Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:517/05.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/22/2019
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:PEDIDO DE REVISÃO;
JUSTIFICAÇÃO;
MEIO DE PROVA DA JUSTIFICAÇÃO;
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
Sumário:A desistência do pedido de revisão à luz do regime consagrado no artigo 91.º n.º 6 da Lei Geral Tributária, nas situações em que o perito do contribuinte comparece na segunda data e hora designadas para a reunião referida no n.º 3 do mesmo preceito legal, está necessariamente dependente de aquele não ter apresentado até esse momento (data e hora) nenhuma razão ou motivo para não ter comparecido na data anteriormente indicada para o mesmo efeito, ou não ter apresentado, se a Administração Tributária lho tiver anteriormente pedido ou pedir nessa data, concedendo, se necessário, um prazo razoável, documento ou outro tipo de prova idóneos a comprovar a justificação apresentada.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I – Relatório

I... – Imobiliária Construtora, Lda., instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures [Lisboa II] acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças/Direcção Geral dos Impostos, pedindo a anulação do despacho do Director de Finanças de Lisboa, datado de 26-9-2005 que declarou a desistência do pedido de revisão da matéria colectável de IRC dos exercícios de 2001 e 2002 e a condenação do Réu a promover a realização da comissão de revisão requerida em sede de reclamação.

Citado o Réu, veio o Director de Finanças de Lisboa, na qualidade de autor do acto impugnado, apresentar contestação, aí invocando, a título de excepção, a inimpugnabilidade contenciosa do acto objecto do processo e, por impugnação, defendendo a improcedência da acção.

A Autora, em resposta, pugnou pela improcedência da excepção suscitada na contestação pela Fazenda Pública, reiterando, no mais, a posição vertida na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador no qual foi julgada improcedente a excepção invocada e ordenada a notificação das partes para apresentaram alegações finais [nos termos previstos, conjugadamente, nos artigos 91.º, nº4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 97.º, nº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)] o que por ambas foi feito, aí mantendo integralmente as posições que já haviam assumido nas peças processuais antecedentes.

Proferida sentença, foi julgada integralmente improcedente a acção e, em conformidade, o Réu absolvido dos pedidos contra si formulados.

Inconformada, a Autora recorreu para este Tribunal Central Administrativo, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

«A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença da 1ª Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa, de 20 de Dezembro de 2013, proferida nos autos de acção administrativa especial nº517/05.0BELSB, a qual julgou “improcedente a presente acção administrativa especial (…) e em consequência” absolveu “a Entidade Demandada – o Ministério das Finanças do pedido condenatório”.

B) A ora Recorrente interpôs a presente acção administrativa especial, contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, impugnando a decisão que considerou ter ocorrido a desistência da reclamação por si apresentada para a comissão de revisão.

C) No âmbito dos presentes autos, a Recorrente peticionou a anulação do despacho do Director de Finanças de Lisboa, titulado pelo ofício n°061007, de 26 de Setembro de 2005, assim como a condenação deste a promover a realização da comissão de revisão tempestivamente requerida em sede de reclamação para a mesma, seguindo o processo os seus regulares trâmites até final.

D) Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, ao ter assim decidido e com os fundamentos alegados, razão pela qual deve a mesma ser revogada por este Tribunal e substituída por outra que faça uma correcta interpretação do Direito aplicável.

E) Com efeito, entende a ora Recorrente, salvo o devido respeito, que há na decisão recorrida normas jurídicas violadas, as quais obstam ao decidido.

F) A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se a comunicação apresentada pelo perito na segunda reunião constitui justificação e se ainda assim, teria que juntar um meio e prova que atestasse a mesma.

G) Nos termos do preceituado no artigo 91º, nº6, da Lei Geral Tributária (LGT), em caso de falta à primeira reunião (agendada na sequência do pedido de revisão da matéria tributável), o perito do contribuinte deve justificar essa falta.

H) Ora, no caso e ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, foi exactamente o que foi feito.

I) Aquela norma - artigo 91º, nº6, da LGT – não impõe que o perito do contribuinte apresente um qualquer meio de prova da justificação dada.

J) O que compete ao perito, nos exactos termos da lei, é (sic) “justificar a falta”.

K) Sendo que, no caso, a justificação foi dada – e dada de forma tempestiva – pelo perito, conforme melhor decorre da alínea H) da matéria dada como assente.

L) Uma coisa é a justificação da falta e outra, completamente diferente, será o comprovativo dessa mesma justificação.

M) A lei – vide artigo 91º, nº6, da LGT – não se reporta a qualquer comprovativo, mas apenas à justificação.

N) O que, de resto, sucede também com a redacção do nº 5, daquela mesma norma, quando o legislador ali se refere apenas e tão só à “não comparência injustificada do perito designado pelo contribuinte”.

O) Tratam-se, pois, de realidades distintas – a justificação e o comprovativo da mesma – que o Tribunal a quo parece, em erro, ter confundido ao interpretar (e aplicar) o preceituado no nº6, do artigo 91º, da LGT.

