Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
Federação Portuguesa de Futebol (doravante FPF ou Recorrente), devidamente identificada como demandada/recorrida no processo arbitral nº 15/2021, em que é demandante/recorrente R… (Recorrido), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 19.7.2021, que concedeu provimento ao recurso e, em consequência, julgou procedente o pedido de revogação do Acórdão recorrido que condenou o Demandante pela prática da infracção disciplinar p. e p. peio artigo 136.°, ex vi artigo 168.°, n.°s 1 e 2, do RD, na sanção de suspensão por 15 dias e na multa de €6 375,00.
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «
1. . A Recorrente vem interpor recurso do Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 19 de Julho de 2021, que julgou procedente o recurso apresentado pelo ora Recorrido, que correu termos sob o n.º 15/2021, que revogou a deliberação que condenou o ora Recorrido numa sanção de 15 (quinze) dias de suspensão e na multa de € 6.375,00, por infração disciplinar p. e p. pelos artigos 168.º,112.º, n.º 1 e 136.º, n.º 1.º, do RD da LPFP;
2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos agentes desportivos por comportamento injurioso, em concreto para com equipa de arbitragem, por ocasião de jogo de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos agentes desportivos dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno;
3. A questão essencial trazida ao crivo deste TCA revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito;
4. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol - seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios treinadores e dirigentes dos clubes;
5. Em causa nos presentes autos está, essencialmente, comportamento do Recorrido que, no dia 11 de abril de 2021, no final do jogo que opôs a S… - Futebol SAD e a F…, SAD, realizado no Estádio J…, a contar para a 26ª jornada da Liga NOS, conforme relatório da equipa de arbitragem - fls. 23 do RHI junto aos autos - é o mesmo inequívoco ao afirmar que o Recorrido foi expulso pelas seguintes razões: "[p]alavras injuriosas dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do jogo, tendo dito "vai para o caralho, vai-te foder, conseguiste o que querias".
6. São deveres dos agentes desportivos, manter um tratamento respeitoso para com os demais agentes desportivos, abstendo-se de proferir e dirigir expressões injuriosas, designadamente para com agentes de equipas de arbitragem, o que decorre dos regulamentos federativos, mas também da Constituição;
7. O Colégio Arbitral, declina que haja prova suficiente nos autos que permita concluir pela punição do Recorrido, entendendo também que se demonstraram preteridas as garantias de defesa do Recorrido pela forma como foi realizada diligência de prova por aquele requerida, isto apesar dos factos vertidos nos relatórios do árbitro, perfilhando assim entendimento ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão;
8. Diga-se, antes de mais que, desresponsabilizar os agentes desportivos pela prática de comportamento injuriosos, é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar;
9. Não existe nenhuma crítica a fazer à decisão proferida pelo Conselho de Disciplina, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo;
10. O Colégio de Árbitros não colocou, em momento algum, em causa que estes factos aconteceram, colocou em causa, sim, a suficiência da prova coligida pelo Conselho de Disciplina, e bem assim, a realização da diligência de inquirição dos agentes da equipa de arbitragem que arbitraram o jogo em crise nos autos;
Sem razão, senão vejamos,
11. Antes de mais, o Tribunal a quo ignorou factualidade relevante para a decisão da causa, não a considerando provada, porquanto deveria ter considerado provado que na sequência dos esclarecimentos solicitados à equipa de arbitragem do jogo em crise nos autos, os respetivos elementos de arbitragem vieram aos autos confirmar os factos constantes no relatório da equipa de arbitragem - cfr. fls 84 a 90 do RHI;
12. Nesse sentido, deverá ser aditado à factualidade dada como provada um ponto com a seguinte redação: "Os agentes de arbitragem do jogo em crise nos autos, notificados para confirmarem as palavras e as expressões dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do referido jogo pelo Demandante, confirmaram os factos vertidos no relatório de arbitragem", isto porque tal factualidade resulta evidente da prova produzida nos autos e demonstra que a diligência de prova requerida pelo Recorrido, foi realizada;
Prosseguindo,
13. Tal como consta do Relatório de arbitragem, cujo teor se encontra junto aos autos do processo arbitral, os agentes de arbitragem do jogo em crise nos autos, são absolutamente claros ao afirmar que o Recorrido dirigiu à equipa de arbitragem palavras injuriosas, nos seguintes termos; "vai para o caralho, vai-te foder, conseguiste o que querias";
14. Com base nesta factualidade, e atendendo à gravidade dos factos perpetrados, o Conselho de Disciplina sancionou o Recorrido, com base, entre outros elementos, no relatório elaborado pela equipa de arbitragem do jogo em crise nos autos. Estes relatórios gozam, consabidamente, da presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. Artigo 13º, al f) do RD da LPFP);
15. Os Árbitros e os Delegados da FPF são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos diversos agentes desportivos envolvidos no mesmo, que possam originar responsabilidade disciplinar;
16. Assim, quando os Árbitros e os Delegados da LPFP colocam nos seus relatórios que determinado agente desportivo dirigiu palavras e expressões injuriosos à equipa de arbitragem, tal afirmação é necessariamente feita com base em factos reais, diretamente visionados pelos agentes das equipas de arbitragem ou pelos delegados da LPFP. Até porque, caso coloquem nos seus relatórios factos que não correspondam à verdade, podem ser alvo de processo disciplinar;
17. Sucede que, não obstante os meios de prova que o CD coligiu, designadamente o relatório de arbitragem junto aos autos serem claríssimos ao afirmar que o Recorrido dirigiu à equipa de arbitragem palavras injuriosas, nos seguintes termos: "vai para o caralho, vai-te foder, conseguiste o que querias", o Colégio de Árbitros, alega que se verifica uma nulidade nos termos do artigo 161.º,n.º 2, al. d) do CPA, em suma, porquanto, no que respeita à inquirição dos agentes de arbitragem do jogo em crise nos autos, os mesmos "além de não terem sido estes árbitros confrontados com o alegado pelo Demandante quanto às próprias palavras por si proferidas, o que seria essencial para a substituição da sua inquirição por um esclarecimento escrito", "afirma-se na questão formulada uma parte significativa daquilo que caberia, em sede de defesa, ver respondido - que as palavras em causa, independentemente de quais sejam, foram efectivamente dirigidas à equipa de arbitragem", não tendo assim sido "assegurado "o direito fundamental de defesa do Demandante", sendo que, "O acórdão recorrido violou, assim, os artigos 2.º, 9.º, alínea b), 18.º, n.º 3 e 31.º, n.º 10 da CRP.".
18. Manifestamente, o acórdão recorrido não tomou em consideração a presunção de veracidade regulamentarmente estabelecida para os relatórios dos árbitros;
19. E é, precisamente, esta presunção de veracidade que, inscrevendo-se nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos árbitros e delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percecionado.
