Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:866/11.9BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:ÂNGELA CRISTINA DA SILVA CERDEIRA
Sumário:I - A execução das sentenças dos tribunais tributários segue o regime previsto para a execução das sentenças dos tribunais administrativos – cfr. artigo 102.º, n.º 1 da LGT.
II – De acordo com o artigo 179.º, n.º 1 do CPTA, o processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos culmina num momento declarativo, em que o tribunal especifica o conteúdo dos actos e operações a adoptar, fixando o prazo em que esses actos e operações devem ser adoptados. Quando se imponha o pagamento de quantias em dinheiro, o n.º 4 do artigo 179.º estabelece que o prazo tem de ser de 30 dias.
III – É só num segundo, eventual, momento que deparamos com elementos estruturalmente executivos, designadamente no n.º 4 do artigo 179.º do CPTA, sendo essa declaração judicial dos actos devidos passível de execução forçada, seguindo-se os termos do processo executivo para pagamento de quantia certa.
IV – O despacho que rejeita o “requerimento executivo”, por ter considerado caducado o direito que a Exequente pretendia através do mesmo exercer, assume a natureza de um indeferimento liminar, isto é, um despacho anterior a qualquer tramitação da referida fase subsequente do processo, não se impondo, por isso, a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento.
V - Ao remeter para os termos do processo executivo para pagamento de quantia certa, em caso de incumprimento da sentença executiva, pretende o legislador que o processo prossiga em fase de execução, seguindo os termos do processo executivo para pagamento de quantia certa, definidos nos artigos 171.º e 172.º do CPTA.
VI - Não está, pois, a norma em causa a remeter para o artigo 170º e, muito menos, para o respectivo nº 2, que regula o prazo para o início da instância executiva, na sua “fase declarativa”, o que significa que o prosseguimento da execução não está sujeito a qualquer prazo de caducidade.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

N........, S.A. (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 24 de Fevereiro de 2020, que indeferiu liminarmente o requerimento por si apresentado, em 22 de Janeiro de 2019, no âmbito do processo de Execução de Julgados com o nº 866/11.9BELRA.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES:

I. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo afigura-se nula, por violação do princípio do contraditório, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao omitir uma formalidade que a lei (o artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil) prescreve, qual seja, a de notificar a N........ para se pronunciar sobre a exceção dilatória oficiosamente suscitada — e decidida — pelo Tribunal a quo.

II. Trata-se, manifestamente, de uma omissão que influi no exame da causa, porquanto a pronúncia da N........ certamente conduziria o Tribunal a ponderar os seus argumentos e, no limite, a decidir a questão oficiosamente suscitada de modo diferente. III. Ocorrendo essa nulidade, não sanada e não sanável, ocorre igualmente a nulidade de todo o processado em seguida, ou seja, da sentença proferida. Quando assim não se entenda,

IV. Ao aplicar o Código de Processo nos Tribunais Administrativos na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, o Tribunal incorreu em erro de julgamento, com violação do artigo 15.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei.

V. O artigo 179.º, n.os 4 a 6, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não preveem qualquer prazo processual para que o exequente requeira o prosseguimento dos autos de execução,

VI. Pelo que nenhuma sustentação tem o entendimento de que, estando em causa o pagamento de quantia certa (apenas o caso regulado no n.º 4), essa pretensão de prosseguimento dos autos de execução estivesse sujeita a prazo processual.

VII. A N........ já cumpriu o ónus processual de requerer a execução da sentença anulatória no prazo legalmente previsto no artigo 176.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e a ISS já apresentou contestação.

VIII. A instância executiva culminou com sentença transitada em julgado que determinou ao ISS o pagamento das quantias liquidadas no prazo de 30 dias.

