Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:27/11.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:FALTA DE CONSUBSTANCIAÇÃO DE NULIDADES
SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
Sumário:
I. A mera menção à existência de nulidades na sentença, que não esteja minimamente consubstanciada, é impeditiva do seu conhecimento.

II. A caducidade do direito à liquidação (ao contrário da notificação da liquidação depois do prazo de caducidade) não é fundamento de oposição à execução fiscal.

III. A citação para a execução fiscal é facto interruptivo do prazo de prescrição de dívidas à Segurança Social, tendo o efeito jurídico instantâneo de inutilizar todo o prazo anteriormente decorrido e o efeito jurídico duradouro de paralisação do decurso do prazo até ao termo do processo executivo, nos termos do art.º 327.º, n.º 1, do Código Civil.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

R….. (doravante Recorrente ou oponente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 16.01.2017, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada parcialmente procedente a oposição por si apresentada, ao processo de execução fiscal (PEF) n.º ….. e apensos, que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (doravante Recorrido ou IGFSS) lhe moveu, por dívidas de contribuições à Segurança Social dos meses compreendidos entre dezembro de 2003 e fevereiro de 2009.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, o Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1) Conforme resulta de fls., o Oponente, nos termos do disposto nos artigos 203º e seguintes, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deduziu oposição à execução, tendo alegado o que consta de fls., e que acima se transcreveram as conclusões, para melhor apreciação nestas alegações;

2) A Oposição foi recebida, conforme resulta de fls.;

3) O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social apresentou contestação, admitindo a prescrição das dividas referentes aos meses de Dezembro de 2003, Janeiro a Dzembro de 2004 e Janeiro a Maio de 2005;

4) Foram apresentadas as alegações escritas mantendo o Oponente a posição já anteriormente assumida;

5) Por sentença de fls., foi decidido julgar extinta a execução fiscal instaurada, relativamente às dividas anteriores a Maio de 2005, por prescrição.

6) Salvo o devido respeito, que é muito, não estamos de acordo com a decisão;

7) Como resulta de fls., a oposição deu entrada na sede do Exequente, no dia 02/08/2010;

8) Nessa data o Recorrente alegou a caducidade da dívida exequenda, tendo em conta os anos de quotizações que estavam a ser peticionados na execução;

9) Tendo sido apresentada a oposição no dia 02 de Agosto de 2010, e tendo sido proferida a sentença em Janeiro de 2017 – passados 6 anos e 5 meses;

10) Não existiram incidentes e nem sequer foram inquiridas testemunhas;

11) Foi apenas um processo simples;

12) O nosso direito não permite este tipo de decisões;

13) O Recorrente não tem culpa que o Tribunal demorasse tanto tempo a decidir uma questão tão simples – a CADUCIDADE e a PRESCRIÇÃO, pelo menos;

14) A caducidade foi invocada, como tinha de ser;

15) A Prescrição é de conhecimento oficioso;

16) A razão da oposição foi precisamente requerer ao Tribunal que declarasse a caducidade e a prescrição da dívida, e que declarasse também que a dívida não era legal, nem sequer podia ser exigível;

17) Dúvidas não existem de que a sentença recorrida terá de ser Revogada, devendo declarar-se a prescrição da dívida com todas as consequências legais dai resultantes;

18) Não existem dúvidas de que quando a Exequente elaborou a execução, já a dívida estava prescrita na totalidade;

19) Tinha caducado há muito a possibilidade da Exequente poder exigir a divida do Recorrente, quando instaurou a execução;

20) Mesmo assim, a exequente, contra a lei, elaborou o processo executivo e obrigou o Recorrente a apresentar oposição, do que não devia e não podia ser exigido;

21) Existiu assim erro de interpretação e aplicação das normas legais que são enumeradas na sentença recorrida, o que implica a sua Revogação.

22) A sentença recorrida, não está fundamentada, tanto de facto como de direito, de acordo com o que a lei exige, e por isso viola o disposto nos artigos 153º e 668º do CPC;

23) A sentença recorrida também é omissa, sobre todas as questões que foram apresentadas pelo Recorrente na sua petição, e que não foram apreciadas nessa sentença;

24) A omissão de pronúncia gera a nulidade – artigo 668º do CPC”.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) A sentença recorrida padece de nulidade, por falta de fundamentação?
b) A sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia?
c) Há erro de julgamento, na medida em que caducou o direito à liquidação e a dívida exequenda se encontra prescrita?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A. Corre termos no IGFSS – Secção de Processo Executivo de Santarém, o PEF n.º …..e apensos, em nome do Oponente, R….., por dívidas relativas a contribuições dos períodos de Dezembro de 2003 a Fevereiro de 2009, no montante total de € 10.120,08, na qualidade de trabalhador independente – cfr. certidão de dívida, a fls. 20 e 21 dos autos, que se dá por reproduzida;

B. Por ofício de 26.06.2010, recebido a 02.07.2010, o Oponente foi citado, no âmbito do PEF referidos na alínea antecedente, para pagar a quantia exequenda de € 10.120,08, e acrescidos no valor de € 4.321,58 – cfr. citação e aviso de recepção, a fls. 13 e 22 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não se provaram outros factos que importe registar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PEF, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade da sentença, por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia

Considera o Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em falta de fundamentação e em omissão de pronúncia, geradoras de nulidade da sentença.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC].

A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito[1].

A lei processual exige, com efeito, que a sentença esteja cabalmente fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação.

Nas palavras de Alberto dos Reis[2], “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”.

Não obstante cumpre distinguir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que se configura como nulidade da sentença, nos termos já referidos, da existência de algumas insuficiências ou deficiências na fundamentação de facto e de direito.

“O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.// Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto[3].

Por outro lado, e quanto à omissão de pronúncia, nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, a mesma consubstancia nulidade da sentença e ocorre quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

Feito este introito, verifica-se que, não obstante o Recorrente invocar tais nulidades, não as consubstancia minimamente, optando por uma formulação genérica e vazia de conteúdo, que impede a sua apreciação. Não é indicado minimamente porque se considera carente de fundamentação a sentença nem são identificadas as concretas questões que o Recorrente considera não terem sido objeto de conhecimento pelo Tribunal a quo.

Como tal, nada há a apreciar a este respeito, atenta a falta de concretização referida que equivale a ausência de alegação.

III.B. Do erro de julgamento, quanto à caducidade do direito à liquidação

Considera, por outro lado, o Recorrente que se verifica caducidade do direito à liquidação, oportunamente alegada.

Vejamos.

Antes de mais, refira-se que a caducidade do direito à liquidação vem, de forma absolutamente desprovida de sustentação fática e meramente conclusiva, alegada no art.º 32.º da petição inicial.

Assim, inexistindo causa de pedir, não há por que conhecer a referida caducidade.

Como tal, não lhe assiste igualmente razão nesta parte.

III.C. Do erro de julgamento, atinente à prescrição

Considera, finalmente, o Recorrente que a totalidade da dívida exequenda se encontra prescrita.

In casu, o Tribunal a quo decidiu pela prescrição das dívidas anteriores a maio de 2005 (inclusive, como resulta da menção a estarem prescritas as dívidas que deviam ser pagas até 15.06.2005), entendendo não estarem prescritas as demais.

Vejamos então.

Como resulta da matéria de facto assente, estão em causa no presente recurso dívidas reportadas aos meses compreendidos entre junho de 2005 e fevereiro de 2009.

O regime da prescrição de dívidas à Segurança Social encontrava-se, à época, previsto na Lei n.º 32/2002, de 20 de dezembro (em vigor entre 19.01.2003 e 17.01.2007), e na Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro.

À semelhança do que já decorrida do regime constante da Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto, previa-se nos mencionados diplomas que a obrigação de pagamento das quotizações e das contribuições à Segurança Social prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida – cfr. o art.º 49.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de dezembro, e o art.º 60.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro.

Em termos de regime das causas interruptivas, há que atentar no n.º 2 do art.º 49.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de dezembro, e no n.º 4 do art.º 60.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro.

Ambos, também à semelhança do que decorria do regime pretérito, preveem que a interrupção da prescrição ocorre com “… qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária”, 2ª edição 2010, Áreas Editora, Lisboa, p. 126, sobre o afastamento da aplicação do n.º 1 do art.º 49.º, da LGT, nestes casos, face à disciplina especial).

Diligências administrativas, neste contexto, são todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos PEF, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor [v.g. a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do ato que a decide – v., a este propósito, v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.04.2010 (Processo: 023/10) e de 20.05.2015 (Processo: 01500/14); cfr. igualmente Jorge Lopes de Sousa, “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária”, cit., pp. 127 a 129].

Em matéria de efeitos das causas interruptivas da prescrição, há que referir que os regimes específicos das dívidas à segurança social não os preveem.

A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.04.2019 (Processo: 01437/18.4BEBRG) e ampla jurisprudência no mesmo citada, onde se refere:

“No que toca às dívidas à Segurança Social, o regime constante da Lei nº 4/2007, de 16.01, e no art.º 187º nºs 1 e 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, apenas disciplina, de modo específico, o prazo de prescrição (de 5 anos) e os respectivos factos interruptivos, consagrando que «o prazo de prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança».

Deste modo, e sabido que só o que não encontre regulação neste regime especial pode ser regulado pelas regras contidas na LGT, é inquestionável que só podem constituir factos interruptivos do prazo de prescrição das dívidas à Segurança Social as diligências administrativas que ocorram no processo conducente à sua liquidação ou à sua cobrança, como é, de forma indiscutível, o acto de citação para a execução fiscal.

Todavia, quanto aos efeitos ou eficácia jurídica destes factos interruptivos, eles terão de ser os previstos no Código Civil, uma vez que, como se disse, nem o diploma que define o regime das contribuições à Segurança Social nem a actual LGT dispõem sobre a matéria.

Com efeito, ao contrário do que constava do Código de Processo Tributário e da própria LGT até à revogação do nº 2 do seu art.º 49º pela Lei nº 53-A/2006, esta Lei Geral nada dispõe actualmente sobre os efeitos jurídicos da interrupção do prazo de prescrição, isto é, se os factos interruptivos têm efeito instantâneo ou duradouro, havendo, portanto, que aplicar o regime que, para a generalidade das obrigações, o legislador consagrou no Código Civil nos artigos 326º e 327º.

Neste contexto, não há, em princípio, suporte para afirmar que as "diligências administrativas", enquanto factos interruptivos, têm efeito duradouro; tais diligências determinam, em princípio, o imediato início de novo prazo prescricional, por aplicação da regra geral contida no art.º 326º do C. Civil, segundo o qual «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte».

Esta é, pois, a regra geral, do efeito instantâneo da interrupção, que só admite como excepção (efeito duradouro) a situação prevista no art.º 327º do C.Civil. Efectivamente, por força da parte final do art.º 326º do C.Civil, o acto interruptivo passa a ter efeito duradouro quando esteja em causa um acto de citação, sabido que o nº 1 do art.º 327º dispõe que «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».

Como refere Ana Filipa Morais Antunes (in "Prescrição e Caducidade", Coimbra Editora, pág. 161), «Estão em causa hipóteses de interrupção fundadas no exercício judicial do direito pelo respectivo titular e que justificam, por isso, um regime especial. Uma vez que os actos interruptivos judiciais desencadeiam um processo durante o qual se pode admitir que o titular não está inactivo, deverá manter-se a eficácia da interrupção, só começando o prazo a correr a partir do momento em que transitar em julgado a sentença que puser termo ao processo».

Ou como esclarecia Vaz Serra (in "Prescrição Extintiva e Caducidade", BMJ, nº 106, p. 248), em termos de saber em que momento começa a correr o novo prazo prescricional: «Há, por conseguinte, que apurar quando cessa a eficácia da causa interruptiva, ou, o que é o mesmo, qual a duração dessa eficácia. A este respeito, pode a eficácia da causa interruptiva ser instantânea ou permanente, conforme essa eficácia se produz em dado momento, cessando logo e começando, portanto, logo também o novo período prescricional, ou dura por um lapso de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período da prescrição. Eficácia instantânea tem o reconhecimento ou o acto da constituição em mora do devedor; deriva daí que do mesmo momento começa a correr um novo período prescricional. Eficácia permanente têm os actos interruptivos judiciais, dado que dão início a um processo, durante o qual pode admitir-se que o titular não está inactivo e deve, assim, manter-se a eficácia da interrupção. A prescrição só recomeçará a correr do momento em que transita em julgado a sentença que põe termo ao processo».

Por conseguinte, no caso de o prazo de prescrição ter sido interrompido pela citação para acção judicial (ainda que de natureza executiva), a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, embora, como se deixou já explicitado em acórdãos desta Secção, designadamente no proferido em 5/04/2017, no proc. nº 0304/17, deva equipar-se a essa decisão aquela que declare em falhas a execução fiscal.

Termos em que, mais uma vez, se reitera a jurisprudência desta Secção do STA, vertida, designadamente, nos acórdãos de 20/05/2015, no proc. nº 01500/14, de 29/01/2014, no proc. nº 01941/13, de 12/10/2016, no proc. nº 0984/16, de 31/03/2016, no proc. nº 0184/16, de 6/12/2017, no proc. nº 01300/17, e de 17/02/2018, no proc. nº 01463/17, no sentido de que não se descortina razão para, na ausência de disposição expressa do legislador fiscal, não atribuir ao acto de citação na execução fiscal a mesma eficácia duradoura que o acto de citação produz no processo executivo comum”.

Mais recentemente e no mesmo sentido, v. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.07.2020 (Processo: 0534/20.0BEBRG).

Assim, as causas de interrupção da prescrição mencionadas supra têm, desde logo, o efeito instantâneo de inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente.

No entanto, nos casos previstos no art.º 327.º, n.º 1, do Código Civil, têm ainda o efeito duradouro de paralisação do decurso do prazo, enquanto não houver termo do processo.

Por outro lado, sublinhe-se que, até 2007, a LGT previa a possibilidade de sobreposição de vários efeitos interruptivos.

A este respeito, chama­‑se à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.04.2019 (Processo: 02369/15.3BEPNF 0983/16), onde se concluiu, designadamente, que, “[v]erificando-se uma sucessão cronológica de causas de interrupção da prescrição antes de 1 de Janeiro de 2007 (data em que entrou em vigor a redacção dada ao art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro), cada uma delas tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional, ainda que ocorra quando a anterior ainda está a produzir efeitos”[4].

Com efeito, apenas com a redação que a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, deu ao n.º 3 do art.º 49.º, da LGT, é que ficou definido que a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar[5].

Por outro lado, definia-se, no n.º 2 do mesmo art.º 49.º, que a “… paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.

A partir de 2007, não só passou a ser considerada apenas uma causa de interrupção, mas também foi revogado o n.º 2 do art.º 49.º da LGT.

É ainda ter em conta a possibilidade de ocorrência de qualquer causa suspensiva do prazo, atento o regime constante da LGT, subsidiariamente aplicável (cfr. Jorge Lopes de Sousa, “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária”, cit., p. 126: “No que não está especialmente regulado serão de aplicar as regras dos arts. 48.° e 49.° da LGT, atenta a vocação desta Lei para regular a generalidade das relações jurídico-tributárias, afirmada no seu art. 1.°”; cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.04.2010 – Processo: 023/10, já mencionado).

Assim, as causas de suspensão encontravam-se previstas, na versão inicial da LGT, no n.º 3 do art.º 49.º, nos termos do qual “[o] prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso”, redação que se manteve até à alteração ocorrida por força da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, com a qual as causas de suspensão passaram a estar consagradas no n.º 4 do art.º 49.º, que previa que “[o] prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida”.

Finalmente, refira-se que, no caso de dívidas à segurança social, o prazo de prescrição se conta a partir da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida, ou seja, considerando o regime aplicável à época, no 15.º dia do mês seguinte àquele a que o tributo respeita (cfr. art.º 10.º, n.º 2, do DL n.º 199/99, de 8 de junho).

Feito este introito, vejamos a situação dos autos.

No caso, ficou provada a citação do Recorrente a 02.07.2010.

Atentando na dívida mais antiga, a relativa ao mês de junho de 2005, o respetivo prazo de prescrição iniciou-se a 15 de julho de 2005, pelo que, na ausência de quaisquer causas interruptivas ou suspensivas, a mesma completar-se-ia 5 anos depois. No entanto, como vimos, antes de se completarem os 5 anos, foi o Recorrente citado, motivo pelo qual ocorreu uma causa interruptiva da prescrição. Logo, por maioria de razão, tal ocorreu com as demais dívidas objeto do recurso, uma vez que todas elas tiveram como termo inicial momento ulterior.

Esta causa de interrupção tem o efeito de instantâneo de inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente, mas tem ainda o efeito duradouro de paralisação do decurso do prazo, enquanto não houver termo do processo, dado decorrer da citação[6] - cfr. art.º 327.º, n.º 1, do Código Civil - , como já deixamos explanado anteriormente.

Assim, mantendo-se este efeito duradouro, as dívidas em causa não se encontram prescritas.

Logo, carece de razão o Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Custas pelo Recorrente;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 03 de dezembro de 2020


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha


___________________
[1] V., neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.01.2018 (Processo: 01411/16), de 25.11.2015 (Processo: 0162/15) e de 04.03.2015 (Processo: 01939/13) e os deste TCAS, de 15.11.2018 (Processo: 1339/10.2BELRA) e de 15.05.2014 (Processo: 07508/14).
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139.
[3] Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140.
[4] Cfr. igualmente, a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.04.2013 (Processo: 0443/13), de 09.04.2014 (Processo: 0367/14) e de 15.06.2016 (Processo: 01800/13).
[5] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a prescrição da obrigação tributária, 2.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pp. 73, 78 e 79.
[6] V., a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.01.2018 (Processo: 01360/17) e de 06.12.2017 (Processo: 01300/17).