20. Isto não significa que os Relatórios dos Árbitros e Delegados da FPF contenham uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo dos Relatórios, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que foram adeptos ou simpatizantes da Recorrida que levaram a cabo os comportamentos sub judice;
21. Tal não significa que quem acusa não tenha o ónus de provar. Trata-se de abalar uma convicção gerada por documentos que beneficiam de uma especial força probatória;
22. E, para abalar essa convicção, cabe ao Recorrido, no lugar de se remeter ao silêncio, apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil;
23. Acresce que as normas constantes do RD da LPFP, em especial as constantes dos artigos 13., al. f), 168.º, 112.º e 136.º do RD da LPFP, foram aprovadas pelos clubes participantes em competições profissionais, em sede de autorregulação e na medida em que o direito ao desporto tem uma aceção bastante ampla, que inclui o desporto profissional e o direito a organizar e participar em competições desportivas, a não aplicação de alguma norma do artigo do RD da LPFP, em especial do artigo 13º al. f), violaria, assim, o conteúdo essencial desse direito, neste segmento.
24. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo do Relatório de Arbitragem, cabia ao Recorrido demonstrar que não proferiu as expressões em crise, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas o Recorrido nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede, que pudesse afastar a referida presunção de veracidade dos relatórios dos árbitros e dos Delegados da LPFP;
25. Ora, o Relatório do Árbitro é perfeitamente suficiente e adequado para sustentar a punição do Recorrido no caso concreto, isto sem prejuízo de todas as diligências e meios de prova realizados e produzidos nos autos, confirmarem ou não contrariarem o teor do referido relatório, sendo que, uma parte desse acervo probatório resultou de diligências de prova requeridas pelo Recorrido;
25. Assim, nos termos da prova produzida, regista-se que a versão apresentada pelo Recorrido em sede de RHI - no sentido de que as palavras não foram dirigidas à equipa de arbitragem, mas aos elementos da equipa adversária, por alegado antijogo ou perdas de tempo - não foi aquela que o Recorrido invocou aquando da audiência prévia em processo sumário, como decorre do teor da defesa de fls. 38/39, onde apenas se discorda do teor e da amplitude das palavras ou das expressões, mas já não do ou dos destinatários;
27. Acresce que o Recorrido alega que proferiu as palavras "Vão-se foder", enquanto que as testemunhas arroladas pelo Recorrido, C… e H… nem coincidem no teor das expressões que relatam, porquanto, quando um ouviu "vão para o caralho, vão-se foder" o outro só ouviu apenas "vão-se foder" -, não coincidindo também no ou nos destinatários das palavras e das expressões proferidas, sendo certo que a testemunha H… nunca põe a hipótese de as mesmas serem dirigidas para os adversários;
28. Aliás, as imagens juntas aos autos pelo Recorrido não permitem corroborar qualquer das versões que traz aos autos, porquanto, nas palavras do CD "verificamos que, por um lado, o último lance é um passe, da equipa adversária, cuja bola sai para fora e, portanto, nem se pode dizer que o teriam feito para passar tempo e, por outro, que o banco dos adversários está a uma distância razoável e vê-se que o Recorrente dirige o gesto de desagrado, que acompanhou certamente as palavras referidas no relatório, na direção do árbitro assistente (que na altura ultrapassa a linha lateral para se dirigir ao centro do terreno), ao ponto deste olhar lateralmente para o seu lado direito na direção do Recorrente. Ou seja, num quadro como o descrito, nem as imagens, nem mesmo a experiência comum nos levam a concluir, em coerência, que as palavras e as expressões proferidas pelo Recorrente como sendo dirigidas aos adversários, que àquela distância dificilmente as ouviriam e, de resto, nem sequer esboçaram qualquer gesto ou olhar na direcção do recorrente."
29. E no que respeita à alegada preterição das garantias de defesa do Recorrido, a Recorrente no exercício dos poderes públicos que prossegue, designadamente o poder disciplinar no âmbito das competições que organiza, e em concreto, o CD cumpriu com todas as normas aplicáveis, designadamente nos termos do artigo 79.º, n.º 2, 31.º, n.º 2 e 269.º, n.º 3 da CRP, garantindo e tramitando o competente processo sumário e Recursos Hierárquico Impróprio, ambos com efetiva audiência do Recorrido, conforme previsto no artigo 53.º do RJFD;
30. Nesse sentido, entre outras diligências de prova, requereu o Recorrido a inquirição, como testemunhas dos elementos da equipa de arbitragem do jogo em crise nos autos, sendo que, tal diligência apenas poderia ter como fito que os referidos elementos da equipa de arbitragem viessem aos autos pronunciar-se e esclarecer se os factos vertidos no relatório de arbitragem seriam verdadeiros e não ouvi-los como testemunhas, porquanto recuperando as palavras do Ilustre Relator no que à inquirição dos referidos agentes de arbitragem diz respeito, a mesma não se realizou nos termos requeridos “pois dada a natureza e a essência do papel destes agentes desportivos, que assumem a veste de juízes, como aconteceu no desafio em causa, tal qualidade não se coaduna com a posição que o Recorrente pretende colocá-los neste processo, ou seja, como testemunhas.";
31. Nesse sentido, o Ilustre Relator ordenou a notificação dos referidos elementos da equipa de arbitragem, com o seguinte teor: Tendo em consideração o jogo n.º 12601 (203.01.226), ocorrido entre a S…, SAD e a F…, SAD, realizado no passado dia 11 de abril de 2021, a contar para a jornada 26 da Liga NOS e o teor do Relatório de Árbitro elaborado, se as palavras e as expressões dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do jogo por R… (licença 15998), são exactamente aquelas que se encontram reproduzidas no dito Relatório?"
32. Em resposta ao referido pedido de esclarecimentos, vieram todos os agentes de arbitragem em questão, afirmar e confirmar que as expressões proferidas pelo Demandante, dirigidas À equipa de arbitragem, são aquelas que constam do relatório (cfr. esclarecimentos complementares a fls. 84 a 90);
33. Com efeito, a pretensão do Recorrido, ao requerer a referida diligência encontra-se perfeitamente alcançada, porquanto, os agentes de arbitragem em questão vieram aos autos pronunciar-se sobre os factos vertidos no relatório por si elaborado, até porque, como bem referiu o CD "as finalidades do pretendido pelo Recorrente são muito melhor cumpridas com os pedidos de esclarecimento aos árbitros, dado que os mesmos lavraram o respetivo relatório e, aquilo que se pretendia, foi cumprido".
