Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1272/06.2BELSB-A
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
JUROS DE MORA
REGIME TRANSITÓRIO
Sumário:I. A LOE/2012 veio aditar ao art.º 43.º da LGT o seu n.º 5, nos termos do qual são devidos juros moratórios desde o período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

II. Para as decisões pendentes de execução à data da entrada em vigor do citado n.º 5 do art.º 43.º da LGT, a LOE/2012 consagrou um regime transitório no seu art.º 151.º.

III. O regime transitório mencionado em II. determina, designadamente, que os juros devidos ao abrigo do art.º 43.º, n.º 5, da LGT só se apliquem ao período decorrido a partir da entrada em vigor da LOE/2012.

IV. Tendo o prazo de execução voluntária do julgado terminado no decurso do ano de 2011, desde essa data até ao dia 31.12.2011 são devidos juros de mora, mas calculados nos termos do regime anterior ao que resultou da LOE/2012.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Recorrente ou Executada ou AT) veio apresentar recurso da decisão proferida a 06.03.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e procedente o pedido de execução de julgado na parte relativa a pagamentos de juros moratórios e indemnizatórios.

Nas alegações apresentadas, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

A) A Entidade Recorrente discorda da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 6 de Março de 2019, por entender, com o devido respeito, que a mesma padece de erro de interpretação e de aplicação do direito, concretamente do artigo 43º, nº 5 da LGT e do Aviso n.º 27831-F/2010, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 253, de 31/12/2010 (no 1º e no 2º parágrafos da página 19), de erro de julgamento nos mesmos parágrafos e de erro de julgamento na alínea b) e b.3. e b.4. da “Decisão” (página 24 da Sentença).

B) Considera a Recorrente, com o devido respeito, que a douta Sentença, no 1º parágrafo da página 19, enferma de erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente do artigo 43º, nº 5 da LGT, quando afirma que “Em relação à taxa dos juros moratórios previstos no artigo 43°, n.º 5, da LGT, de acordo com os avisos n.º 2783 1-F/2010 (publicados no Diário da República, 2.ª série, n.º 253, de 31/12/2010”, “a taxa prevista na lei geral para as dívidas ao Estado fixou-se em 6,351 %”, “desde 01-01-2011 a 31-12-2011”.

C) Com efeito, o nº 5, do art.º 43º da LGT, foi aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2012, e entrou em vigor em 1/01/2012, nos termos do art.º 215º da referida Lei), concretamente pelo seu art.º 149º (com a epígrafe “Alteração à lei geral tributária”).

D) Por sua vez, o art.º 151º (com a epígrafe “Disposições transitórias no âmbito da LGT”) da Lei n.º 64-B/2011, no seu nº 3, preceitua que “A nova redacção do n.º 5 do artigo 43.º e do n.º 3 do artigo 44.º da LGT tem aplicação imediata às decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente à data da entrada em vigor da presente lei.”, como sucede no caso em apreço, ou seja, com o julgado cuja execução é requerida pelas Exequentes.

E) No entanto, o nº 4 do art.º 151º da Lei n.º 64-B/2011, dispõe que “Os juros devidos, ao abrigo da nova redacção do n.º 5 do artigo 43.º e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 44.º da LGT, nos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e nas decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente, só se aplicam ao período decorrido a partir da entrada em vigor da presente lei.”, ou seja, ao período decorrido a partir do dia 1/01/2012.

F) Em face do exposto, e não sendo aplicável o art.º 43º, nº 5 da LGT, à contagem de juros de mora, no período decorrido desde o dia 1-01-2011 até ao dia 31-12-2011 inclusivé, considera a Recorrente, com o devido respeito, que a douta Sentença, no 1º parágrafo da página 19, enferma de erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente do aviso n.º 2783 1-F/2010 (publicados no Diário da República, 2.ª série, n.º 253, de 31/12/2010”, que não é aplicável, donde enferma de erro na interpretação e aplicação desse Aviso quando afirma que “a taxa prevista na lei geral para as dívidas ao Estado fixou-se em 6,351 %, desde 01-01-2011 a 31-12-2011”, por não ser esta a taxa aplicável no caso em apreço.

