Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13636/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:09/13/2016
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL; RECURSO; RECLAMAÇÃO; PRAZO
Sumário:i) A incompetência territorial é uma excepção dilatória que dá lugar à remessa do processo para outro tribunal, a fim de aí prosseguir a sua tramitação, não pondo, portanto, termo ao processo.

ii) A decisão que declara a incompetência territorial do tribunal para conhecer de acção administrativa não admite recurso jurisdicional, apenas sendo impugnável através de reclamação para o Presidente do TCA respectivo (cfr. art. 105.º, n.º 4, do CPC de 2013).

iii) Não se pode convolar o requerimento de interposição do recurso jurisdicional em reclamação, caso tal requerimento não tenha dado entrada dentro do prazo da reclamação, o qual é de 10 dias (cfr. art. 29.º, n.º 1, do CPTA).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Olha ………………., não se conformando com a sentença do TAC de Lisboa que, no âmbito da acção administrativa por si intentada contra o Estado Português, declarou a sua incompetência em razão do território para conhecer do pedido, considerando competente o TAF de Coimbra e ordenou a remessa dos autos a este Tribunal, dela veio interpor recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul. As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1º A recorrente, salvo o devido respeito, entende que a acção foi intentada no Tribunal competente, uma vez que o pedido formulado respeita à actuação do Réu Estado quer em Coimbra quer posteriormente em Lisboa.

2° A recorrente na P.I. alegou no artº 24º e 25º o seguinte : "Mais inclusivamente entende que devido ao protelar do processo se perderam provas necessárias, e além do mais a Acção intentada pela A. veio por sentença do Tribunal de Trabalho de Lisboa veio a ser considerada improcedente e por isso a Autora nada recebeu'', (…) e inclusivamente nos artigos 27º e seguintes da PI a recorrente alega que : “Com a presente acção pretende a Autora efectivar a responsabilidade civil extracontratual do réu Estado Português por facto ilícito, decorrente, quer :- da violação do direito a uma decisão jurisdicional em "prazo razoável'' no âmbito do Processo de Acidente de trabalho que vitimou o seu marido.

3º Prescreve o n .º 4 do artigo 20º da CRP que "Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo". o que não sucedeu no caso sub judice, portanto os atrasos na demora do Proc. 890/06.3TTCBR. leva a que o Estado seja constituído no dever de indemnizar''.

4º A causa de pedir não respeita apenas à actuação do Ministério Público do Tribunal de Coimbra, mas também respeita à actuação do Tribunal de Trabalho e nomeadamente o de Lisboa pois o processo teve o seu términus em Lisboa e não houve celeridade processual quer Coimbra, quer em Lisboa.

5º Assim sendo, deverá o presente recurso ser considerando procedente, devendo ser revogada a sentença.

O Recorrido contra-alegou, sustentando a manutenção da decisão do TAC de Lisboa.



Com dispensa dos vistos legais (simplicidade), importa apreciar e decidir.

I. 2. Questões a apreciar e decidir:

Previamente ao conhecimento das questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, importa apreciar da admissibilidade do presente recurso jurisdicional, atento o disposto no art. 105.º, n.º 4, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA.



II. Fundamentação

II.1. De facto

Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se assentes os seguintes factos:

1. A petição inicial da presente acção foi apresentada no TAC de Lisboa em 28.12.2015 (cfr. fls. 2).

2. Em 29.04.2016 foi proferida pelo TAC de Lisboa decisão através da qual este se declarou incompetente em razão do território para conhecer da presente acção, declarou competente para o efeito o TAF de Coimbra e ordenou a remessa dos autos para este último tribunal (cfr. fls. não numeradas dos autos).

3. A sentença descrita em 2. foi comunicada ao mandatário da Autora por carta registada de 2.05.2016 (cfr. fls. não numerada dos autos).

4. A Autora em 2.06.2016 interpôs recurso para este TCA Sul da decisão descrita em 2. (cfr. fls. não numeradas dos autos).

5. Por despacho de 4.06.2016 foi admitido o recurso descrito em 4. (cfr. fls. não numerada dos autos).



II.2. De direito

Considerando a factualidade que acabamos de fixar, cumpre prioritariamente analisar da admissibilidade do recurso jurisdicional interposto pela Autora, ora Recorrente, da decisão de incompetência territorial proferida em 29.04.2016, uma vez que dessa decisão de incompetência territorial antes cabia reclamação para o Presidente deste TCA Sul, atento o disposto no art. 105.º, n.º 4, do CPC de 2013, ex vi art. 1.º do CPTA.

Vejamos então, mostrando-se desnecessário, por inútil, o cumprimento do disposto no art. 655.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 1.º e 140.º do CPTA.

Dispõe aquele referido artigo 105.º, n.º 4 do CPC – o qual está inserido na Secção II (do Capítulo V, do Título IV, do Livro I), relativa à incompetência relativa, a qual abrange a infracção das regras de competência fundadas nomeadamente na divisão judicial do território (cfr. art. 102º) -, o seguinte: “Da decisão que aprecie a competência cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o presidente da Relação respetiva, o qual decide definitivamente a questão”.

Desta norma legal decorre que as decisões de incompetência em razão do território não são impugnáveis através de recurso, já que das mesmas cabe (necessariamente) reclamação para o presidente da Relação respectiva, a apresentar no prazo de 10 dias, o que in casu deverá ser lido como para o presidente do TCA respectivo (neste sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2ª Edição, 2014, p. 128). Sobre esta questão, aliás, já teve oportunidade este TCA de se pronunciar recentemente no acórdão de 21.04.2016, proc. n.º 12870/16 (que aqui acompanhamos).