34. Acresce que nos termos do artigo 292.º, n.º 4 do RDLPFP "O recurso para o pleno da Secção Disciplinar não depende de formalidades especiais, devendo apenas proceder-se às diligências estritamente necessárias para a decisão das questões nele suscitadas e que não forem prejudiciais à economia do procedimento disciplinar", sendo que, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo "É, porém, vedada a produção de prova testemunhal e o oferecimento de meios de prova que pudessem ter sido oferecidos até ao encerramento da audiência disciplinar", expediente legal aliás em tudo semelhante ao previsto no artigo 43.º, n.º 6 da Lei do TAD;
35. Tendo presente que a diligência de prova em questão - inquirição dos agentes de arbitragem - não foi indeferida, recuperemos que a tarefa do Conselho de Disciplina, em sede de Recurso Hierárquico Impróprio passa por aferir da validade de um ato administrativo sancionatório já praticado, in casu, os termos do processo disciplinar respetivo;
36. Nesse sentido, além da limitação imposta pela norma prevista no artigo 220.º, n.ºs 4 e 5 do RDLPFP, a qualidade, a natureza e o papel que estes agentes desportivos desempenham, assumindo, como se sabe, a veste de juízes, assumindo, para usar as palavras do Recorrido, um "poder de autoridade em que os mesmos são investidos", não se conforma com a posição que o Recorrido pretendeu colocá-los em sede de RHI, sendo que, a forma como a referida diligência foi realizada foi a que melhor respeitava as normas regulamentares aplicáveis, sem "beliscar" as garantias de defesa do Recorrido.
37. Com efeito, as finalidades do pretendido pelo Recorrido foram muito melhor cumpridas com os pedidos de esclarecimento aos árbitros, dado que os mesmos lavraram o respetivo relatório e, aquilo que se pretendia, foi cumprido: tomados os esclarecimentos face ao constante no seu relatório, tendo sido assegurado o contraditório, pois o Recorrido teve oportunidade de exercer o mesmo, como resulta dos autos;
38. Neste conspecto, o facto de não terem sido confrontados com a versão do Recorrido e de alegadamente na questão formulada se remeter para parte da resposta solicitada, não implica a nulidade prevista no artigo 161.º, n.º 2, alínea d) d código de Procedimento Administrativo, porquanto os agentes de arbitragem pronunciaram-se sobre os factos vertidos no relatório e naturalmente que caso entendessem que as expressões em crise não tinham sido a si dirigidas, cuidariam, de ressalvar essa questão;
39. Tal como não colhe também o argumento de que os agentes de arbitragem não foram confrontados com a versão do Recorrido, porquanto o que os mesmos tinham, ou não, de confirmar, é se as palavras que lhes foram dirigidas eram as que constam do relatório por si elaborado e não ser confrontados com outras versões do sucedido;
40. Não se verifica assim nesta sede qualquer preterição para os direitos de defesa do Recorrido, porquanto aos agentes de arbitragem em questão foi solicitado que se pronunciassem sobre o teor do relatório de arbitragem por si elaborado e sobre tal pronuncia, exerceu o Recorrido o devido contraditório, não se verificando, nessa medida, qualquer violação dos artigos 2.º, 9.º, alínea b), 18.º, n.º 3 e 31.º, n.º 10 da CRP e em consequência, tendo sido assegurado o direito fundamental de defesa do Recorrido, não se verifica a nulidade prevista no artigo 161.º, n.º 2, alínea d) d código de Procedimento Administrativo;
41. Neste conspecto, o CD coligiu prova suficiente para sustentar a decisão de sancionar o Recorrido, tendo concluído em consonância que a prova testemunhal oferecida - e, no fundo, toda a prova apresentada pelo Recorrido - não transmite aquele grau de certeza minimamente exigível não só para sustentar a sua versão, mas sobretudo para fundadamente abalar o relato que a equipa de arbitragem refere no seu relatório;
42. Tendo em contra o supra exposto, resulta inequívoco que o Recorrido dirigiu à equipa de arbitragem palavras injuriosas, nos seguintes termos: "vai para o caralho, vai-te foder, conseguiste o que querias", encontrando-se preenchidos os elementos do tipo das normas disciplinares previstas no artigo 168.º, 112.º, n.º 1 e 136.º, 1 do RDLPFP, como bem sustentou o CD "Constituindo a imparcialidade e a isenção atributos que têm de ser intrínsecos às funções exercidas pelos elementos da equipa de arbitragem, não pode deixar de se considerar que tais declarações põem em causa a integridade moral e o bom nome e reputação dos árbitros em questão, além de afetar a credibilidade e o prestígio da própria competição desportiva. Tais declarações do Recorrente referentes a elementos da equipa de arbitragem não se limitam a enunciar factos objetivos, ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo, atentando diretamente contra o bom nome e reputação dos árbitros envolvidos.";
43. Até porque, o Recorrido tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar, nomeadamente, o dever de «manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva" (artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP); e de "manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes.» (artigo 51.º, n.º 1 do Regulamento de Competições da LPFP);
44. Assim, ao dirigir à equipa de arbitragem as expressões em crise, e para mais tratando-se do treinador da equipa de futebol de uma das maiores instituições desportivas nacionais, dúvidas não temos que as palavras sub judice abalam a credibilidade da competição, atento designadamente o papel fulcral que os agentes de arbitragem nela desempenham, sendo inegavelmente gravosas para o interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol, na medida em que minam a pessoa do árbitro, enquanto figura de autoridade do espetáculo desportivo, tendo a potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, encontrando o sancionamento deste tipo de comportamentos fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva;
45. Assim, ao proferir as expressões "vai para o caralho, vai-te foder, conseguiste o que querias", o Recorrido proferiu expressões manifesta e objetivamente ofensivas da honra e consideração dos visados, colocando em causa o núcleo essencial da função da arbitragem, materializado na isenção e imparcialidade que a deve caracterizar, sendo que, no segmento das expressões com o teor "conseguiste o que querias", o Recorrido ofende a honra do visado, elemento de equipa de arbitragem e o bom nome da competição, insinuando que, o referido agente de arbitragem, intencionalmente, pretendeu condicionar o desfecho do jogo em crise nos autos;
45. Isto significa que para concluir que o Recorrido proferiu e dirigiu à equipa de arbitragem as expressões e palavras em crise, o Conselho de Disciplina tem de fazer fé no relatório dos árbitros, qual tem presunção de veracidade, factos aliás não contrariados e até corroborados pela prova produzida nos autos;
47. Tem sido, aliás, esse o entendimento dos tribunais superiores sobre esta matéria, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional;
48. Ainda que se entenda - o que não se concede - que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir Recorrido, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido - as expressões injuriosas que o Recorrido dirigiu à equipa de arbitragem – foi retirado de outros factos conhecidos e de outros meios de prova, nomeadamente os esclarecimentos dos agentes de arbitragem do jogo em crise nos autos, os autos de inquirição das testemunhas C… e H… e as imagens juntas aos autos pelo Recorrido no âmbito do RHI;
49. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com nenhum princípio constitucional, tal como o princípio da presunção de inocência ou o princípio da culpa, de acordo com jurisprudência, quer dos tribunais comuns, quer dos tribunais administrativos, não se verificando a violação de qualquer princípio constitucional, a saber, o princípio da presunção de inocência e do in dúbio pro reo ou de colidir com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas {artº 32.º, nºs. 2 e 10, da CRP);
50. Pelo que, resulta claro que o Conselho de Disciplina coligiu e carreou para os autos, prova mais do que suficiente para concluir e decidir pela punição do Recorrido por este ter dirigido à equipa de arbitragem palavras injuriosas, nos seguintes termos: "vai para o caralho, vai-te foder, conseguiste o que querias".;
51. A tese sufragada pelo Colégio de Árbitros é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em quem pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés - o que é mais preocupante -, criando na comunidade um sentimento de descrédito nas competições e nas autoridades que gerem o futebol português;
52. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF;
53. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º, al. f), 168.º, 112.º, n.º 1 e 136.º, n.º 1.º, do RD da LPFP e por erro na apreciação da prova produzida nos autos.».