IX. Não há, pois, qualquer razão jurídica que determine que a instância executiva devesse voltar ao início, com a apresentação de nova petição de execução e a apresentação de nova contestação, como resultaria da aplicação do artigo 170.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

X. Não é, pois, aplicável o novo ónus de propor apresentar nova petição nos termos definidos no artigo 170.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. XI. Ao considerar aplicável o artigo 170.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e ao declarar a caducidade do direito da N........ em requerer a prossecução da instância executiva ante o incumprimento reiterado do ISS em cumprir a sentença executiva transitada em julgado, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação dos artigos 179.º, n.º 4, e 170.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

XII. É desconforme com os artigos 205.º, n.os 2 e 3, e 268.º, n.º 4, e com o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 2.º, todos da Constituição, a interpretação do artigo 179.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos segundo a qual o prosseguimento da instância executiva de sentença de anulação em caso de incumprimento pela Administração de sentença proferida em processo executivo está dependente de instauração de nova petição de execução, a que se segue a fase declarativa de contestação do executado, a propor no prazo previsto no artigo 170.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Regularmente notificada para os termos do recurso, a Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O despacho recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:

«(…) considero documentalmente provados, com base nos documentos referenciados junto a cada um dos pontos, os seguintes factos:

A. Em 25.05.2015, no processo de Execução de Julgados n.º 866/11.9BELRA, foi proferida decisão judicial cujo dispositivo apresenta o seguinte teor:

“i. absolver da instância o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. – Secção de Processo de Santarém;

ii. declarar a inutilidade superveniente da lide na parte respeitante ao pagamento à Exequente do valor de € 483.819,48 ; e

iii. julgar parcialmente procedente, por provada, a presente execução de julgados e, em consequência: - condenar o Instituto da Segurança Social, I.P. a, no prazo de 30 dias:

a. pagar à Exequente o valor de € 3.601,54;

b. efetuar o pagamento à Exequente de juros indemnizatórios calculados sobre a importância de € 487.421,02, à taxa aplicável, contados desde a data do respetivo pagamento (27.12.2002) até ao termo do prazo de execução espontânea da sentença proferida no processo de impugnação n.º 90/2003 (15.08.2010);

c. efetuar o pagamento de juros de mora à Exequente calculados sobre a quantia de € 487.421,02, à taxa aplicável, contados desde 16.08.2010 até ao seu efetivo pagamento. - Absolver o Instituto da Segurança Social, I.P. na parte restante. (…)”

[cfr. sentença de fls. 170 a 188 do SITAF – documento 4561132 SITAF]

B. A sentença referida no ponto anterior foi comunicada às partes por ofício datado de 03.06.2015, remetido por correio registado, e ao DMMP por termo lavrado nos autos, em 03.06.2015. [cfr. ofícios e termos fls. 189-193 e 197 do SITAF – documentos 4564926, 4564927, 4564943 e 4564964]

C. Da decisão referida no ponto anterior foi apresentado requerimento de interposição de recurso em 12.06.2015. [cfr. requerimento fls. 199 do SITAF – documento 4568278]

D. Em 28.07.2015 foi proferido despacho de não admissão do recurso. [cfr. despacho fls. 204 do SITAF – documento 4582125]

E. O despacho referido no ponto anterior foi comunicado às partes por ofício datado de 06.08.2015, remetido por correio registado. [cfr. ofícios fls. 207 a 209 do SITAF – documentos 4583418 e 4583423]

F. Em 22.01.2019 foi remetido por correio eletrónico a este tribunal o requerimento dirigido ao Processo de Execução de Julgado 866/11.9BELRA. [cfr. comprovativo de remessa de e-mail que integra fls. 5 do documento de fls. 219 e seguintes do SITAF – documento 5150311]

G. Com base no requerimento a que se refere o ponto que antecede foi instaurado o processo de Execução de Julgados n.º 707/19.9BELRA. [cfr. capa de autuação que integra fls. 1 do documento de fls. 219 e seguintes do SITAF – documento 5150311]

H. Em 11.02.2020 foi determinada a extinção e baixa do processo de Execução de Julgados n.º 707/19.9BELRA e determinada a remessa do requerimento ao Processo de Execução de Julgado 866/11.9BELRA, por ao mesmo se mostrar dirigido. [cfr. despacho fls. 44 do documento de fls. 423 e seguintes do SITAF – documento 5150333]


*

Não existem outros factos, que cumpra assentar como provados ou como não provados, com relevo para o que se impõe apreciar e decidir.”

