Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:82/18.9BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/21/2019
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:DISCIPLINA DESPORTIVA - IMPUTAÇÃO E PUNIÇÃO DO CLUBE A TÍTULO DE AUTORIA – EXECUÇÃO MATERIAL DO ILÍCITO POR SÓCIO OU SIMPATIZANTE DO CLUBE.
Sumário:1. Por disposição expressa do artº 35º do Regulamento das Competições organizadas pela LPFP/2017, a titularidade do dever, colocada na esfera jurídica do clube desportivo sob a forma especial de dever de garante, constitui o fundamento da responsabilidade disciplinar do clube por delito de omissão do dever de evitar o resultado jurídico desvalioso tipificado nos artºs. 187º e 182º do RD –LPFP/2017 no contexto do “terreno de jogo” e “dentro dos limites do recinto desportivo”.
2. Tal significa que a entidade administrativa com poderes regulamentares – a Liga, LPFP – quis vincular a autoria pelo cometimento dos ilícitos disciplinares dos artºs. 182º e 187º do RD –LPFP/2017 à violação do dever jurídico de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017.
3. Consequentemente, recai sobre a pessoa colectiva, i.e, sobre o clube desportivo a imputação de autoria dos ilícitos descritos nos artºs. 182º e 187º do RD –LPFP/2017 por violação dos deveres normativamente elencados no âmbito do dever jurídico de garante que incumbe ao próprio clube desportivo.
4. O que significa que o sócio ou simpatizante executor do ilícito disciplinar tem de ser uma pessoa singular devidamente identificada no processo disciplinar através da sua identidade civil para, por seu intermédio, se fazer a imputação funcional do comportamento ilícito do sócio ou simpatizante, devidamente identificado, ao clube desportivo, na exacta medida em que, nos termos expostos, o critério da autoria repousa na titularidade dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento Disciplinar das competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional/2017.
5. Não é juridicamente admissível presumir a qualidade de sócio ou simpatizante do clube relativamente à pessoa singular desconhecida e, como tal, não existente no processo, que executa os actos materiais tipificados nos artºs. 182º/187º do RD–LPFP/2017, que é o sócio ou simpatizante do clube, e que assim concretiza a infracção, nos termos já expostos, materializando o comportamento proibido pelo tipo de ilícito disciplinar.
6. Se não se sabe quem é a pessoa singular, porque não está identificada no processo disciplinar, não é possível fazer derivar por presunção e dar como provado que a pessoa em causa é sócia ou simpatizante do clube desportivo para efeitos de imputação da autoria à pessoa colectiva.
7. Por força do artº 32º nº 2 e 10 da Constituição, no direito sancionatório, seja criminal seja disciplinar, não se presume a autoria do tipo de ilícito, o que se presume, a partir de uma base fáctica provada (base da presunção), são comportamentos expressos em factos susceptíveis de imputação subjectiva ou objectiva.
Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Futebol Clube …………….– Futebol SAD e Federação Portuguesa de Futebol, com os sinais nos autos, inconformadas com o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) de 18.07.2018 proferido nos processos apensados nºs. 69/2017 e 72/2017 em que são parte demandante o Futebol Clube……… – Futebol SAD e parte demandada a Federação Portuguesa de Futebol, dele vêm recorrer ao abrigo do regime constante do artº 8º nº 1da Lei 74/2013, 06.09, 06.09 e alterações introduzidas pela Lei 33/2014, 16.06, (LTAD), concluindo como segue

A – Recurso da sociedade Futebol Clube …………… – Futebol SAD

1. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 18-07-2018 do TAD, que julgou parcialmente procedente os pedidos de anulação das multas aplicadas nos processos disciplinares n.° 12-17/18 e 19-17/18, mantendo a condenação da recorrente pela prática de duas infracções disciplinares (127º -1, 187.°-1 b) do RD), alegadamente cometidas no jogo realizado a 09-09-2017 no Estádio do Dragão.
2. O ónus da prova em processo disciplinar cabe ao titular do poder disciplinai, pelo que, sempre seria ao Conselho de Disciplina que se impunha carrear aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da Futebol Clube…………. -Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da Futebol Clube ………………. - Futebol SAD.
3. Aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar, vigora ainda o princípio da presunção de inocência, o qual tem corno uni dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a recorrente - o ónus de provar a sua inocência.
4. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13°, f), do RD, pode contrariar este quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um indício de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova.
5. Além do mais, não podia o Tribunal a quo deixar de considerar que o arguido é um verdadeiro titular de direitos e deveres, sendo titular do direito ao silêncio.
6. O Tribunal a quo assentou em juízos de presunção a conclusão de que foram adeptos da demandante a realizar as condutas sub judice, sem haver prova concreta dessa autoria com a probabilidade próxima da certeza ou, pelo menos, para além da dúvida razoável.
7. Só podia o Tribunal a quo levar à matéria assente que os autores das condutas sub judice eram do FC ………. se tivesse apurado, através da prova carreada aos autos - o que não se mostrou suficiente para ultrapassar a dúvida razoável - que tal bancada era ocupada exclusivamente por sócios ou simpatizantes do FC ……… (vd. acórdão 16-01-2018 do Tribunal Central Administrativo do Sul, no Proc. nº 144/17.OBCLSB, que confirmou na íntegra o Acórdão do TAD 1/2017 e, mais recentemente, no acórdão proferido a 26-07-2018 no processo n.° 8/18.0BCLSB, que revogou o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto anulando os actos impugnados! pela Demandante (Procº nº 28/2017 do TAD), vendo-se assim prejudicada a decisão condenatória. Além do mais,
8. Compulsada a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, nela não se encontra qualquer traço factual - ou sequer probatório - de uma hipotética, violação de deveres, por parte da demandante, tal como nada nela se divisa no sentido de que a demandante actuou culposamente, seja a título doloso ou negligente.
9. Caso não se exigisse este elemento típico depararíamos com uma clara responsabilização disciplinar objectiva e por factos de outrém, a qual violaria o princípio jurídico-constitucional da culpa.
10. A alínea b) do n.° l artigo 187.° do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, quando interpretada no sentido de que um clube poderá ser por ela disciplinarmente responsabilizado no caso da verificação de comportamentos social ou desportivamente incorrectos adoptados por sócios ou simpatizantes seus, independentemente de qualquer contributo próprio desse clube e da sua censurabilidade a título de dolo ou de negligência, é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da culpa e da intransmissibilidade da responsabilidade penal (art. 30º-3 da CRP), ambos inerentes ao princípio do Estado de Direito plasmado no art. 2.° da CRP..
11. Mas mais, também no que à culpa, concerne, o Tribunal a quo recorreu a uma presunção, impondo à recorrente a imposição de um ónus de prova da sua inocência.
12. À míngua de meios de prova demonstrativas da violação de deveres de cuidado, o Tribunal a quo recorre a um critério que consubstancia uma clamorosa violação do principio de presunção de inocência do arguido, o que não pode colher.
13. Este critério decisório no qual o Tribunal a quo exige que a recorrente, por contraprova, mostre a sua inocência viola direito fundamental à presunção de inocência de que a demandante é titular e, do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objectiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.
14. Sucede que o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o principio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.°, n,os 2 e 10 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2.° da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20.°-4 da CRI5) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e Ac. do STA de 20-10-2015, Proc, 01546/14 www.dgsi.pt.).
15. Pelo exposto, cumpre repor a legalidade, revogando-se o Acórdão recorrido e impondo-se ao Tribunal a quo que adopte um critério decisório em matéria de valoração da prova consentâneo com o princípio da presunção de inocência.
16. É inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente no seu direito de defesa (art. 32.°, nºs. 2 e 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.°-4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.° da CRP), a interpretação dos artigos 222.°-2 e 250.°-1 do RDLPFP de 2016 segundo a qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, o arguido não demonstrar a sua não verificação.
17. No presente caso, a demandante recorreu de condenações pecuniárias no valor total de € 6.658,00 e confronta-se, em cada processo, com uma fixação de custas no total €4.075,00 a que acresce IVA à taxa legal de 23% perfazendo um total de €5.012,25.
18. Face ao sentido da decisão arbitral, a ora recorrente deverá suportar um encargo com custas processuais no valor de €7.017,15, o que se revela totalmente desproporcional e compromete de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.°- 1 e 268.M da CRP).
19. Considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (artigos 20,° e 268º-4 da Constituição) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD.
20. Urna vez que as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art. 2.°, nºs l e 5, conjugado com a tabela constante do Anexo I (2.a linha), da Portaria n.° 301/2015, articulado ainda com o previsto nos artigos 76.71/2/3 e 77.74/5/6 da Lei do TAD) são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.° da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.°-1 e 268.°-4 da CRP), devem essas normas ser desaplicadas (art. 204.° da CRI5).
Termos em que se requer a V. Exas. seja o presente recurso julgado procedente, decidindo pela revogação da decisão de condenação pelas infracções p. e p. pelos artºs. 127.°-1 e 187º 1 b) do RD, absolvendo a recorrente por falta de verificação dos pressupostos típicos das infracções pelas quais foi condenada da recorrente, com os devidos e legais efeitos.
Sem prescindir, caso se entenda não haver motivo para, de imediato, absolver a recorrente, -requer-se a revogação do acórdão recorrido e o reenvio do processo ao TAD para que reaprecie a matéria de facto com base em critérios de valoração da prova consentâneos com o princípio da presunção de inocência do arguido, exigindo-se, nomeadamente, a formação de uma convicção paira além de toda a dúvida razoável e a mão imposição de um ónus da prova à demandante.
Sem prescindir, e subsidiariamente, requer-se a V. Exas. se dignem julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto art, 2.°, nºs. l e 5 (e respectiva tabela constante do Anexo I, 2.8 linha, da Portaria ra.° 301/2015, com o previsto nos artigos 76º/1/2/3 da Lei do TAD por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva (artº 20º-1 e 268º-4 da CRP) e da proporcionalidade (artº 2º da CRP) com as legais consequências.


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A Federação Portuguesa de Futebol, ora Recorrida, contra-alegou concluindo como segue:

1. .Em causa nos presentes autos está o comportamento íncorreto dos adeptos do F….. e a responsabilização do clube por violação de deveres a que estava adstrito de modo a evitar a ocorrência de tais comportamentos.
2. De acordo comi o Relatório de Ocorrências e com o Relatório das forças policiais os adeptos do Futebol Clube ………….. deflagraram objetos proibidos
3. A Recorrente não coloca em causa que estes factos aconteceram, coloca em causa, sim, que tenham sido adeptos do F….. os responsáveis pelos mesmos e que tenha qualquer responsabilidade sobre o comportamento levado a cabo por outras pessoas.
4. Tal corno consta dos relatórios de jogo cujo teor se encontra a fls. ... do processo arbitral, os Delegados da Liga são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas pelos adeptos do Futebol Clube ………...
5. Com base nesta factualidade, o Conselho de Disciplina instaurou o competente processo sumário à Recorrente.
6. Este é um processo propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias (cfr. artigo 259º -.2 do RD da LPFP) somente por análise do relatório de jogo (e, possivelmente, outros elementos aí referidos) que, como se sabe, tem presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. artigo 13º, al. f) do RD da LPFP).
7. De acordo com o artigo 65º do Regulamento de Competições da LPFP, concretamente o seu n.º 2, ai. i) compete aos Delegados indicados pela LPFP para cada jogo "i) elaborar e remeter à Liga um relatório circunstanciado de todas as ocorrências relativas ao normal decurso do jogo, incluindo quaisquer comportamentos dos agentes desportivos findo o jogo, na flash intervíew".
8. Os Delegados da LPIFP são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube.
9. Recorde-se, aliás, que esta forma de processo consta do Regulamento Disciplinar da I.PFP, aprovado pelas próprias SAD's que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas a ora Recorrente. O RD da PFP é aprovado em Assembleia Geral cia LPFP, de que faz parte a Recorrente, assim como todos os outros clubes que integram as ligas profissionais. Em concreto, a Recorrente não se manifestou contra a aprovação das normas pelas quais foi punida 0m sede de Assembleia Geral tendo, pelo contrário, aprovado as mesmas decidindo conformar-se Iço m elas.
10. Entende a Recorrente que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório de Jogo) que a Recorrente violou deveres de formação, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer provia de um facto negativo.
11. Entendeu já o Supremo Tribunal Administrativo (por várias vezes, aliás) que "a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter corno corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se; tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris surit probationis leviores probationes admittuntur»."
12. Assim, os Relatórios de Jogo, atento o seu conteúdo, são perfeitamente suficientes e adequados para sustentar a punição da Recorrente nos casos concretos. Ademais, há que ter em tonta que existe uma presunção de veracidade do conteúdo de tal documento (artigo 13.e, ai. f) do RD da LPFP).
13. Isto não significa que o Relatório de Jogo contenha uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo do Relatório, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme urna convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrente incumpriu os seus deveres.
14. Para abalar essa convicção, cabia ao clube apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.5 do Código Civil.
15. A Recorrente não tinha que fazer provei absoluta da não verificação dos pressupostos legalmente exigidos, bastando-lhe efetuar a contraprova, fundada num mero juízo de probabilidades. É que, ao contrário do que afirma, em sede sancionatória o "arguido" não pode simplesmente remeter-se ao silêncio, aguardando, sem mais, o desenrolar do procedimento cabendo-lhe, pelo menos, colocar uma dúvida na mente do julgador correndo o risco cie, não o fazendo, ser punido se as provas reunidas forem todas no mesmo sentido.
16. Do lado do Conselho de Disciplina, todos os elementos de prova carreados para os autos iam no mesmo sentido dos Relatórios de Ocorrências pelo que dúvidas não subsistiam (nem subsistem) de que a responsabilidade que lhe foi assacada pudesse ser de outra entidade que não da Recorrente. Isto mnesmo entendeu, e bem, o Tribunal a quo.
17. A documentação junta aos autos foi analisada criticamente, tanto pelo Conselho dê Disciplina como pelo Tribunal Arbitrai, à luz da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, designadamente no que se refere à conclusão de que não tomou quaisquer medidas que viessem a impedir as ocorrências descritas e praticadas pelos adeptos afetos ao F…...
18. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo dos Relatórios, cabia à Recorrente demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrente nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em sede nenhuma
19. Do conteúdo dos Relatórios de Jogo elaborado pelos Delegados da Liga, é possível extrair diretamente duas conclusões: (i) que o Futebol Clube…………… incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do Futebol Clube………., o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma dos Delegados identificarem os espectadores, para além da bancada).
20. Tendo em consideração jurisprudência do CAS/TAS e de Órgãos de recurso internos da UEFA citada, bem como o facto de que os Relatórios de jogo são absolutamente perentórios a referir que os comportamentos descritos foram perpetrados por adeptos da aqui Recorrente, e que o Relatório de Jogo tem uma força probatória fortíssima em sede de procedimento disciplinar, cabia à Recorrente fazer prova que contrariasse aquela que consta dos autos e que leva à conclusão de que as condutas ilícitas foram feitas por espectadores seus adeptos ou simpatizantes.
21. Ainda que se entenda - o que não se concede - que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir a Recorrente, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrente e a violação dos respetivos deveres - foi retirado de outros factos conhecidos.
22. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com o princípio da presunção de inocência, ao contrário do que refere a Recorrente, de acordo com jurisprudência quer dos tribunais comuns quer dos tribunais administrativos.
23. É absolutamente líquido que segundo as normas circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável foram adeptos do F……. a perpetrar as condutas descritas e que a Recorrente era a entidade responsável pela revista de adeptos, impondo a necessária segurança no estádio; donde resulta, sem margem para dúvidas, que a Recorrente incumpriu com os seus deveres e deve ser responsabilizada.
24. Há ainda que notar que o próprio Tribunal Arbitrai do Desporto, por várias outras ocasiões, já se pronunciou em sentido diverso ao entendimento sufragado pela Recorrente.
25. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
26. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte deste Tribunal Arbitrai, andou bem o Colégio de Árbitros ao decidir manter a condenação da Recorrente pela infração p. p. pelo artigo 127.5 e pelo artigo 187.5 do RD da LPFP.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido o Acórdão Arbitral recorrido, assim se fazendo o que é de lei e de justiça.