O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. O acórdão do TAD anula o acórdão do CD da Recorrente, porque este viola de forma manifesta e grosseira a lei, e afirma um processo que, desde a condenação em processo sumário ao recurso hierárquico impróprio fica marcado pela preterição das garantias de defesa do Recorrido.
B. O acórdão do TAD não nega a presunção de veracidade dos relatórios dos árbitros nem a admissibilidade da prova por presunção em processo sancionatório.
C. Os factos relatados pelos árbitros nos seus relatórios presumem-se verdadeiros, não são absolutamente verdadeiros. E assim é porque não são tactos necessariamente reais, mas apenas a percepção que os árbitros têm do que vêem e ouvem.
D. A própria presunção de veracidade os tactos constantes dos relatórios dos árbitros estabelecida pelo artigo 13.°, al. f), do RD e a admissibilidade da prova por presunção em que tanto insistiu a Recorrente nas suas Alegações, só se podem afirmar excepcionalmente e ser constitucionalmente admissível se aos arguidos for conferida a possibilidade de abalar os fundamentos em que essa presunção se sustenta [7 Conforme Acórdão do ST A de 21.02.3019, Processo n.° 033/18.0BCLSB, disponível em www.dgsi.pt] .
E. Doutra forma, a presunção de veracidade deixa de ser ilidível — diremos até, deixa de ser uma presunção e passa a ser uma afirmação num processo indubitavelmente injusto.
F. No processo disciplinar em apreço o Recorrido nunca pôde ilidir a presunção de veracidade dos relatórios dos árbitros. Isso é que ficou provado.
G. O mesmo é dizer, não só a presunção de inocência do Recorrido se ilidiu com uma prova que se presume verdadeira, mas também (e pior) ao Recorrido foi injustificadamente negada a possibilidade de provar a sua inocência.
H. O Recorrido direito a um ‘‘processo justo”, o que passa, desde logo, pela aplicação ao processo disciplinar de regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal [8 Conforme Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 01.03.2007, no Processo n.° 01199/06; de 28.04.2005, no Processo nº 333/05; ou de 17.05.2001, no Processo n.° 40528, disponíveis em www.dgsi.pt].
I. O direito de defesa — de apresentar a sua versão dos factos, juntar meios de prova e requerer a realização de diligências tendentes à descoberta da verdade -, é uma dimensão essencial de todos os processos sancionatórios (reforçada pelo artigo 269.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa) e não se pode afirmar doutra forma que não seja cabal.
J. A negação arbitrária de admissão de prova suficiente e/ou adequada para ilidir essa presunção de veracidade e sustentar a defesa, é inconstitucional por violadora das referidas garantias de defesa.
K. A produção de prova testemunhal (as solicitações enviadas aos árbitros para declarações complementares são, materialmente, prova testemunhal), com perguntas que instrumentalizam (porque direcionam) as testemunhas e não sujeita a contraditório pelo Recorrido - que arrolou essa mesma prova - é inconstitucional por violadora das referidas garantias de defesa, pelo que é nula.
L. Essa diligência de prova não foi, de forma efetiva, submetida ao contraditório, que só seria assegurado se o Recorrido tivesse uma efetiva oportunidade de inquirir a equipa de arbitragem e de a confrontar com a prova junta aos autos — e é facto provado que isso não aconteceu.
M. A aparência de diligência encenada nos autos, não configura uma efetiva defesa, não substitui a prova requerida e reduziu o Recurso Hierárquico Impróprio 32-2020/2021 a um processo formal, mecânico, e desprovido de garantias de defesa do Recorrido — reiteradamente nulo.
N. Acresce que essa nulidade (ou, se quisermos, a inconstitucionalidade por violação de garantias de defesa dos arguidos) não fica sanada com a implementação de regras ou práticas reiteradas que as tentam assegurar “mais ou menos” ou "assim-assim” e, para o que interessa no caso em apreço, muito menos quando as diligências probatórias desenvolvidas para descobrir a verdade se resumem a uma questão - que é mais uma solicitação do que uma inquirição - dirigida aos árbitros com o propósito de que estes confirmem o que escreveram nos seus relatórios!
O. Numa palavra, portanto, num processo que nega os seus próprios fins e, portanto, se nega a si próprio, violando os direitos do arguido a um processo justo e equitativo.
P. Perante o exposto, o Recorrido relembra que o sentido útil do artigo 269°, n.° 3 da Constituição da República Portugal «é o de se dever considerar a falta de audiência do arguido ou a omissão de formalidades essenciais à defesa como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa» (Cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, 2010. p. 841) e que, seja a instituição genérica, injustificada e injustificável de uma limitação de caracteres no momento prévio antes da sua condenação em processo sumário, seja restrição de meios de prova que lhe foi imposta no âmbito do recurso hierárquico impróprio, são uma desconsideração liminar da defesa e ofendem, de forma inadequada, desnecessária e desproporcional, o conteúdo essencial do direito fundamental de defesa cm processo sancionatório.
Q. Essa restrição de meios de prova impediu completamente o Recorrido de inverter a presunção de veracidade de que gozam os relatórios dos árbitros, ferindo de nulidade por vício de violação de lei todo o processo disciplinar.
R. Ao contrário do que é prática habitual do CD da Recorrente, ainda que os relatórios de árbitros e delegados gozem de uma presunção de veracidade, as decisões justas dos processos não se bastam com as afirmações aí vertidas, mas com a exigência e garantia dos direitos de defesa dos arguidos — in casu negadas.
S. É impossível fugir do caricato da situação: o Recorrido foi condenado através de uma prova que se afirma por presunção (de veracidade) que inverte a sua inocência presumida; essa prova foi reforçada por um testemunho escrito prestado pelos árbitros, que confirmaram que o que escreveram foi o que um deles ouviu e presumiu ser-lhes dirigida; e ao Recorrido foram negados os meios para pôr em causa essa prova que se presume verdadeira, porque as diligências probatórias que requereu para esse eleito foram liminar e arbitrariamente indeferidas ou instrumentalizadas contra si.
T. Na práctica, esse indeferimento é a negação total do seu direito de defesa e levou, inevitavelmente, à sua condenação em sede de recurso hierárquico impróprio num processo em que as palavras efectivamente proferidas pelo Recorrido não foram as descritas no relatório, nem foram dirigidas à equipa de arbitragem e em que a factualidade que lhe foi imputada e descrita no relatório do árbitro não encontra adesão à realidade.