Poderia, é certo, argumentar-se que o recurso sempre deveria ser considerado admissível, ao abrigo do disposto no art. 142º n.º 3, al. d), do CPTA, o qual, como norma especial, prevalece sobre a norma do CPC. Mas não é assim.

Com efeito, de acordo com o estatuído na al. d) do n.º 3 desse art. 142º, é sempre admissível recurso, seja qual for o valor da causa, das decisões que ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa. Porém, a decisão de incompetência territorial de 29.04.2016 não pôs termo ao processo, pois limitou-se a declarar o TAC de Lisboa incompetente em razão do território para conhecer da presente acção e a declarar competente para o efeito o TAF de Coimbra, bem como ordenou a remessa do processo para este último tribunal, a fim de aí prosseguir os seus ulteriores termos (cfr. art. 14º n.º 1, do CPTA). Dito por outras palavras, por força do despacho recorrido a tramitação do presente processo termina no TAC de Lisboa, mas este processo não finda em consequência dessa decisão, pois a sua tramitação prosseguirá no TAF de Coimbra, ou seja, a incompetência territorial é uma excepção dilatória que dá lugar à remessa do processo para outro tribunal, a fim de aí prosseguir a sua tramitação, não pondo, portanto, termo ao processo ( e o estatuído no art. 142º n.º 3, al. d), do CPTA, antes tem em vista maxime as decisões que julgam procedentes excepções dilatórias que implicam a absolvição do réu da instância, já que nesta hipótese a instância extingue-se sem que o tribunal se pronuncie sobre o mérito da causa - cfr. arts. 277º, al. a), 278º n.º 1, als. a) a e), e 576º n.º 2, todos do CPC de 2013).

Do exposto resulta que a decisão de incompetência territorial proferida nestes autos não admite recurso, apenas sendo impugnável através de reclamação para o presidente deste TCA Sul, sendo certo que, de acordo com o estatuído no art. 641º n.º 1, do CPC de 2013, “a decisão que admita o recurso (…) não vincula o tribunal superior (…)” (idem, taxativamente, o acórdão de 21.04.2016, por nós citado).

Por outro lado, cabe salientar que não se mostra possível convolar oficiosamente o recurso interposto pela ora Recorrente, em reclamação para o Presidente deste TCA Sul, ao abrigo do art. 193º n.º 3, do CPC de 2013, dado que a mesma não é tempestiva, atenta a proibição da prática de actos inúteis (cfr. art. 130º, do CPC, o qual corresponde a uma manifestação do princípio da economia processual). Não teria qualquer utilidade proceder a tal convolação, já que, logo de imediato, teria de se rejeitar a reclamação por intempestividade, razão pela qual tal convolação é proibida por lei.

Com efeito, de acordo com o disposto no art. 29º n.º 1, do CPTA, o recorrente tinha o prazo de 10 dias para reclamar da decisão de incompetência territorial proferida nos autos em 29.04.2016, sendo que a notificação dessa decisão foi efectuada por carta registada de 2.05.2016 e a interposição do recurso é de 2.06.2016. Deste modo apresenta-se como incontornável que o prazo para reclamar se encontra largamente ultrapassado, mesmo considerando o disposto no art. 139.º, n.º 5, do CPC, ex vi art. 1º do CPTA (que permitiria a apresentação da reclamação até ao terceiro dia útil seguinte).

Nestes termos, na data em que se considera apresentado o recurso interposto pela Recorrente (cfr. 4. dos factos provados), já tinha terminado o prazo para a apresentação da reclamação do despacho proferido em 29.04.2016, razão pela qual tal recurso não poderá ser convolado em reclamação para o Presidente deste TCA Sul (neste sentido, entre muitos outros, v. os Acs. do STA de 19.03.2013, proc. n.º 12/13, de 4.04.2013, proc. n.º 0333/13, e de 26.06.2014, proc. n.º 01831/13 - em formação alargada, ao abrigo do art. 148º, do CPTA, publicado no Diário da República, 1ª Série, de 15.10.2014, sob o n.º 3/2014 -, e também o ac. deste TCA Sul de 24.04.2013, proc. n.º 09372/12).

Pelo exposto, por um lado, conclui-se que não pode ser admitido o requerimento de interposição de recurso jurisdicional e, por outro lado, que não é caso de ordenar a remessa dos autos ao Presidente deste TCA Sul para efeitos de decidir o referido requerimento, agora enquanto reclamação, na medida em que tal convolação não é adjectivamente possível.



III. Sumário

Sumariando:

i) A incompetência territorial é uma excepção dilatória que dá lugar à remessa do processo para outro tribunal, a fim de aí prosseguir a sua tramitação, não pondo, portanto, termo ao processo.

ii) A decisão que declara a incompetência territorial do tribunal para conhecer de acção administrativa não admite recurso jurisdicional, apenas sendo impugnável através de reclamação para o Presidente do TCA respectivo (cfr. art. 105.º, n.º 4, do CPC de 2013).

iii) Não se pode convolar o requerimento de interposição do recurso jurisdicional em reclamação, caso tal requerimento não tenha dado entrada dentro do prazo da reclamação, o qual é de 10 dias (cfr. art. 29.º, n.º 1, do CPTA).



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em não admitir, por irrecorribilidade da decisão impugnada, o requerimento de interposição de recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Lisboa, 13 de Setembro de 2016



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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Cristina Santos