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B – Recurso da Federação Portuguesa de Futebol

1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitrai constituído junto do Tribunal Arbitrai do Desporto, proferido em 18 de julho de 2018 e notificado em 23 de julho de 2018, que julgou, apensados, os processos nºs 69/2017 e 72/2017.
2. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral em anular a multa aplicada pelo Conselho de Disciplina no processo que correu termos sob a referência RHI nº 19-2017/2018 por aplicação do artigo 187º, nº l, al. b) do RD da LPFP e a decisão do Colégio Arbitral em anular a multa aplicada pelo Conselho de Disciplina no processo que correu termos sob a referência RHI nº 12-2017/2018 por aplicação do artigo 187º, nº l, al. a) do RD da LPFP e o segmento decisório que versa sobre a rejeição do pedido de isenção de custas apresentado pela ora Recorrente.
3. Não se coloca em causa, como é evidente, o segmento decisório que decidiu confirmar o Acórdão do CD que condenou a ora Recorrida pela prática das infrações disciplinares p. e p. pelos artigos 119º. nº 1, 127º, nº 1 e 187º, nº-1, al. b), todos do RD da LPFP, no âmbito do processo RHI12-17/18.
4. De acordo com os relatórios de jogo (todos juntos aos autos dos respetivos processos arbitrais que, posteriormente, vieram a seir apensados) que estiveram na origem da instauração de processos sumários (já lá iremos) à Recorrida, os adeptos da equipa cio Futebol Clube…………..: Em jogo disputado no Estádio José de Alvalade, contra a equipa da S………………. -Futebol SAD, no dia l de outubro de 2017: Acenderam 2 tochas ao minuto 84; Rebentaram petardos aos minutos 82 (l petardo), 83 (2 petardos), 84 (2 petardos) e no final do jogo (l petardo); Deflagraram potes de fumo aos minutos 83 (l pote), 84 (l pote) e 85 (l pote); Acenderam flash light aos minutos 82 (l flash light), 84 (2 flash light) e no final do jogo (l flash light); Em jogo disputado no Estádio do Dragão, contra a equipa do Grupo D…………….., no dia 9 de setembro de 2017, entoaram cânticos ofensivos e rebentaram petardos.
5. São dois relatórios de jogo distintos, elaborados em dois jogos distintos ocorridos em dois estádios distintos onde é relatado, pelos Delegados da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o comportamento incorreto e altamente censurável dos adeptos da ora Recorrida.
6. Com efeito, tal como consta dos relatórios de jogo cujo teor se encontra a fls. ... do processo arbitrai, os Delegados da Liga são absolutamente claros ao afirmar que tais conduta:; foram perpetradas pelos adeptos do Futebol Clube…………., sendo que em alguns casos é mesmo referido que o comportamento foi levado a cabo por elementos da claque do F……, "Super Dragões". Ademais, os Delegados indicam a bancada onde tais adeptos se encontravam.
7. Com base nesta factualidade, o Conselho de Disciplina instaurou os competentes processos sumários à Recorrida. Nos termos do artigo 258º nº 1 do RD da LPFP, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou dos delegados da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito.
8. Este é um processo propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias (cfr. artigo 259º do RD da LPFP) somente por análise do relatório de jogo (e, possivelmente, outros elementos aí referidos) que, corno se sabe, tem presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. artigo 13º, al. f) do RD da LPFP).
9. Recorde-se, aliás, que esta forma de processo consta do Regulamento Disciplinar da LPFP, aprovado pelas próprias SAD's que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas a ora Recorrida. O RD da LPFP é aprovado em Assembleia Geral da LPFP, de que faz parte a Recorrida, assim como todos os outros clubes que integram as ligas profissionais. Em concreto, a Recorrida não se manifestou contra a aprovação das normas pelas quais foi punida em sede de Assembleia Geral tendo, pelo contrário, aprovado as mesmas decidindo conformar-se com elas.
10. Conforme é desde logo estipulado no artigo 172º nº l RD da LPFP: "1. Os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial."
11. Mas tais deveres de assegurar a ordem e disciplina não estão apenas previstos em normas regulamentares criadas pela Federação ou pela LPFP; estão desde logo previstos na Constituição e na Lei.
12. A prevenção e combate à violência associada ao desporto, a denominada violência exógena - para além da inerente à prática desportiva presente em algumas modalidades -, é algo que, em particular, a partir da década oitenta do século passado, tem convocado a atenção dos Estados e das organizações desportivas.
13. No plano da legislação desportiva nacional, valem hoje em dia as; normas constantes da Lei nº 39/2009, de 30 de julho (na sua atual redação consolidada em anexo à Lei nº 52/2013, de 25 de julho, que procedeu à sua segunda alteração), que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança.
14. A responsabilidade dos clubes pelas ações dos seus adeptos ou simpatizantes está prevista desde logo no artigo 46º de tal regime jurídico, pelo que nem sequer é uma inovação ou uma invenção dos regulamentos disciplinares federativos ou da liga.
15. Como já há muto foi realçado, nesta dupla função - prevenção e combate - encontram-se presentes diversos operadores, A ação desses diversos operadores revela-se essencial para a prossecução das finalidades da lei e, ademais, assenta num previsto e determinante princípio da colaboração, com raízes constitucionais.
16. Isso mesmo confirmou o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 730/95, de 14 de dezembro proferido no âmbito do Processo nº 328/91.
17. Assim, o Conselho de Disciplina agiu no estrito cumprimento das normas regulamentares e legais aplicáveis, não lhe sendo sequer exigível que tomasse outra decisão, nem quanto ao seu conteúdo nem quanto à forma de processo, face ao que se encontra estabelecido no RD da LPFP, aprovado, relembre-se, uma vez mais, pelos próprios clubes que integram as ligas profissionais de futebol, onde alinha também a Recorrida.
18. Note-se ainda que esta questão tem vindo a ser colocada repetidamente, pela Recorrida, junto do TAD. Desde o início de 2017 até à presente data deram entrada no Tribunal Arbitral do Desporto 47 processos relativos a sanções aplicadas à ora Recorrida por comportamento incorreto dos seus adeptos.
19. Tais números não só demonstram de forma incontestável que a Recorrida nada tem feito ao nível da intervenção junto dos seus adeptos para que não tenham comportamentos incorretos nos estádios, como demonstram que a Recorrida tem traçado um "plano de ataque" que não verá um fim num futuro próximo.
20. Não obstante tudo o que se deixou exposto, o Colégio Arbitral entendeu, no geral e relativamente aos dois processos apensos, em suma, que não existia prova suficiente para condenar a ora Recorrida pelos ilícitos disciplinares p. p. pelos artigos 187º, nº l, al. a) e b) do Regulamento Disciplinar da LPFP, apesar cio teor absolutamente cristalino dos Relatórios elaborados pelos Delegados e apesar de resultar claro dos mesmos que a Recorrida havia falhado no cumprimento dos seus deveres.
21. Para o Colégio Arbitral quando o clube age na qualidade de visitado, é legítimo recorrer a regras de experiência comum e a presunções judiciais, mas não já quando estamos a falar de outro tipo de comportamentos e quando age na qualidade de visitante: porém, não se compreende o porquê.
22. O Colégio Arbitral entende que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório de Jogo) que a Recorrida violou deveres de formação, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, o Tribunal Arbitral entendia que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, num total desrespeito pelas regras de repartição do ónus da prova.
23. São estas contradições que se revelam inadmissíveis e devem levar à nulidade do acórdão arbitral.
24. Entendeu já o Supremo Tribunal Administrativo (por várias vezes, aliás) que "a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»." Assim, o Relatório de Jogo é perfeitamente suficiente e adequado para punir a Recorrida nos casos concretos.
25. Ademais, há que ter em conta que no caso concreto existe uma presunção de veracidade do conteúdo do relatório do jogo, o que inverte o ónus da prova (cfr. artigo 344º do Código Civil).
26. Isto não significa que o Relatório de Jogo contenha uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo do Relatório, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, sio prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrida incumpriu os seus deveres.
27. Para abalar essa convicção cabia à Recorrida apresentar contraprova. Essa é regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346º do Código Civil.
28. Assim, cabia à Recorrida demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado em todos os processos, ou quanto muito em sede de ação arbitral. E não se diga que tal prova era difícil ou impossível: bastava a prova de que faz regularmente formações aos seus adeptos ou GOA"s tendo em vista a prevenção da violência; de que repudiou publicamente, designadamente através dos seus dirigentes, as concretas condutas em causa; que tomou providências, in loco, através dos delegados indicados por si para cada jogo, seja em "casa" seja "fora" - como consta do Regulamento de Competições da LPFP - para identificar e expulsar os responsáveis pelos comportamentos incorretos; etc., etc., etc.
29. Mas a Recorrida nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede.
30. A Recorrida não coloca em causa a veracidade dos factos essenciais descritos nos Relatórios - ou seja, não coloca em causa que foram rebentados petardos, que foram deflagrados flash lights, que foram entoados cânticos, etc. - mas apenas coloca a dúvida sobre a autoria dessas condutas. No que diz respeito ao cumprimento ou incumprimento dos seus deveres, a Recorrida nada refere, ademais porque entende que as normas regulamentares em causa estabelecem uma responsabilidade objetiva, que reputa como inconstitucional.
31. Por seu turno, o Colégio Arbitral entende que cabia ao Conselho de Disciplina provar, pela negativa, que nenhum dos deveres havia sido cumprido pelo Futebol Clube …………... o que, como se compreende, é impossível
32. Esqueceu-se o Tribunal a quo que do conteúdo do Relatório de Jogo elaborado pelos Delegados da Liga, é possível extrair diretamente duas conclusões: (i) que o Futebol Clube ………….. incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os objetos proibidos entrado seu estádio (violação do dever de vigilância) e não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas quer no seu estádio quer fora (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do Futebol Clube……………, o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma dos Delegados identificarem os espectadores, para além da bancada, que essa sim, foi indicada como sendo afecta a adeptos da Recorrida).
33. Isto significa que para concluir que quem teve um comportamento incorreto foram adeptos da Recorrida e não adeptos do clube visitante (e muito menos de um clube alheio a estes dois, o que seria altamente inverosímil), o Conselho de Disciplina tem de fazer fé no relatório dos delegados, o qual tem presunção de veracidade, como vimos, bem como conjugar tal relatório com as regras da experiência comum.
34. No Regulamento Disciplinar da LPFP não existe nenhuma definição do que se considera adepto , pelo que a consideração de que determinado comportamento foi levado a cabo por adepto ou simpatizante deste ou daquele clube faz-se corri recurso a critérios de normalidade, bom senso e experiência, tendo em conta, desde logo, a observação direta por parte dos agentes de arbitragem ou dos delegados ao jogo, mas também por imagens televisivas ou outras que evidenciem manifestações externas e percetíveis de tais adeptos e simpatizantes (por exemplo, ostentarem camisolas, bandeiras, cachecóis ou entoarem determinado:; cânticos) que os ligam ao clube visitante ou ao clube visitado. ;
35. Para além disso, de acordo com o Regulamento de Competições da LPFP e com o CO nº l de cada época, os clubes participantes das competições profissionais (como é o caso) estão obrigados a indicar exatamente qual o local, no seu estádio, que será reservado exclusivamente a adeptos das equipas visitantes e a reservar a venda de bilhetes a tais clubes o que, por exclusão de partes, revela que a restante ocupação do estádio não está reservada aos clubes visitantes.
36. Também é essencial verificar se os espetadores que levam a cabo comportamentos incorretos, para além de ostentarem tais camisolas, cachecóis, etc., se situam nas bancadas afetas à equipa visitante, ou não.
37. Tudo isto foi verificado pelos Delegados da Liga e devidamente colocado nos respetivos Relatórios de Jogo.
38. Tendo em consideração o facto de que o relatório de jogo é perentório a referir que os comportamentos descritos foram perpetrados por adeptos da Recorrida, oriundos de bancada afeta a adeptos da equipa visitada (aqui Recorrida), e que tal relatório tem uma força probatória fortíssima em sede de procedimento disciplinar, ao contrário do que entende o Tribunal a quo, cabia à Recorrida fazer prova - pela positiva! -que contrariasse aquela que consta dos autos e que leva à conclusão de que as condutas ilícitas foram feitas por espetadores seus adeptos ou simpatizantes e que por conseguinte esta violou os seus deveres.
39. O próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 730/95 a que já fizemos referência, diz claramente que "o processo disciplinar que se manda instaurar (...) sen/irá precisamente para averiguar todos os elementos da infração, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)".
40. Por seu turno, e não obstante tudo o que se deixou exposto, o Tribunal a quo entende que o clube, no que diz respeito aos seus deveres de formação, pode simplesmente remeter-se ao silêncio de modo a que nenhuma sanção lhe seja aplicada. Este entendimento equivale a pura e simplesmente impossibilitar o Conselho de Disciplina de punir quem quer que seja por estas infrações e consentir a desresponsabilização completa e total dos clubes pelos atos de violência dos seus adeptos.
41. As contradições do Colégio Arbitral são evidentes: aplica dois pesos e duas medidas quando o clube age enquanto equipa visitada ou enquanto equipa visitante, no que diz respeito aos deveres de formação, não existindo qualquer justificação para tal e afastando-se completamente da letra da lei.
42. Ao conter contradições entre os fundamentos e a decisão tomada, tornando-a ambígua, o Acórdão Arbitral é nulo de acordo com o disposto no artigo 615º, n.º l, al. c) do CPC, aplicável via artigo l.º do CPTA, devendo ser revogado.
43. Também ao ignorar, por completo, as regras de repartição do ónus da prova e as normas regulamentares aplicáveis, o Acórdão Arbitrai deve ser revogado por erro na aplicação do direito.
44. A conclusão a que chegou o Conselho de Disciplina, como exposta supra, nos dois processos em causa nos autos, não podia ter merecido qualquer censura porquanto o facto (alegada e eventualmente) desconhecido -a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrida e a violação dos respetivos deveres -- foi retirado de outros factos conhecidos sendo que este tipo de presunção judicial é perfeitamente admissível nesta sede como aliás é também dito pelo Tribunal a quo.
45. Há ainda que notar que o próprio Tribunal Arbitral do Desporto já se pronunciou em sentido diverso ao entendimento sufragado no acórdão recorrido, e de forma totalmente consentânea com o que se expôs nas presentes alegações, por dez vezes.
46. A tese sufragada pelo Colégio Arbitral é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência.
47. A interpretação perfilhada no acórdão recorrido levará a uma crescente desresponsabilização por este tipo de atos e não se diga que os clubes não podem ser responsabilizados por factos praticados pelos seus adeptos, pois tal responsabilização deriva de; uma evolução recente e salutar no fenómeno desportivo e que visa a diminuição da violência no desporto e intima os clubes a tomarem medidas para assegurar que tais factos não se verifiquem.
48. A decisão disciplinar não padece de qualquer vício que afete a sua validade, sendo manifesto que foram cumpridos todos os trâmites legais e regulamentareis aplicáveis ao procedimento e à tomada de decisão por parte do Conselho de Disciplina.
49. Por, em sede de arbitragem necessária, estarem em causa litígios de natureza administrativa, como vimos, os limites previstos no artigo 3.e do CPTA terão de se aplicar também aos árbitros do TAD.
50. O que significa que, no TAD corno nos Tribunais Administrativos, um ato administrativo apenas pode ser anulado ou declarado nulo com fundamento na violação da lei e não com fundamento na apreciação do mérito ou da oportunidade de tal ato.
51. No entanto, e de acordo com o Tribunal Central Administrativo Norte "Não compete ao tribunal pronunciar-se sobre a justiça e oportunidade da punição, por competir, em exclusivo, à Administração decidir da conveniência em punir ou não punir e do tipo e medida da pena".
52. Também o recente Acórdão do TCA Sul, de 01.06.2017, proferido em sede de recurso de uma decisão proferida por este Tribunal Arbitrai do Desporto, refere expressamente que "(...) a medida concreta da pena aplicada pela Administração apenas é contenciosamente sindicável quanto a aspectos vinculados e em casos de erro grosseiro ou manifesto, incluindo por desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa, encontrando-se o fundamento teorético-político deste controle jurisdicional atenuado, sobre o mérito da decisão administrativa, no princípio da separação de poderes (...)".
53. Precisamente, o TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF. Não existindo tal violação da lei, o TAD não podia entrar em matéria reservada à Administração, julgando da conveniência ou oportunidade da sua decisão.
54. Em concreto não existia nenhuma violação manifesta e grosseira da lei que levasse à anulação das decisões por parte do TAD. Com efeito, o que o TAD fez foi, com base num entendimento diferente dos mesmos factos, considerar que a Recorrida não podia ser punida. Para verificar se existia uma violação manifesta e grosseira da lei, o Tribunal a quo poderia, no uso dos poderes que lhe são conferidos pela Lei do TAD, ordenar a realização de outras diligências de pirava, designadamente, ouvir os delegados da LPFP que elaboraram os autos, ouvir dirigentes da Recorrida sobre as ações levadas a cabo para reprimir fenómenos de violência, etc. Mas o Tribunal a quo nada fez.
55. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º, al. f), 127º, 172º,186º, nº l, 187º, nº 1 a) e b) e 258º do Regulamento Disciplinar da LPFP.
56. O Acórdão recorrido decide ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, pelo que também neste segmento decidiram mal os Exmos. Árbitros que compuseram o Colégio Arbitral;
57. A negação de tal direito é violador de normas constitucionais, designadamente o artigo 13º e 20º, nº l e 2 e 268.°, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais interveniente:; e agrava a situação da FPF face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitrai obrigatória;
58. Ao rejeitar o pedido de isenção da taxa de arbitragem apresentada pela ora Recorrente, o Colégio de Árbitros aplicou, assim, uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo;
59. Isto significa que se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4.e do Regulamento das Custas Processuais, e os artigos 13 º e 20º, nºs 1 e 2 e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis Deverá o Tribunal Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitrai proferido, corn as devidas consequências legais, assim se fazendo o que é de lei e de justiça..