P) Como decorre da matéria de facto dada como provada nos presentes autos – veja-se a alínea H) dos factos dados como provados na sentença recorrida – resulta demonstrado que o perito, nomeado pela aqui Recorrente, justificou o motivo da sua falta à primeira data designada para a realização da conferência sub judice.

Q) O que o perito não fez no imediato foi apresentar o comprovativo médico da sua justificação.

R) Mas, sendo de realçar que – conforme decorre da factualidade dada como provada na alínea J) da sentença recorrida – no mesmo dia em que se encontrava agendada a segunda reunião, o perito remeteu (através do mandatário da Recorrente) o atestado médico comprovativo da doença que o impediu de comparecer à (primeira) reunião.

S) Se por um lado, entende a Recorrente que resulta expressamente da letra da lei – artigo 91º, da LGT – que a falta dada pelo perito apenas deveria ser justificada pelo mesmo, sem necessidade de comprovar essa justificação (porque a tanto não obriga a letra, nem o espírito da lei), por outro lado, ainda, a verdade é que o perito não só justificou a sua falta como, horas mais tarde, a comprovou apresentando para o efeito um meio de prova – o atestado médico.

T) Por outro lado, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que a situação sub judice configura um caso de justo impedimento.

U) Ora, a situação conforme configurada e devidamente demonstrada – como melhor decorre da matéria de facto dada como assente sob a alínea H) – o que se encontra sob apreciação é um caso de falta e se essa mesma falta foi devidamente justificada, ou não.

V) A figura legal do justo impedimento aplica-se, precisamente, às situações em que um determinado acto processual é praticado fora de prazo, atento o justo impedimento enquanto “evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários”.

W) Ora, no caso, o que ocorreu foi a falta de presença do perito nomeado, aquando da primeira reunião agendada.

X) O artigo 91º, nº6, da LGT, não se reporta a uma qualquer situação de justo impedimento, mas outrossim à situação concreta da falta de presença do perito.

Y) Legalmente, haverá que distinguir o justo impedimento – em que a prova do impedimento tem que ser feita, nos termos da lei, no momento em que o mesmo é invocado, como, aliás, decorre do regime previsto no Código de Processo Civil, maxime (actualmente) artigo 146º - e as situações de falta – por exemplo, das testemunhas, em que se verifica a possibilidade de apresentar a justificação de falta em momento posterior.

Z) Ora, como resulta, por exemplo, do regime previsto para a justificação de faltas no CPP – artigo 117º -, a verdade é que o atestado médico se limita a ser um meio de prova de uma justificação,

AA) Sendo de realçar que, nos exactos termos do preceituado na LGT – maxime artigo 91º - a lei não estabelece que, relativamente à justificação dada pelo perito faltoso, a mesma deva ser devidamente comprovada mediante um qualquer meio de prova.

BB) Na verdade, essa obrigação – de comprovar a justificação dada – não decorre nem da letra da lei, nem sequer da ratio legis.

CC) Se a intenção do legislador fosse outra que não aquela que expressamente manifestou no artigo 91º, da LGT, sempre teria que ter estabelecido os meios de prova admitidos – como o faz, por exemplo, o artigo 117º, do CPP – e os prazos para a junção desses mesmos meios de prova.

DD) Ora, isso o legislador não fez no artigo 91º, da LGT, porque efectivamente, não era sua intenção onerar o perito faltoso com a junção de um qualquer meio de prova que atestasse a sua justificação.

EE) Por todo o exposto, importa concluir que o perito nomeado pela Recorrente não só justificou a falta dada aquando da primeira reunião agendada), como igualmente fez mais do que lhe competia, ao juntar àqueles autos, um meio de prova dessa mesma justificação, in casu, um atestado médico.

FF) Nestes termos, importa concluir que o Tribunal a quo decidiu em evidente violação do preceituado no nº6, do artigo 91º, da LGT, razão pela qual deve a sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que faça uma correcta interpretação do Direito aplicável.

V – Pedido:

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer que o presente recurso seja julgado procedente, por provado e, em consequência, seja revogada a decisão proferida em 20 de Dezembro de 2013, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, tudo com as necessárias consequências legais».


Notificada da admissão do recurso, ofereceu o Recorrido contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso, com a consequente manutenção da sentença recorrida, tudo, com base no seguinte quadro conclusivo:

«I. A decisão do Tribunal a quo não padece de qualquer vício, nomeadamente erro de julgamento, como invocado pela Recorrente.

II. A justificação de falta, na acepção do n°6 do artigo 91° da LGT pressupõe a demonstração de que a ausência do perito não decorre de facto que lhe seja imputável.

III. A mera comunicação da ocorrência do facto impeditivo - no caso, doença do perito - não constitui prova bastante da sua verificação.

IV. Aquele que invoca um direito (no caso, ver reconhecida a falta do perito, como justificada) deverá fazer a prova dos factos que constituem esse direito (artigos 341° e 342° do código civil).

V. O facto de a lei não indicar quaisquer meios de prova admitidos para atestar a justificação apresentada pelo perito, não significam que essa prova não deva ser cabalmente produzida.