III – APRECIAÇÃO DO RECURSO

O presente processo de execução versa a sentença proferida em 25.05.2015 no âmbito do processo n.º 866/11.9BELRA, que julgou parcialmente procedente, por provada, a execução de julgados e, em consequência: - condenou a Entidade Executada [Instituto da Segurança Social, I.P.] a, no prazo de 30 dias:

“a. pagar à Exequente o valor de € 3.601,54;

b. efetuar o pagamento à Exequente de juros indemnizatórios calculados sobre a importância de € 487.421,02, à taxa aplicável, contados desde a data do respetivo pagamento (27.12.2002) até ao termo do prazo de execução espontânea da sentença proferida no processo de impugnação n.º 90/2003 (15.08.2010);

c. efetuar o pagamento de juros de mora à Exequente calculados sobre a quantia de € 487.421,02, à taxa aplicável, contados desde 16.08.2010 até ao seu efetivo pagamento. (…)”.

Em 22.01.2019, a Exequente veio requerer o cumprimento da referida sentença, informando que o Executado ISS, IP não deu cumprimento à mesma, encontrando-se em dívida a quantia de €223.122,19, a que acrescem os juros de mora vincendos até efetivo pagamento, nos termos da decisão proferida.

Concluiu requerendo:

“- que seja mandada extrair certidão dos presentes autos e seja a mesma remetida aos serviços do Ministério Público competentes, com vista ao apuramento da ocorrência de crime de desobediência, por parte dos membros do Conselho Diretivo do ISS, IP – R........, G........, N........ e S......., nas qualidades de Presidente, Vice-Presidente e Vogais, respetivamente, com morada profissional na sede do ISS, IP – nos termos do artigo 159.º, n.º 2, alínea b) do CPTA;

que seja oficiado o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais para, no prazo de 30 dias, emitir a correspondente ordem de pagamento, no valor de € 223.122,19, acrescido dos juros moratórios vincendos, desde 22.01.2019 até efetivo pagamento, em conformidade com o dispositivo da sentença proferida, nos termos do artigo 172.º, n.º 4, ex vi artigo 179.º, n.º 4, ambos do CPTA.”

Nesta sequência é proferido o despacho judicial recorrido, em 24.02.2020, rejeitando liminarmente o requerimento de prossecução dos presentes autos, por ter caducado o respectivo direito.

Alega a Recorrente, como primeiro fundamento do presente recurso, que a decisão proferida pelo Tribunal a quo afigura-se nula, por violação do princípio do contraditório, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao omitir uma formalidade que a lei (o artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil) prescreve, qual seja, a de notificar a N........ para se pronunciar sobre a exceção dilatória oficiosamente suscitada — e decidida — pelo Tribunal a quo.

Apreciando.

III-1. Da nulidade do despacho recorrido por violação do princípio do contraditório

Conforme é sabido, a execução das sentenças dos tribunais tributários segue o regime previsto para a execução das sentenças dos tribunais administrativos – cfr. artigo 102.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

O título VIII do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA) é dedicado ao processo executivo – cfr. artigos 157.º a 179.º do CPTA.

No caso concreto, a execução da sentença consiste no pagamento de uma quantia pecuniária, pelo que não é invocável a existência de causa legítima de inexecução, devendo o pagamento ser realizado no prazo de 30 dias – cfr. artigo 175.º, n.º 3 do CPTA.

Na medida em que a Exequente veio comunicar ao processo o incumprimento da Entidade Executada, pois esta não terá pago a quantia alegadamente devida de €223.122,19, deve seguir-se os termos do processo executivo para pagamento de quantia certa, se a tal nada mais obstar, segundo o disposto no artigo 179.º, n.º 4 do CPTA.

De acordo com o artigo 179.º, n.º 1 do CPTA, o processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos culmina num momento declarativo, em que o tribunal especifica o conteúdo dos actos e operações a adoptar, fixando o prazo em que esses actos e operações devem ser adoptados.

Quando se imponha o pagamento de quantias em dinheiro, o n.º 4 do artigo 179.º estabelece que o prazo tem de ser de 30 dias.

