Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:637/09.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/23/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE CUSTOS EM SEDE DE I.R.C.
ACÇÃO. MODALIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO.
NOÇÃO DE MAIS-VALIA.
REGIME DAS MAIS-VALIAS OBTIDAS POR SGPS.
ARTº.45, DO C.I.R.C., NA REDACÇÃO EM VIGOR EM 2002.
REGIME DE SUSPENSÃO E DIFERIMENTO DE TRIBUTAÇÃO DE MAIS-VALIAS.
PRINCÍPIO DA TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS PELO RENDIMENTO REAL (CFR.ARTº.104, Nº.2, DA C.R.P.).
PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA SUBSTÂNCIA SOBRE A FORMA.
QUESTÕES NOVAS.
Sumário:1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
2. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
3. A acção, enquanto modalidade de título de crédito, pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social. As acções escriturais são as que se limitam a um registo, não existindo qualquer título que as represente. Por sua vez, as acções nominativas (por contraposição face às acções ao portador) são as que indicam o nome do seu possuidor, transmitindo-se por endosso, sendo que a sua transmissão apenas produz efeitos para com a respectiva sociedade a partir da data do averbamento no livro de registo de acções.
4. As mais-valias traduzem-se em ganhos ocasionais de capital, sem relação directa com a actividade produtiva, assim não sendo consideradas como rendimento, mas como um acréscimo patrimonial. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização. O POC definia o conceito de mais-valia contabilística como o ganho resultante da alienação de bens do activo imobilizado corpóreo, incorpóreo ou financeiro evidenciado na conta 794 - Ganhos em imobilizações.
5. O regime das mais-valias obtidas por SGPS foi sujeito a alterações introduzidas pela Lei 30-G/2000, de 29/12 (vulgarizada por ‘Lei da Reforma Fiscal”), as quais se podem sistematizar:
a-De acordo com o artº.45, nº.1, do C.I.R.C., a mais-valia líquida realizada na transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado, é considerada por um quinto do seu valor no exercício seguinte ao da realização e por igual montante nos 4 exercícios seguintes posteriores, desde que o valor realizado seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração;
b-O regime é aplicável apenas às mais-valias apuradas nos períodos de tributação iniciados a partir de Janeiro de 2001;
c-É previsto um regime transitório, que vem definir o tratamento a dar às mais-valias realizadas até ao início da vigência da Lei, determinando que se existir reinvestimento até ao fim do 2.º exercício ao da realização, mantém-se o regime de exclusão até ao momento da alienação dos bens em que se havia concretizado o reinvestimento e é deferida a tributação destas mais-valias pelo período de 10 anos a contar do ano de realização;
d-Mais se refere que o regime do artº.45, do CIRC, é aplicável às mais-valias obtidas por SGPS, “ex vi” do artº.31, nº.2, do E.B.F.
6. Já com a entrada em vigor da Lei 109-B/2001, de 27/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2002; regime aplicável no caso dos autos), e da remissão do artº.31, do E.B.F., a mais-valia líquida passa a ser considerada em metade do seu valor para efeitos fiscais, se no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício da dita realização ou até ao fim do 2º exercício seguinte, se verificasse o reinvestimento do mesmo valor de realização. No caso de tal investimento não ter lugar, a outra metade da mais-valia obtida deve ser acrescida ao lucro tributável do segundo exercício seguinte ao da realização, majorada em 15%, tudo nos termos do artº.45, nº.6, do C.I.R.C.
7. Residindo a teleologia de um tal regime de suspensão e diferimento de tributação de mais-valias no reinvestimento do valor realizado com a alienação do activo que operou a mais-valia, forçoso é concluir que constitui elemento basilar do mesmo a conexão entre o valor de realização, o reinvestimento e as mais-valias que lhe são subjacentes.
8. O princípio da tributação pelo lucro real, como opção de tributação relativa aos entes empresariais, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.Portuguesa. Porém, tal princípio, não é absoluto, como desde logo a redacção da sua norma o pressupõe, ao dispor que a tributação das empresas incide "fundamentalmente" sobre o seu rendimento real, e não em todo e qualquer caso, antes tendo de ser concatenado com outros princípios e normas constantes em outros diplomas legais infra-constitucionais, como seja, por exemplo, o da satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (artº.103, nº.1, da C.R.P.), tal como os artºs.18 e 23, do C.I.R.C.