VI. Como resulta dos autos, o perito do contribuinte invocou como prova da sua justificação um atestado médico (o qual todavia não junto em tempo oportuno), não se propondo produzir qualquer outra prova justificativa da sua ausência.

VII. O Tribunal a quo assimila a comunicação da falta primeira reunião à invocação de uma situação de justo impedimento, que a jurisprudência superior e a doutrina consideram ser de aplicação generalizada, quer ao processo judicial, quer ao procedimento administrativo.

VIII. Este instituto - justo impedimento - tem porém, relativamente ao procedimento de revisão da matéria colectável uma nuance, que se reconduz ao momento em que a sua invocação deverá ocorrer, cujo término final ocorre, não quando cessa o impedimento, mas no momento da realização da segunda reunião agendada.

IX. Sendo que, no demais, os seus condicionalismos são semelhante ao estipulados no artigo 140° do novo CPC (anterior artigo 146°), nomeadamente a circunstância de a alegação e prova da verificação do justo impedimento terem de ser efectuadas no requerimento em que a alegação é efectuada.

X. Não tendo o perito apresentado a necessária prova da verificação da situação de justo impedimento, necessariamente deverá ser considerada como não verificada a situação de justo impedimento, e consequentemente, a ausência como falta injustificada.

XI. Também relativamente ao momento em que perito da ora Recorrente se apresentou a justificar a falta à primeira reunião (juntando a sua comunicação manuscrita e invocando o seu esquecimento do atestado médico no seu escritório), não se poderá considerar a existência de justo impedimento para a apresentação tardia do necessário documento de prova da falta à primeira reunião.

XII. A não apresentação no momento próprio do atestado médico, motivado, como o perito assumiu, por esquecimento seu, decorre de um evento que lhe é exclusivamente imputável, não podendo assim ser aqui aplicável o instituto do justo impedimento para admitir que a junção do atestado médico pudesse acontecer posteriormente ao momento da realização da segunda reunião.

XIII. Em suma, nem a mera comunicação do motivo da ausência preenche as exigências de justificação de falta que o n°6 do artigo 91° da LGT impõe, nem a apresentação tardia de um atestado médico, decorrendo o atraso de facto exclusivamente imputável àquele que invocou o impedimento para a sua não apresentação oportuna, permitem considerar verificada uma situação de justo impedimento, que abalem a cominação legalmente prescrita no n°5 do artigo 91° da LGT, que dá como verificada a desistência do pedido de revisão da matéria colectável, no caso de ausência injustificada do perito do contribuinte à primeira reunião.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá o recurso jurisdicional interposto da decisão a quo ser indeferido, mantendo-se em consequência aquela decisão judicial, e bem assim, o acto administrativo em matéria tributária sindicado.»


Por despacho da ora relatora foi suscitada questão obstativa de apreciação do recurso jurisdicional – postergação da obrigatoriedade de apresentação de reclamação para a conferência nos termos do artigo 27.º nº 1 al. i) e nº 2 do CPTA - e, decorrido o prazo concedido às partes para se pronunciarem sem que tivesse tido qualquer pronúncia, proferida decisão julgando findo o recurso.

A Recorrente, notificada, apresentou reclamação para a conferência, tendo este Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão igualmente relatado pela ora Relatora, atendido integralmente a sua decisão.

Apresentados os autos com “Termo de Vista” ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 146º do CPTA, o qual emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II – Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.°, n°2 do Código de Processo Civil) esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.°3 do mesmo artigo 635.°). Pelo que todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa, responder às seguintes questões:

- Face aos factos apurados, especialmente tendo por referência os que ficaram vertidos nas alíneas H) e J) – convocados expressamente pela Recorrente nas alegações de recurso - é de concluir que o Tribunal a quo errou ao decidir que o perito não justificou, na reunião designada para 14 de Março de 2005, a falta à reunião anteriormente designada para 9 de Março de 2005 [tendo-se limitado nesta última a declarar por escrito que não tinha comparecido à reunião designada para aquela primeira data por ter estado doente e que só por lapso tinha deixado o atestado no escritório]?

- Face aos factos apurados, é de concluir que o Tribunal a quo errou ao concluir que a 14 de Março de 2005 não foi apresentado qualquer atestado médico [uma vez que este documento foi enviado, nesse mesmo dia, por e-mail e por correio registado, recebidos, respectivamente, no mesmo dia e no dia imediatamente seguinte no Serviço de Finanças]?