G) Na verdade, no ponto II do Sumário do Acórdão do STA (processo 0352/11), com data de 7/09/2011 (que apreciou o recurso de sentença proferida em autos de execução de julgado, de uma sentença de impugnação judicial), consta que “II - A taxa de juro de mora aplicável aos casos em que estes são devidos pelo Estado aos particulares não é a prevista no artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, antes a taxa de juro de juro legal supletiva a que se refere o artigo 559.º do Código Civil (subsidiariamente aplicável às obrigações tributárias ex vi do artigo 2.º da LGT), ao tempo fixada em 4% ao ano pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.”, o que constitui Jurisprudência pacifica.

H) No texto desse Acórdão pode ler-se que “Assim, como bem decidido na sentença recorrida, são devidos ao recorrido juros de mora, calculados sobre o montante a cujo pagamento foi o Estado condenado por decisão judicial e pelo período de tempo que mediou entre 5 de Maio de 2008 (data em que terminou o prazo para execução espontânea da sentença – cfr. o n.º 2 do probatório) e 7 de Novembro de 2008 (data em que recebeu o cheque destinado ao pagamento da quantia que o Estado foi condenado a pagar-lhe – cfr. o n.º 3 do probatório). A taxa de juro de mora aplicável não é, porém, ao contrário do decidido, a prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, antes a taxa de juro legal a que se refere o artigo 559.º do Código Civil (aplicável subsidiariamente às obrigações tributárias ex vi do disposto no artigo 2.º alínea d) da LGT), e que, no período a considerar fora fixada em 4% ao ano (cfr. a Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).

I) Pelos motivos referidos nas alíneas C) a H) destas conclusões, que aqui se reafirmam, considera a Recorrente, com o devido respeito, que a douta Sentença, no 2º parágrafo da página 19 enferma de erro de julgamento (e implicitamente de erro de interpretação e aplicação do direito, concretamente do art.º 43º, nº 5, da LGT e do Aviso n.º 2783 1-F/2010, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 253, de 31/12/2010), ao ter entendido que “Termos em que se conclui, com fundamento nas disposições legais supra citadas, que as Exequentes tem direito a receber o valor correspondente a juros de mora, sobre a quantia de €66.45 1,38 (Primeira Exequente) e sobre o valor de €108.239, 15 (Segunda Exequente) a uma taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida para as dívidas ao Estado, nos termos supra enunciados, no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea (04/03/2011) e a data da restituição das quantias suportadas em excesso a título de imposto (30/09/2013), nos termos do artigo 43º, n.º 5, da LGT.”.

J) Enferma desses erros na medida em que “no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea (04/03/2011)” até ao dia 31/12/2011 inclusivé, as “Exequentes tem direito a receber o valor correspondente a juros de mora, sobre a quantia de €66.45 1,38 (Primeira Exequente) e sobre o valor de €108.239, 15 (Segunda Exequente)”, mas não “a uma taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida para as dívidas ao Estado, nos termos supra enunciados”, quanto a este período (sendo antes a taxa aplicável a de 4% ao ano), residindo aqui o invocado erro de julgamento e o implícito erro na interpretação e aplicação do direito referido no ponto anterior destas alegações.

K) Pelos motivos referidos nas alíneas C) a H) e J) destas conclusões, que aqui se reafirmam, considera a Recorrente, com o devido respeito, que a “Decisão” da douta Sentença enferma de erro de julgamento (e implicitamente de erro de interpretação e aplicação do direito, concretamente do art.º 43º, nº 5, da LGT e do Aviso n.º 2783 1-F/2010, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 253, de 31/12/2010), ao ter decidido que “Nestes termos e com os fundamentos expostos” “b) Julga-se procedente, por provada, a presente execução, e, em consequência, condena-se a Entidade Executada, no prazo de 30 dias” a “b.3. a pagar à Primeira Exequente juros de mora, às taxas equivalentes ao dobro da taxa de juros de mora definida para as dívidas ao Estado, sobre a quantia de €66.45 1,38, no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea (04/03/2011) até à data do reembolso do valor do imposto (30/09/2013);” e a “b.4. a pagar à Segunda Exequente juros de mora, às taxas equivalentes ao dobro da taxa de juros de mora definida para as dívidas ao Estado, sobre a quantia de € 108.424,33, no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea (04/03/2011) até à data do reembolso do valor do imposto (30/09/2013);”