9. Segundo o princípio da prevalência da substância sobre a forma, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado. Tal princípio deve ser examinado em conjugação com o fenómeno da fraude à lei, assim podendo limitar o contribuinte no que respeita ao grau da sua oneração fiscal e consubstanciando a aplicação de tal princípio a consagração da cláusula geral anti-abuso prevista no artº.38, nº.2, da L.G.T.
10. O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"L... - SGPS, S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.262 a 276 do presente processo que julgou totalmente improcedente a impugnação pelo recorrente intentada, visando liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano de 2004 e no montante total de € 498.911,23.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.295 a 312 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença recorrida não faz uma adequada interpretação do princípio constitucional da tributação do lucro real e do princípio da prevalência da substância sobre a forma, porquanto embora admita expressamente a relevância de tais princípios e tenha reconhecido que houve uma reversão de um negócio de venda de ações celebrado em 2002 e que nenhum ganho ocorreu na esfera desse negócio, decidiu dar cobertura à posição da AT que lançou uma liquidação de IRC baseada apenas na primeira parte da vertente formal do referido negócio;
2-A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, acolheu a posição da AT que apenas valorou o lançamento contabilístico de 2002, favorável à tese da tributação, tendo desconsiderado a inexistência dos pressupostos da tributação e o lançamento contabilístico complementar e de sinal contrário de 2007, porque desfavorável à referida tese;
3-A douta sentença recorrida não foi assim sensível ao facto de ter ficado provado nos autos que não ocorreu a transmissão económica das ações e que a transmissão jurídica também não aconteceu dado que o contrato ficou subordinado a uma condição de natureza suspensiva que nunca se veio a verificar;
4-A douta sentença recorrida deu cobertura à posição defendida pela AT de que os princípios referidos na conclusão 1 não têm qualquer relevância no caso em apreço, porque não favoreceram a tese da tributação, e que, ao contrário, um simples movimento contabilístico, registando um contrato sem substância, deve prevalecer, sem apelo nem agravo, sobre todos esses princípios e sobre os factos que desmentem a existência dos pressupostos da tributação;
5-Ao qualificar como facto tributário uma alienação de ações que não passou do papel, a AT, coberta pela douta sentença recorrida, considerou, ao contrário da regra geral de direito prevista no n.º 1 do artigo 408.º do CC, que todos os bens e direitos - e não apenas os direitos reais - se transmitem por mero efeito do contrato;
6-Por outro lado, foi vastamente invocado e provado nos autos que a ora recorrente, em relação ao mesmo ano e ao mesmo facto tributário foi destinatária de duas inspeções tributárias em clara e grosseira violação do disposto no artigo 63.º, n.º 4, da LGT;
7-Com efeito, na sequência de uma inspeção levada a cabo pelos serviços de inspeção da Direção de Finanças de Lisboa em 2007, que analisou toda a operação da alienação das ações, os próprios serviços tributários constataram a não produção de efeitos económicos e jurídicos, tendo concluído que também não deveria haver efeitos tributários;
8-A referida conclusão foi comunicada pelos serviços tributários à impugnante, através de ofício datado de 23-10-2007 junto aos autos, tendo eles próprios indicado que a empresa procedesse à reversão contabilística da operação, a qual foi assim concretizada em conformidade com as indicações da AT;
9-Em 2008, a AT reviu a decisão que tinha tomado em 2007 e ordenou uma nova inspeção à impugnante, tendo lançado a liquidação ora impugnada com base nessa segunda inspeção;
10-Decorre assim claramente dos autos que a mesma situação tributária foi objeto de duas inspeções tributárias, uma em 2007 e outra em 2008;
11-A Exma RFP procurou remediar esta ilegalidade, afirmando na sua contestação, à revelia de qualquer documento ou de qualquer prova, que uma das inspeções versou o exercício de 2003 e outra o exercício de 2004;