III - Fundamentação de facto

A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz:


A) A Autora foi notificada da alteração da matéria tributável em sede de IRC relativo aos exercícios de 2001 e 2002, com recurso a métodos indirectos – cf. fls. 150 do PA;


B) Em 12/1/2005 a Autora requereu a revisão da matéria tributável, invocando não se verificarem os pressupostos de que depende a avaliação indirecta, referindo que se encontram registados na contabilidade todos os proveitos constantes das escrituras de compra e venda que titulam as vendas, pelos preços reais, já que os serviços de inspecção conseguiram efectuar correcções aritméticas, com base em presunções, invocando ainda que apenas foram corrigidos os proveitos, sem considerar custos – cf. fls. 150 do PA;


C) Designado o perito representante da Fazenda Pública, foi remetida à Autora notificação informando-a de que a reunião da comissão de revisão da matéria tributável realizar-se-ia no dia 27/1/2005 pelas 10H00 e em caso de falta a 2ª reunião teria lugar no dia 1/2/2005, pelas 10H00, mesmo que não comparecesse devendo ainda, em tal caso, justificar a falta à primeira reunião – cf. fls. 144 do PA;


D) No dia 27/1/2005 foi realizada a reunião, constatando-se a ausência do perito indicado pela autora – cf. fls. 136;


E) No dia 1/2/2005 foi considerada sem efeito a notificação indicada em C) por ter sido recebida pelo destinatário com menos de 8 dias de antecedência relativamente à data agendada para a reunião em causa – cf. fls. 135;


F) Através do ofício nº6715 de 4/2/2005 foi a Autora notificada de que a reunião da comissão de revisão teria lugar às 10 horas em 9/3/2005, e caso ocorresse a falta do perito, a segunda reunião teria lugar à mesma hora em 14/3/2005, devendo, sendo o caso, justificar a falta à primeira reunião – cf. fls. 128;


G) No dia 9/3/2005 não compareceu o perito representante da Autora – cf. fls. 124;


H)Em 14/3/2005 teve lugar a reunião da comissão de revisão, e convidado o perito do contribuinte a justificar a sua falta, o mesmo apresentou uma declaração referindo o seguinte: “comunica que não compareceu à reunião no passado dia 9 do corrente mês em virtude de me encontrar doente, conforme atestado de que não sou portador dado o esquecimento no escritório, situação esta invocada perante a perita da Fazenda.” – cf. fls. 121 do PA;


I) Nessa mesma data foi entendido que o perito representante do contribuinte não provou o seu impedimento, considerando-se a desistência nos termos do artigo 91.º da LGT – cf. fls. 120 do PA;


J) Em 14/3/2005 às 18.06 foi remetido pelo mandatário da Autora um requerimento subscrito pelo perito representante do contribuinte requerendo a junção à acta da reunião de peritos do atestado médico comprovativo da doença que o impediu a sua comparência à reunião de dia 9 do corrente mês – cf. fls. 114 a 117 do PA;


K)Tal requerimento foi indeferido por despacho de 18/5/2005 – cf. fls. 85;


L) Por despacho de 24/5/2005 foi considerada verificada a desistência do pedido de revisão apresentado nos termos do artigo 91° da LGT por não ter sido comprovado o motivo da falta na 2ª reunião agendada para o efeito – cf. fls. 56;


M) A notificação de tal despacho à Autora foi devolvida por não ter sido reclamada – cf. fls. 54 e sgs;


N) Repetida a notificação, veio a Autora, através do seu mandatário, arguir a sua nulidade por falta de indicação dos meios de defesa – cf. fls. 40 e 48;


O) Notificada dos meios de impugnação, deduziu a Autora apresente acção.


Consta ainda da mesma sentença que «Nenhum outro facto se provou com interesse para a decisão da causa».

IV – Fundamentação de direito

A leitura da sentença recorrida permite que identifiquemos os fundamentos nucleares em que se louvou a decisão de improcedência da presente acção: tendo o perito da Recorrente faltado à “1ª reunião” e não tendo, “na 2ª reunião”, justificado a sua falta à “1ª reunião” com a apresentação do único documento idóneo a comprovar a justificação apresentada – atestado médico – era de entender como injustificada a falta à “1ª reunião” e, consequentemente, válida a declaração administrativa de desistência do pedido (a integração de aspas no discurso prende-se com o facto de, em bom rigor, não existir uma 1ª ou 2ª reuniões, terminologia que não é utilizada pelo legislador, mas apenas uma reunião, prevendo a Lei a possibilidade de serem indicadas/designada uma segunda data para a realização da reunião, se na primeira data esta se não realizar).

Tudo, juridicamente sustentado, como se denota da sua análise, no regime emergente da conjugação do artigo 91.º n.º 5 da Lei Geral Tributária e do artigo 140.º do Código de Processo Civil.

Adianta-se, desde já, que a relatora deste acórdão integrou as duas formações do colectivo de juízes que, nos últimos anos, neste Tribunal Central Administrativo Sul se pronunciaram sobre a mesma questão jurídica que os presentes autos suscita(1) e que, porque se não vislumbram neste processo particularidades de facto nem acrescidas razões de direito que nos conduzam a alterar a posição aí então vertida, também neste recurso se decidirá que a interpretação jurídica do regime jurídico consagrado no artigo 91.º da Lei Geral Tributária (LGT) acolhida na sentença recorrida, merece ser censurada e que a questão de aplicação do instituto do justo impedimento, sem prejuízo de subscrevemos a sua aplicabilidade aos processos judiciais tributários, não se afigura a adequada a fundamentar a decisão no caso concreto.

Dos mencionados arestos que já convocamos, resulta, em resumo nosso, que a justificação a que alude o artigo 91.º, n.º 6 da Lei Geral Tributária não encerra, em si mesma, a exigência de apresentação, muito menos simultânea, de um documento comprovativo da justificação apresentada e que, sem prejuízo de a Administração Tributária exigir a apresentação de um documento, a sanção da desistência não está apenas dependente da falta daquele.