*
O Futebol Clube ………. – Futebol SAD, ora Recorrido, contra-alegou concluindo como segue:

1. Debruça-se a decisão recorrida sobre duas decisões de condenação tomadas pelo Conselho de Disciplina, as quais, por sua vez, se ancoraram nos respectivos relatórios de jogo e arbitragem.
2. Examinados os relatórios de jogo, percebe-se que o que motivou a imputação e posteriormente a condenação nas decisões disciplinares proferidas, da Recorrida foi, tão-somente, o local onde as condutas infractoras ocorreram no recinto desportivo: a bancada afecta a adeptos do FC ……….
3. Ainda que a fundamentação exigida pelo art. 153.° do RD deva ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, sempre se exigirá - no plano sancionatório, como é o caso - que se revele corno uma fundamentação suficientemente robusta para que o tribunal possa julgar como provados os factos consubstanciadores da prática da infracção pelo arguido
4. No âmbito sancionatório disciplinar, para punir algum agente por conduta ilícita sempre será preciso ir mais além, apresentado provas concretas que permitam criar a convicção no julgador de que se mostram preenchidos todos os pressupostos exigidos pelo tipo legal.
5. Nem mesmo a presunção de verdade que possa existir, e em que tanto se sustenta a Recorrente na sua tese, justifica que a fundamentação possa ficar aquém deste limiar mínimo para a punição: o preenchimento de todos os pressupostos legais do tipo de ilícito,
6. Ao ser assim, revelando-se insuficientes os factos provados e nem havendo prova que permita colmatar esta insuficiência – e atendendo desde logo à presunção de inocência - ficava necessariamente prejudicada a condenação da Recorrida em todos os processos disciplinares em apreço nos autos.
7. É precisamente esta insuficiência de factos e provas que dá corpo à ilegalidade por erro na apreciação da prova, acolhida pelo acórdão recorrido.
8. O que Recorrida sempre sustentou - e o Tribunal a quo corroborou - é que, independentemente da fundamentação vertida nos relatórios ser mais ou menos sucinta, é necessário que os autos reunam prova suficiente que permita criar uma convicção segura sobre a prática de comportamentos indisciplinares por adeptos do clube sancionado.
9. Considerando as infracções p. e p, pelo artº 187.°-1 a) e b) do RD, em causa nos autos, era necessário que o Conselho de Disciplina tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram peipetrados por sócio ou simpatizante da Futebol ……… - Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da Futebol ………..- Futebol SAD.
10. Precisamente porque ciente que dos relatórios não resultam suficientemente demonstrados os pressupostos exigidos pelos tipos legais em questão, pugna a Recorrente pela inversão do ónus da prova, cabendo à Recorrida demonstrar que cumpriu com os deveres que sobre si impendiam.
11. Porém, face às normas e princípios que enformam o processo sancionatório, admitir a tese da Recorrente equivaleria a uma atentória violação das regras do ónus probatório e do princípio da presunção de inocência.
12. Desde logo, e como vindo a ser corroborado pela jursiprudência, o arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada.
13. O princípio da presunção de inocência do arguido, também presente no âmbito do processo disciplinar, tem como uni dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a Recorrida - o ónus de reunir as provas da sua inocência (neste sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão do TCA Norte de 02.10.2010, processo n." 01551/05.8BEPRT, e ainda o acórdão do TCA Norte de 05.10.2012, processo n." 01958/08.7BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt).
14. Revela-se, aliás, unânime que o arguido em processo disciplinar tem direito a ura "processo justo", o que passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, como é o caso do citado princípio da presunção da inocência, acolhido no art. 32°-2 da CRP (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27/11/97, in Rec. n.° 039040; 16 OUT.97, in Rec. n° 031496, de 14/03/96, in Rec. n.° 028264; de 19.JAN.95, ia Rec. n.° 031486; de 10.DEZ.98, in Rec. n.° 037808; de 01 .MAR.07, in Rec. n.° 01199/06; de 28.ABR.05, in Rec. n.° 333/05; de 17.MAJ.01, In Rec. a." 40528, disponíveis em wmv.dgsi.pt).
15. Portanto, sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infracção disciplinar fica Comprometida qualquer condenação do arguido/demandante, que tem em seu favor a presunção de inocência.
16. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.°,j9 do RD, e a que se apega a Recorrente, pode tolher o sentido da decisão recorrida.
17. Pois que, mesmo animada por uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início jde prova ou sequer uma inversão do ónus da prova, como quer fazer crer a Recorrente.
18. Para efeitos disciplinares, é relevante afirmar que a prova dos factos integradores da infracção é determinada face aos elementos existentes no processo e pela convicção do julgador, estando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova.
19. Vale assim neste âmbito o princípio consignado no art. 127.° do CPP, da livre apreciação da proya, nos termos em que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção.
20. Uma vez que naia dispõe em contrário, competirá ao julgador -na fixação dos j factos e pressupostos da aplicação da pena disciplinar - forrjiular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através d^ apreciação do material probatório, segundo aquela que é a sua livre convicção.
21. É precisamente nesta ponderação que - independentemente de gozarem ou não de presunção de veracidade - haverão de ser devidamente considerados os relatórios de jogo.
22. Por assim proceder, andou bem o Tribunal Recorrido ao apreciar todo o material probatório que recheia os autos, formulando o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação, segundo aquela que é a sua livre convicção, por sua vez, andou mal a Recorrente | nas decisões disciplinares ao decidir pela condenação da ora Recorrida, quando não é possível retirar uma certeza da prova produzida.
23. A Recorrente refugia-se na "prova por presunção", porém, uma coisa é o titular da acção disciplinar apresentar prova sobre os factos constitutivos da infracção imputada ao arguido, tendente a demonstrar a culpabilidade deste, cuja apreciação, salvo tratando-se de provas de valor! vinculado, é efectuada segundo as regras da experiência e da livre convicção da entidade competente; outra coisa, completarmente diferente, é o titular da acção disciplinar não apresentar a proya sobre os factos constitutivos da infracção imputada ao arguido, e pretender-se que, perante determinado quadro factual qualificável como infracção disciplinar imputado ao arguido, seja este a apresentar provas tendentes a infirmar tal imputabilidade em ordem a demonstrar a sua inocência, quando é certo que esta se presume.
24. No âmbito do processo sancionatório - penal, contraordenacional e disciplinar - não pode haver lugar a um esforço probatório aliviado por via do recurso a presunções, contrariamente ao que sucede noutras áreas do direito
25. Porque assim é, o recurso a presunções judiciais só se revela legitimo quando intervenham! juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regas da experiência, que determinado facto - desconhecido e não directamente provado é na consequência natural ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza.
26. A mera circunstância de a bancada ria qual teve origem a deflagração de engenhos pirotécnicos estar por princípio -afecta a adeptos da Demandante, sem sequer haver prova da exclusividade dessa afectação, não permite concluir - com toda a probabilidade próxima da certeza ou, pelo menos, para além de toda a dúvida razoável - que o autor da deflagração tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante da recorrente.
27. Assim sendo, perante a imputação/condenação que é feita à SAI), em vez do titular da acção disciplinar ter carreado para o processo provas atinentes à demonstração dessa imputação designadamente, que as condutas foram praticadas por um seu sócio ou simpatizante e que esta adoptsira um comportamento culposo na ocorrência de tais condutas -, concluiu-se, através daquela demonstração exterior e perante a circunstância da Recorrida não ter apresentado provas em ordem a elidir a imputação factual que lhe foi feita, que devia ser assacada responsabilidade disciplinar à Recorrida.
28. Não bastava à Recorrente invocar que os factos ocorreram em bancada afecta a adeptos do FC …….., pois que, perante critérios lógicos e intelectuais aplicáveis em matéria desportiva, não é possível afirmar que tal bancada só era ocupada por sócios ou simpatizantes do FC …….., como não era igualmente possível afirmar - mais uma vez com a segurança exigida para uma condenação - que a Recorrida, activa ou omissivamente, contribuiu para ocorrência dos factos.
29. Também nesta matéria não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo quando conclui - e bem - que "Punir a demandante apenas porque os adeptos que perpetraram as infracções são seus adeptos equivaleria, efectivamente, a uma responsabilização disciplinar objectiva constitucionalmente inadmissível, por implicar a aplicação de sanções sem que a Demandante pudesse cumprir deveres, basicamente, o dever de formação dos adeptos, para evitar o facto ilícito" (tis. 33).
30. Como bem evidenciou o Tribunal a quo, da acusação dirigida contra a Recorrida não consta a imputação de qualquer facto consubstanciado! da violação de deveres de vigilância e/ou de formação dos respectivos adeptos.
31. Não permitindo a prova carreada para os autos concluir que foi o incumprimento desses deveres que contribuiu para o resultado não pretendido pelo direito. Facto esse que se mostra imprescindível para que o clube possa responder disciplinarmente pelo comportamento antidesportivo dos seus adeptos.
32. De salientar ainda que, no processo disciplinam nº 19-17/18 aqui em questão, a Recorrida nem era promotora de tal evento desportivo, o que faz desde logo recordar as palavras do actual Presidente do Conselho de Disciplina da FPF, Senhor Doutor José…………… quando afirma que "não pode ser imputada ao clube não responsável pela organização de determinada competição desportiva o desrespeito dos deveres relativos à segurança das instalações nem as acções ilícitas de espectadores, que podem e muitas vezes têm origem no cometimento de contra-ordenações, para a prevenção das quais não têm possibilidade alguma de intervir" (cf. "Ética desportiva - a vertente pública sancionatória", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 1/1992, p. 92). Acresce que,
33. No que concerne às infracções p. e p. pelo art. 187º-1 a) e b) do RD, a lei pune o arremesso por sócio ou simpatizante e não – como parece querer a Recorrente afirmar - o arremesso proveniente de certa bancada.
34. De notar que a jurisprudência que a Recorrente truncadamente transcreve nas suas alegações, vai ao encontro de tudo quanto vem defendido pela Recorrida e decidido pelo Tribunal Recorrido.
35. No caso Feyernoord Rotterdam v/ UEFA e no caso TAS de 11-03-2013 é notória a necessidade de prova suficiente de que os adeptos que perpetraram os factos eram adeptos do clube sancionado e prova suficiente de que na bancada em que ocorreram os factos apenas e só se encontravam adeptos do clube sancionado.
36. Revertendo à matéria dos autos e, em especial, aos dois relatórios de jogo, percebe-se que a equipa de arbitragem apenas faz referência a urna localização geográfica, não referindo quaisquer outros elementos que permitissem concluir que tal bancada era exclusivamente ocupada por adeptos do FC ………, não são aliás evidenciados pelos0 elementos exteriores, que permitissem evidenciar a ligação dos adeptos ao clube.
37. Assim, cumprindo com o que se lhe impunha, o Tribunal Arbitrai fez cumprir todas estas exigências de prova, pelo que, assentando as decisões disciplínares em meras ilações das quais não se pode concluir, sem margem para dúvidas, a prática da infracção disciplinar por sócio ou simpatizante da Recorrida, ou sequer a actuação culposa daquela (por violação de deveres de prevenção), impunha-se concluir que tais decisões padeciam de ilegalidade por erro na apreciação da prova, decidindo-se necessariamente pela revogação das multas aplicadas.
38. Como já adiantamos supra, o preenchimento da infracções p. e p. pelo art.l87.°-l a) e b) do RD, aqui ern discussão, pressupõe uma actuação culposa da Recorrida.
39. Pelo que, face ao ónus probatório e à presunção de inocência, impunha-se ao Conselho de Disciplina averiguar o que fez (ou não fez) a Recorrida para não impedir que ocorresse qualquer comportamento infractor de terceiros no recinto desportivo, sustentando a sua decisão em prova suficiente.
40. Compulsados ambos os processos disciplinares, em nenhum deles - sem qualquer excepção! - resulta provado ou sequer indicado um comportamento inadimplente da Recorrida.
41. Os documentos que a Recorrente tanto alega que gozam de presunção de veracidade em parte alguma descrevem o que fez ou deixou de fazer o clube, por referência a concretos deveres legais ou regulamentares, nem tão pouco descreve por que forma essa actuação culposa do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado.
42. Considerando que a imputação por tais infracções só pode resultar de um comportamento culposo do Clube, aqui Recorrida, e nada depondo nos autos no sentido de que esta contribuiu - activa ou omissivamente - para a prática dos comportamentos infractores, não merece, a decisão recorrida, qualquer reparo.
43. No respeitante ainda a estas infracções, e àquilo que resultou provado nos relatórios e decisões disciplinares, importa apenas atentar a situações especificas em discussão nestes autos e as quais redundam sempre na mesma conclusão: o acerto da decisão recorrida.
44. Desde logo, no referente aos cânticos e seu conteúdo -por muito que a Recorrida actue com zelo e cumpra exemplarmente como todos os seus deveres - é impossível exigir-lhe, ou mesmo a outras entidades presentes no recinto o controlo dessas manifestações vocais (com ou sem palavrões) por uma multidão,
45. Não há nenhuma revista ou apreensão que possa conter este tipo de situações, nem há sequer dever in vigilando que pudesse ser imposto.
46. No referente à entrada de objectos no recinto desportivo importará mais uma vez atentar à realidade: nada nos autos evidencia a prática de um comportamento culposo pela Recorrida, pelo que sendo este um pressuposto exigido pelo tipo legal, não podia a Recorrente pugnar ou decidir pela condenação da Recorrida.
47. Por ultimo, a problemática da violência no desporto é uma temática a que a Recorrida não se mostra imune, sendo transversal a todos os participantes nestas competições de futebol de onze, principalmente agentes como a Recorrida que se encontra simultaneamente envolvida em várias competições, o interesse pelo correcto decorrer do espectáculo/evento desportivo.
48. Porém, não se pode partir do interesse em dirimir comportamentos violentos ou indevidos em eventos desportivos e daí exrtavasar para o sancionamento - sem mais - dos clubes, como aprece querer a Recorrente.
49. De facto, exigia-se para a condenação da Recorrida que se mostrassem suficientemente provados os factos consubstanciadores da prática das infracções p. e p. pelo art. 187.°-1 a) e b) do RD, o que não sucedeu nos autos, por tudo quando aventado, ficando necessariamente prejudicada a alegação da Recorrente. |
50. Posição que, de resto, vai ao encontro da jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo do Sul em casos desta natureza, que se tem recorrentemente pronunciado no sentido da falta de fundamento das decisões condenatórias tomadas pela Federação Portuguesa de Futebol relativamente a comportamentos de adeptos: cf. o acórdão de 16-01-2018 (Proc. nº 144/17.0 BCLSB), o acórdão de 26-07-2018 (Proc. nº 8/18.0BCLSB) e o acórdão de 06-08-2018 (Proc. 33/18.OBCLSB).
51. Por último, no âmbito da decisão sobre os litígios atribuídos à jurisdição do TAD, prescreve o artº 3.° da LTAD que este Tribunal goza de uma jurisdição plena, sendo-lhe atribuídos plenos poderes decisórios a esta entidade jurisdicional.
52. Ao ser assim, os poderes de cognição deste Tribunal permitem-lhe proceder a um reexame das questões que lhe são submetidas, quer ao nível dos factos, quer ao nível do direito aplicável, e, podendo, por isso, emitir um novum judicium.
53. Foi precisamente, no uso das competências que lhe foram legalmente atribuídas, que o Tribunal recorrido apreciou as questões que lhe foram submetidas nos processos disciplinares n.° 12-17/18 e 19-17/18, julgando a matéria de facto provada e não provada nestes autos, emitindo o novum judicium de acordo com as exigências e princípios legais que regem o direito sancionatório desportivo.
54. Sendo incontestável - em face dos poderes atribuídos ao Tribunal Arbitrai do Desporto pela Lei n.° 74/2013 - que o Tribunal recorrido não extrapolou os seus poderes de cognição e decisão nestes autos, ílca prejudicada a alegação da Recorrente.
55. Pelo exposto, está a pretensão da Recorrente claramente condenada ao fracasso, pelo que não padece o acórdão recorrido de qualquer erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, tendo subsumido correctamente os factos alegados ao direito aplicável, não merecendo qualquer reparo ou censura - ao menos na parte referente à revogação da decisão condenatória proferida no proc. n.° 19-17/18 e à revogação parcial da decisão no proc. n.° 12-17/18.
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem negar provimento ao recurso interposto pela Demandada, mantendo -se o sentido da decisão proferida no Acórdão recorrido na parte referente à revogação da decisão condenatória no âmbito do proc. n.° 19-17/18 e à revogação parcial da condenação no procº nº 12-17/18, com as consequências legais.