U. Condenação do Recorrido pelo CD da Recorrente foi óbvia e reiteradamente nula, porque foi a negação das suas garantias de defesa em violação flagrante de lei (da Lei Fundamental), pelo que bem esteve o TAD em anular essa decisão.».
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erros de julgamento:
- na matéria de facto, porque deveria ter considerado provado que, na sequência dos esclarecimentos solicitados a equipa de arbitragem do jogo em causa, os respectivos elementos de arbitragem confirmaram os factos constantes do relatório da arbitragem, devendo ser aditado um ponto com a redacção que propõe, suportado nas folhas do RHI que indica;
- e na matéria de direito por ter interpretado os factos e aplicado o direito aos mesmos erradamente ao considerar que não há prova suficiente nos autos para concluir pela punição do Recorrido e que se mostram preteridas as garantias de defesa deste.
No Acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:
1. «O Demandante é treinador da equipa de futebol profissional da S… - Futebol, SAD.
2. O Demandante confessa ter proferido a expressão "Vão-se foder” durante o jogo que ocorreu em 11 de Abril de 2021, pelas 20:00 horas, entre a equipa da S…- Futebol, SAD e a F… - Futebol, SDUQ, no Estádio J…, jogo oficial a contar para a 26.ª jornada da Liga NOS.
3. A equipa de arbitragem do sobredito jogo foi constituída por R…, Árbitro principal, N…, Árbitro Assistente n.° 1, J…, Árbitro Assistente, n.° 2, J…, 4.° Árbitro, A…, VAR, N…, AVAR e J…, Observador.
4. Do Relatório de Árbitro consta o seguinte, quanto à actuação do Demandante que fundamentou a sua expulsão: “Por palavras injuriosas dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do jogo, tendo dito: ‘Vai para o caralho, vai-te foder, conseguiste o que querias"’, (fl. 23 do Recurso Hierárquico Impróprio, cuja cópia foi junta aos autos pela Demandada).
4. No âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio, tendo o Demandante alegado que proferiu as palavras “Vão-se foder" sem as dirigir a qualquer elemento da equipa de arbitragem, requereu o Demandante a inquirição, como testemunhas, dos árbitros R… (árbitro principal no jogo), N… (árbitro assistente n.° 1 no jogo) e J… (quarto árbitro no jogo). (fls. 6 e 7 e fls. 13 e 14, respectivamente, do RHI)
5. Ainda no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio, foi determinada a realização da seguinte diligência:
“i) Atento o alegado em sede de requerimento de interposição de recurso, bem como o principio do inquisitório decorrente do artigo 59.° do Código do Procedimento Administrativo, convocado subsidiariamente ex vi do artigo 16.°, no 1, do RDLPFP, tendo em vista o disposto nos n.°s 4 e 5 do art.° 292.° do RDLPFP, considera-se mostrarem-se adequadas e necessárias à tomada de uma decisão legal e justa realização das seguintes diligências probatórias:
a) A notificação dos seguintes elementos da Equipa de Arbitragem que dirigiu o referido jogo em questão – R… (árbitro principal), N… (árbitro assistente n.° 1), J… (árbitro assistente n.° 2) e J… (quarto árbitro) - para, com caráter de urgência e o máximo até às 15 horas do próximo dia 19 do corrente (segunda feira), virem aos autos esclarecer:
Tendo em consideração o jogo n.° 12601 (203.01.226), ocorrido entre a S..., SAD e a F…, SAD, realizado no passado dia 11 de abril de 2021, a contar para a jornada 26 da Liga NOS e o teor do Relatório de Árbitro elaborado, se as palavras e as expressões dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do jogo por R… (licença 15998), são exactamente aquelas que se encontram reproduzidas no dito Relatório?’’ (fl. 45 do Recurso Hierárquico Impróprio, cuja cópia foi junta aos autos pela Demandada)
6. Em 17 de Abril de 2021, foi pelo Conselho de Disciplina enviado aos árbitros R…, N…, J… e J… email com o seguinte teor: "Vimos pelo presente notificar V. Exas. do Despacho proferido pelo Exmo. Relator do processo em epígrafe, cujo teor passamos a transcrever, na parte pertinente:
“Tendo em consideração o jogo n.° 12601 (203.01.226), ocorrido entre a S…, SAD e a F…, SAD, realizado no passado dia 11 de abril de 2021, a contar para a jornada 26 da Liga NOS e o teor do Relatório de Árbitro elaborado, se as palavras e as expressões dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do jogo por R… (licença 15998), são exactamente aquelas que se encontram reproduzidas no dito Relatório?”
Prazo para resposta: I5H de 19 de abril de 2021
Com os melhores cumprimentos" (fl. 58 do RHI)
• 5.2 Matéria de Facto dada como não provada
Com relevo para a apreciação e decisão destes autos, não há factos que não se tenham provado.
• 5.3 Fundamentação da decisão de facto
A matéria de facto dada como provada, resulta da documentação junta aos autos, em especial da cópia do Recurso Hierárquico Impróprio.
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova carreada para os autos, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e da sua livre apreciação da prova, seguindo as regras do processo penal (artigo 127.° do CPP) com as garantias daí resultantes para o arguido, nomeadamente o princípio da presunção da inocência e o princípio in dubio pro reo.
A livre apreciação da prova resulta, aliás, do disposto no artigo 607.° n.° 5 do CPC, aplicável ex vi art.° 1º do CPTA e artigo 61.° da LTAD, daí resultando que o tribunal aprecia livremente as provas produzidas decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
De acordo com Alberto dos Reis prova livre “quer dizer prova apreciada peio julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei" (Código de Processo Civil, anotado, vol. IV, pág. 570).
Também temos de ter em linha de conta que o julgador deve “tomar em consideração todas as provas produzidas" (artigo 413.° do Código de Processo Civil), ou seja, a prova deve ser apreciada na sua globalidade.
Em concreto, com referência aos factos considerados provados, o Tribunal formou a sua convicção nos seguintes moldes:
1. Facto público e notório, em virtude das funções que desempenha.
2. Resulta dos documentos juntos aos presentes autos com o RHI, nomeadamente a fls.6.
3. Resulta dos documentos juntos aos presentes autos com o RHI, nomeadamente do relatório de árbitro a fls. 19.
4. Resulta dos documentos juntos aos presentes autos com o RHI, nomeadamente a fls 6 e 7 e fls. 13 e 14.
5. Resulta dos documentos juntos aos presentes autos com o RHI, nomeadamente a fls. 45.
6. Resulta dos documentos juntos aos presentes autos com o RHI, nomeadamente a fls. 58. * Cremos, pois, que a factualidade dada como assente resulta da instrução da causa, para além de qualquer dúvida razoável.».