Vejamos, então, porque assim o entendemos, começando por transcrever, na parte relevante, a disciplina legal que nos está imposta no artigo em referência, que, sobre a epígrafe “Pedido de revisão da matéria tributável”, dispõe o seguinte:

1 - O sujeito passivo pode, salvo nos casos de aplicação do regime simplificado de tributação em que não sejam efectuadas correcções com base noutro método indirecto, solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa.

2 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação do tributo.

3 - Recebido o pedido de revisão e se estiverem reunidos os requisitos legais da sua admissão, o órgão da administração tributária referido no n.º 1 designará no prazo de 8 dias um perito da administração tributária que preferencialmente não deve ter tido qualquer intervenção anterior no processo e marcará uma reunião entre este e o perito indicado pelo contribuinte a realizar no prazo máximo de 15 dias.

4 - No requerimento referido no n.º 1, pode o sujeito passivo requerer a nomeação de perito independente, igual faculdade cabendo ao órgão da administração tributária até à marcação da reunião referida no n.º 3.

5 - A convocação é efectuada com antecedência não inferior a oito dias por carta registada e vale como desistência do pedido a não comparência injustificada do perito designado pelo contribuinte.

6 - Em caso de falta do perito do contribuinte, o órgão da administração tributária marcará nova reunião para o 5.º dia subsequente, advertindo simultaneamente o perito do contribuinte que deverá justificar a falta à primeira reunião e que a não justificação da falta ou a não comparência à segunda reunião valem como desistência da reclamação.

7 - A falta do perito independente não obsta à realização das reuniões sem prejuízo de este poder apresentar por escrito as suas observações no prazo de cinco dias a seguir à reunião em que devia ter comparecido. “

Este regime legal, especialmente o consagrado nos n.ºs 5 e 6 do artigo 91.º da LGT, corresponde ao regime anteriormente acolhido no n.ºs 7 e 8 do artigo 86.º do Código de Procedimento Tributário (CPT), sendo evidente a alteração significativa na vertente questionada, uma vez que, distintamente do que ocorria na vigência deste último, em que a não comparência do perito do contribuinte na data designada para a realização da reunião tinha apenas como consequência a realização da reunião sem a presença do perito do contribuinte, hoje, a não comparência, mesmo que justificada, pelo menos aparentemente, é juridicamente valorada como “desistência do pedido”.

A doutrina nunca foi unânime quanto ao acerto do regime nem quanto à sua conformidade constitucional.

Para alguns autores, a “sanção da desistência, nos casos em que as duas faltas às reuniões sejam justificadas, parece ser dificilmente conciliável com o princípio constitucional da proporcionalidade”, não sendo descortinável qual o prejuízo que poderá advir para a Fazenda Pública - sobretudo considerando o longo período de tempo que dispõe para concluir o processo de liquidação – de um atraso de alguns dias no procedimento/realização da reunião.

Em suma, para parte da doutrina “não se justifica que se sancione com a perda do direito, a mais grave sanção possível, a actuação que o poderia provocar”, sendo notória a “desproporção entre esta consequência e o facto que a provoca” especialmente porque “se se tratar de faltas justificadas, não é sequer claro que deva ser aplicada qualquer sanção procedimental, por não haver qualquer conduta reprovável do perito do contribuinte”.

Apontam, assim, como soluções legais mais razoáveis a realização da reunião sem a presença do perito do contribuinte ou com outro perito que o contribuinte apresentasse na reunião, em substituição do justificadamente faltoso e o afastamento da solução legal nas situações de verificação de justo impedimento, situação em que o órgão que dirige o procedimento deve designar nova reunião.(2)

Para outros autores, mesmo na presença da argumentação a que nos vimos reportando, a disciplina legal em análise não merece grande discussão, considerando que “de facto, sem a presença do perito do contribuinte, cessou a razão de ser de um procedimento de diálogo entre este e a administração fiscal”.(3)

No caso concreto, como resulta do probatório, não existem dúvidas quanto a ter a Recorrente, após notificação da referida alteração da matéria tributável em sede de Imposto Sobre o Rendimento Colectivo (IRC), ter apresentado pedido de revisão daquela matéria (factos apurados sob as alíneas A) e B) do ponto III supra).

Nem quanto a esse pedido ter dado origem ao procedimento respectivo e terem sido nomeados os peritos da Fazenda Pública e da ora Recorrente (cfr, factualidade apurada na alínea C) do probatório).

O dissidido prende-se, tão só - como os autos evidenciam, a sentença delimitou e as conclusões e contra-alegações sublinham - com a questão de saber se, face às reuniões designadas e às presenças ou comportamentos desenvolvidos pelas partes no âmbito do procedimento e nas reuniões designadas, tal como resulta dos factos apurados, é válido o entendimento vertido no despacho da Administração Tributária e impugnado nos autos.