Nesta conformidade, o processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos culmina na declaração judicial dos actos devidos para dar cumprimento do dever de executar (definido no artigo 173.º do CPTA). É só num segundo, eventual, momento – que, em bom rigor, já corresponde a um outro processo, subsequente – que deparamos com elementos estruturalmente executivos, nos números 4 e 5 – cfr. acórdão do TCA-Norte de 09.06.2016, processo nº 00731/04.6BECBR-A.

No presente caso, o processo de execução culminou num momento declarativo, com a sentença proferida em 25.05.2015, onde o tribunal especificou as operações de pagamento das quantias devidas à Exequente pelo Instituto da Segurança Social IP.

Deste modo, o requerimento apresentado pela Exequente em 22.01.2019, através do qual esta veio requerer o cumprimento da referida sentença, daria origem a uma nova fase do processo, esta sim com natureza verdadeiramente executiva.

Neste contexto, o despacho em apreciação, que, recorde-se, indeferiu liminarmente tal requerimento, por ter considerado caducado o direito que a Exequente pretendia através do mesmo exercer, assume a natureza de um indeferimento liminar, isto é, um despacho anterior a qualquer tramitação da referida fase subsequente do processo [cfr. artigos 179.º, n.º 4 e 171.º, n.º 1 do CPTA e artigo 726.º, n.º 2 alínea b) do CPC].

Ora, como constitui jurisprudência pacífica, no caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento, quer porque tal despacho seria contrário à teleologia do indeferimento liminar, quer porque o contraditório é assegurado, ainda que diferidamente, pela admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor [cfr. art. 629.º, n.º 3, alínea c), do CPC] – cfr. acórdão deste TCA-Sul de 24.03.2022, processo 2/22.6 BELRA.

Tal entendimento é transponível para a situação dos autos, uma vez que estamos perante um despacho de rejeição liminar de um requerimento que reveste a natureza de uma petição de execução, nos termos previstos no artigo 171º, nº 1 do CPTA (ex vi artigo 179.º, n.º 4 do mesmo Código).

Em face do exposto, conclui-se que não se verifica a nulidade invocada pela Recorrente, improcedendo o recurso quanto ao fundamento em análise.


*

III.2 - Do alegado erro de julgamento da decisão recorrida:

A questão a decidir prende-se com saber se o despacho recorrido fez correcto julgamento ao considerar que os termos da execução não podem prosseguir para a “fase executiva” propriamente dita, por se encontrar ultrapassado o prazo de um ano fixado no nº 2 do artigo 170º do CPTA, aplicável por força do disposto no nº 4 do artigo 179º do mesmo Código.

Entendeu o tribunal “a quo” que “[a] Exequente dispunha do prazo de um ano para requerer, ao abrigo da parte final do n.º 4 do artigo 179.º do CPTA, o prosseguimento dos autos, seguindo-se os termos da execução para pagamento de quantia certa: ou seja, na observância do prazo estabelecido no artigo 170.º, n.º 2 do CPTA, o prosseguimento dos termos de execução, fixados no Capítulo III do CPTA, do Título VII do CPTA [cfr. artigo 179.º, n.º 4, última parte e artigos 170.º, n.º 1 e 2 alínea b), 171.º, n.ºs 1 a 7, 172.º, n.º 1 a 4, todos do CPTA].

Ante o enquadramento jurídico e de facto supra, não é já admissível por esta via, no próprio processo de Execução de Julgado de sentença de anulação, reagir contra a eventual inércia da Administração no cumprimento espontâneo da sentença, por a mesma estar precludida para a Requerente, dado estar sujeita a prazo de caducidade e a Requerente dela não ter lançado mão em tempo [no sentido da sujeição do direito de requerer o prosseguimento da execução, seguindo os termos da execução para pagamento de quantia certa, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 179.º do CPTA, na Execução de Julgado de sentença de anulação, ao prazo estabelecido no artigo 170.º do CPTA, na medida em que este mesmo regime de caducidade integra pressuposto da solução ali estabelecida, cfr. acórdão do STA de 15.05.2013, processo 01496/12, disponível em www.dgsi.pt].”

