.º, n.º 3, 17.º, n.ºs 2, al. b), 4 e 5 e 69.º, n.º 1. Aliás, o próprio art.º 17.º, referente à capacidade técnica da entidade exploradora da escola de condução, estabelece no n.º 4 que as condições e requisitos respeitantes às instalações da escola de condução são fixadas na portaria descrita no art.º 69.º, n.º 1. E, na verdade, é o art.º 19.º da Portaria n.º 185/2015 que elenca os concretos requisitos a que deve obedecer o licenciamento das escolas de condução. A segunda, porque o art.º 17.º, n.º 2 da Lei n.º 14/2014 enumera os “requisitos mínimos de aferição da competência técnica”, o que inculca a convicção de que o próprio legislador pretendeu desenhar uma constelação minimal de requisitos, remetendo para a portaria regulamentadora o estabelecimento de requisitos acrescidos e concretizadores. Deste modo, o próprio legislador endossou a tarefa de regulamentação para outro diploma normativo, autorizando explicitamente a introdução de requisitos concretizadores daquele “mínimo” cristalizado no mencionado art.º 17.º, n.º 2 da Lei n.º 14/2014. Do que vem de se expender decorre que a Recorrente não poderia deixar de contar e prever a existência de concretização e densificação do regime jurídico descrito na Lei n.º 14/2014 em diploma regulamentar a ser editado, o que veio a suceder com a publicação da Portaria n.º 185/2015. Adicionalmente, refira-se que o requisito atinente à distância de 500 metros nunca esteve previsto no diploma legislativo anterior à Lei n.º 14/2014. Basta examinar o Decreto-Lei n.º 86/98 para, facilmente, concluir que, em lado algum, está inserido o requisito agora em discussão. Com efeito, o art.º 16.º, n.ºs 1, 2 e 3 deste diploma remetem o estabelecimento dos requisitos, precisamente, para regulamento próprio. O regulamento vigente no domínio do Decreto-Lei n.º 86/98 era, como se expôs antecedentemente, corporizado pelo Decreto Regulamentar n.º 5/98, que previa no seu art.º 1.º, n.º 2, al. c) o requisito relativo à exigência da distância mínima de 500 metros até à escola de condução mais próxima. Quer isto dizer que o requisito em discussão foi sempre objeto de consagração na regulamentação e não no diploma legislativo modelador da arquitetura do regime jurídico do ensino da condução. Por conseguinte, a Recorrente não pode, sequer, apelar à novidade da técnica legislativa no domínio da Lei n.º 14/2014, pois desde há muito que é opção do legislador relegar para o nível regulamentar o estabelecimento de concretos requisitos para o licenciamento das escolas de condução. Face ao que vem explanado, impera concluir que não ocorre violação dos princípios da legalidade e da confiança, nos termos em que a Recorrente reclamou. A Recorrente invoca, por fim, e em sustento da verificação do requisito relativo ao fumus boni juris, que a atuação do Recorrido afronta o princípio da boa-fé, visto que, este Recorrido assumiu uma postura de inércia desde maio de 2013, criando na Recorrente, assim, a convicção da regularidade da sua localização e, em consequência, a realização de investimento na escola de condução. Ora, esta linha argumentória da Recorrente está destinada ao insucesso. É que, como bem demonstra o requerimento que a Recorrente apresentou ao Recorrido em 07/02/2014, ou seja, muito após maio de 2013, a Recorrente detinha perfeita noção de estar obrigada ao cumprimento do requisito referente aos 500 metros de distância, bem como detinha perfeita noção de que tal requisito não era cumprido no caso concreto. Mas mais. Precisamente por tal incumprimento, a Recorrente peticionou ao Recorrido a prorrogação da autorização para funcionar em instalações provisórias, pois que tinha a expectativa de que a nova lei, com entrada em vigor iminente, não previa o aludido requisito. Ora, com este comportamento, e principalmente porque o Recorrido nunca tomou qualquer decisão expressa que fundasse uma posição contrária, a Recorrente revela sempre ter tido consciência de que a falta de cumprimento do requisito dos 500 metros de distância inviabilizava a concessão de autorização definitiva para a escola de condução funcionar naquelas instalações até então provisórias. Quer isto significar que, não se descortina na atuação do Recorrido motivo fundante do desrespeito do princípio da boa-fé. De todo o modo, ainda que tal desrespeito ocorresse, tal não firmaria a concessão da pretensão da Recorrente, ou a manutenção da situação de facto, uma vez que, como já se expôs longamente, o requisito atinente aos 500 metros de distância, previsto no art.º 19º, n.º 2, al. c) da Portaria n.º 185/2015, é aplicável ao seu caso. Sendo assim, a aplicação do princípio da boa-fé ao caso versado resulta absolutamente inócua, visto que não pode sustentar a existência de situações jurídicas ilegais. Ponderando todo o exposto, resulta inequívoco que a Recorrente não está dispensada da verificação e cumprimento do preceituado no art.º 19.º, n.º 2, al. c) da Portaria n.º 15/2015. Similarmente, resulta inequívoco que a tese da Recorrente no que concerne à violação dos princípios da legalidade, confiança e boa-fé claudica em absoluto. Ora, o fracasso em questão impõe a formulação de juízo negativo relativamente à existência de fumus boni juris. A não ocorrência de fumus boni juris consubstancia impedimento irremediável, face ao que dispõe o art.º 120.º, n.º 1 do CPTA, para o decretamento da medida cautelar requerida pela agora Recorrente. Ademais, a não verificação do sobredito requisito acarreta a desnecessidade da apreciação do periculum in mora, atento o carácter cumulativo de tais requisitos. Por conseguinte, a providência cautelar pedida pela Recorrente não pode ser decretada, antes devendo ser indeferida. Desta feita, atenta a factualidade provada e o enquadramento legal em que se movimenta o caso em análise, resulta cristalino que o presente recurso jurisdicional merece proceder, atenta a nulidade de que padece a sentença a quo. Apreciando este Tribunal, em substituição, a providência cautelar peticionada pela Recorrente, não merece a mesma o decretamento, por não estar preenchido o requisito atinente ao fumus boni juris. III- DECISÃO Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em: I- Conceder procedência ao recurso jurisdicional; Em consequência, II- Declarar a nulidade da sentença recorrida; e III- Rejeitar o decretamento da providência cautelar. Custas pela Recorrente, nos termos do disposto no art.º 527.º do CPC. Lisboa, 21 de fevereiro de 2019, ____________________________ Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro
____________________________ Jorge Pelicano
____________________________ Cristina dos Santos |