Em suma, no que as partes dissentem é quanto à resposta que deve ser dada às subquestões que aquela questão globalmente enunciada comporta, a saber: (i) qual o significado que deve ser atribuir ao termo “justificação” utilizado pelo legislador no referido n.º 6 do artigo 91.º da LGT, designadamente se essa justificação traduz necessariamente a apresentação de um documento comprovativo da justificação apresentada; (ii) qual o momento em que essa justificação tem que ser apresentada e, por fim, (iii) entendendo-se que a justificação implica necessariamente a apresentação de um documento que comprove a ausência à primeira data designada para a realização da reunião, determinar se o prazo limite dessa apresentação é o momento em que se dá início à reunião (segunda data indicada).

Sendo indiscutível que a resposta há-de encontrar-se nas normas especialmente ínsitas no preceito transcrito, em especial a consagrada no seu n.º 6, centremos, todavia, antes de mais, a nossa atenção nos factos que julgamos mais relevantes:

1) A Administração Tributária enviou um primeiro ofício à Autora/Recorrente, notificando-a de que ficava designada a reunião da comissão de revisão da matéria tributável para o dia 27-1-2005 e que, caso faltasse, a reunião realizar-se-ia no dia 1-2-2005, mesmo que não comparecesse devendo ainda, caso faltasse à primeira, justificar essa falta [factualidade apurada na alínea c)];


2) O perito da Autora não compareceu à reunião designada para o dia 27-1-2005 [factualidade apurada na alínea D)];


3) A 1-2-2005 foi considerada sem efeito a notificação referida em a) e a 4-2-2005 foi enviada nova notificação designando a reunião para o dia 9 -3 -2005, e, para o caso de o perito da Autora faltar, indicando-se como data de reunião o dia 14-3-2005, devendo, sendo o caso, justificar a falta à reunião designada para aquela primeira data [factualidade apurada nas alíneas E) e F)]


4) O perito da Autora não compareceu para realização da reunião no dia 9-3-2005 [factualidade apurada na alíneas G)]


5) No dia 14-3-2005, estando todos os convocados presentes, incluindo o perito da Autora, foi a este solicitado que justificasse a falta à reunião do dia 9-3-2005, tendo o mesmo apresentado uma declaração com o seguinte teor: “comunica que não compareceu à reunião no passado dia 9 do corrente mês em virtude de me encontrar doente, conforme atestado de que não sou portador dado o esquecimento no escritório” [factualidade apurada na alíneas H) e I)];


6) Na sequência dessa comunicação foi proferido o seguinte despacho: “ Tendo o perito do contribuinte (…) sido convidado a justificar a falta de comparência à 1ª reunião marcada para o dia 9/3/2005, o mesmo apresentou declaração em que indica ter estado doente, a qual não se constitui como prova justificativa e irrefutável da impossibilidade de comparência à mesma. A existência de justo impedimento tem que ser provada por quem a invoca, nos termos legalmente exigidos – artigos 341.º e 342.º do C. Civil. Assim, considero não ter sido convenientemente justificada a falta de comparência à 1ª reunião do dia 09/03/05, dado que a prova assenta na certeza subjectiva da realidade do facto. Assim não se realiza a presente reunião, considerando-se desistência nos termos do n.º 6 do art.º 91.º da LGT, mantendo-se os valores anteriormente fixados.”. [factualidade apurada na alíneas H) e I)];


7) No mesmo dia (14-3-2005) foi enviado por email atestado médico para prova da declaração do perito exarada em acta, solicitando-se a sua junção ao procedimento, o que foi recusado e, por despacho de 24 de maio de 2005, confirmada a desistência do pedido de revisão [factualidade apurada na alíneas J), K) e L)].


Expostos os factos, salientamos, desde já, que é evidente que a Administração Tributária, no caso concreto, não observou rigorosamente o que se mostra consagrado nos n.ºs 3 a 6 do artigo 91.º da LGT, o qual, literalmente interpretado, exige uma cadência de actos procedimentais que não se mostram escrupulosamente cumpridos.

Na verdade, se fossem seguidas, ponto por ponto, as regras procedimentais definidas pelo legislador, a Administração Tributária devia ter designado uma data para realização da reunião da comissão de revisão (n.º 3) e apenas se se verificasse a falta do perito do contribuinte sem qualquer justificação, é que a Administração Tributária devia marcar a reunião para uma segunda data, uma vez que a falta à reunião designada para a primeira data sem apresentação de justificação equivale a desistência do pedido.

É certo que a doutrina há muito vem defendendo que a prática adoptada pela Administração Tributária de indicar no mesmo ofício de notificação duas datas para a realização da reunião, prevendo a hipótese de a reunião se não realizar na primeira data, desde que fique consagrado na notificação a expressa advertência do regime próprio das faltas e dos seus efeitos, não deve ser objecto de censura por não comportar, per se, qualquer compressão grave nos direitos do contribuinte, substanciando apenas um meio de facilitar a intervenção que é exigida à Administração Tributária neste especial procedimento.