12-Foi isto que a mesma Exma RFP, em clara violação do disposto no nº 3 do artigo 516º do CPC, veio mais tarde, no ato de inquirição de testemunhas, sugerir à testemunha arrolada e ao administrador da ora recorrente, que responderam no sentido pretendido;
13-Não obstante os depoentes terem afirmado no sentido pretendido pela Exma RFP, a verdade é que os documentos provam claramente que houve lapso nos referidos depoimentos e que a estes não lhe pode ser conferida força probatória sobreposta aos documentos oficiais juntos aos autos;
14-Cabendo legitimamente perguntar que credibilidade podem merecer afirmações pouco convictas, sugeridas e produzidas a uma distância temporal superior a 8 anos, em que é razoavelmente admissível que o cérebro humano não tivesse registado com rigor uma tão ténue diferença sobre a abrangência de duas visitas do fisco;
15-E ainda que, por mera hipótese inconsistente, se quisesse valorar as afirmações que a Exma RFP produziu "a posteriori" na contestação, ainda assim estas não poderiam ter qualquer eficácia na liquidação - sendo esta que constitui objeto da impugnação judicial e do presente recurso - já que a mesma foi lançada com fundamento num relatório de inspeção que não rebateu a duplicação invocada;
16-Não é demais insistir que resulta claramente dos documentos juntos aos autos que o primeiro procedimento inspetivo de 2007 versou sobre o período temporal de 2000 a 2005, incidindo sobre a matéria da comprovação do reinvestimento, situação esta que foi igualmente objeto da segunda inspeção ocorrida em 2008, não obstando esta ter tido por alvo apenas o exercício de 2004;
17-Houve assim duplicação de inspeções ao mesmo sujeito passivo, ao mesmo facto tributário e, quanto ao exercício de 2004, ao mesmo período temporal;
18-A segunda inspeção, justamente aquela em que se fundamentou a liquidação impugnada, violou grosseiramente o disposto no artigo 63º, nº 4, da LGT que determina que só pode haver "mais de um procedimento de inspeção externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada em factos novos, do dirigente máximo do serviço";
19-Assim, além de se fundar em pressupostos tributários que não existiram, a liquidação impugnada assenta também na violação de um preceito legal de natureza imperativa que determina a sua anulação;
20-Nestes termos e nos que doutamente serão supridos deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, determinando-se a anulação da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2004 ou, quando assim se não decida, que seja anulada a douta sentença recorrida, com as demais consequências legais, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.323 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.264 a 269 dos autos):
1-A impugnante, “L... - SGPS, S.A.”, com o n.i.p.c. …, é uma sociedade que tem como objeto a gestão de participações sociais (cfr.relatório de inspecção junto a fls.58 a 68 do processo administrativo apenso);
2-Em 14/10/2002, a “L... SGPS, SA.”, ora impugnante, representada por M... e J..., alienou a J..., V..., A..., M... e J..., a totalidade da sua participação (100%) do capital que detinha na sociedade Q...-Urbanização e Gestão de Imóveis, S.A., i.e., mil ações ao portador, para cada um dos cinco adquirentes, as quais tinham um valor unitário de € 10,00 (cfr.documentos juntos a fls.15 a 24 dos presentes autos);
3-J..., V..., A..., M... e J..., eram também sócios da “L... SGPS, S.A.” (cfr.documento junto a fls.31 a 33 dos presentes autos);
4-O preço da compra e venda, referida no ponto anterior, foi de € 612,00 por acção, no valor total de € 612.000,00, para cada um dos cinco adquirentes (cfr.documentos juntos a fls.15 a 24 dos presentes autos);
5-No âmbito dos contratos supra, os contraentes acordaram que o pagamento integral das mil ações, seria efectuado no momento da entrega dos títulos representativos das ações vendidas (cfr.documentos juntos a fls.15 a 24 dos presentes autos);
6-A sociedade Q...-Urbanização e Gestão de Imóveis, S.A., é proprietária de um prédio situado na Serra da ..., concelho de ..., sobre o qual se encontra pendente na Câmara Municipal de ..., um pedido de licenciamento de uma operação de loteamento (cfr.documentos juntos a fls.27 a 30 dos presentes autos; depoimento da testemunha D... e do declarante J...);