L) Enferma desses erros na medida em que “no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea (04/03/2011)” até ao dia 31/12/2011 inclusivé, as “Exequentes tem direito a receber o valor correspondente a juros de mora, sobre a quantia de €66.45 1,38 (Primeira Exequente) e sobre o valor de €108.239, 15 (Segunda Exequente)”, não “a uma taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida para as dívidas ao Estado, nos termos supra enunciados”, concretamente não a uma taxa equivalente ao dobro de 6,351% (taxa dos juros de mora fixada no aviso n.º 2783 1-F/2010, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 253, de 31/12/2010), quanto a este período, residindo aqui o invocado erro de julgamento e o implícito erro na interpretação e aplicação do direito referido no ponto anterior destas alegações.

M) Em face do exposto, deve a Douta Sentença ser revogada nessa parte (pontos b.3. e b.4) e ser substituída por outra que decida que a Entidade Executada deve ser condenada a “b.3. a pagar à Primeira Exequente juros de mora, à taxa de 4% ao ano, no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea (04/03/2011), até ao dia 31/12/2011 inclusive, e a pagar juros de mora às taxas equivalentes ao dobro da taxa de juros de mora definida para as dívidas ao Estado, sobre a quantia de €66.45 1,38, desde 1/01/2012 até à data do reembolso do valor do imposto (30/09/2013);” e a “b.4. a pagar à Segunda Exequente juros de mora, à taxa de 4% ao ano, no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea (04/03/2011), até ao dia 31/12/2011 inclusive, e a pagar juros de mora às taxas equivalentes ao dobro da taxa de juros de mora definida para as dívidas ao Estado, sobre a quantia de € 108.424,33, desde 1/01/2012 até à data do reembolso do valor do imposto (30/09/2013)”.

D….. e R….. (doravante Recorridas ou Exequentes) não apresentaram contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata e efeito suspensivo.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público foi notificado dos termos do art.º 146.º do CPTA, tendo emitido parecer, pugnando pelo não provimento do recurso. As partes foram notificadas do mencionado parecer, nada tendo dito.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, ex vi art.º 279.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, no tocante à definição da taxa de juros de mora aplicável ao período compreendido entre 04.03.2011 e 31.12.2011, quer quanto à taxa concretamente aplicada quer quanto à aplicação da taxa agravada?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. As Exequentes apresentaram acção administrativa especial contra as decisões de indeferimento dos pedidos de reembolso dos montantes de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, referente a dividendos e a royalties, dos anos de 1997, 1998 e 1999, suportados em excesso, peticionando a sua anulação e a restituição do valor de €66.451,38 à Primeira Exequente e do valor de €108.239,15 à Segunda Exequente - cf. petição de acção administrativa especial a fls. 4 a 27 do processo n.º 1272/06.2BELSB apenso aos autos;

2. A acção administrativa especial referida no ponto anterior correu termos sob o n.º 1272/06.2BELSB na 2ª U.O. deste Tribunal – cf. autos de acção administrativa especial n.º 1272/06.2BELSB apenso aos autos;

3. No âmbito do processo n.º 1272/06.2BELSB referido no ponto anterior foi proferida sentença em 11/03/2009, que julgou a acção administrativa especial procedente e condenou a Ré (Entidade Executada) a anular as decisões de indeferimento dos pedidos de reembolso e a restituir os montantes peticionados às Autoras (Exequentes) – cf. sentença a fls. 261 a 268 do processo n.º 1272/06.2BELSB apenso aos autos;