Concordamos. Todavia, como veremos, essa prática, que em abstracto não parece projectar efeitos negativos, pode, e porventura não será em casos contados, produzir esses efeitos se não for associada a um actuação proactiva da Administração Tributária no sentido de exigir um comportamento por parte do contribuinte que observe aquelas que, na sua interpretação, são as exigências legais que lhe estão impostas, designadamente promovendo a apresentação do “comprovativo” que defende ser imprescindível.

Queremos com o que vimos expondo significar o seguinte: se a Administração Tributária entende que a justificação a que alude o n.º 6 do artigo 91.º da LGT comporta necessariamente a apresentação de um documento ou outro meio especialmente idóneo a comprovar a justificação – como decorre do despacho impugnado em que é visível a confusão entre justificação e meio de prova da justificação apresentada – então deve cumprir rigorosamente o procedimento, passo a passo, como estabelecido nos n.ºs 3 a 6 do artigo 91.º da LGT, designadamente, faltando o perito na data designada para a reunião, notificá-lo que tem que apresentar justificação e, como veremos, a prova de justificação.

Seja como for, e enfrentando aquelas que são as subquestões enunciadas como essenciais para a construção da resposta da questão fulcral, adiantamos desde já que, para nós:

- O termo “justificação” utilizado pelo legislador no n.º 6 do artigo 91.º da LGT não deve ser identificado como prova, isto é, como lhe estando inerente a apresentação de um documento ou outro meio que comprove a razão adiantada como fundamento da sua ausência, ainda que se admita que essa prova do facto justificativo possa ser exigida pela Administração Tributária;

- O prazo limite para apresentação dessa justificação coincide com a hora designada para o início da reunião (segunda data), sem prejuízo de, nos casos em que a Administração Tributária entenda que existam fundadas dúvidas sobre se a justificação adiantada deve ser atendida e entenda exigir prova da justificação apresentada, possa suspender a reunião, temporariamente ou por prazo razoável, para que a prova que considera exigível seja apresentada.

Resulta, assim, do exposto, que, em nosso entender, a desistência do pedido de revisão à luz do regime consagrado no artigo 91.º, da LGT, nas situações em que o perito do contribuinte comparece na segunda data (e hora) designada para a reunião, está necessariamente dependente de não apresentar até essa data (inclusive) nenhuma razão ou motivo para não ter comparecido na data anteriormente indicada para essa reunião, ou não apresentar, se a Administração Tributária lho tiver pedido anteriormente ou lho pedir nessa data, concedendo, se necessário, um prazo razoável, documento ou outro tipo de prova idóneos a comprovar o facto que o impediu de estar presente.

Explicitemos.

Justificar significa apresentar as razões, os motivos porque se adoptou ou não adoptou um determinado comportamento ou se actuou, ou não, de uma determinada forma.

In casu, justificar a falta à reunião é adiantar a razão, o motivo pelo qual se não compareceu ou faltou, não podendo ou não devendo confundir-se esta apresentação do facto justificador com o documento que comprova o motivo da ausência, da falta do perito, o qual, se exigível e/ou passível de ser produzido (são cogitáveis inúmeras situações em que o impedimento pode decorrer de meros eventos naturais ou acidentais apenas comprováveis por depoimentos de testemunhas e não se logra encontrar qualquer fundamento para que sejam desconsiderados como fundamento ou justificação de falta ou não sejam tais meios de prova admissíveis) constituirá o meio de prova - apresentado voluntariamente ou a pedido da entidade a quem cabe reconhecer esse motivo como razão justificativa da falta - através do qual se julga (ou não) a justificação apresentada como válida.

E se é verdade que em direito o termo justificar anda normalmente associado à apresentação de um meio de prova que comprove a justificação, são, mesmo em direito, dois conceitos distintos, como se vê dos inúmeros preceitos que, reportando-se à necessidade de alegação dos factos, regem, de forma geral ou de forma especial, a exigência de prova, o tipo de prova e o prazo da sua apresentação, incluindo das faltas em audiência ou qualquer outro acto ou diligência judicial.

Note-se, de resto, que não obstante a Recorrida tenha sempre defendido nesta acção posição diametralmente oposta, a interpretação que fazemos do regime não se afasta daquela que a Administração Fiscal exteriorizou na acta da reunião realizada no dia 14 de Março de 2005, uma vez que aí ficou exarado que “Tendo o perito do contribuinte (…) sido convidado a justificar a falta de comparência à 1ª reunião marcada para o dia 9/3/2005, o mesmo apresentou declaração em que indica ter estado doente, a qual não se constitui como prova justificativa e irrefutável da impossibilidade de comparência à mesma.”

Esta interpretação do regime consagrado no artigo 91.º n.º 6 da LGT é, se estivermos correctos, a mais conforme com o “espírito da lei, dos fins, valores e garantias que se pretendem proteger e salvaguardar com o actual regime do procedimento de revisão da matéria colectável”(4) e aquela que permite sustentar o sucesso do regime em apreço ao teste da proporcionalidade numa perspectiva constitucional.