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Com dispensa legal de vistos substituídos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos vem para decisão em conferência.


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Pelo Tribunal Arbitral foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. No dia 9 de setembro de 2017, realizou-se no Estádio do Dragão, no Porto, o jogo referente à 5.ã jornada da Liga NOS, entre a Demandante e o Grupo ………………… - Futebol SAD;
2. No recinto desportivo, deu entrada material não permitido, nomeadamente potes de fumo e petardos;
3. Na bancada do topo sul do recinto desportivo, adeptos da Demandante entoaram aos 28 minutos de jogo o seguinte cântico, por três vezes: "SLB filhos da puta SLB" (cfr. Relatório do Jogo elaborado pelo Delegado da Liga Portuguesa ele Futebol Profissional, a fls. 29 dos autos do processo administrativo);
4. Na mesma bancada, esses mesmos adeptos lançaram aos 29 minutos de jogo l pote de fumo mas sem causar dano (cfr,, de novo, Relatório do Jogo elaborado pelo Delegado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a fls. 29 dos autos do processo administrativo);
5. Entre os minutos 67 e 70, os mesmos adeptos entoaram por 9 vezes o cântico "B…….. é merda" (cfr., ainda, Relatório do Jogo elaborado pelo Delegado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a fls. 29 dos autos do processo administrativo);
6. Aos 86 minutos, na bancada nascente, onde se encontram adeptos da Demandante, rebentaram 2 petardos, sem deflagração de fumo (cfr., ainda, Relatório do Jogo elaborado pelo Delegado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a fls, 29 dos autos do processo administrativo);
7. A Demandante não impediu os adeptos de entrarem no recinto desportivo com petardos e potes de fumo, nem o rebentamento dos primeiros e o lançamento dos segundos durante a realização do jogo;
8. À data da prolação da decisão ora impugnada, proferida pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF em 7 de novembro de 2017, a Demandante já apresentava o "cadastro disciplinar" constante das fls. 37 a 47 dos autos do processo administrativo;
9. No dia l de outubro de 2017, realizou-se no Estádio José Alvalade, em Lisboa, o jogo referente à 8.ã jornada da Liga NOS, entre a S…………………….. - Futebol SAD e a Demandante;
10. Na Bancada A norte ou topo norte do Estádio José Alvalade, adeptos da Demandante adotaram as seguintes condutas (cfr. Relatório do Jogo elaborado pelo Delegado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Relatório do Policiamento Desportivo, ambos integrantes do processo administrativo junto aos autos):
- Acenderam duas tochas aos 84 minutos;
- Rebentaram petardos aos 82 minutos (l petardo), aos 83 minutos [2 petardos), aos 84 minutos (2 petardos) e no final do jogo (l petardo);
- Deflagraram 3 potes de fumo, respetivamente aos 83, 84 e 85 minutos;
- Acenderam flash lights aos 82 minutos (I flash light, aos 84 minutos (2 flash lights) e no final do jogo (I flash lighf);
11. À data dos factos ocorridos a l de outubro de 2017, a Demandante já havia sido sancionada, por decisão definitiva, pelo cometimento de diversas infrações disciplinares;
12. No momento da interposição do recurso para o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, a Demandante tinha conhecimento dos factos imputados aos respetivos adeptos no Relatório do Jogo elaborado pelo Delegado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e que se acham descritos no supra no ponto 9.9 dos factos dados como provados;
13. Nesse mesmo momento, a Demandante tinha, pois, conhecimento dos factos imputados aos seus adeptos, subsumíveis na norma geradora da responsabilidade disciplinar que lhe fora imputada pela decisão singular proferida pelo Conselho de Disciplina da Secção Profissional da FPF, em 24 de outubro de 2017,

Em contrapartida:
- por referência ao jogo realizado a 7 de setembro de 2017', não se considera provado que a Demandante nada tenha feito para impedir os seus adeptos de entoarem os cânticos mencionados nos pontos 2º e 4.º
- e relativamente ao jogo realizado a l de outubro de 2017, não se considera provado, ao contrário do referido na decisão proferida pela Demandada aqui posta em crise, que a Demandante "agiu de forma livre, consciente e voluntária bem sabendo que ao não evitar a ocorrência dos referidos acontecimentos incumpriu deveres legais e regulamentares de segurança e de prevenção da violência que sobre si impendiam, enquanto entidade participante no dito jogo de futebol".



DO DIREITO


1. decisão singular de mérito do relator - reclamação para a conferência;

O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo DL 329-A/95, podendo a parte afectada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme disposições conjugadas dos artºs. 705º e 700º nº 3 CPC, hoje, artºs. 656º ex vi 652º nº 1 c) e nº 3 CPC da revisão de 2013.
Deduzida reclamação para a conferência “(..) o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.
No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado) (..)” – doutrina constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2015, tirado no rec. nº RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1.


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No citado Acórdão da Relação do Porto é feita referência expressa aos termos gerais de direito no que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, o Recorrente restringir o abjecto do recurso, “(..) identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trta-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do artº 632º nº 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial. (..)” (1)
O que implica precisar o pressuposto legal de delimitação do âmbito da pretensão recursória e das hipóteses legais de modificação.
A delimitação objectiva do recurso é dada pelas conclusões, cfr. artºs. 635º nº 4, 637º nº 2 e 639º nºs 1 e 2 CPC, na medida em que “(..) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões. (..)
Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação. (..) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (..)”, cfr. artº 635º nº 4 CPC.(2)
No tocante à ampliação do objecto do recurso, o artº 636º nº 1 CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da acção (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que a parte vencedora tenha decaído.


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Do complexo normativo citado se conclui que o acto processual de convocação da conferência no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC não é configurado como meio adjectivo próprio para alterar as conclusões de recurso, ressalvada a hipótese já mencionada de limitação do objecto (artº 635º/4 CPC), nem para desistir do recurso (artº 632º º 5 CPC), posto que “(..) a desistência do recurso apenas é possível até à prolação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Representa uma medida que que valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente accione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso.
Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, mas antes o da sua prolação (..)”,. (3)
Neste sentido, junta aos autos a decisão singular de mérito sobre o objecto do recurso proferida pelo relator (artº 652º/1 c) ex vi 656º CPC) ocorre nessa data a preclusão de exercício do direito de desistência por parte do recorrente, cfr. artº 632º nº 5 CPC.
A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artº 635º nº 4 CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artº 636º nº 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.
Como se diz no Acórdão da Relação do Porto acima citado, no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo de o recorrente, ora reclamante, restringir na reclamação o objecto recursório anteriormente definido nos termos do artº 635º nº 4 CPC.


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Pelo exposto, cabe reapreciar as questões suscitadas nas conclusões, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito proferida pelo Relator.


2. acórdão arbitral recorrido;

Em sede de acórdão do TAD proferido em 18.07.2018 a ora Recorrente Futebol Clube ………. – Futebol SAD viu revogada a decisão sancionatória no âmbito do procº nº 19-2017/2018 e, no âmbito do procº 12-2017/2018, confirmada a condenação pela prática das infracções disciplinares p. e p. pelos artºs 119º, nº 2, 127º, nº l e 187º, nº l, alínea b) do RD na pena de multa de € 1873.
Na parte que importa ao objecto do recurso fixado pelas conclusões do Recorrente (artº s. 637º nº 2 e 639º nºs. 1 e 2 CPC), no acórdão arbitral proferido em 18.07.2018 fundamentou-se como segue:

“(..) A Demandante foi condenada por factos perpetrados por adeptos seus num jogo disputado no Estádio José de Alvalade, contra a equipa do S……………….: acendimento de tochas de flash lights, rebentamento de petardos e deflagração de potes de fumo. Foi ainda considerado no acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da FPF que a Demandante "agiu de forma livre, consciente e voluntária bem sabendo que ao não evitar a ocorrência dos referidos acontecimentos íncumpriu deveres legais e regulamentares de segurança e de prevenção da violência que sobre si impendiam, enquanto entidade participante no dito jogo de futebol".
À luz do artigo 49.º do Regulamento das Competições Profissionais da Liga Portuguesa de Futebol, a manutenção da segurança rios recintos desportivos cabe aos clubes visitados. Em concreto, o respetivo n.º 1fnepruj determina que "compete aos clubes, na condição de visitados ou considerados como tal, assegurar a manutenção da ordem e disciplina dentro dos seus recintos desportivos e no anel ou perímetro de segurança, antes, durante e após os jogos neles realizados, mediante policiamento' e vigilância adequados, tendo em conta que os Jogos deverão decorrer de acordo com ambiente de correção e lealdade exigível de qualquer manifestação desportiva".
Ora, cabia ao clube desportivo visitado (S…………………) e não o Demandante o cumprimento de deveres de vigilância para evitar a produção dos resultados antijurídicos ocorridos. Punir a Demandante apenas porque os adeptos que perpetraram as infrações são seus adeptos equivaleria, efetivamente, a uma responsabilização disciplinar objetiva constítucionalmente inadmissível, por implicar a aplicação de sanções sem que a Demandante pudesse cumprir deveres, basicamente o dever de formação dos adeptos, para evitar o facto ilícito.
Com efeito, mesmo que se considere que a Demandante poderia ter feito mais ao nível da formação dos seus adeptos para evitar o desfecho que gerou a infração disciplinar, a prova produzida nos autos não permite concluir que foi o incumprimento desse dever que contribuiu para o resultado não pretendido pelo direito, O dever de fazer pedagogia junto dos adeptos e de lhes dar formação revela-se importante mas, no caso concreto, a Demandada não conseguiu provar que esse incumprimento foi causador da infração disciplinar.
Segue-se, pois, fielmente a jurisprudência constitucional anteriormente transcrita que somente admite a punibilidade, quando se mostre demonstrado que o agente a quem foi aplicada a sanção violou deveres a que se encontrava adstrito, com o aditamento da interpretação sufragada quanto à adstrição em concreto ao cumprimento de deveres pelos clubes desportivos.
A prova produzida nos presentes autos não permite concluir pelo incumprimento, por ação ou por omissão, desses deveres a que a Demandante estava submetida.
Não acontecendo tal no caso concreto, é mister concluir que a aplicação da sanção prevista no artigo 187º, nº l, alínea 4b) do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional por "comportamento incorreto do público" apenas poderia ser aplicada se, em concreto, se achasse demonstrado que o incumprimento de deveres pela Demandante foi causador do resultado ilícito previsto nessa norma,
Em face do exposto, concede-se procedência ao peticionado pela Demandante e revoga-se a sanção disciplinar aplicada, ao abrigo do artigo 187º, nº l, alínea d) do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, pelos comportamentos dos respetivos adeptos no jogo de futebol realizado no dia l de outubro de 2017, no Estádio José de Alvalade.
6, Considerando a revogação do acórdão proferido a 14 de novembro de 2017, pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito do Proc. nº 19 - 17/18, que aí correu termos, fica prejudicada a indagação da existência de alteração substancial dos fados invocada pela Demandante.
7. Passemos agora à apreciação da situação correspondente à decisão proferida pela Demandada, no âmbito do processo que correu termos sob o nº 12 - 2017/2018, em 7 de novembro de 2017, e que, basicamente, concluiu pela confirmação da decisão singular do Conselho de disciplina de 12 de setembro- de 2017 de condenação da Demandante pela prática das infrações p. e p. pelos artigos 119º nº 2, 127º-, nº l, 187º, nº 1, alíneas a) e b) do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol.
Também aqui, convocando os mesmos pressupostos que têm presidido à análise das situações suscitadas nos presentes autos, há que afastar a possibilidade de responsabilizar objectivamente os clubes desportivos pelos comportamentos dos seus adeptos, sem prejuízo de lhes poder ser imputada essa responsabilidade por incumprimento de deveres que sobre eles impendem. (..)
(..)
(..) como tivemos ocasião de assinalar supra, a responsabilidade pela organização do espetáculo desportivo e pela preservação da segurança no seu interior cabia à Demandante (artigo 49,fi, n.9 l, do Regulamento das Competições Profissionais da Liga Portuguesa de Futebol}.
Portanto, a entrada de potes de fumo e o rebentamento de petardos no recinto desportivo produzíu-se devido à violação de um dever in vigilando, que impendia sobre a Demandante, antes e durante a realização do espetáculo desportivo. Por outras palavras, pode presumir-se que a omissão ilícita (e culposa) pela Demandante dos respetivos deveres de assegurar a manutenção da ordem e da disciplina dentro do seu recinto desportivo contribuiu para o resultado antijurídico (comportamento incorrecto dos adeptos ] verificado.
A prova produzida nos presentes autos - Relatório de jogo do Delegado da Liga e depoimentos das testemunhas - permitem presumir que uma maior firmeza da Demandante no cumprimento dos deveres de vigilância à entrada do recinto desportivo e durante a realização do espetáculo poderia ter evitado a ocorrência do facto.
Só não seria assim se a Demandante tivesse carreado para os autos prova concludente no sentido de criar dúvidas ao julgador, o que manifestamente não acontecer. Veja-se, a título ilustrativo disso, o depoimento da testemunha Fernando…………., Oficial de Ligação de Adeptos, reproduzido no artigo 48.a do articulado inicial da Demandante, que afirmou no âmbito do procedimento disciplinar que correu termos na Federação Portuguesa de Futebol o seguinte: "À partida isso são setores do estádio ocupados por adeptos do Futebol Clube…………. Agora não posso garantir nunca que um adepto de um outro clube não entre para esses setores (...) não é difícil arranjar um bilhete e entrar para lá", Ora, uma afirmação tão hipotética não é suficiente para se criar uma dúvida razoável rio julgador de que o comportamento incorreto não foi praticado por adeptos da Demandante e que esta assumiu todas as condutas destinadas a evitar esse comportamento. Mais: considerando até as funções desempenhadas pela referida testemunha, reforça-se a convicção do julgador de que uma atuação mais diligente da Demandante poderia ter evitado o resultado produzido,
Assim, com base na experiência da vida, pode concluir-se que os atos em análise foram praticados por adeptos da Demandante e que não forarn cumpridos os deveres de vigilância que sobre ela impendiam. Nem se diga contra esta asserção que as presunções judiciais não são de todo admissíveis ern processos de natureza sancionatória.
E podem, em certos casos, ser admitidas no processo penal, conforme já reconheceu o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão proferido em 9 de rnaio de 2012, no âmbito do Proc. nº 347/10.8 PATNV.C6: "l - A presunção judicial é admissível em processo penal e traduz-se em o tribunal, partindo de um facto certo, inferir, por dedução lógica, um facto desconhecido; 2 - As presunções de facto - judiciais, njaturais ou hominís - fundam-se nas regras da experiência comum; 3 - Para a valoração de tal meio de prova devem, exigir-se os seguintes requisitos; - pluralidade de factos-base ou indícios: precisão de [que] tais indícios estejam acreditados por prova de caráter direto; - que: sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados cora esse facto; - racionalidade da inferência; - expressão, na motivação do tribunal de instância de corno se chegou à inferência",
Igualmente no processo contraordenacional, tem-se admitido o recurso a presunções judiciais, podendo citar-se, a título exernplificativo, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10 de janeiro de 2012, proferido no Proc. nº 1584/10.0TFLSB.L1-5, em que se afirmou: "verificada a materialidade objetiva da infração e conhecida a proibição legal, segundo as regras da experiência comum, podemos deduzir que aquela foi cometida com dolo ou, pelo menos, com negligência".
Ora, considerando a admissibilidade de recurso a presunções no processo penal, por maioria de razão, elas têm de ser permitidas no processo disciplinar. Isto também porque o interesse público de prevenção e de combate à violência não se compadece coni um regime disciplinar em que seria exigível ao órgão aplicador de sanções disciplinares a prova absoluta de que os factos foram perpetrados por determinados agentes. Se assim fosse, estar-se-ia a exigir uma verdadeira "prova diabólica" a quem tem de curar pelo sancionamento da violação de deveres de segurança em recintos desportivos.
Acresce que os elementos probatórios existentes - Relatório de jogo e depoimentos dos Delegados da Liga são suficientemente concludentes para concluir que foram utilizados petardos e potes de fumo numa área em que se encontravam adeptos da Demandante, num espetáculo em que a segurança cabia à mesma, sendo perfeitamente admissível concluir, pelas regras da experiência comum, que o comportamento, pelo menos negligente da Demandante, concorreu para a produção do resultado indesejado. E o Relatório de jogo elaborado pelos delegados da Liga Portuguesa de Futebol Profissional goza de presunção de veracidade, nos termos do artigo 13.º do RD, tendo, pois, ficado demonstrado que as condutas ínfratoras foram praticadas por adeptos da Demandante.
8. Resta ainda apreciar um outro fundamento invocado pela Demandante para considerar inquinada a decisão disciplinar proferida no Proc, nº 12 - 2017/2018; a violação do princípio ne bis in idem,
Segundo a Demandante, verifica-se uma dupla penalização, proscrita pelo artigo 12,2 do RD, em. virtude a mesma ser punida por "os seus adeptos rebentarem um petardo (...) e simultaneamente pelo facto de não ter impedido os seus adeptos de entrarem e permanecerem no estádio com o objeto proibido". Isto porque, para a mesma, "se uma norma proíbe o comportamento que consiste em rebentar um objeto proibido, imputando-o a um terceiro, é evidente tal proibição absorve, por força de uma regra lógico-normativa de especialidade, a norma que proíbe tal terceiro de autorizar a entrada e permanência com o objeto proibido no local onde ocorreu o rebentamento àquele que o rebentou".
Não cremos, no entanto, que assista razão à Demandante, quanto a esta alegação. Louvamo-nos no que foi referido no Ac. proferido por este Tribunal no Proc. nº 26/2017:
"Alega a Demandante que, verificando-se coincidência quanto ao tatbestand das normas punitivas, há que reconhecer o efeito consuntivo das infrações de menor gravidade pelas que são punidas com mais severidade.
Mas não é assim, uma vez que as previsões das normas ao abrigo das quais foram prolatadas as
decisões em causa têm âmbitos claramente distintos. O artigo 187º do RD visa punir os clubes pelo comportamento do público; já o artigo 127,2 do mesmo regulamento sanciona o incumprimento de deveres da entidade organizadora do jogo, designadamente dos deveres de vigilância e de formação dos seus adeptos.
Não se verifica, por isso, o alegado efeito consuntivo que pressupõe a existência de um âmbito
material de aplicação comum, e pela mesma razão não ocorre também violação do princípio ne bis in ídem".
Em suma, uma coisa é a entrada e permanência de; material proibido no recinto desportivo e outra a sua utilização no mesmo, razão pela qual as infrações p. e p. pelos artigos 127º, nº l, e 187º, nº l, alínea b) do RD são distintas e geram a aplicação de penas igualmente diversas.
9. Em face do exposto» a decisão disciplinar de punir a Demandante pelo comportamento dos respetivos adeptos de entrada em recinto desportivo, de lançamento de potes de fumo e de rebentamento de petardos não merece qualquer censura e não se dá, pois, acolhimento à pretensão da Demandante de revogação deste segmento da decisão proferida no Acórdão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, de 7 de novembro de 2017, que condenou a Demandante pela prática das infrações disciplinares p. e p. pelos artigos 119º, nº 2, 127º, nº l e 187º, nº l, alínea b) do RD.
10, Considerando que o TAD goza de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito (artigo 3.e LTAD), a não verificação da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 187º, nº l, alínea a) do RD determina que a concreta pena disciplinar a aplicar à Demandante seja reduzida em € 765 (setecentos e sessenta e cinco euros), sendo, pois, fixada em € 1873 (mil oitocentos e setenta e três euros) (..)”

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No segmento decisório, o tribunal arbitral julgou como segue:
“(..)
a. A revogação parcial da decisão condenatória da Demandante que correu termos na Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, sob o nº de Proc. 12 - 17/18, reduzindo-se a pena disciplinar aplicada à Demandante para o valor de € 1873 (mil, oitocentos e setenta e três euros);
b. A revogação da decisão condenatória da Demandante que correu termos na Secção Profissional do Conselho cie Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, sob o nº de Proc. 19 - 17/18;
c. O indeferimento do pedido de isenção de pagamento da taxa de arbitragem apresentado pela Demandada, (..)”

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Feita a transcrição que compete, cabe enquadrar normativamente o ilícito disciplinar.


3. ilícito disciplinar - existência material dos pressupostos de facto - separação de poderes;

Como nos diz a doutrina, o exercício do poder disciplinar cabe no âmbito “(..) da margem de livre decisão administrativa, cujo exercício os tribunais podem controlar precisamente apenas na medida em que tenha envolvido a violação de um qualquer parâmetro de conformidade jurídica.
Embora tudo isto já decorresse implicitamente da Constituição, o artº 71º CPTA explicitou a determinação de que os tribunais administrativos respeitam a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (..) [só em caso de] apenas restar uma possibilidade de actuação juridicamente conforme, será mesmo possível um controlo jurisdicional total da conduta administrativa comissiva ou omissiva (redução da margem de livre decisão a zero) (..)”.(4)

*
Por regra, o ordenamento punitivo disciplinar desconhece o regime da tipicidade, antes opera mediante o elenco de substantivos identificativos das qualidades abstractas requeridas - os chamados deveres gerais de conduta funcional - explicitados mediante a técnica legislativa da descrição de conteúdo de cada um dos deveres do catálogo regulamentar e respectiva enumeração de parâmetros comportamentais esperados, no sentido permissivo e proibitivo.
Todo este labor legislativo é concretizado normativamente mediante a descrição do desvalor de acção e de resultado no domínio do ilícito disciplinar por adopção de conceitos gerais e indeterminados, juridicamente expressivos do conteúdo da relação jurídica em causa (por regra, uma relação laboral ou institucional) e, portanto, conteúdos vinculativos, o que, uma vez definidos quais os factos provados, outorga à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto (validade do acto), v.g. quanto à existência material dos pressupostos de facto
Em sede disciplinar e ao contrário do direito criminal, o facto ilícito não assume a qualidade jurídica de facto típico por não existir na veste de descrição inserida na hipótese legal, isto é, em termos simples, o facto ilícito não consta do artigo do regulamento disciplinar nos mesmos moldes de explicitação concreta e específica de actos como é próprio dos artigos do Código Penal por imperativo constitucional (facto ofensas corporais, facto morte, etc.); no ilícito disciplinar o que existe é a descrição do comportamento não querido pela norma por reporte a categorias abstractas de deveres (dever de respeito, de urbanidade, etc), mas é evidente que tem de existir, apurado no decurso do procedimento disciplinar, factualidade ilícita e culposa.
A operação de subsumir a matéria de facto provada no conceito normativo identificado pelos substantivos que qualificam os deveres gerais, em ordem a aplicar ao caso concreto a consequência jurídica definida pela norma, passa, assim, por dois planos:
§ primeiro: pela interpretação e definição de conteúdo dos conceitos indeterminados que consubstanciam os deveres gerais;
§ segundo: pelo juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão do normativo aplicável e consequente concretização dos referidos conceitos normativos.

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Salientam-se, ainda, dois aspectos, primeiro, que a actividade interna dos entes administrativos traduzida no exercício competencial do poder disciplinar, cabe no âmbito dos espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa, sem prejuízo das vinculações legais e limites imanentes da margem de livre apreciação e decisão administrativa plasmados no art° 266° n° l CRP e art°s. 4°, 6°-A, 9° e 11° CPA/91, actuais artºs. 4º, 10º, 13º e 15º CPA/revisão de 2015.
Em segundo lugar – aspecto que no caso concreto trazido a recurso assume especial relevância - a sindicabilidade jurisdicional da validade do acto sancionatório disciplinar confina-se no juízo sobre a existência material dos pressupostos de facto, ou seja, no domínio da violação de lei decorrente de erro sobre os pressupostos de facto do acto administrativo.