7-No balanço da “L... SGPS, SA.” em 2001, encontra-se reflectido na rúbrica de “Investimentos Financeiros” - 100% do capital social, no valor de € 70.655,63, da sociedade Q... - Urbanização e Gestão de Imóveis, S.A. (cfr.documento junto a fls.34 e 35 dos presentes autos);
8-No balanço da “L... SGPS, S.A.”, do exercício de 2002, encontra-se reflectida “a alienação total das ações detidas na sociedade Q... - Urbanização e Gestão de Imóveis, S.A. (cfr.documento junto a fls.36 e 37 dos presentes autos);
9-No exercício de 2002, em 31/12/2002, a impugnante contabilizou, por cinco vezes, na conta 2551-suprimentos, o movimento positivo no valor de + € 612.000,00, por contrapartida e, em sentido contrário, igualmente por cinco vezes, registou - € 612.000,00 na conta 7941-proveitos extraordinários (cfr.documentos juntos a fls.38 e 39 dos presentes autos);
10-Com referência ao valor das mais-valias obtidas com a alienação das ações da sociedade Q..., S.A., no montante de € 2.660.256,17, a impugnante declarou, em 2002, que o pretendia reinvestir, nos termos do artº.45, do C.I.R.C., mais não tributando qualquer parcela da mais-valia realizada (cfr.relatório de inspecção junto a fls.58 a 68 do processo administrativo apenso);
11-Através do Oficio nº 032922, de 20/04/2007, a A.T. efectua notificação à impugnante, para, “(…) em cumprimento do despacho nº DI200702317, relativo à sociedade L... SGPS, S.A., no âmbito das mais-valias realizadas nos exercícios de 2000 a 2005, e com o objectivo de comprovar o reinvestimento efectuado, fica por este meio notificada a sociedade supra referenciada para apresentar ou remeter no prazo de 30 dias, contados a partir da data de assinatura do Aviso de recepção, os seguintes elementos (…)”
(cfr.documento junto a fls.44 e 45 dos presentes autos);
12-Em 24/05/2007, a impugnante respondeu “Ass: notificação para apresentação de documentos fiscalmente relevantes”, tendo juntado para o efeito os elementos solicitados pela A.T. (cfr.documento junto a fls.46 e 47 dos presentes autos);
13-A coberto da ordem de serviço nº …, de 14/01/2008, foi determinado procedimento inspetivo à L...-SGPS, S.A., ao exercício de 2004 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.58 a 68 do processo administrativo apenso);
14-A A.T. no relatório final da inspeção apresentou a fundamentação seguinte:
“(…)
III- DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS” III.1. MAIS-VALIAS FISCAIS: (…) veio o sujeito passivo a esclarecer, através de fax recebido nestes serviços no dia 8 de Outubro de 2007, que de facto não acresceu o valor da mais-valia obtida em 2002 no quadro 07 da declaração de rendimentos por ter a intenção de reinvestir o respetivo valor de realização. Afirma ainda que, toda a ação estava condicionada à evolução do loteamento levado a efeito pela empresa Q..., S.A., na Serra da ..., cuja mais-valia por ele gerada, iria dar suporte ao citado reinvestimento. Acontece que o licenciamento do referido loteamento foi sendo sempre adiado pelos serviços camarários de ... até aos dias de hoje. Em consequência dos acontecimentos citados no parágrafo anterior, a administração da L..., SGPS, S.A., decidiu que a citada alienação regressasse à empresa pelo mesmo valor de realização, só que não o fez em tempo útil. Porém esta situação foi regularizada no corrente ano(…)”
(cfr.relatório de inspecção junto a fls.58 a 68 do processo administrativo apenso);
15-Mais tendo concluído a A.T. o seguinte:
“(…) Reconhece o sujeito passivo não ter concretizado o reinvestimento do montante de € 3.060.000,00, realizado em 2002. Reconhece, igualmente, não ter tributado a mais-valia fiscal associada àquele montante, no valor de € 2.660.256,17. (…) deveria a L... ter incluído no seu resultado para efeitos fiscais do exercício de 2002 o montante de € 1.330.128,09 (correspondente a metade de € 2.660.256,17, valor da mais-valia fiscal obtida no exercício, relativamente à qual manifestou pretender reinvestir o valor de realização associado). A parte restante da mais-valia deveria ter sido incluída no lucro tributável do exercício de 2004, dado não ter sido entretanto concretizado o reinvestimento conforme intenção manifestada em 2002, majorada em 15%, no termos do nº 6 do art. 45º do CIRC, na redacção que então vigorava (…) O lucro tributável declarado em 2004 deverá, assim, ser corrigido pelo montante de € 1.529.647,30 (correspondente a metade do valor da mais-valia fiscal obtida e não tributada em 2002, majorada em 15%), a favor do Estado, nos termos do nº 6 do art. 45º do CIRC, na redacção que vigorava em 2002 (…)”