Da impugnação da matéria de facto:
Alega a Recorrente que o tribunal recorrido deveria ter considerado provado que, na sequência dos esclarecimentos solicitados a equipa de arbitragem do jogo em causa, os respectivos elementos de arbitragem vieram confirmar os factos constantes do relatório da arbitragem, como resulta de fls. 84 a 90 do Recurso hierárquico impróprio (RHI), devendo ser aditado um ponto com a seguinte redacção: "Os agentes de arbitragem do jogo em crise nos autos, notificados para confirmarem as palavras e as expressões dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do referido jogo pelo Demandante, confirmaram os factos vertidos no relatório de arbitragem”, por demonstrar que a diligência de prova requerida pelo Recorrido foi realizada.
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 640º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal (CPP) também se impõe ao impugnante/recorrente a especificação dos concretos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, as provas e as passagens relevantes em que suporta a sua impugnação, que determinam decisão diferente da proferida.
No mesmo sentido dispõe o nº 1 do artigo 662º do CPC, porquanto o tribunal só deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão sobre a matéria de facto diversa da impugnada.
Com efeito, o tribunal de recurso só deve alterar a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida se, reapreciada a mesma, for evidente, em termos de razoabilidade, que foi mal julgada pelo tribunal a quo.
A livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, previsto no nº 5 do artigo 607º do CPC, exige em sede de recurso um especial cuidado na reapreciação a efectuar, até porque não está em causa um segundo julgamento, mas a verificação do que na decisão da matéria de facto recorrida não se pode manter por se apresentar como arbitrário ou sem fundamento racional.
Por outro lado, essa alteração da decisão da matéria de facto só se justifica se puder implicar decisão de mérito também ela diferente, mormente no sentido propugnado pelo impugnante/recorrente [v. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.10.2020, no proc. nº 5398/18.3T8BRG.G1, consultável em www.dgsi.pt].
No caso em apreciação, a Recorrente entende que o tribunal recorrido ignorou factualidade relevante para a decisão da causa, não considerando provados os esclarecimentos prestados pelos elementos da arbitragem que confirmaram os factos constantes do relatório da equipa de arbitragem, sendo claros ao afirmar que o Recorrido dirigiu à equipa de arbitragem as palavras que estão no referido relatório, o que demonstra que a diligência de prova requerida por este foi realizada.
Da leitura dos factos assentes extrai-se que: no âmbito do RHI o Recorrido requereu a inquirição dos elementos de arbitragem, identificados no ponto 4, para comprovar que apenas proferiu as palavras “Vão-se foder” sem as dirigir a qualquer elemento da arbitragem; no âmbito do mesmo recurso, foi determinado, como diligência probatória, a notificação dos elementos da equipa de arbitragem indicados pelo Recorrido, para esclarecerem (por escrito), com urgência e no prazo indicado, “(…) se as palavras e as expressões dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do jogo por R… (…), são exactamente aquelas que se encontram reproduzidas no dito Relatório?”; notificações que foram efectuadas pelo Conselho de Disciplina (factos 5. e 6.).
Entendeu, ainda, o tribunal recorrido inexistirem factos não provados com relevo para a apreciação e decisão dos autos.
Ora, o facto pretendido aditar "Os agentes de arbitragem do jogo em crise nos autos, notificados para confirmarem as palavras e as expressões dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do referido jogo pelo Demandante, confirmaram os factos vertidos no relatório de arbitragem” apenas no segmento final vai para além do que já consta dos factos provados 4. a 6.
Por outro lado, considerando que o Recorrido pretendia provar no âmbito do RHI que não disse as exactas palavras que constam do relatório da equipa de arbitragem nem dirigiu as que disse a qualquer dos elementos da equipa de arbitragem, dar por provado que estes, notificados para confirmarem as palavras que o Recorrido lhes dirigiu no final do jogo - precisamente o contrário do pretendido com o pedido de inquirição formulado - são as que constam do relatório de arbitragem, confirmaram o que lhes foi perguntado, nada acrescenta à factualidade relevante para o tribunal recorrido decidir, como decidiu, que não foi promovida nem realizada a diligência de prova solicitada pelo Recorrido com vista a pôr em causa a presunção da veracidade do conteúdo do referido relatório.
Dito de outra forma, o facto pretendido aditar encontra-se provado nos documentos constantes do RHI e indicados pela Recorrente, mas não é relevante no julgamento efectuado da matéria de facto nem implicaria decisão de mérito diferente da proferida.
Pelo que não procede este fundamento do recurso.
Dos erros de julgamento:
Alega a Recorrente, em síntese, que: o TAD declina que haja prova suficiente nos autos que permita concluir pela punição do Recorrido e que se demonstram preteridas as garantias de defesa deste, pela forma como foi realizada a diligência de prova que o mesmo requereu, consubstanciando uma nulidade nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 161º do CPA; não tendo em conta que os factos vertidos no relatório do árbitro gozam da presunção de veracidade, de um valor probatório reforçado, nos termos da alínea f) do artigo 13º do RD da LPFP; do relatório do árbrito resulta claro que o Recorrido dirigiu à equipa de arbitragem as palavras injuriosas aí descritas; não significa que o relatório contenha uma verdade incontestável, que quem acusa não tenha que provar, mas que o mesmo é prova suficiente para o Conselho de Disciplina forme a convicção acima de qualquer dúvida que foi o Recorrido que proferiu contra a arbitragem as palavras em referência; para abalar essa convicção cabe ao Recorrido apresentar contraprova, demonstrando que não proferiu essas palavras, designadamente em sede de RHI ou da acção arbitral, nada tendo feito, demonstrado ou alegado para o efeito; além de que todas as diligências e meios de prova realizados nos autos, confirmam ou não contrariam o teor do referido relatório, sendo que uma parte desse acervo probatório resultou de diligências de prova requeridas pelo Recorrido; mais a versão de que não dirigiu as palavras à equipa de arbitragem, mas à equipa adversária, não foi a que invocou aquando da audiência prévia em processo sumário, onde apenas discorda do teor e da amplitude das palavras; nem as suas testemunhas coincidem no teor das expressões que relatam; nem as imagens juntas aos autos permitem corroborar qualquer das versões que apresenta; a diligência requerida de inquirição dos elementos da equipa de arbitragem apenas poderia visar que os mesmos esclarecessem nos autos se os factos vertidos no relatório de arbitragem eram verdadeiros e não ouvi-los como testemunhas, porque atendendo à essência do papel que desempenham assumem a veste de juízes; pelo que foi determina a sua notificação para prestar os esclarecimentos já referidos; que prestaram e confirmaram o que consta do relatório; pelo que a pretensão do Recorrido foi alcançada; tendo sido assegurado o respectivo contraditório; o facto de não terem sido confrontados com a versão do Recorrido e de alegadamente na questão formulada se remeter para parte da resposta solicitada, não implica a nulidade prevista na referida alínea f) do nº 2 do artigo 161º, porquanto os agentes de arbitragem pronunciaram-se sobre os factos vertidos no relatório e naturalmente se entendessem que as expressões não lhe tinham sido dirigidas cuidariam de ressalvar essa questão, e não tinham de se pronunciar sobre outras versões que não a constante do relatório; pelo que não foram preteridos os direitos de defesa do Recorrido; a prova coligida pelo Conselho de Disciplina foi suficiente para sustentar a decisão proferida, tendo concluído em consonância que a prova testemunhal produzida – no fundo a apresentada pelo Recorrido – não transmite o grau de certeza minimamente exigível para sustentar a versão deste e sobretudo para abalar o relato da equipa de arbitragem; encontram-se preenchidos os elementos do tipo das normas disciplinares previstas nos artigos 168º, 112º, nº 1 e 136º do RDLPFP, as palavras proferidas por um treinador de um dos maiores clubes portugueses põem em causa a integridade moral e o bom nome e reputação dos árbitros em questão, além de afectar a credibilidade e o prestígio da própria competição; mesmo que se entendesse que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes para punir o Recorrido, a verdade é que o facto desconhecido - as expressões injuriosas proferidas por este - foi retirado de outros factos conhecidos, de outros meios de prova, nomeadamente os esclarecimentos dos agentes de arbitragem, os depoimentos das testemunhas do Recorrido e as imagens juntas aos autos por este; presunção admissível nesta sede que não briga com os princípios constitucionais, como o da presunção de inocência ou o da culpa, de acordo com a jurisprudência; a tese do tribunal recorrido é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol; apenas poderia ser alterada a sanção aplicada se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira, atendendo aos limites legais da discricionariedade da actuação do Conselho de Disciplina; pelo que o acórdão recorrido deve ser revogado.