4. Acórdão deste TCAS de 26.JUN.2018 tirado no Rec. nº 8/18. 0BCLSB;

Voltando ao caso concreto, seguimos a fundamentação de direito exarada no Acórdão deste TCAS de 26.JUN.2018 tirado no Rec. nº 8/18.0BCLSB, que, de seguida, se transcreve a partir da transcrição do Parecer emitido naqueles autos pelo Digno Magistrado do Ministério Público.
“(..) I. Objecto do recurso
1. Vem o presente recurso interposto pelo Recorrente, Futebol Clube …….. (F….), da decisão proferida em sede de Colégio Arbitral no Tribunal Arbitrai do Desporto (TAD), a qual decidiu no sentido de confirmar as multas Recurso nº8/18.0BCLSB 20 aplicadas pela Federação Portuguesa de Futebol ao F….., no âmbito de Autos de Processo Disciplinar instaurados por aquela Federação ao citado Clube, tudo nos termos melhor constantes dos Autos; Apreciação
2. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº2, e 146º, nº1, do CPTA, e dos artigos 5º, 608º, n°2, 635º, nºs. 4 e 5, e 639º, todos do novo Código de Processo Civil (CPC, ex vi do disposto nos artigos 1º e 140º do CPTA;
3. No caso, em face do teor das conclusões apresentadas, cumpre apreciar, essencialmente, as questões atinentes a erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado no âmbito da decisão recorrida; Ora,
4. Da análise aos presentes Autos, nomeadamente à Douta decisão de que se recorre, à motivação de recurso apresentada pelo Recorrente e bem assim à subsequente resposta do Recorrido, entende o Ministério Público que a decisão de que se recorre não procedeu a uma correcta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e bem assim à sua subsunção ao Direito; Nessa linha,
5. Entende-se acompanhar, em sentido genérico, a fundamentação da resposta apresentada pelo Recorrente, F……, e bem assim a fundamentação expressa no âmbito do voto de vencido constante da citada decisão do TAD, cujo argumentário se subscreve, sem prejuízo das considerações que seguem;
6. Assim, importa salientar que os factos sujeitos à apreciação do presente recurso são, na sua essência, similares aos factos submetidos a Recurso Jurisdicional neste TCA e no âmbito do Processo nº 144/17, referidos a fls. 74 da motivação de recurso apresentada pelo F……;
7. Autos esses onde o signatário emitiu parecer cujos fundamentos são, também no essencial, aplicáveis ao caso presente, razão pela qual se Recurso nº 8/18.0BCLSB 21 entende transcrever parcialmente, na parte aplicável, tal documento, nos seguintes termos:
“No fundo, aquilo que está verdadeiramente em causa ... tem a ver com a alegada falta de rigor jurídico apontada ... à fundamentação das decisões proferidas ainda em sede dos órgãos de Justiça desportiva integrados na FPF;
Falta de rigor esse que incide, essencialmente, sobre a necessária descrição dos factos no sentido do preenchimento do tipo de ilícito cuja prática se imputa ao F……;
É o caso, a título meramente indicativo, da ausência de rigor sobre a clara identificação dos adeptos do F…… no seguinte trecho:
"... a mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração do petardo estar afecta a adeptos do clube, sem sequer fazer menção à exclusividade dessa afectação, não permite concluir que o autor do lançamento tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante do mesmo. Tratam:-se de dois factos autónomos, em que, de forma alguma, o segundo é uma consequência directa do primeiro e único facto conhecido e provado...".
Por referência ao Ac. do TRP ali citado sob a nota nº18, a fls. 32 da decisão do Colégio Arbitral;
Tal afirmação tem, necessariamente, consequências em sede de definição e apreciação da prova, como seja a necessidade de recurso à prova indirecta, o que, de todo, se mostra incompatível com a faculdade de recolha atempada dos necessários elementos probatórios pelo instrutor do processo;
Tanto mais que as punições em apreço, como bem se alcança dos Autos (Cfr. fls. 37), foram assumidas com base no mero relatório do jogo, o qual, como bem referido na decisão sob recurso, se mostra, de algum modo, em evidente similitude jurídica com os Autos de Notícia - Cfr. fls. 38;
O que, em bom rigor, obrigaria, no limite, à aplicação de presunções judiciais, tudo por via do insuficiente corpo de prova;
Aliás, sobre esta matéria, salienta-se o segmento decisório constante de fls. 40 dos Autos e onde se pode ler: Recurso nº 8/18.0BCLSB 22
"Significa isto que a acusação terá que descrever, em primeiro lugar, o que fez, ou deixou de fazer, o clube, por referência a concretos deveres (legais ou regulamentares) que identifica, e, em segundo, por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado dos sócios ou simpatizantes. E serão esses os factos que o Conselho de Disciplina terá que dar como provados, ou não. Sendo certo que caberá à entidade promotora do procedimento disciplinar a prova de todos os elementos típicos (objectivo e subjectivo) do tipo de infracção, ou seja, de que o clube infringiu, com culpa, os deveres legais ou regulamentares, a que estava adstrito, que esse comportamento permitiu ou facilitou determinada conduta proibida, que esta ocorreu, e que a mesma foi realizada por sócios ou simpatizantes seus.";
Tendo em consideração a fundamentação constante do douto Parecer emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público que, com a devida vénia, fazemos nossa, procedem as questões trazidas a recurso. (..)”


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Como já referido, em sede de acórdão do TAD proferido em 18.07.2018 a sociedade Futebol Clube ……………… – Futebol SAD viu confirmada a condenação pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol – Secção Profissional no procº nº 12-2017/2018 na pena de multa (reduzida) de € 1873 pela prática por adeptos da Recorrente de infracções disciplinares p. e p. pelos artigos 127º, nº l [inobservância de outros deveres] e 187º, nº l, alínea b) [comportamento incorrecto do público] do RD-LPFP/2017, regulamento disciplinar emitido em via de competência outorgada pelo artº 29º nº 2 DL 248-B/2008, 31.12 .
Cabe analisar o caso trazido a recurso em função do bloco normativo aplicado.



5. conceito de infracção disciplinar – artºs 127º/187º do Reg. Diciplinar da LPFP/2017 – artº 35º do Reg. Competições da LPFP/2017;

O conceito normativo de infracção disciplinar adoptado no artº 17º do RD–LPFP/2017 é o seguinte:
Artigo 17º
Conceito de infracção disciplinar
1. Considera-se infracção disciplinar o facto voluntário, por acção ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.
2. A responsabilidade disciplinar objectiva é imputável nos casos expressamente previstos.

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Os artºs. 127ºnº 1 e 187º nº 1 b) do RD–LPFP/2017 pelos quais a ora Recorrente Futebol Clube do Porto - Futebol SAD foi condenada têm a seguinte redacção:

Artigo 127º
Inobservância de outros deveres
1. Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 2 UC e o máximo de 10 UC.
2. Na determinação da medida da pena prevista no nº 1 do presente artigo, salvo se cometer a violação do mesmo dever violado na mesma época desportiva, não será considerada a circunstância agravante da reincidência prevista nos artigos 52º e 53º nº 1 alínea a) do presente regulamento.

Artigo 187º
Comportamento incorreto do público
1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, o clube cujos sócios ou simpatizantes adotem comportamento social ou desportivamente incorreto, designadamente através do arremesso de objetos para o terreno de jogo, de insultos ou de atuação da qual resultem danos patrimoniais ou pratiquem comportamentos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina é punido nos seguintes termos:
a) o simples comportamento social ou desportivamente incorreto, com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 5 UC e o máximo de 15 UC;
b) o comportamento não previsto nos artigos anteriores que perturbe ou ameace a ordem e a disciplina, designadamente mediante o arremesso de petardos e tochas, é punido com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 15 UC e o 66 máximo de 75 UC.
2. Na determinação da medida da pena prevista na alínea a) do nº 1 do presente artigo não será considerada a circunstância agravante de reincidência prevista nos artigos 52.° e 53.°, n.° 1 alínea a) do presente regulamento.
3. Se do cumprimento social ou desportivamente incorreto resultarem danos patrimoniais cuja reparação seja assumida pelo clube responsável e aceite pelo clube lesado, através de acordo dado a conhecer ao delegado da Liga, não há lugar à aplicação da sanção prevista no n.° 1.

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Conforme Regulamento das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional/2017 adoptado ao abrigo do artº 29º nº 1 do Regime Jurídico das Federações Desportivas aprovado pelo DL 248-B/2008, 31.12, no tocante à segurança nos estádios de futebol os clubes desportivos estão sujeitos à observância dos seguintes deveres:

Artigo 35.º
Medidas preventivas para evitar manifestações de violência e incentivo ao fair-play

1. Em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes:
a) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança;
b) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados;
c) aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto;
d) proteger os indivíduos que sejam alvo de ameaças e os bens e pertences destes, designadamente facilitando a respetiva saída de forma segura do complexo desportivo, ou a sua transferência para setor seguro, em coordenação com os elementos da força de segurança;
e) designar o coordenador de segurança;
f) garantir que são cumpridas todas as regras e condições de acesso e de permanência de espectadores no recinto desportivo;
g) relativamente a quaisquer indivíduos aos quais tenha sido aplicada medida de interdição de acesso a recintos desportivos, pena de privação do direito de entrar em recintos desportivos ou sanção acessória de interdição de acesso a recintos desportivos:
i. impedir o acesso ao recinto desportivo;
ii. impedir a obtenção de quaisquer benefícios concedidos pelo clube, associação ou sociedade desportiva, no âmbito das previsões destinadas aos grupos organizados de adeptos ou a título individual.
h) usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes, sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo;
i) não proferir ou veicular declarações públicas que sejam suscetíveis de incitar ou defender a violência, o racismo, a xenofobia, a intolerância ou o ódio, nem tão pouco adotar comportamentos desta natureza;
j) zelar por que dirigentes, equipa técnica, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i);
k) não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com a redação dada pela Lei n.º 52/2013, de 25 de julho;
l) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube participem do espectáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos;
m) manter uma lista actualizada dos adeptos de todos os grupos organizados apoiados pelo clube fornecendo-a às autoridades judiciárias, administrativas e policiais competentes para a fiscalização do disposto na presente lei;
n) a requisição de policiamento e pagamento dos respetivos encargos, nos termos previstos no decreto-lei n.º 216/2012, de 9 de outubro;
o) desenvolver acções de prevenção socioeducativa, nos termos da lei;
p) designar e comunicar ao IPDJ a lista de coordenadores de segurança, para efeitos da lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com a redação dada pela lei n.º 52/2013, de 25 de julho;
q) corrigir e/ou implementar as medidas de segurança recomendadas pelas entidades policiais competentes;
r) manter um registo sistematizado e actualizado dos filiados no grupo organizado de adeptos do respetivo clube, de acordo com o designado na lei, e remetê-lo trimestralmente para o IPDJ;
s) reservar, nos recintos desportivos que lhe são afectos, uma ou mais áreas específicas para os filiados dos grupos organizados de adeptos;
t) instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis;
u) dispor, nos recintos desportivos que lhe são afetos, de acessos especiais para pessoas com deficiência ou incapacidades;

2. Para efeito do disposto na alínea f) do número anterior, e sem prejuízo do estabelecido no artigo 24.º da lei n.º 39/2009, de 30 de julho e no Regulamento de prevenção da violência constante do Anexo VI, são considerados proibidos todos os objectos, substâncias e materiais susceptíveis de possibilitar actos de violência, designadamente:
a) bolas, chapéus-de-chuva, capacetes;
b) animais, salvo cães guia ou cães polícia quando permitido o seu acesso nos termos da lei;
c) armas de qualquer tipo, munições ou seus componentes, bem como quaisquer objectos contundentes, nomeadamente facas, dardos, ferramentas ou seringas;
d) projécteis de qualquer tipo tais como cavilhas, pedaços de madeira ou metal, pedras, vidro, latas, garrafas, canecas, embalagens, caixas ou quaisquer recipientes que possam ser arremessados e causar lesões;
e) objectos volumosos como escadas de mão, bancos ou cadeiras;
f) substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifício, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos;
g) latas de gases aerossóis, substâncias corrosivas ou inflamáveis, tintas ou recipientes que contenham substâncias prejudiciais à saúde ou que sejam altamente inflamáveis;
h) apontadores laser ou outros dispositivos luminosos que sejam capazes de provocar danos físicos ou perturbar a concentração ou o desempenho dos atletas e demais agentes desportivos.

3. Os clubes, seus dirigentes, delegados, jogadores, técnicos e funcionários, bem como os árbitros e demais agentes desportivos devem abster-se de, antes, durante e após a realização dos jogos, por intermédio dos órgãos da comunicação social ou por outro meio, proferir declarações que incitem à prática de violência.
4.. Os dirigentes e funcionários das sociedades desportivas e dos clubes fundadores não podem participar, na qualidade de intervenientes regulares, em programas televisivos que se dediquem exclusiva, ou principalmente, à análise e comentário do futebol profissional.
5. Quando os dirigentes e funcionários das sociedades desportivas e dos clubes fundadores participem, na qualidade de convidados, nos programas referidos no número anterior, apenas podem analisar e comentar aspectos positivos do jogo e das competições, abstendo-se de analisar e de comentar decisões da equipa de arbitragem, comportamentos de jogadores, treinadores, outros agentes desportivos ou do público, quando esteja em causa algum aspecto susceptível de causar um impacto negativo na imagem e percepção pública de um jogo em particular, das competições profissionais ou da Liga ou dos seus associados.
6. Para além do disposto nos números anteriores, os clubes visitados, ou considerados como tal, devem proceder à colocação, em todas as entradas do estádio, de um mapa-aviso, de dimensões adequadas, com a descrição de todos os objectos ou comportamentos proibidos no recinto ou complexo desportivo, nomeadamente invasões do terreno de jogo, arremesso de objectos, uso de linguagem ou cânticos injuriosos ou que incitem à violência, racismo ou xenofobia, bem como a introdução e ingestão de bebidas alcoólicas, estupefacientes ou material produtor de fogo-de artifício ou objectos similares, e quaisquer outros susceptíveis de possibilitar a prática de actos de violência.


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Feitas as devidas transcrições normativas, voltemos ao caso concreto.


6. imputação e punição do clube a título de autoria – execução material do ilícito por sócio ou simpatizante do clube;

Atenta a conformação substantiva do artº187º nº 1 b) [comportamento incorrecto do público] do RD–LPFP/2017, interessa aqui destacar a circunstância de o efeito jurídico punitivo do poder disciplinar recair sobre o clube desportivo - no caso, sobre a pessoa colectiva empresarial na medida em que se trata de uma SAD.
Efectivamente, por disposição expressa do artº 35º do Regulamento das Competições organizadas pela LPFP/2017, a titularidade do dever, colocada na esfera jurídica do clube desportivo sob a forma especial de dever jurídico de garante (em que o omittere é equiparado ao facere - artº 10º nºs 1 e 2 CP), constitui o fundamento da responsabilidade disciplinar do clube por delito de omissão imprópria do dever de evitar o resultado jurídico desvalioso tipificado no artº187º do RD –LPFP/2017 no contexto do “terreno de jogo” e “dentro dos limites do recinto desportivo”.
Ou seja, a imputação ao clube do delito omissivo impróprio por violação do dever jurídico de garante plasmado no artº 35º do Regulamento das Competições da Liga está associada à imputação e punição desse mesmo clube pelos ilícitos disciplinares comissivos (por acção) tipificados no artº 187º nº 1 b) [comportamento incorrecto do público] do Regulamento Disciplinar da Liga (RD–LPFP/2017), na exacta medida em que a consumação requer a produção de um resultado em sentido material (proibido), concretizado pelo comportamento de um sócio ou simpatizante do clube.
Isto é, o dever jurídico de garante que onera a esfera jurídica do clube desportivo configura um dos pressupostos jurídicos do juízo subjectivo de imputação jurídica e punição do clube a título de autoria pelo cometimento dos ilícitos praticados pelo terceiro (o sócio ou simpatizante) nos termos do artº 187ºdo RD –LPFP/2017, com fundamento na violação pelo clube do dever jurídico de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2017.
O que significa que a entidade administrativa com poderes regulamentares – a Liga, LPFP – quis vincular a autoria pelo cometimento dos ilícitos disciplinares do artº 187º do RD–LPFP/2017 à violação pelo clube do dever jurídico de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2017 no âmbito.
Consequentemente, recai sobre a pessoa colectiva, i.e, sobre o clube desportivo a imputação de autoria dos ilícitos descritos no artº 187º do RD–LPFP/2017 por violação dos deveres normativamente elencados no âmbito do dever jurídico de garante que incumbe ao próprio clube desportivo.
Estamos, assim, fora do paradigma clássico do direito sancionatório, seja criminal seja disciplinar, assente sobre uma construção individual tanto do lado do agente como do lado do titular do bem jurídico ofendido, isto é, utilizando a expressão cunhada por Figueiredo Dias, “Caim matou Abel”.

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Nesta construção jurídica de ilícito imputado a pessoas colectivas, que constitui uma novidade no âmbito do ilícito disciplinar mas já há muito conhecida do direito criminal e contra-ordenacional interno, v.g. do direito penal da empresa, cumpre atender a um aspecto muito específico: é que a infracção ao dever apenas se concretiza quando ocorre a materialização do comportamento não querido pela norma regulamentar que descreve o tipo de ilícito disciplinar.(5)
Materialização evidenciada por parte da pessoa singular nomeada nas normas que descrevem o comportamento proibido pelo tipo de ilícito disciplinar - no caso trazido a recurso, a pessoa singular em causa é o sócio ou simpatizante do clube, conforme determinado no artº187º do RD –LPFP/2017.
É o sócio ou simpatizante do clube quem materializa o ilícito disciplinar imputado ao clube desportivo a título de autoria, ao realizar uma das diversas descrições materiais de acção dolosa constantes do artº 187º do RD-LPFP/2017 associadas à violação do dever jurídico de garante do clube desportivo no âmbito do elenco de deveres especificados no citado artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2017.