(cfr.relatório de inspecção junto a fls.58 a 68 do processo administrativo apenso);
16-Na sequência da inspecção, em 19/11/2008, foi realizada a liquidação adicional de IRC relativa a 2004, nº 2008 1490511, no valor de € 498.911,23, dos quais € 439.521,63 se reportam a imposto e € 59.389,60 respeitam a juros compensatórios (cfr.documento junto a fls.7 do processo administrativo apenso);
17-A impugnante foi notificada da liquidação através do registo dos CTT …, com data de 26/11/2008 (cfr.documento junto a fls.4 do processo administrativo apenso);
18-A data limite de pagamento da liquidação adicional nº 2008 1490511 foi fixada em 29/12/2008 (cfr.documento junto a fls.7 do processo administrativo apenso);
19-Não tendo sido efectuado o pagamento do valor apurado na liquidação adicional de IRC/2004, foi extraída certidão de dívida que serviu de base ao processo de execução fiscal com nº. … (cfr.documento junto a fls.8 do processo administrativo apenso);
20-Em 2007, a impugnante ponderou e veio a desistir, nesse ano, do negócio da venda das ações da sociedade Q..., S.A., uma vez que o prédio de que esta era detentora, na Serra da ..., não tinha obtido a autorização de licenciamento da operação de loteamento (cfr.depoimento do declarante J...);
21-A anulação do negócio celebrado em 2002 ocorreu em 2007 (cfr.depoimento da testemunha D... e do declarante J...);
22-No exercício de 2007, a impugnante contabiliza por cinco vezes, a anulação do valor de € 612.000,00, referente à conta 2551 de 2002, por contrapartida e, em sentido contrário, do valor de € 612.000,00, na conta 6941, sendo anulado o valor total de € 3.060.000,00 (cfr.documento junto a fls.42 a 43 dos presentes autos);
23-No anexo ao balanço e demonstração de resultados do exercício de 2007, passa a constar a participação da L... SGSP, S.A. a 100% no capital da sociedade Q..., S.A. (cfr.documento junto a fls.40 e 41 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra.
E, ainda, com base no depoimento da testemunha D..., técnico oficial de contas, contabilista da impugnante, bem como nas declarações de parte produzidas por J..., os quais confirmaram a celebração e contabilização do negócio de compra e venda das ações em 2002, bem como a posterior anulação desse negócio em 2007, e contabilizada nesse exercício de 2007.
Os depoimentos encontram-se em conformidade com a restante prova documental, não impugnada, incluída nos autos, concluindo-se pela sua credibilidade…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente impugnação, mais mantendo a liquidação adicional controvertida, relativa ao exercício de 2004 (cfr.nº.16 do probatório).
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega o recorrente, em primeiro lugar e em síntese, que a sentença recorrida limitou-se a acolher a posição da Fazenda Pública que apenas valorou o lançamento contabilístico de 2002, favorável à tese da tributação, tendo desconsiderado a inexistência dos pressupostos da tributação e o lançamento contabilístico complementar e de sinal contrário de 2007, porque desfavorável à referida tese. Que ficou provado nos autos que não ocorreu a transmissão económica das acções e que a transmissão jurídica também não aconteceu, dado que o contrato ficou subordinado a uma condição de natureza suspensiva que nunca se veio a verificar. Que a sentença recorrida não faz uma adequada interpretação do princípio constitucional da tributação do lucro real e do princípio da prevalência da substância sobre a forma. Que ao contrário da regra geral de direito prevista no artº.408, nº.1, do C.Civil, que todos os bens e direitos - e não apenas os direitos reais - se transmitem por mero efeito do contrato (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14).
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, de acordo com a factualidade provada a sociedade recorrente alienou a totalidade das acções representativas do capital social de que era detentora na sociedade “Q..., S.A.”, tendo reflectido esse negócio jurídico na contabilidade do exercício de 2002 (cfr.nºs.2 a 5, 8 e 9 do probatório). Igualmente se retira da matéria de facto que a sociedade apelante apurou mais-valias no valor de € 2.660.256,17 com a dita alienação de acções pelo montante total de € 3.060.000,00, declarando que pretendia reinvestir tal montante, nos termos do artº.45, do C.I.R.C., assim não tributando qualquer parcela da mais-valia realizada (cfr.nº.10 do probatório). Por último, retira-se da factualidade provada que a sociedade recorrente não concretizou o reinvestimento do montante de € 3.060.000,00, realizado em 2002, reconhecendo, igualmente, não ter tributado a mais-valia fiscal associada àquele montante, no valor de € 2.660.256,17, tudo até ao exercício de 2004 (cfr.nºs.14 e 15 do probatório).
Apesar do quadro fáctico acabado de descrever, entende o recorrente que não se verificam os pressupostos da tributação no caso concreto, porquanto, não existe o facto tributário supra descrito. Que os princípios da tributação do lucro real e da prevalência da substância sobre a forma deveriam levar à não tributação de tal operação de alienação de acções. Que a liquidação objecto do processo igualmente viola o artº.408, nº.1, do C.Civil.
Analisemos se assim será.
Comecemos por abordar o conceito de acção, enquanto modalidade de título de crédito, que pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social (cfr.José María Lozano Irueste, Dicionário abreviado de Economia, Campo das Letras, 1999, pág.24). As acções escriturais são as que se limitam a um registo, não existindo qualquer título que as represente. Por sua vez, as acções nominativas (por contraposição face às acções ao portador) são as que indicam o nome do seu possuidor, transmitindo-se por endosso, sendo que a sua transmissão apenas produz efeitos para com a respectiva sociedade a partir da data do averbamento no livro de registo de acções (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,11/10/2011,proc.5052/11;ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,18/12/2014, proc.7905/14; José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial, III, Títulos de Crédito, Faculdade de Direito de Lisboa, 1992, pág.40 a 47; Carlos Figueiredo dos Santos, Operações Bancárias e Sua Contabilidade, 1992, Rei dos Livros, pág.326).
No caso “sub judice” a recorrente alienou, a diversos dos seus sócios, acções ao portador representativas de toda a participação social que detinha na sociedade Q...-Urbanização e Gestão de Imóveis, S.A., tudo conforme se retira do probatório (cfr.nº.2 da matéria de facto).
Passemos à noção de mais-valias.
As mais-valias traduzem-se em ganhos ocasionais de capital, sem relação directa com a actividade produtiva, assim não sendo consideradas como rendimento, mas como um acréscimo patrimonial. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização. O POC definia o conceito de mais-valia contabilística como o ganho resultante da alienação de bens do activo imobilizado corpóreo, incorpóreo ou financeiro evidenciado na conta 794 - Ganhos em imobilizações (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/12/2014, proc.7905/14; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.443 e seg.; Miguel Luís Cortês Pinto de Melo, A Tributação das Mais-Valias Realizadas na Transmissão Onerosa de Partes de Capital pelas SGPS, Almedina, 2007, pág.11).
"In casu", deve começar por examinar-se o artº.45, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2002:
Artigo 45º
(Reinvestimento dos valores de realização)

1-Para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por um período não inferior a um ano, ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, com excepção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.º 4 do artigo 58 º.
2-No caso de se verificar apenas o reinvestimento parcial do valor de realização, o disposto no número anterior é aplicado à parte proporcional da diferença entre as mais-valias e as menos-valias a que o mesmo se refere.
3-Não é susceptível de beneficiar do regime previsto nos números anteriores o investimento em que tiverem sido utilizadas as provisões referidas nos artigos 37º e 38º.
4-O disposto nos números anteriores é aplicável à diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, com as seguintes especificidades:
(…)
5-Para efeitos do disposto nos nºs 1, 2 e 4, os contribuintes devem mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 109º do exercício da realização, comprovando na mesma e nas declarações dos dois exercícios seguintes os reinvestimentos efectuados.
6-Não sendo concretizado, total ou parcialmente, o reinvestimento até ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização, considera-se como proveito ou ganho desse exercício, respectivamente, a diferença ou a parte proporcional da diferença prevista nos nºs 1 e 4 não incluída no lucro tributável, majorada em 15%.
(…)”
Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012,proc.5320/12;ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13).
O regime das mais-valias obtidas por SGPS foi sujeito a alterações introduzidas pela Lei 30-G/2000, de 29/12 (vulgarizada por ‘Lei da Reforma Fiscal”), as quais se podem sistematizar:
1-De acordo com o artº.45, nº.1, do C.I.R.C., a mais-valia líquida realizada na transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado, é considerada por um quinto do seu valor no exercício seguinte ao da realização e por igual montante nos 4 exercícios seguintes posteriores, desde que o valor realizado seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração;
2-O regime é aplicável apenas às mais-valias apuradas nos períodos de tributação iniciados a partir de Janeiro de 2001;
3-É previsto um regime transitório, que vem definir o tratamento a dar às mais-valias realizadas até ao início da vigência da Lei, determinando que se existir reinvestimento até ao fim do 2.º exercício ao da realização, mantém-se o regime de exclusão até ao momento da alienação dos bens em que se havia concretizado o reinvestimento e é deferida a tributação destas mais-valias pelo período de 10 anos a contar do ano de realização;
4-Mais se refere que o regime do artigo 45.º do CIRC é aplicável às mais-valias obtidas por SGPS, ex vi” do artº.31, nº.2, do E.B.F. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/5/2013, rec.1041/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6613/13; Miguel Luís Cortês Pinto de Melo, A Tributação das Mais-Valias Realizadas na Transmissão Onerosa de Partes de Capital pelas SGPS, Almedina, 2007, pág.50).
Já com a entrada em vigor da Lei 109-B/2001, de 27/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2002; regime aplicável no caso dos autos), e da remissão do artº.31, do E.B.F., a mais-valia líquida passa a ser considerada em metade do seu valor para efeitos fiscais, se no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício da dita realização ou até ao fim do 2º exercício seguinte, se verificasse o reinvestimento do mesmo valor de realização. No caso de tal investimento não ter lugar, a outra metade da mais-valia obtida deve ser acrescida ao lucro tributável do segundo exercício seguinte ao da realização, majorada em 15%, tudo nos termos do artº.45, nº.6, do C.I.R.C., supra identificado (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/5/2013, rec.1041/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6613/13; Miguel Luís Cortês Pinto de Melo, A Tributação das Mais-Valias Realizadas na Transmissão Onerosa de Partes de Capital pelas SGPS, Almedina, 2007, pág.51; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.146 e seg.).
Por último, deve vincar-se que residindo a teleologia de um tal regime de suspensão e diferimento de tributação de mais-valias no reinvestimento do valor realizado com a alienação do activo que operou a mais-valia, forçoso é concluir que constitui elemento basilar do mesmo a conexão entre o valor de realização, o reinvestimento e as mais-valias que lhe são subjacentes.
Descendo ao caso dos autos, levando em consideração a factualidade provada, deve concluir-se, com o Tribunal “a quo”, que no exercício de 2004, a sociedade recorrente deveria ter relevado contabilisticamente a parte restante da mais-valia, no valor de € 1.330.128,09, dado que não reinvestiu aquele montante, sujeitando-o a tributação em conformidade com o disposto no citado artº.45, nº.6, do C.I.R.C.
Por outro lado, deve vincar-se que a contabilidade da sociedade apelante no exercício de 2004, não reflectiu qualquer anulação do negócio de 2002, pois nestes exercícios o respetivo Balanço não regista qualquer reposição da sua participação no capital social da sociedade “Q..., S.A.”. Apenas em 2007 é reinscrita no Balanço da recorrente a verba correspondente à sua participação no capital social da dita “Q..., S.A.”. Antes de 2007 não existe qualquer facto que possa ter reflexo na contabilidade e que respeite à reversão do negócio celebrado em 14/10/2002 (cfr.nºs.21, 22 e 23 do probatório). Eventualmente, será no exercício de 2007 que se impõem as devidas correcções fiscais, mas que já não são objecto dos presentes autos.
Em conclusão, não tendo ocorrido qualquer alteração fáctica e, em consequência, contabilística, entre 2002 e 2004, o lucro tributável da recorrente, no exercício de 2004, necessariamente, tinha de reflectir o acréscimo patrimonial obtido em 2002 que não havia sido tributado, em atenção ao disposto no artº.45, nº.6, do C.I.R.C., ou seja, € 1.330.128,09, correspondente a 50% da mais-valia, e 15% correspondente à penalização, no total de € 1.529.647,30, tudo conforme decidiu a A. Fiscal e o Tribunal “a quo”.
Apesar disso, o recorrente chama à colação os princípios da tributação do lucro real e da prevalência da substância sobre a forma.
O princípio da tributação pelo lucro real, como opção de tributação relativa aos entes empresariais, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.Portuguesa.
Porém, tal princípio, não é absoluto, como desde logo a redacção da sua norma o pressupõe, ao dispor que a tributação das empresas incide "fundamentalmente" sobre o seu rendimento real, e não em todo e qualquer caso, antes tendo de ser concatenado com outros princípios constitucionais e normas constantes em diversos diplomas legais infra-constitucionais, como seja, por exemplo, o da satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (artº.103, nº.1, da C.R.P.), tal como os artºs.18 e 23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.6694/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/10/2015, proc.8843/15; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1100).
No caso "sub judice", não lobrigando o Tribunal no que possa ter violado o mesmo princípio constitucional a correcção à matéria colectável e consequente liquidação de I.R.C. objecto do presente processo (o recorrente também nada concretiza neste domínio), julga-se improcedente o presente fundamento do recurso.
Quanto ao princípio da prevalência da substância sobre a forma, entende-se o mesmo no sentido de que, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado. Tal princípio deve ser examinado em conjugação com o fenómeno da fraude à lei, assim podendo limitar o contribuinte no que respeita ao grau da sua oneração fiscal e consubstanciando a aplicação de tal princípio a consagração da cláusula geral anti-abuso prevista no artº.38, nº.2, da L.G.T. (cfr.J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.154 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.324).
Também quanto a este princípio, não vislumbra o Tribunal que a sua aplicação pudesse contender com a legalidade do acto tributário objecto do presente processo, igualmente não concretizando o recorrente tal relação.
Por último, não vislumbra o tribunal como o artº.408, nº.1, do C.Civil, pode brigar com a liquidação objecto dos autos.
Rematando, improcede o presente esteio do recurso.
Aduz o apelante, em segundo lugar e em sinopse, que houve duplicação de inspeções ao mesmo sujeito passivo, ao mesmo facto tributário e, quanto ao exercício de 2004, ao mesmo período temporal. Que se violou o disposto no artº.63, nº.4, da L.G.T., violação esta que determina a anulação da liquidação impugnada (cfr.conclusões 6 a 18 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, mais um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
A questão sob apreciação não foi invocada nos articulados da presente impugnação em 1ª. Instância. Na verdade, não se alcança do exame do articulado inicial e da contestação (cfr.fls.3 a 11 e 80 e 81 dos autos) que a matéria vertida nas conclusões que se deixou exposta (a invocada existência de duas inspecções e a consequente violação do disposto no artº.63, nº.4, da L.G.T.) haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente, não sendo matéria de conhecimento oficioso.
É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/8/2012, proc.5857/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 9/7/2013, proc.6817/13). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P. Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dele se não conhece.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a sentença recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto – com Voto de Vencida*)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)


*Vencida
Contrariamente à posição que obteve vencimento, entendo que ao recurso deveria ter sido concedido provimento.
Com efeito, é meu entendimento que o circunstancialismo de facto provado, em concreto o teor dos pontos 20, 21, 22 e 23, ditava um enquadramento jurídico da questão em análise diferente do acolhido, no sentido da não tributação da mais-valia.