No acórdão recorrido foi expendida a seguinte fundamentação de direito:
«Cumpre apreciar a factologia supra elencada à luz do ordenamento jurídico aplicável.
Nos termos da alínea f) do artigo 13.º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, um dos princípios fundamentais do procedimento disciplinar é o da “presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga Portugal e dos autos de flagrante delito lavrados pelos membros da Comissão de Instrutores, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa". Ainda nos termos das alíneas d) e h) do mesmo artigo, constituem também princípios fundamentais, no mesmo âmbito, os da “observância dos direitos de audiência e de defesa do arguido, nos termos previstos no presente Regulamento" e da “liberdade de produção e utilização de todos os meios de prova em direito permitidos, incluindo garantia de acesso do arguido, em 24 horas, às gravações resultantes dos sistemas de comunicação da equipa de arbitragem, quando se proceda por factos por esta relatados ou presenciados, com exceção das comunicações entre o árbitro principal e o VAR".
Por sua vez, no artigo 16,° do mesmo Regulamento estabelece-se: "1. Na determinação da responsabilidade disciplinar é subsidiariamente aplicável o disposto no Código Penal e, na tramitação do respetivo procedimento, as regras constantes do Código de Procedimento Administrativo e, subsequentemente, do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações. 2. A aplicação subsidiária de quaisquer normas ao procedimento disciplinar regulado no presente título tem de respeitar os princípios consagrados no artigo 13.°”.
Da análise das normas em causa resulta que existe uma presunção, ilidível, de veracidade dos factos constantes do relatório da equipa de arbitragem - mas também resulta, inequivocamente, que essa presunção pode ser ilidida, desde que fundadamente.
Assim, caberá a quem quiser afastar o funcionamento da presunção produzir ou utilizar todos os meios de prova em Direito permitidos.
Concretamente, o Demandante pretende afastar a presunção de veracidade do relatório da equipa de arbitragem em dois pontos essenciais: o de que as palavras proferidas não foram “Vai para o caralho, vai-te foder, conseguiste o que querias", mas sim e apenas “Vão-se foder"; e o de que as palavras não foram dirigidas à equipa de arbitragem.
Neste contexto, veio o Demandante solicitar, no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio, nomeadamente, o acesso às gravações resultantes dos sistemas de comunicação da equipa de arbitragem, assim como a inquirição dos árbitros que, em seu entender poderiam afastar a presunção de veracidade do relatório num qualquer dos pontos referidos.
Pois bem, o Conselho de Disciplina indeferiu a primeira prova referida; e, quanto à segunda, ordenou a notificação dos árbitros R…, N…, J… e J… para virem aos autos esclarecer “se as palavras e as expressões dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do jogo por R… (licença 15998), são exactamente aquelas que se encontram reproduzidas no dito Relatório”. Ou seja, além de não terem sido estes árbitros confrontados com o alegado pelo Demandante quanto às próprias palavras por si proferidas, o que seria essencial para a substituição da sua inquirição por um esclarecimento escrito, afirma-se na questão formulada uma parte significativa daquilo que caberia, em sede de defesa, ver respondido - que as palavras em causa, independentemente de quais sejam, foram efectivamente dirigidas à equipa de arbitragem.
Em conclusão, se o artigo 13.°, alínea f), do Regulamento Disciplinar da LPFP prevê o afastamento da presunção de veracidade dos factos constantes no relatório da equipa de arbitragem, quando ela seja fundadamente posta em causa, cabe assegurar aos arguidos como caberia ter sido assegurado ao Demandante, em sede de Recurso Hierárquico Impróprio, o recurso aos meios de defesa que lhes permitam, eventualmente, valer-se dessa possibilidade: pôr em causa aquela presumida veracidade.
Uma vez que essa possibilidade foi posta em causa, considera-se ter sido negado ao Demandante o direito de defesa: deve considerar-se "a omissão de formalidades essenciais à defesa como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa” (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.° ed. revista, Coimbra Editora, 2010, p. 841). O acórdão recorrido violou, assim, os artigos 2.°, 9.°, alínea b), 18.°, n.º 3 e 32.º, n.° 10 da CRP.
Deste modo, não tendo sido assegurado o direito fundamental de defesa do Demandante, a sua preterição é subsumível ao artigo 161.º, n.° 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo e, consequentemente, determinante de nulidade.
Atento tudo o supra explanado, considera-se, assim, nulo o acórdão recorrido, ficando prejudicada a apreciação das restantes questões de Direito suscitadas.».
E o assim decidido é para manter.
Repare-se que do acórdão recorrido não resulta o entendimento de que considerou a prova produzida nos autos insuficiente para aplicar a punição disciplinar ao Recorrido, como vem alegado no recurso.
Razão pela qual, certamente não foram levados à factualidade considerada provada, os factos apurados na sequência das diligências probatórias produzidas nos autos, como a inquirição das testemunhas do Recorrido, a visualização do filme com as imagens do jogo no momento em que foram proferidas as palavras em referência nos autos e as respostas aos esclarecimentos escritos prestados pelos árbitros [tendo só a falta destas sido objecto de impugnação no presente recurso, na parte restante a decisão da matéria de facto transitou em julgado].
A decisão recorrida incide num momento prévio à valoração da prova produzida, o de saber se foram asseguradas todas as garantias de defesa ao Recorrido no âmbito do procedimento que lhe aplicou a referida punição.