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Aplicando o que vem de ser dito ao caso concreto, a imputação de autoria do ilícito disciplinar ao clube desportivo ora Recorrente só se concretiza no momento em que
· “(..) os sócios ou simpatizantes adotem comportamento social ou desportivamente incorreto, designadamente através do arremesso de objetos para o terreno de jogo, de insultos ou de atuação da qual resultem danos patrimoniais ou pratiquem comportamentos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina (..) – artº 187º nº 1 RD –LPFP/2017
· “(..)os sócios ou simpatizantes adoptem (..) o simples comportamento social ou desportivamente incorrecto (..)” - artº 187º nº 1 a) RD –LPFP/2017
· “(..)os sócios ou simpatizantes adoptem (..)o comportamento não previsto nos artigos anteriores que perturbe ou ameace a ordem e a disciplina, designadamente mediante o arremesso de petardos e tochas (..)” - artº 187º nº 1b) RD –LPFP/2017
isto é, no momento em que o sócio ou simpatizante do clube desportivo realiza uma das acções dolosas descritas na norma regulamentar, e não qualquer outra.
O que significa que o sócio ou simpatizante executor do ilícito disciplinar tem de ser uma pessoa singular devidamente identificada no processo disciplinar através da sua identidade civil para, por seu intermédio, se fazer a imputação funcional do comportamento ilícito do sócio ou simpatizante, devidamente identificado, ao clube desportivo (pessoa colectiva), pelas duas razões já expostas:
a. por um lado, a pessoa singular está ligada funcionalmente ao clube pela sua qualidade de sócio ou simpatizante
b. e, por outro, o critério da autoria do clube face aos ilícitos ds artº 187º RD –LPFP/2017 repousa na titularidade dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional/2017.

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Por conseguinte, não só é juridicamente obrigatório carrear para o processo disciplinar os meios de prova referentes aos factos que configuram o comportamento não querido pela norma (no caso, desvalor de acção e de resultado de ilícito comissivo doloso do artº 187º RD–LPFP/2017) como também é obrigatório carrear o meio probatório relativo à identificação da pessoa singular que realizou a acção em contrário do dever legal (imputação subjectiva da acção ao sujeito executor) e da sua ligação funcional ao clube desportivo em função da sua qualidade de sócio ou simpatizante (imputação da autoria ao clube), nos exactos termos das normas incriminadoras do clube a título de autoria, v.g. artº187º do RD–LPFP/2017.

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Do quadro normativo que vem de ser exposto decorre, como condição necessária, a exigência de identificação processual do sócio ou simpatizante do clube, na medida em que essa identificação pessoal constitui, a par do dever legal de garante já referido, um dos pressupostos jurídicos do juízo subjectivo de imputação e punição do clube a título de autoria pelo cometimento dos ilícitos praticados pelo terceiro (o sócio ou simpatizante) nos termos do artº 187º do RD–LPFP/2017, com fundamento na violação pelo clube do dever de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017.

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A exigência de identificação processual do sócio ou simpatizante do clube faz parte do discurso jurídico fundamentador exarado no Acórdão nº 730/95 (Guilherme da Fonseca) do Plenário do Tribunal Constitucional, tirado em 14.DEZ.1995 no processo nº 328/91.
Em análise ao regime da interdição dos recintos desportivos previsto no DL 270/89, 18.08 – regime actualmente previsto no artº 176º por referência aos artºs. 173º/174º do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017 - o citado Acórdão nº 730/95 do TC destaca a identificação civil do sócio ou simpatizante que executa os actos materiais descritos nas normas tipificadoras do ilícito disciplinar, nos segmentos que se transcrevem, sendo o negrito e sublinhados nossos:
“(..) convém reter que as sanções referidas nos artigos 3º a 6º do Decreto-Lei nº 270/89 são aplicadas aos clubes desportivos, por condutas ilícitas e culposas das respectivas claques desportivas (assim chamadas e que são os sócios, adeptos ou simpatizantes, como tal reconhecidos) condutas que se imputam aos clubes, em virtude de sobre eles impenderem deveres de formação e de vigilância que a lei lhes impõe e que ele não cumpriram de forma capaz. (..)
(..) Não é, pois, em suma, uma ideia de responsabilidade objectiva que vinga in casu, mas de responsabilidade por violação de deveres. Afastada desde logo aquela responsabilidade objectiva pelo facto de o artigo 3º exigir, para aplicação da sanção de interdição dos recintos desportivos, que as faltas praticadas pelos espectadores nos recintos desportivos possam ser imputadas aos clubes.
E no mesmo sentido milita a referência que nesse mesmo preceito (7º) e no artº 6º (nºs 1 e 2) é feita ao clube responsável (pelos distúrbios).
Por fim o processo disciplinar que se manda instaurar (artigo 4º) servirá precisamente para se averiguar todos os elementos da infracção, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube). (..)”

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Evidentemente que o “reconhecimento” do espectador no quadro dos “sócios, adeptos ou simpatizantes” do clube, bem como a prova de que o “espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clubetem implícito o pressuposto de que não se trata de alguém desconhecido, pelo contrário, constitui um requisito essencial do juízo de imputação do ilícito disciplinar ao clube desportivo (pessoa colectiva), que no processo disciplinar haja notícia e resulte provada a identidade de quem se trata através da identificação civil da pessoa física.

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Cabe, pois, importar para o juízo sancionatório no plano disciplinar os modelos de imputação do facto criminal à pessoa colectiva. (6)
Para este efeito seguindo, com as devidas adaptações, o direito objectivo nesta matéria, de acordo com o regime subsidiário em matéria de direito adjectivo por disposição expressa do artº 16º nº 1 do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017, em matéria de direito adjectivo, das disposições do regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública consagrado na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei 35/2014, 20.06 (LTFP), conjugada com o disposto, em matéria sancionatória disciplinar, no artº 201º nº 2, LTFP que procede ao reenvio para os princípios de processo penal.
O que significa que onde forem omissos o processo comum ou os processos especiais do presente Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017 rege o disposto no Código de Processo Penal.


7. presunções relativas – excepções ao princípio in dubio pro reo;

Por força do artº 32º nº 2 e 10 da Constituição, no direito sancionatório, seja criminal seja disciplinar, não se presume a autoria do tipo de ilícito, o que se presume, a partir de uma base fáctica provada (base da presunção), são comportamentos expressos em factos susceptíveis de imputação subjectiva ou objectiva.
Dito de outro modo, não é juridicamente admissível presumir a qualidade de sócio ou simpatizante do clube relativamente à pessoa singular desconhecida e, como tal, não existente no processo, que executa os actos materiais tipificados no artº 187º do RD–LPFP/2017, que é o sócio ou simpatizante do clube, e que assim concretiza a infracção, nos termos já expostos, materializando o comportamento proibido pelo tipo de ilícito disciplinar.
Se não se sabe quem é a pessoa singular porque não está identificada no processo disciplinar, não é possível fazer derivar por presunção e dar como provado que a pessoa em causa é sócia ou simpatizante do clube para efeitos de imputação da autoria ao clube desportivo.

*
Vejamos o regime da presunção em sede sancionatória.

No campo das presunções judiciais em matéria sancionatória maxime de natureza criminal, importa atender às considerações exaradas no Acórdão do STJ de 19.06.2019 tirado no procº 881/16.6 JAPRT-A.P1.S1 (Pires da Graça):
“(..) O artigo 127º do CPP estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e natureza completamente diferente: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar, (o caso dos documentos autênticos), outra, também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência, finalmente umas outra, eminentemente subjectiva, que resulta da livre convicção do julgador.
Porém não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo e valoração do julgador com o mero arbítrio: a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjectiva ou emotiva, e, por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objectivada e logicamente motivada, de forma a susceptibilizar controlo.
A livre apreciação da prova liberta do rígido sistema da prova tarifada, ou prova legal, realiza-se obedecendo a critérios lógicos e objectivos, determinando uma convicção racional e, por isso objectivável e explicável. (v. vg acs do STJ de: 4 de Novembro de 1998, 21 de Janeiro de 1999 e 18 de Janeiro de 2001, respectivamente na CJ, Acs do STJ VI, tomo 3, 201; SAASTJ nº 27, 38; nº 47, 88.
Costuma distinguir-se entre prova directa e prova indiciária, referindo-se aquela ao thema probandum, aos factos a provar, e respeitando a prova indirecta ou indiciária a factos diversos (instrumentais) do tema probatório, mas que possibilitam, pelo uso das regras da experiência, extrair ilações no domínio do thema probandum, de convicção racional e objectivável do julgador.
O princípio da legalidade da prova perfilhado pelo artº 125º do CPP considera “admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.” (..)
Nas provas admissíveis são incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido»: art. 349.º do CC).
Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contraria o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal (art. 127.º do CPP). Não está, por isso, vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido. (..)”.

*
Feito o devido enquadramento, voltemos ao caso concreto.

Como já referido, por disposição expressa do artº 16º nº 1 do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017 em matéria de direito adjectivo, nomeadamente sobre meios de prova admissíveis no processo disciplinar, regem subsidiariamente as disposições do regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública consagrado na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei 35/2014, 20.06 (LTFP).
Por sua vez, nesta matéria sancionatória disciplinar o artº 201º nº 2, LTFP procede ao reenvio para os princípios de processo penal, o que significa que onde forem omissos o processo comum ou os processos especiais do presente Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017 rege o disposto no Código de Processo Penal, nomeadamente em sede de diligências indispensáveis à instrução do processo.
Em juízo de indispensabilidade impõem-se as diligências instrutórias que possibilitem o exercício do contraditório por parte do clube desportivo no tocante à imputação de autoria por violação do dever geral de garante relativamente aos deveres consagrados no artº 35º do Regulamentor das Competições da LPFP/2017 em razão do cometimento pelo sócio ou simpatizante da matéria delitual descrita nas normas sancionatórias do artº 187º do RD –LPFP/2017.
De modo que em matéria de presunções cabe observar o regime consagrado no Código de Processo Penal.

*
Diz-nos a doutrina da especialidade neste ramo do Direito que,
“(..) As presunções constituem, em processo penal, excepções ao princípio in dubio pro reo. Como excepções devem ser interpretadas nos precisos termos textuais da lei, não podendo ser aplicadas analogicamente. (..)
As presunções legais relativas fazem inverter o ónus da prova. Em obediência à presunção, o julgador terá de dar o facto como provado, no caso de incerteza. “A presunção legal relativa tem natureza processual e actua, precisamente, quando, incerto o facto probando (mas somente quando incerto) o legislador permite, perante essa incerteza, a equiparação de um facto indiciante a um facto presumido incerto, da prova do primeiro fazendo derivar então as mesmas consequências que teriam lugar com a prova do segundo.
E assim, as presunções simples ou naturais são meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto” (Cavaleiro de Ferreira, Curso, II) (..)” (7)
Exactamente por isso, diz-se no Acórdão do STJ de 16.05.2019 tirado no procº nº 27908/16.6 T8LSB.L1.S1 (Rosa Tching) que,
“(..) o erro na livre apreciação das provas, salvo quando, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a utilização desse critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade, ofensivo de qualquer norma legal ou extraído a partir de factos não provados (..) [configuram] verdadeiros erros de direito (..)”.

A nosso ver, é o que ocorre nas circunstâncias do caso trazido a recurso.

Não se suscitam dúvidas quanto a que o citado normativo (187º RD-LPFP/2017) não estabelece expressamente a presunção de que a execução dos factos ilícitos referidos ou descritos tem como efeito jurídico automático a operatividade da imputação da autoria ao clube, desde que tais factos sejam cometidos a partir do ajuntamento de pessoas identificadas pelas suas camisolas, bonés, cachecóis, tarjas, bandeiras, etc. etc., atavios próprios dos sócios, simpatizantes e das claques dos clubes, estilo “no name boys”, “juventude leonina”, “super dragõeset altri, acantonadas num determinado espaço dos recintos desportivo aquando da realização do jogo.
Uma interpretação nestes termos, de considerar a imputação da autoria ao clube e consequente punição um efeito automático decorrente da materialização dos eventos ilícitos constantes da previsão do citado normativo (187º) do RD–LPFP/2017, equivaleria a assumir que a entidade regulamentar consagrou uma assunção automática da posição de garante do clube desportivo e, consequentemente, de autoria,
Consequentemente, equivaleria a atribuir a autoria por responsabilidade disciplinar objectiva do clube por decorrência do cometimento dos factos ilícitos descritos nas normas sancionatória, factos oriundos do ajuntamento de pessoas da claque desportiva em tumulto, presumindo que todas aquelas pessoas têm a qualidade funcional (de ligação ao clube) exigida pela norma, isto é, de “sócios ou simpatizantes”.

*
Todavia, como já referido, a responsabilidade objectiva mostra-se afastada pela circunstância de o normativo em causa (187º) do RD–LPFP/2017) exigir para efeito de imputação aos clubes e punição destes por factos ocorridos nos recintos desportivos, que as faltas sejam praticadas por espectadores sócios ou simpatizantes do clube.
Por esta razão, porque as normas exigem a imputação da qualidade pessoal de sócio ou simpatizante ao clube especificamente objecto da punição, não é admissível, do ponto de vista jurídico, presumir a qualidade de sócio ou simpatizante relativamente a pessoa que nem se sabe quem é no processo disciplinar, para efeitos de operatividade da ligação funcional do (desconhecido) sócio ou simpatizante ao clube desportivo nos termos consignados no artº187º do RD–LPFP/2017.
Por esta razão, porque as normas exigem a imputação da qualidade pessoal de sócio ou simpatizante ao clube especificamente objecto da punição, do ponto de vista jurídico não é admissível, presumir a qualidade de sócio ou simpatizante relativamente a pessoa que nem se sabe quem é por não estar identificada no processo disciplinar, para efeitos de operatividade da ligação funcional do (desconhecido) sócio ou simpatizante ao clube desportivo nos termos consignados no artº187º do RD–LPFP/2017.
Efectivamente, a interpretação ds artº187º do RD–LPFP/2017 no sentido
(i) da imputação de autoria ao clube por efeito automático da concretização dos ilícitos disciplinares comissivos descritos no citado artigo (187º), cometidos por pessoa física cuja identidade é desconhecida,
(ii) presumindo a qualidade funcional de “sócio ou simpatizante” (ligação ao clube) exigida pela norma (187º) relativamente a essa pessoa física de identidade desconhecida,
(iii) associando à concretização dos ilícitos (187º) o efeito automático de imputação ao clube do delito omissivo impróprio de violação do dever jurídico de garante (artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2017g),
configura-se inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência em sede de processo disciplinar, à luz do regime constante do artº 32º nºs. 2 e 10 CRP.