4. No âmbito do processo n.º 1272/06.2BELSB, o Tribunal Tributário de Lisboa entendeu que «Sucede que, a administração tributária, com base na circular n.º 18/99, de 7 de Outubro indeferiu o pedido de limitação de imposto português por reembolso requerido pelas AA, com fundamento na intempestividade dos pedidos de reembolsos (…) O prazo de 4 anos fixado na circular 18/99, com base na qual foram indeferidos os pedidos de reembolso, contam-se desde a data da cobrança do imposto ou seja quando for cobrado o imposto que devia ter sido entregue ao Estado, por não estarem reunidos os pressupostos para a utilização das taxas reduzidas das CDT. Assim, considerando que no caso dos autos as retenções foram efectuadas com base nas taxas reduzidas constantes da CDT e só após a liquidação adicional é que em 05/12/2002 foi cobrado a diferença de imposto, com base nas taxas de direito interno, aos substitutos fiscais, e por conseguinte só a partir dessa data começa a contar o prazo dos quatro anos (…) tendo os pedidos de reembolsos sido formulados em 10/09/2004 e 21/10/2004, estes são tempestivos. (…) E, assim sendo, as AA. têm direito aos reembolsos peticionados, considerando que o pedido é tempestivo, as AA. têm residência fiscal na Alemanha, e o imposto cujo reembolso foi peticionado foi pago pelo substituto tributário e posteriormente repercutido nas AA., tal imposto incidiu sobre juros e royalties, ou seja, as AA. reúnem todas as condições para beneficiarem do reembolso das quantias em causa, nos termos do disposto nos art.ºs 10º e 12º do CDT celebrado entre Portugal e a Alemanha, enfermando os despachos reclamados de vício de violação de lei.» - cf. sentença, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 261 a 268 do processo n.º 1272/06.2BELSB apenso aos autos;

5. No âmbito do processo n.º 1272/06.2BELSB, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou provado que «P) A D….. Portugal e a P….. repercutiram sobre as AA. o imposto liquidado adicionalmente, mediante a emissão das seguintes notas de débito: a. D….. Portugal: nota de débito n.º 85, de 17 de Março de 2004, no valor de EUR 88.890,55, emitida à D….. AG; b. P…..: nota de débito n.º 131, de 17 de Março de 2004, no valor de EUR 162.358,72, emitida a R…...» - cf. sentença, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 261 a 268 do processo n.º 1272/06.2BELSB apenso;

6. A Entidade Executada apresentou recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença identificada no ponto 3. que correu termos sob o n.º 03333/09 – cf. acórdão a fls. 505 a 516 do recurso n.º 03333/09 apenso aos autos;

7. Por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16/03/2010 foi negado provimento ao recurso referido no ponto anterior - cf. acórdão a fls. 505 a 516 do recurso n.º 03333/09 apenso aos autos;

8. A Entidade Executada apresentou recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão identificado no ponto anterior que correu termos sob o n.º 685/10-30 – cf. acórdão a fls. 631 a 642 do recurso n.º 685/10-30 apenso aos autos;

9. Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011 o recurso referido no ponto anterior não foi admitido - cf. acórdão a fls. 631 a 642 do recurso n.º 685/10-30 apenso aos autos;

10. Por cartas de 18/11/2011, o acórdão referido no ponto anterior foi remetido à Entidade Executada e às Exequentes – cf. ofícios a fls. 644 e 645 do recurso n.º 685/10-30 apenso aos autos;

11. A presente execução foi apresentada em 26/08/2011 – cf. carimbo aposto na petição inicial a fls. 2 dos autos;

12. No dia 30/09/2013, a Entidade Executada restituii à Primeira Exequente a quantia de €66.451,38 e à Segunda Exequente a quantia de €108.239,15 referentes ao montante de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas suportado em excesso – cf. acordo e documentos a fls. 215 a 217 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão da questão referente à inutilidade parcial e superveniente da lide e para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para as decisões da questão referente à inutilidade parcial e superveniente da lide e para a causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos e na posição das partes vertidas nos articulados e requerimentos identificados nos factos provados.”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3, do CPTA, ex vi art.º 279.º, n.º 2, do CPPT, e considerando o disposto no art.º 249.º do Código Civil, corrige-se o lapso de escrita constante do facto 10. supratranscrito, que passará a ter a seguinte redação:

10. Por cartas de 18/01/2011, o acórdão referido no ponto anterior foi remetido à Entidade Executada e às Exequentes – cf. ofícios a fls. 644 e 645 do recurso n.º 685/10-30 apenso aos autos;

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento relativamente à taxa dos juros de mora

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, na fixação da taxa de juros de mora relativa ao período compreendido entre 04.03.2011 e 31.12.2011, entendendo que nesse período é de aplicar a taxa de 4% e não o dobro da taxa fixada no Aviso n.º 27831-F/2010, de 31 de dezembro.

Para melhor circunscrição do objeto do presente recurso, refira-se que não foi posta em causa nem a condenação no pagamento de juros indemnizatórios nem a condenação no pagamento de juros moratórios contados a partir de 01.01.2012. Portanto, nesta parte, a decisão proferida pelo Tribunal a quo sedimentou-se na ordem jurídica.