Começando por referir o valor probatório reforçado do relatório da equipa de arbitragem que, nos termos da mencionada alínea f) do artigo 13º do RD da LPFP, goza da presunção de veracidade do seu conteúdo, passa a evidenciar que tal presunção é ilidível, mediante prova em contrário oferecida/requerida por quem aproveita:
No caso em apreciação, o Recorrido que, visando provar que o que consta do relatório da arbitragem não corresponde à verdade quer nas palavras que proferiu quer quanto aos seus destinatários, requereu diligências de prova que ou foram indeferidas [como o referido acesso às gravações resultantes do sistema de comunicação da equipa de arbitragem] ou não admitidas nos seus exactos termos.
Foi o que sucedeu com o pedido de inquirição de certos elementos da equipa de arbitragem que foi transformado em esclarecimentos escritos em resposta a uma pergunta, cujo texto não foi formulado tendo em conta a versão apresentada pelo Recorrido, nem obteve o acordo prévio deste, mas para confirmar o que consta do referido relatório.
Efectivamente, como foi evidenciado pelo tribunal recorrido a questão formulada respondia ela própria a uma parte significativa do que se pretendia clarificar com este meio de prova – afirmando, após um “se”, que “as palavras e expressões dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do jogo por R…, são exactamente aquelas que se encontram reproduzidas no Relatório?”, induzindo os destinatários, autores do relatório, a responder apenas à segunda parte da mesma, confirmando que as palavras que ouviram (sem esclarecer se as mesmas lhe eram dirigidas) são as que constam do relatório.
E ao não permitir ao Recorrido provar a sua versão, a presunção de veracidade do conteúdo do relatório da arbitragem tornou-se inilidível, o que redunda numa interpretação materialmente inconstitucional da referida alínea f) do artigo 13º do RD da LPFP, por violação do direito de audiência do arguido, previsto no nº 10 do artigo 32º da CRP.
Assim, o Colectivo de Árbitros entendeu, e bem, que ao Recorrido não foram facultados todos os meios de defesa permitidos por lei, para poder ilidir a presunção da veracidade do conteúdo do relatório, pondo em causa o núcleo essencial do seu direito de defesa enquanto arguido, violando os artigos 2º [que consagra a República portuguesa como um Estado de direito democrático], 9º, alínea b) [que estipula como uma das tarefas fundamentais do Estado, a garantia dos direitos e liberdades e o respeito pelos princípios do estado de direito democrático], 18º, nº 3 [que prevê que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais] e 32º, nº 10 [referido e referente às garantias do processo criminal que determina que nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa] da CRP.
O que preenchendo a previsão da alínea d) do nº 2 do artigo 161º do CPA, comina a decisão punitiva aplicada de nulidade.
No mesmo sentido já se pronunciou este Tribunal, designadamente no acórdão de 10.12.2020, no proc. nº 94/20.2BCLSB, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «I. A decisão sobre a prática da infracção disciplinar não pode ser tomada sem antes se ter facultado à arguida o exercício dos direitos de audiência e defesa, conforme imposto pelo n.º 10 do artigo 32.º da CRP. // II. Tais direitos também devem ser assegurados no âmbito dos procedimentos disciplinares que seguem sob a forma de processo sumário previsto no RD da LPFP. // III. Não tendo sido facultado à arguida o exercício dos referidos direitos de audiência e defesa, a sanção disciplinar aplicada é nula nos termos do disposto no art.º 161.º, n.º 2, al. d) do CPA.».
Ou no acórdão de 16.4.2020, no processo nº 14/20.4BCLSB, idem, de cujo sumário se extrai: «iii) A presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa, ao abrigo do art. 13.º, alínea f) do RD, é igualmente aplicada em procedimento disciplinar sumário, atento o prescrito no art. 213.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3. // iv) No domínio do procedimento disciplinar sumário, ao não se prever a audição do arguido antes da decisão punitiva- nos termos supra descritos no ponto ii) -, tal presunção de veracidade dos factos traduz-se numa presunção inilidível. // v) De onde decorre que a norma plasmada no art. 13.º, alínea f) do RD, na medida em que contém uma presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga, será de desaplicar, quando aplicada ao procedimento disciplinar sumário, por violação dos princípios da culpa e da presunção da inocência, preceituados no art. 32.º, n.º 2, bem como por violação dos direitos ao contraditório e ao processo equitativo, previstos no art. 20.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa.
E o STA, designadamente no acórdão de 13.5.2021, no processo nº 02/91.3BCLSB, ainda que por referência à aplicabilidade do disposto no artigo 214º do RD da LPF, de cuja fundamentação de direito se extrai: «(…) Com efeito, nos presentes autos, o “…” foi punido sem que pudesse apresentar qualquer defesa na qualidade de arguido no processo disciplinar sumário que contra si foi instaurado, pelo que se impõe a recusa por parte deste Supremo Tribunal da aplicação da norma constante no artº 214º do RD-LPF, na parte em que suprime a audiência do arguido em momento anterior ao da edição do acto punitivo, por violação dos direitos fundamentais de audiência e de defesa assegurados pelos artºs 32º, nº 10 e 269º, nº 3 da CRP. // Esta conclusão está, aliás, em linha com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que tem afirmado reiteradamente que a presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da Liga Portuguesa Futebol Profissional (LPFP) que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP (…) não infringe os comandos constitucionais insertos nos artigos 2º, 20º, nº 4 e 32º nºs 2 e 10 da CRP e os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, na medida em que seja conferido ao arguido “a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos” - cfr. Acórdão de 21 de Fevereiro de 2019, in Processo nº 0033/18.0BCLSB; v. também, no mesmo sentido Acórdãos de 18 de Outubro de 2018, in Processo nº 0144/17.0BCLSB, de 20 de Dezembro de 2018, in Processo nº 08/18.0BCLSB, de 21 de Fevereiro de 2019, in Processo nº 033/18.0BCLSB, de 21 de Março de 2019, in Processo nº 075/18.6BCLSB, de 4 de Abril de 2019, proferido in Processos nºs 040/18.3BCLSB e 030/18.6BCLSB, de 2 de maio de 2019, in Processo nº 073/18.0BCLSB, de 19 de Junho de 201, in Processo nº 01/18.2BCLSB, de 5 de Setembro de 2019, in Processos nºs 058/18.6BCLSB e 065/18.9BCLSB, de 16 de Janeiro de 2020, in Processo nº 039/19.2BCLSB, 7 de maio de 2020, in Processos nº 144/17.0BCLSB e 074/19.0BCLSB, de 18 de Junho de 2020, in Processo nº 42/19.2BCLSB e de 19 de Novembro de 2020, in 102/19.0BCLSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt/jsta.». [sublinhados nossos].
Em face do que, é de concluir que não se verifica também este fundamento do recurso.
Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a acórdão recorrido na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique.
Lisboa, 18 de Novembro de 2021.
(Lina Costa – relatora)
(Ana Paula Martins)
(Carlos Araújo) |