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No mesmo sentido o acórdão deste TCAS tirado em 09.MAI.2019 no rec. nº 42/19.2BCLSB no segmento do discurso jurídico fundamentador que se transcreve:
“(..)Na verdade, também perfilhamos o entendimento expresso pela recorrente e já supra afirmado, de que nos relatórios de jogo, prova documental nos autos que beneficia da presunção de verdade, não se descreve um único facto relativamente ao que fez ou não fez o clube, por referência a concretos deveres legais ou regulamentares, nem tão-pouco se descreve por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado; sendo a actuação culposa um dos "demais elementos das infracções" que se impunha à FPF, aqui recorrida, provar, sempre se mostrava prejudicada a condenação do Clube por falta de preenchimento de pressuposto legal exigido pelos arts. 186º 2 e 187º l a) e h) do RD.
Daí, pois, se concorde que é inconstitucional, por violação do princípio jurídico- constitucional da culpa (art. 2º da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que o arguido beneficia em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (arts. 32º 2 e 10 da CRP), a interpretação dos artºs 13º f) e 186º 2 e 187º 1 a) e h) do RDLPFP no sentido de que a indicação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parle desse clube, o que desde já se argui, para todos os efeitos e consequências legais: e inconstitucional, porque, materialmente, na prática, significa impor ao clube uma responsabilidade objectiva por facto de outrem (2º e 30º 3 da CRP). (..)”.

*
Tal significa que a decisão proferida pelo Pleno do Conselho de Disciplina – Secção Profissional da Federação Portuguesa de Futebol de 07.11.2017 se mostra inquinada de vício de violação de lei por erro de facto e de direito sobre os pressupostos, passível de anulação nos termos do artº 163º nº 1 CPA.

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Tudo visto, não se acompanha o entendimento sustentado no Acórdão do TAD de 18.07.2018 relativamente ao Procº nº 12-2017/2018, de considerar que “(..) a decisão disciplinar de punir a Demandante pelo comportamento dos respectivos adeptos de entrada em recinto desportivo, de lançamento de potes de fumo e de rebentamento de petardos não merece qualquer censura e não se dá, pois, acolhimento à pretensão da Demandante de revogação deste segmento da decisão proferida no Acórdão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol de 7 de Novembro de 2017, que condenou a Demandante pela prática de infracções disciplinares p. e p. pelos artigos 119º nº 2, 127º nº 1 e 187º nº 1 alínea b) do RD. (..)”, julgando-se procedentes as questões trazidas a recurso pela sociedade ora Recorrente Futebol Clube …………………..– Futebol SAD nos itens 1 a 16 .
Face à solução dada ao recurso antecedente da sociedade Futebol Clube ………… – Futebol SAD verifica-se a prejudicialidade de conhecimento do recurso interposto pela Federação Portuguesa de Futebol no tocante às questões suscitadas nos itens 1 a 55 das respectivas conclusões.


8. isenção de taxa de arbitragem da FPF – sanção disciplinar – custas processuais;

Resta conhecer da matéria de custas suscitada em ambos os recursos, itens 17 a 20 (desproporcionalidade e comprometimento do princípio da tutela jurisdicional efectiva, v.g. artºs. 20º nº 1 e 268º nº 4 CRP) pela sociedade Futebol Clube ……………. – Futebol SAD e itens 56 a 59 pela Federação Portuguesa de Futebol (isenção de taxa de arbitragem).

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Quanto ao recurso interposto pela Federação Portuguesa de Futebol, no Acórdão deste TCAS proferido no rec. nº 9417.0BCLSB em 04.10.2017 decidiu-se como segue:
“(..) 2.2.3 Da invocada isenção de taxa de arbitragem – (conclusões 18ª a 21ª das alegações de recurso)
2.2.3.1 Na contestação que a recorrida Federação Portuguesa de Futebol apresentou no processo arbitral, esta invocou, desde logo, beneficiar se isenção de taxa de arbitragem, por efeito do disposto no artigo 4º alíneas f) e g) do Regulamento das Custas Processuais, por, em suma, ser uma pessoa colectiva de direito privado titular de estatuto de Utilidade Pública Desportiva, e não ter, simultaneamente, na sua mão, o impulso processual a que alude o artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, por se apresentar com toda a passividade perante o impulso de outrem (vide artigos 41º a 67º daquele seu articulado).
O que não foi acolhido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, que entendeu que nos processos que correm junto do TAD.

Vejamos.

2.2.3.2 A Lei do TAD dedica os seus 76º a 80º às custas processuais na arbitragem necessária, estatuindo, entre o demais, que “as custas do processo arbitral compreendem a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral” (artigo 76º nº 1), que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor da causa, por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e do desporto” (artigo 76º nº 2) sendo “…integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contrainteressados, devendo ser paga por transferência bancária para a conta bancária do TAD, juntamente com a apresentação do requerimento inicial, da contestação e com a pronúncia dos contra-interessados” (artigo 77º nº 3).
E o artigo 80º da Lei do TAD determina, no âmbito dos normativos referentes às custas processuais na arbitragem necessária, serem “…de aplicação subsidiária:
a) As normas relativas a custas processuais constantes do Código de Processo Civil;
b) O Regulamento das Custas Processuais.”

2.2.3.3 A Portaria n.° 301/2015, de 22 de Setembro veio fixar a taxa de arbitragem e os encargos do processo no âmbito da arbitragem necessária, bem como as taxas relativas a actos avulsos, nos termos do artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, estatuindo no seu artigo 2º nº 1 que a taxa de arbitragem necessária “…corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e é “…fixada pelo presidente do Tribunal Arbitral do Desporto em função do valor da causa, nos termos do anexo I à presente portaria que dela faz parte integrante”.
2.2.3.4 Ora, atendendo a que as normas de isenção de custas, designadamente as contidas no Regulamento das Custas Processuais, consubstanciam normas excepcionais, em que cada situação de isenção estará normativamente prevista de modo expresso, e que quer a Lei do TAD, quer a Portaria n.° 301/2015, de 22 de Setembro que o regulamenta no que respeita à taxa de arbitragem e encargos do processo de arbitragem, não contêm qualquer previsão de situação de isenção de custas, tem que concluir-se que a Federação Portuguesa de Futebol não beneficiava de qualquer isenção das custas do processo arbitral (taxa de arbitragem), como propugnou.
Improcedendo, pois, neste aspecto o recurso. (..)”.

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Atento o discurso jurídico fundamentador constante do Acórdão que vem de ser transcrito e de cuja conferência fizemos parte, improcede a questão em matéria de custas suscitada nos itens 56 a 59 do recurso interposto pela Federação Portuguesa de Futebol.

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Quanto à questão suscitada nos itens 17 a 20 (desproporcionalidade e comprometimento do princípio da tutela jurisdicional efectiva, v.g. artºs. 20º nº 1 e 268º nº 4 CRP) pela sociedade Futebol Clube ……………– Futebol SAD adere-se à corrente jurisprudencial seguida em acórdão deste TCAS de 22.08.2019, tirado no rec. nº 96/9.1BCLSB, em que se fundamentou como se transcreve:
“(..) Também este TCAS já se pronunciou sobre a questão, considerando infundadas as alegações da desproporcionalidade das custas devidas pela intervenção do TAD, designadamente no Ac. 30/18.6BCLSB, de 22-11-2018, onde se refere o seguinte: “9. Já no que respeita à questão das custas suscitada pelo Recorrente..., trata-se de matéria recorrentemente trazida à apreciação deste TCA, tendo sido já objecto de recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional;
10. De qualquer modo, sempre se referirá que, sem prejuízo de maior aprofundamento nesta matéria, estamos perante um pleito em sede de Jurisdição Arbitral e, como tal, sujeita às regras, nomeadamente de custas, ali definidas pelo legislador e aceites pelas partes;
11. Porém, é certo que os montantes devidos pelas partes em sede de custas, quando comparados com os montantes devidos em sede de Jurisdição Administrativa, poderão revelar-se algo desfasados do regime das custas judiciais;
12. Ora, tal comparação não nos parece totalmente legítima, na justa medida em que as partes pleiteiam em Jurisdições diferenciadas e que, pela sua própria natureza, são, também a nível de regime legal de custas, incomparáveis;
13. Para além de que o TAD se rege por normas próprias de funcionamento, devendo o respectivo regime de custas, além do mais, reflectir e suportar essa realidade;
14. Trata-se de uma verdadeira encruzilhada jurídica na justa medida em que se está perante um Tribunal (TAD) onde, à primeira vista, se dirimem interesses de natureza privada, mas que, no fundo, tendo em conta a natureza jurídica dos intervenientes, nomeadamente as Federações desportivas e o respectivo regime jurídico associado, se tratam de questões de natureza eminentemente pública;
15. Encruzilhada essa que se traduziu nas vicissitudes de natureza constitucional que precederam o difícil processo de criação do TAD e que, infelizmente, ainda acompanham o seu funcionamento;
16. Como seja o caso da especialmente particular opção do legislador em sede do regime legal da arbitragem, mais especificamente ao criar a figura jurídica da "arbitragem necessária", em oposição à denominada "arbitragem voluntária", opção essa que, com todo o respeito, acabou por criar situações como as referidas nos Autos em que as partes são obrigadas a recorrer à arbitragem, quando, na sua essência, a arbitragem deveria, obrigatoriamente, reflectir algo de natureza voluntária...” – em sentido idêntico, vide os Acs. deste TCAS n.º 94/17.0BCLSB em 04-10-2017, n.º 75/18.6BCLSB, de 18-10-2018, n.º 30/18.6BCLSB, de 22-11-2018 ou n.º 79/18.9BCLSB, de 06-12-2018. (..)”.

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Pelo exposto improcedem as questões constantes dos itens 17 a 20 das conclusões do recurso interposto pela sociedade Futebol Clube …………………… – Futebol SAD..
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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em,
a. em matéria sancionatória disciplinar, julgar procedente o recurso interposto pela sociedade Futebol Clube………….. - Futebol SAD e prejudicado o conhecimento do recurso interposto pela Federação Portuguesa de Futebol em face da solução dada ao recurso antecedente,
b. anular a decisão condenatória disciplinar proferida em 07.11.2017 pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol – Secção Profissional no procº nº 12-2017/2018,
c. revogar o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto de 18.07.2018,
d. em matéria de custas, julgar improcedentes ambos os recursos.

Custas por ambos os Recorrentes na proporção do decaimento, fixando-se em 80% (oitenta) para a Federação Portuguesa de Futebol e 20% (vinte) para a sociedade Futebol Clube …………….. - Futebol SAD.

Lisboa, 21.NOV.2019


(Cristina dos Santos) ……………………………………………….

(Sofia David) ….……………………………………………………

(Pedro Marchão) …………………………………………………..
(voto vencido)




DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei vencido, discordando quer da tese que logrou vencimento em matéria sancionatória disciplinar e que anulou a decisão condenatória impugnada, quer no que respeita à matéria de custas.

Tenho para mim, enquanto premissa fundamental de base, que “é indubitável que, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da “presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percepcionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa” [art.º 13.º, al. f), do RD]. // Esta presunção de veracidade, que se inscreve nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere, assim, um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percepcionado. // E não se vê que o estabelecimento desta presunção seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 391/2015, de 12/8 (publicado no DR, II Série, de 16/11/2015), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário" (cfr. o acórdão do STA de 18.10.2018, proc. n.º 144/17.0BCLSB; sendo também exemplos mais recentes os acórdãos de 2.05.2019, proc. n.º 73/18.0BCLSB, de 4.04.2019, proc. n.º 30/18.6BCLSB, de 4.04.2019, proc. n.º 40/18.3BCLSB, de 21.02.2019, proc. n.º 33/18.0BCLSB, e de 26.09.2019, proc. n.º 76/18.4BCLSB). Assim tenho decidido nos acórdãos que relatei sobre esta mesma temática: ac.s de 21.03.2019, proc. nº 118/18.3BCLSB, de 23.05.2019, proc. nº 74/18.8BCLSB e proc. nº 64/18.0BCLSB, e de 4.06.2019, proc. nº 73/19.2BCLSB.

E também a linha argumentativa relativa à ausência de (suficiente) identificação do agente individual prevaricador, salvo o devido respeito, não colhe. E não colhe, do meu ponto de vista, por duas ordens de razões:

Em primeiro lugar, os sinais existentes nos autos, constantes dos relatórios oficiais, são suficientemente indiciadores para permitir, com segurança, efectuar a necessária imputação da pessoa colectiva. Dúvida, para mim, nem sequer existe neste domínio. Ou seja, ocorre uma conexão entre o facto praticado por uma pessoa singular – o adepto/simpatizante -, seguida da necessária comprovação de que o ilícito desta pessoa singular é, também, um ilícito da organização – o clube.

Em segundo lugar, não estamos propriamente no domínio do Direito Penal qua tale, não existindo aqui uma punição de natureza jurídico-criminal; movemo-nos (apenas) na área do ilícito disciplinar e respectivo regime sancionatório. Logo, o juízo a efectuar de subsunção normativa não poderá apropriar-se, sem mais, dos cânones típicos do Direito Penal e, em particular, da teoria geral da responsabilidade penal das pessoas colectivas que vem enunciada no acórdão [aliás, sobre a temática da capacidade de acção e de culpa das pessoas colectivas, acolhemos as posições de José de Faria Costa e de Jorge de Figueiredo Dias que apontam para uma reconformação das noções jurídico-penais tradicionais de acção e de culpa – cfr., respectivamente, A responsabilidade jurídico-penal da empresa e dos seus órgãos (ou uma reflexão sobre a alteridade nas pessoas colectivas à luz do direito penal)”, 1998, p. 513; Direito Penal - Parte Geral, 2011, pp. 298-299]. Neste sentido, veja-se o recentíssimo voto de vencido constante do ac. deste TCAS de 6.11.2019, no proc. nº 89/19.9BCLSB, e a jurisprudência constitucional aí convocada: ac.s do Tribunal Constitucional n.ºs 635/2011 e 85/2012. No mesmo sentido, desenvolvidamente, o Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º P000112013, de 10.07.2013.

Negaria, portanto, provimento ao recurso manteria a decisão condenatória disciplinar proferida.

Também em matéria de custas seguiria a posição anteriormente por mim adoptada, após a devida análise do caso concreto. Foi essa a decisão proferida, i.a., no acórdão supra citado de 4.07.2019, em que foi desaplicada, no caso concreto, o artigo 2º, nºs 1 e 4 da Portaria nº 301/2015 e a 1ª linha da tabela do seu Anexo I, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça. E no caso presente o que vem evidenciado é que a demandante recorreu de condenações pecuniárias no valor total de EUR 6.658,00 e confronta-se, em cada processo, com uma fixação de custas no total de EUR 4.075,00 a que acresce IVA à taxa legal de 23% perfazendo um total de EUR 5.012,25, sendo que face ao sentido da decisão arbitral, o encargo com custas processuais ascende ao valor de EUR 7.017,15.

Nesta parte, julgaria procedente o recurso.

Lisboa, 21 de Novembro de 2019


Pedro Marchão Marques

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(1)Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, pág. 85.
(2) Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 115, 84/85.
(3) Abrantes Geraldes, Recursos do novo Código de Processo Civil, págs. 71/72.
(4)Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito administrativo geral, Tomo I, D. Quixote /2010, pág. 138.
(5) Susana Aires de Sousa, Questões fundamentais de direito penal da empresa, Almedina/2019, págs.64- 65, 81-87; José de Faria Costa, Direito penal, INCM/2017, págs. 260-265.
(6) Susana Aires de Sousa, Questões fundamentais … págs. 89-91.
(7) Maia Gonçalves, Código de Processo penal, - anotado e comentado, Almedina/2005, comentário ao artº 126º CPP, pág. 315