A mais conforme o espírito da lei, dos fins, valores e garantias que se pretendem proteger e salvaguardar com o actual regime do procedimento de revisão da matéria colectável porque, como se disse já, “a Lei Geral Tributária representou um ponto de viragem e de melhoria do nosso ordenamento jurídico-tributário no que respeita ao procedimento de revisão da matéria colectável, com o que se visou, sobretudo, aumentar as garantias de defesa do contribuinte e assegurar uma maior justeza e correcção do acto final do procedimento”, que, se acolhêssemos a interpretação perfilhada em recurso pela Fazenda Pública ficaram, injustificada e seriamente comprometidos, com as gravíssimas consequências que lhe são inerentes, designadamente com a impossibilidade, nas situações em que o procedimento é condição de impugnabilidade, de o contribuinte discutir judicialmente a fixação da matéria tributável.

Relativamente à conformidade constitucional, pouco temos para adiantar face ao que consta já deste acórdão e que a doutrina citada claramente identificou.

É certo que a Lei nem sempre faz depender a desistência do procedimento ou do processo judicial de um comportamento activo, isto é, de uma manifestação de desinteresse expressa e voluntária da parte, bastando-se com um comportamento do qual possam extrair-se esses efeitos.

E é igualmente certo que não existe impedimento constitucional a que o legislador atribua a um comportamento negligente ou desconforme as regras estatuídas para determinados procedimentos ou processos judiciais a mesma consequência.

Porém, a gravidade da sanção, sendo ela extraída de factos que vão para além de uma expressa assunção de falta de vontade em prosseguir com a pretensão procedimental ou judicial, terá que ter um fundamento que verdadeiramente a legitime, o que não acontecerá sempre que exista um comportamento contrário à ilação que se pretende extrair ou sempre que se constate que a sanção que se pretende aplicar se mostra, in casu, excessiva, ou seja, desproporcional.

Em suma, constituindo a desistência do pedido a sanção mais grave que pode ser aplicada ao contribuinte no âmbito procedimental, a validade dessa aplicação terá que ser analisada caso a caso e tem necessariamente que ter como pressuposto um evidente desinteresse no procedimento ou uma conduta que, pela sua gravidade, mereça ser também gravemente censurada.

No caso, como vimos, a Lei estatui que estando o sujeito passivo inconformado com a fixação da sua matéria tributável pode recorrer a um específico procedimento tendo em vista a revisão do valor em que foi fixada, sendo mesmo esse específico procedimento o único meio de ver o acto alterado no que a esta matéria respeita (sem prejuízo de lhe ser possível invocar outros vícios próprios do acto ou do procedimento de liquidação). E que, lançando o contribuinte mão desse procedimento, isto é, revelando que está em desacordo e que pretende ver alterado o acto nesta parte, a Administração tem o dever de designar uma reunião e, não comparecendo o perito, de designar uma segunda data para a sua realização, à qual aquele perito tem necessariamente que comparecer e justificar, se antes o não tiver feito, a falta à reunião designada para a data anterior.

Tendo o perito do contribuinte comparecido à reunião designada para o dia 14 de Março de 2005 – segunda data designada para a sua concretização - e tendo explicado que não compareceu na primeira data designada para esse efeito porque tinha estado doente, não se vê como extrair do procedimento qualquer fundamento legítimo para que se entenda que está desinteressado ou qualquer fundamento legítimo a sustentar a conclusão de que merece ser sancionado, pelo menos, de imediato, com a desistência do pedido.

No limite, como deixámos exposto ab initio, admite-se que a Administração Tributária, não se bastando com a justificação adiantada, solicite a apresentação de um comprovativo da justificação apresentada, suspendendo a reunião por um período razoável para apresentação da prova do facto justificativo (que poderá incluir qualquer meio de prova que não apenas a documental) actuando, depois, em conformidade, isto é, reiniciando a reunião ou declarando a desistência do pedido.

Não temos, pois, dúvidas, que o comportamento da Administração Tributária se desviou do regime consagrado no artigo 91.º n.º 6 da LGT, nos termos em que o interpretamos e que julgamos ser a sua interpretação conforme o princípio constitucional da proporcionalidade, e, em conformidade, que o acto que declarou a desistência do procedimento de revisão deve ser anulado e o procedimento reaberto para efeito de realização de reunião de peritos.

V- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, concedendo provimento ao recurso jurisdicional, em anular o acto impugnado e condenar o Director de Finanças de Lisboa a designar nova data para realização da reunião a que se reporta o artigo 92.º da Lei Geral Tributária.

Custas pelo Recorrido.

Registe e notifique.

Lisboa, 22 de Março de 2019

(Anabela Russo)

(Tânia Meireles da Cunha)

(Vital Lopes)

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(1) Acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul de 8-10-2015 e de 6-12-2018, respectivamente proferidos nos processos n.ºs 6768/13 e 1907/08.2BELSB, encontrando-se o primeiro dos mencionados arestos integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.

(2) Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, anotação ao artigo 91.º, ano, págs. 86 807

(3) António Lima Guerreiro, LEI GERAL TRIBUTÁRIA Anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 391, anotação (16.) ao artigo 91.º.

(4) Voto de vencida da Ex.ma Juíza Conselheira Dulce Neto, proferido no acórdão de 3 de Maio de 2017,, no processo n.º 1062/ , integralmente disponível em www.dgsi.pt