Assim, está apenas em causa a parte do segmento decisório identificada com os pontos b.3. e b.4. e apenas relativamente ao período compreendido entre 04.03.2011 e 31.12.2011.

Vejamos então.

Atento o disposto no art.º 100.º da LGT, “[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Assim, havendo anulação de ato relativo a questões tributárias está a AT obrigada à reconstituição da situação atual e hipotética, por forma a reconstituir na esfera do administrado a situação que o mesmo teria se o ato ilegal não tivesse sido praticado.

Passando essa reconstituição pela devolução de valores indevidamente pagos, a mesma pode implicar o pagamento de juros moratórios e indemnizatórios.

In casu, não é discutido nem posto em causa o direito das Recorridas a juros de mora nem o período a partir dos quais os mesmos são devidos.

É apenas discutida a taxa a aplicar.

Assim, atentando na sentença sob apreciação, da mesma resulta que o Tribunal a quo considerou que seria de aplicar, no período compreendido entre 04.03.2011 e a data do reembolso do imposto indevidamente pago (30.09.2013), taxa de juro equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida para as dívidas ao Estado pelo Aviso n.º 27831-F/2010, de 31 de dezembro.

Já a Recorrente entende, como referido, que a taxa a aplicar até 31.12.2011 é a taxa de 4% prevista na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, em singelo, por, na sua perspetiva, não ser aplicável a esse período a redação dada ao art.º 43.º da LGT pela Lei do Orçamento de Estado para 2012 (LOE/2012 – Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro).

Vejamos então.

Até 31.12.2011, a previsão do direito ao pagamento de juros de mora constava do n.º 2 do art.º 102.º da LGT, nos termos do qual “[e]m caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea”.

Abstraindo-nos da questão da cumulação de pagamento de juros indemnizatórios e juros de mora, por não estar aqui em causa, o que ocorria, antes de 2012, era que, quanto aos juros de mora, os mesmos eram devidos considerando a taxa de juros legais, por força do disposto no art.º 559.º, n.º 1, do Código Civil.

Assim, era, à época, aplicada a taxa de 4%, prevista na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril [cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.07.2008 (Processo: 0303/08), de 07.09.2011 (Processo: 0352/11) e de 30.10.2013 (Processo: 0955/13)].

Com a redação que foi dada ao art.º 43.º da LGT pela LOE/2012, passou a estar consagrado, no seu n.º 5, que:

“No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.

Como referem José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão (Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 376):

“Esta disposição legal foi introduzida pela Lei n° 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), em conformidade com o previsto no ponto 3.34 - ii do Memorando de Entendimento Sobre Condicionalidades de Política Económica entre Portugal e a Troika UE/BE/FMI. Trata-se de uma disposição legal claramente destinada a dissuadir os atrasos da administração tributária na restituição aos contribuintes, dos valores indevidamente pagos, após o trânsito em julgado das decisões judiciais. Esta norma tem como contrapartida outra de idêntico teor destinada a dissuadir o atraso dos contribuintes no pagamento das dívidas fiscais em contencioso após o trânsito em julgado das decisões judiciais que confirmem os respectivos actos tributários, que foi introduzida pelo legislador no mesmo contexto, no n° 3 do artigo 44° da LGT”.

Deste novo regime resulta, então, que, exclusivamente quanto à taxa a aplicar:

a) É de considerar não a taxa de juro legal, a que respeita o art.º 559.º, n.º 1, do Código Civil, mas a taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas (v., v.g., os Avisos n.º 27831-F/2010, de 31 de dezembro, n.º 24866-A/2011, de 28 de dezembro e n.º 17289/2012, de 28 de dezembro);

b) A taxa de juros de mora equivale ao dobro da taxa referida em a).

É ainda pertinente atentar nas regras de aplicação da lei no tempo, quanto ao regime constante do n.º 5 do art.º 43.º da LGT, fundamentais para a decisão do presente recurso.

Assim, o art.º 151.º da LOE/2012, sob a epígrafe “disposições transitórias no âmbito da LGT”, determina:

“3 - A nova redação do n.º 5 do artigo 43.º e do n.º 3 do artigo 44.º da LGT tem aplicação imediata às decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente à data da entrada em vigor da presente lei.