A Recorrente não se conforma com o decidido, sustentando, em síntese, que o artigo 179.º, n.os 4 a 6, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não preveem qualquer prazo processual para que o exequente requeira o prosseguimento dos autos de execução, pelo que nenhuma sustentação tem o entendimento de que, estando em causa o pagamento de quantia certa (apenas o caso regulado no n.º 4), essa pretensão de prosseguimento dos autos de execução estivesse sujeita a prazo processual.

Vejamos.

Tal como referido supra, de acordo com o artigo 179.º, n.º 1 do CPTA, o processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos culmina num momento declarativo, em que o tribunal especifica o conteúdo dos actos e operações a adoptar, fixando o prazo em que esses actos e operações devem ser adoptados, prescrevendo o nº 4 que no caso de pagamento de quantias em dinheiro, o prazo tem de ser de 30 dias.

Essa declaração judicial dos actos devidos é passível de execução forçada, ou seja, é assumida, pelo CPTA, como um título executivo (cfr. artigo 179.º, n.º 4 e n.º 5) – precisamente porque impõe aos órgãos administrativos a adopção de condutas certas, líquidas e exigíveis, dentro de um prazo determinado. O ponto é especialmente claro no que toca ao n.º 4, que, no que parece ser uma concretização do n.º 1, estabelece: “Quando seja devido o pagamento de uma quantia, o tribunal determina que o pagamento seja realizado no prazo de 30 dias (…)”.

Assim, os números 4 e 5 do artigo 179.º do CPTA prevêem a execução forçada nos domínios da execução para pagamento de quantia certa (n.º 4) e para a prática de actos administrativos de conteúdo vinculado (n.º 5).

Em situações como a presente, o que está em causa é o pagamento de quantias pecuniárias que são devidas à Exequente, no âmbito da execução da sentença de anulação (cfr. artigo 173.º do CPTA), em função da reconstituição da situação jurídica violada pelo acto anulado. O pagamento de quantias surge aqui, portanto, como uma das operações que a Administração, nos termos do artigo 173.º, deve adoptar para cumprir a sentença anulatória – cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, Almedina, 2017, páginas 1305 e 1306.

Estando em causa quantias em dinheiro, que alegadamente não foram pagas pela Entidade Executada no prazo de 30 dias, essa declaração judicial é passível de execução forçada, seguindo-se, conforme prescreve o nº 4 do artigo 179º do CPTA “os termos do processo executivo para pagamento de quantia certa”.

Ao remeter para os termos do processo executivo para pagamento de quantia certa, em caso de incumprimento da sentença executiva, pretende o legislador que “o processo prossiga em fase de execução, seguindo os termos do processo executivo para pagamento de quantia certa, definidos nos artigos 171.º e 172.º” (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., página 1309).

Não está, pois, a norma em causa a remeter para o artigo 170º e, muito menos, para o respectivo nº 2, que regula o prazo para o início da instância executiva, na sua “fase declarativa”.

Assiste, por isso, razão à Recorrente quando afirma que o artigo 179º, nºs 4 a 6, do CPTA, não sujeita o prosseguimento da instância executiva para a fase subsequente de “execução forçada” a nenhum prazo processual. Diversamente, pretende apenas remeter para as providências de execução que, em cada caso, caiba adoptar.

Logo, o requerimento de prossecução dos autos formulado pela Recorrente não está sujeito ao prazo de caducidade previsto no nº 2 do artigo 170º do CPTA, devendo os mesmos prosseguir seguindo os termos do processo executivo para pagamento de quantia certa, se a tal nada mais obstar, na medida em que o despacho recorrido viola o disposto no artigo 179.º, n.º 4 do CPTA ex vi artigo 102.º da LGT; não podendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.

Nesta conformidade, impõe-se conceder provimento ao recurso.

IV. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho judicial recorrido e determinar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para prossecução dos mesmos.

Sem custas.

D.N.

Lisboa, 4 de Abril de 2024


(Ângela Cerdeira)

(Jorge Costa)

(Cristina Coelho da Silva)