4 - Os juros devidos, ao abrigo da nova redação do n.º 5 do artigo 43.º e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 44.º da LGT, nos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e nas decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente, só se aplicam ao período decorrido a partir da entrada em vigor da presente lei” (sublinhado nosso).

Ou seja, deste n.º 4 resulta expresso que os juros calculados nos termos do n.º 5 do art.º 43.º da LGT só se aplicam a partir de 01.01.2012.

Como referido por Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária – comentada e anotada, 4.ª Ed., Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, pp. 342 e 345):

“Nos termos das disposições transitórias contidas nos n.ºs 3 e 4 do art. 151.º da mesma Lei, a nova redacção do n.º 5 do art. 43 .° tem aplicação imediata às decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente à data da entrada em vigor dessa Lei e os juros devidos, ao abrigo da nova redacção do n.º 5 do art. 43.º, nos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e nas decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente, só se aplicam ao período decorrido a partir da entrada em vigor dessa Lei.

(…) Como estabelecem os n.ºs 3 e 4 do art. 151.º da Lei n.º 64-13/2011, de 30 de Dezembro, o novo regime de juros de mora previsto no n.º 5 do art. 43.º da LGT é aplicável imediatamente às decisões transitadas em julgado cuja execução esteja pendente, mas os novos juros só se contam com referência ao período que decorrer a partir da entrada em vigor daquela Lei, que ocorreu em 1-1-2012”.

Também a este respeito, referem José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão (ob.cit., p. 378):

“Embora a taxa agravada de juros de mora só possa ser aplicada aos períodos de mora decorridos a partir de 01/01/2012, conforme disposição transitória constante do n° 4 do artigo 151° da LOE 2012, ela foi aplicada imediatamente a todas as decisões judiciais transitadas em julgado que se encontrassem pendentes de execução em 01/01/2012, nos termos da disposição transitória constante do n° 3 do artigo 151° da mesma Lei. Consequentemente, nas decisões judiciais transitadas em julgado pendentes de execução em 01/01/2012 e incumpridas pela administração tributária, apenas poderão ser aplicados os juros de mora agravados a períodos de incumprimento da decisão judicial que sejam posteriores a 01/01/2012”.

Portanto, do que decorre desta norma transitória é que o direito a juros de mora agravados existe, para as decisões pendentes de execução, mas apenas contados a partir de 01.01.2012 [cfr. neste sentido o Acórdão deste TCAS de 27.10.2016 (Processo: 09549/16)].

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, foi considerado que o termo do prazo para a execução espontânea do julgado ocorreu a 04.03.2011, o que não é posto em causa.

Nesse momento, como já referimos, a taxa de juros de mora devidos pela administração situava-se nos 4%.

Conclui-se ainda que, à data da entrada em vigor da LOE/2012 (01.01.2012), estava pendente a execução da decisão em causa.

Assim sendo, há que apelar à norma transitória constante do n.º 4 do art.º 151.º da mencionada lei, o que implica que a taxa agravada de juros moratórios apenas seja de aplicar ao período ulterior a 01.01.2012.

Como tal, considerando o termo do prazo de execução voluntária do julgado e até 31.12.2011, é de aplicar a disciplina anterior, ou seja, a taxa de 4%, definida na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, por força da aplicação do regime geral previsto no Código Civil – art.º 559.º, n.º 1 – ex vi art.º 2.º, al. d), da LGT.

Assim sendo, assiste razão à Recorrente.



Vencidas as Recorridas são as mesmas, na parte em que decaíram, responsáveis pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não terem contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).



IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência:

a.1. Revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou a Recorrente no pagamento de juros de mora calculados considerando a taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida para as dívidas ao Estado, desde 04.03.2011 até 31.12.2011;

a.2. Condenar a Recorrente a pagar à Exequente D….. AG juros de mora à taxa de 4%, relativamente ao período compreendido entre 04.03.2011 e 31.12.2011;

a.3. Condenar a Recorrente a pagar à Exequente R….. juros de mora à taxa de 4%, relativamente ao período compreendido entre 04.03.2011 e 31.12.2011;

b) Custas pelas Recorridas em ambas as instâncias;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de junho de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha