Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1077/13.4BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ARTIGO 24.º/1/B), DA LGT.
CULPA DO GESTOR PELO NÃO PAGAMENTO DA DÍVIDA.
Sumário:i) No juízo de aferição da culpa do gestor pelo não pagamento da dívida relevam as diligências por aquele realizadas com vista ao cumprimento do crédito fiscal, pese embora a situação económica difícil da empresa.
ii) Tais diligências não se comprovam quando a sociedade retém imposto liquidado e não o entrega nos cofres do Estado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

E......... interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 250 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º ......... instaurada no Serviço de Finanças de Alcochete, contra a sociedade “P........., Lda.”, por dívidas relativas a IRS de 2011, no montante de € 10.772,00.

O oponente interpôs recurso jurisdicional. Nas alegações de fls. 282 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), o recorrente formula as conclusões seguintes:

a) Quando a prova produzida impuser decisão diversa, deve esse Tribunal Central Administrativo Sul, alterar a decisão proferida em 1ª Instância sobre a matéria de facto, alteração que ora se peticiona nos seguintes termos: (nº 1 do art. 662º do CPC, aplicável nos termos da al. e) do CPPT).

b) Considera o Recorrente incorretamente julgados, porque pela sua relevância para a decisão de mérito da causa, deveriam ter sido considerados como provados na douta Sentença recorrida, os seguintes factos:
1. A obra em Abrantes referida no ponto S) do probatório, era um Projeto de Interesse Nacional (PIN), no âmbito do qual era previsto o pagamento de verbas por parte do Estado provenientes da União Europeia.
2. Na sequência da devolução dos cheques entregues pela “R.........”, referida no ponto S) do probatório, a administração da P........., como forma de pressão para que os pagamentos fossem efetuados, suspendeu a continuação da obra.
3. A obra efetuada para a “R......... SA”, foi parada entre dois a três meses, antes da insolvência da P..........
4. Na data da insolvência, existiam valores recebidos referentes a uma obra realizada no Entroncamento que iriam ser utilizados no pagamento dos impostos em dívida, o que não aconteceu, porquanto o banco B......... não permitiu que a Administração da P......... movimentasse a respetiva conta.
5. À data da insolvência a P......... tinha pelo menos duas obras de grande dimensão em carteira, um armazém logístico para o Grupo J......... e uma fábrica para a R..........
6. Encontra-se depositada na conta bancária da massa insolvente da P........., quantia superior a € 2.000.000,00 (dois milhões de Euros).
7. Não foi por culpa do oponente que as dívidas fiscais na origem dos presentes autos não foram pagas.

c) O concreto meio probatório que impunha que os factos referidos no ponto anterior tivessem sido considerados como provados, é quanto aos factos referido em 1 a 4 o depoimento da testemunha F........., inquirida em sede de audiência de julgamento, que foi claro e convincente, gravado em CD áudio, (confrontar ata da audiência de julgamento), cujo depoimento foi parcialmente transcrito nas alegações.

d) Quanto aos factos referidos em 5 e 6 é o depoimento da testemunha C........., inquirida em sede de audiência de julgamento, que foi claro e convincente, gravado em CD áudio, (confrontar ata da audiência de julgamento), cujo depoimento foi parcialmente transcrito nas alegações.

e) Quanto ao facto referido no ponto 7, são os depoimentos das testemunhas inquiridas transcritos nas alegações, em conjunto com os factos dados como provados nos seguintes pontos do probatório da douta Sentença recorrida: F), G), O), P), Q), R, S, T, U e V.

f) No que respeita à decisão que deve ser tomada sobre as questões de facto impugnadas, entende o Recorrente que devem os pontos de facto acima referidos, serem considerados como provados, o que desde já se requer a V. Exas.

g) O prazo legal de pagamento da dívida na origem dos presentes autos, terminou em 20 de Fevereiro de 2011, tendo o processo de execução fiscal para cobrança coerciva da mesma sido instaurado em 23 de março do mesmo ano (vide, ponto G) do probatório).

h) A insolvência da sociedade originariamente devedora foi declarada em 18 de maio de 2011 (vide, ponto E) do probatório). E,

i) Após a declaração de insolvência, o administrador de insolvência encerrou a fábrica, fechou as instalações e vendeu os bens da sociedade (Cft. depoimento da 1ª testemunha), transcrição do ponto U) do probatório da douta Sentença recorrida.

j) A citação comunica ao devedor os prazos para oposição à execução e para requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento (nºs 1 e 2 do artigo 189º do CPPT, na redação em vigor à data dos factos).

k) Após a instauração da execução a sociedade originariamente devedora deveria ser citada para no prazo de oposição requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento, no prazo de 30 dias (al. a) do nº 1 do artigo 203º do CPPT).

l) Não se conhecendo em que data ocorreu a citação da sociedade originariamente responsável, não se conhece quando terminou o prazo para requerer o pagamento em prestações, a dação em pagamento ou se assim fosse entendido para proceder ao pagamento da dívida.

m) O qual pode ter ocorrido em data posterior à da insolvência, momento em que o Recorrente já se encontrava impedido de praticar qualquer ato de gestão.

n) Mormente, requerer o pagamento em prestações, dação em pagamento ou proceder ao pagamento da dívida.

o) O facto de no momento em que terminou o prazo para a devedora originária requerer o pagamento em prestações, dação em pagamento ou efetuar o pagamento da dívida em execução fiscal poder ter terminado depois do exercício de funções por parte do ora Recorrente,

p) Não poderia deixar de ser tido em conta na douta Sentença recorrida, para o efeito de prova de que não é imputável ao Recorrente, a falta do respetivo pagamento, porquanto em tal prazo poderia a sociedade ter requerido o pagamento em prestações, dação em pagamento ou pagar a dívida, tendo ficado impedida de o fazer.

q) Na data da insolvência, existiam valores recebidos referentes a uma obra realizada no Entroncamento que iriam ser utilizados no pagamento dos impostos em dívida, o que não aconteceu, porquanto o banco B......... não permitiu. E,

r) À data da insolvência, a sociedade originariamente devedora, tinha pelo menos duas obras de grande dimensão em carteira.

s) Pelo que se não tivesse sido declarada a insolvência, não só as dívidas fiscais na origem dos presentes autos tinham sido pagas, no momento em que o banco B......... impediu a movimentação das contas.

t) Como a sociedade originariamente responsável, por ter obras em carteira poderia ter continuado a desenvolver a sua atividade e fazer face às suas dívidas para com os credores, incluindo para com a Administração Tributária e Aduaneira como sempre fez.

u) Aliás, caso não tivesse sido declarada insolvente, a sociedade originariamente devedora, poderia recuperar os valores em dívida junto dos seus clientes e pagar as mesmas dívidas, o que tem vindo a ser efetuado pelo Administrador de Insolvência, encontrando-se atualmente mais de € 2.000.000,00, depositados na conta da massa insolvente.

v) Na sequência da devolução dos cheques, a administração da sociedade originariamente devedora, como forma de pressão para que os pagamentos fossem efetuados, suspendeu a continuação da obra, o que aconteceu entre dois a três meses, antes da insolvência.

w) Resulta desde logo evidente, que foram realizados contactos tendentes ao recebimento das quantias em dívida, decorrendo contrário às regras da experiência que a obra fosse suspensa, sem que tais contatos tivessem existido previamente.

x) No seguimento da manutenção do incumprimento, não obstante a suspensão, certamente que a sociedade originariamente devedora iria judicialmente procurar satisfazer os seus créditos.

y) Sucede que, atendendo a que a insolvência foi decretada dois a três meses depois da suspensão da obra, já não houve tempo para recorrer à via judicial.

z) Aliás, mesmo que se tivesse recorrido à via judicial, não parece expetável, atenta a demora natural das ações, que em tão curto espaço de tempo fosse possível obter algum resultado prático.

aa) Ora, não se alcança que outras diligências deveria o ora Recorrente ter encetado.

bb) Pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, resulta demonstrada a falta de culpa do ora Recorrente, pelo não pagamento das dívidas fiscais na origem dos presentes autos.

cc) Assim, ao ter decidido em sentido inverso, padece a douta Sentença recorrida de erro de julgamento, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica, o que se requer a V. Exas.


X

A Recorrida, notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer a fls. 702 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), no sentido da procedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

 

X


II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

A. Em 05/05/1989 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Alcochete a constituição da sociedade “P......... –…, S.A., tendo o ora oponente sido designado Presidente do Conselho de Administração (cfr. fls. 12/13 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

B. A sociedade mencionada na alínea anterior tinha por objeto a pré-fabricação de elementos de betão armado e pré-esforçado, construção industrializada, reparação de estruturas e produção e comercialização de betão pronto (cfr. fls. 12 do apenso).

C. Em 17/03/2009 foi registada a cessação de funções do ora oponente por renúncia datada de 29/12/2008 (cfr. fls.13 do apenso).

D. Em 18/12/2009 foi registada a designação do ora oponente como presidente do conselho de administração (cfr. fls. 14 do apenso).

E. Em 18/05/2011, por sentença proferida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa no processo n.º 129/11.0TYLSB, foi declarada a insolvência da sociedade “P......... – P........., S.A.”, a qual transitou em julgado em 26/07/2011 (cfr. certidão de fls. 84/90, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

F. Em 25/05/2011 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Alcochete a sentença de declaração de insolvência bem como a nomeação de administrador judicial: J......... (cfr. fls. 15 do apenso).

G. Contra a sociedade “P......... – P........., S.A.” foi instaurado, em 23/03/2011 no Serviço de Finanças de Alcochete, o processo de execução fiscal n.º ........., para cobrança de dívida de IRS referente ao ano de 2011 no montante de € 10.772,00, cuja data limite de pagamento ocorreu em 20/02/2011 (cfr. fls. 1/2 do processo de execução fiscal em apenso).

H. Em 21/01/2013 foi proferido despacho pela Chefe do Serviço de Finanças de Alcochete, com o seguinte teor:

“DESPACHO

Verifica-se dos autos que a Fazenda Pública move a presente ação executiva contra P......... ......... SA por dívidas de IRS do ano de 2011.

Verifica-se ainda que as dívidas não estão pagas e que das diligências efetuadas não foi possível encontrar bens que garantissem o pagamento integral da dívida.

Reunidos que estavam os requisitos para chamar à execução os responsáveis subsidiários, foi notificado o gerente da executada, A........., para exercer, querendo, o direito de audição prévia - art° 23° e 60° da Lei Geral Tributária (LGT).

Fazendo uso de tal prerrogativa, o auditado, apresentou petição escrita, dentro do prazo que lhe foi concedido para tal, rececionada neste Serviço em 05 de Dezembro de 2012, alegando não ter exercido quaisquer funções de gerência relativamente ao período em causa.

Tudo como consta das informações prestadas nos autos e aqui se dão como integralmente reproduzidas.

Assim, face à informação que antecede, porque os factos alegados pelo responsável subsidiário se encontram devidamente provados cfr certidão da Conservatória do Registo Predial, ordeno a extinção da reversão da execução fiscal pela dívida referida contra:

A......... - Nif. .........

Efetue os averbamentos necessários e notifique o interessado.

Pela referida certidão, constata-se ainda que a gerência da devedora originária foi exercida por:

• E......... - Nif. ......... e C......... - Nif. .........

Notifique os gerentes da executada para exercer, querendo, o direito de audição prévia - art° 23° e 60° da Lei Geral Tributária (LGT.”  (cfr. fls. 19 do apenso).

I. Em 24/01/2013 foi emitida a notificação para audição prévia (reversão) contra o ora oponente constando do projeto da reversão o seguinte:

“Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão (art. 23/nº2 da LGT)

Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n° 1/b) LGT].”(cfr. fls. 24/25 do apenso).

J. A notificação mencionada na alínea anterior foi enviada ao ora oponente para a morada R………….., …., 2º Dto., ….. Montijo através de carta registada com o nº RD……….. (cfr. fls. 24/25-A do apenso).

K. Em 13/09/2013 foi proferido despacho de reversão contra o ora oponente com o seguinte teor:


«imagem no original»

(cfr. fls. 37/38 do apenso).

L. Em 19/09/2013 foi emitida a citação (reversão) do ora oponente tendo sido enviada através de carta registada com aviso de receção (cfr. fls. 39/42-A do apenso).

M. O aviso de receção mencionado na alínea anterior foi assinado em 01/10/2013 (cfr. fls. 42-A do apenso).

N. No balancete da sociedade devedora originária reportado a 31 de dezembro de 2011 constam os saldos contabilizados nas seguintes contas:

21- Clientes - saldo devedor: € 3.477.592,69

22 – Fornecedores - saldo credor: €4.142,643,36

211110066 cliente R……………. SA – Saldo devedor: € 2.453.346,13

216110066 – Cheques pré-datados R……….., SA - saldo devedor: € 516.383,17 (cfr. fls. 12/20).

O. A partir de 2010 houve incumprimento por parte de clientes, dando origem a dificuldades de tesouraria (cfr. depoimento da 1ª testemunha).

P. Quando foi declarada a insolvência, a sociedade ainda estava a trabalhar (cfr. depoimento da 1ª testemunha).

Q. A R………, SA., era um cliente com uma obra em Abrantes na ordem dos 4 milhões de euros (cfr. depoimento da 1ª e 2ª testemunhas).

R. A obra foi praticamente concluída mas não foi paga pelo cliente R………., SA (cfr. depoimento da 1ª e 2ª testemunha).

S. O cliente (R…………, SA) emitiu cheques pré-datados (em Setembro/Outubro 2010) mas os cheques foram devolvidos não tendo sido recebidos pela sociedade P........., tendo essa situação de incumprimento afetado a sociedade (cfr. depoimento da 1ª testemunha).

T. Quando a sociedade foi declarada insolvente a sociedade estava a laborar (cfr. depoimento da 1ª testemunha).

U. Após a declaração de insolvência, o administrador de insolvência encerrou a fábrica, fechou as instalações e vendeu os bens da sociedade (cfr. depoimento da 1ª testemunha).

V. Os trabalhadores não tiveram salários em atraso até à declaração de insolvência (cfr. depoimento da 1ª e 2ª testemunha).


* * *

Não se mostra provado que a situação financeira da sociedade P......... agravou-se a partir do ano de 2009 em consequência da grave crise económica, do decréscimo do mercado de construção civil e da falta de pagamento atempado de alguns dos seus clientes (factos alegados nos artigos 13º a 16º da petição inicial).

* * *

A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos, e não impugnados, conjugados com o depoimento das testemunhas melhor identificadas na ata de inquirição de testemunhas de fls. 100/101, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

Foi ouvida a testemunha F........., trabalhador da P......... desde 2000 até à insolvência da mesma em 2011, tendo exercido as funções de tesoureiro. O depoimento foi prestado de forma segura, com conhecimento dos factos, tendo referido que até finais de 2010, início de 2011 a sociedade sempre funcionou normalmente. Mencionou que a sociedade tinha uma grande obra na zona de Abrantes para o cliente R………… no valor próximo de 4 milhões de euros, mas que esse cliente não procedeu a qualquer pagamento da obra, tendo emitido cheques pré-datados que vieram a ser devolvidos.

Mais referiu que após a declaração de insolvência, o administrador judicial foi às instalações da P......... tendo declarado que a partir daquele momento era ele que mandava. A testemunha declarou ainda que o administrador judicial procedeu ao encerramento da empresa e à venda dos bens, tendo ainda mencionado que os salários foram sempre pagos, à exceção do salário do mês de maio de 2011 (data da insolvência). Referiu ainda de forma clara que até finais de 2010 o oponente sempre honrou os compromissos com o Estado e com os fornecedores.

Foi ainda ouvida a testemunha C........., trabalhador da P......... no período de 2007 a 2011, tendo exercido as funções de diretor técnico sendo responsável pela produção e co-responsável na área comercial. Atualmente é representante dos trabalhadores na comissão de credores.

O seu depoimento foi credível, com conhecimento direto dos factos tendo mencionado que os trabalhadores nunca tiveram salários em atraso e que após a declaração de insolvência, a administração da sociedade passou para o administrador judicial.

Quanto aos factos considerados como não provados, de acordo com os documentos juntos aos autos e da prova testemunhal produzida, resulta que só a partir de finais de 2010 é que começaram a surgir dificuldades de tesouraria na sociedade devedora originária e não a partir do ano de 2009 como invoca o oponente.»


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

X) O processo de falência da sociedade devedora originária foi requerido pela sociedade “L........., Lda.”  - fls. 85.

Z) A dívida de IRS referente ao ano de 2011 no montante de € 10.772,00, cuja data limite de pagamento ocorreu em 20/02/2011, respeita a retenções na fonte – fls. 27 do pef.


X

2.2. De Direito

2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 250 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º ......... instaurada no Serviço de Finanças de Alcochete, contra a sociedade P........., Lda., por dívidas relativas a IRS de 2011 no montante de € 10.772,00.

2.2.2. Para julgar a presente oposição, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Sublinhe-se que a declaração de insolvência ocorreu em 18/05/2011 bem como a nomeação do administrador judicial tendo sido registados na Conservatória do Registo Comercial de Alcochete em 25/05/2011 (cfr. Alíneas E) e F) do probatório) e que a dívida exequenda foi constituída em 21/02/2011 (cfr. alínea G) do probatório). (…) // Contudo o argumento invocado pelo oponente de que deixou de ser administrador a partir do momento em que a sociedade devedora originária foi declarada insolvente, pelo que não tem culpa na insuficiência patrimonial dado que o administrador de insolvência encerrou a fábrica e vendeu os bens, não tem qualquer relevância no caso em apreço porquanto a data limite de pagamento ocorreu no período temporal em que o oponente era administrador da sociedade devedora originária. // Assim a responsabilidade pelo pagamento da referida dívida cabia ainda aos administradores da sociedade devedora originária e não ao administrador de insolvência, e se havia bens e recursos financeiros na sociedade como afirma o oponente, então a decisão de não pagamento do tributo recaiu sobre os administradores. // Por fim vem ainda o oponente invocar que não foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente para o pagamento da dívida atendendo à conjuntura económica e porque alguns dos seus clientes não terem pago atempadamente os valores em dívida destacando o cliente R……………. cuja dívida ascendeu a € 3.500.000,00.
O que relevava provar era, face à constatação da falta de pagamento dos clientes, as diligências que o oponente encetou no sentido de colmatar essas carências de meios monetários, que impossibilitavam a sociedade de cumprir com as suas obrigações fiscais. // Ora quanto a tais factos o oponente nada alegou e do depoimento das testemunhas nada resultou provado quanto à atuação do oponente perante a dívida do cliente R………., S.A».

2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre os erros de julgamento seguintes: (i) Erro de julgamento na determinação da matéria de facto assente; (ii) Erro de julgamento quanto à apreciação da culpa do recorrente na falta de pagamento das dívidas em execução.

2.2.3. No que respeita ao esteio de recurso referido em (i), o recorrente considera que foram omitidos elementos de facto, que pretende aditar ao probatório. Concretamente, estão em causas os quesitos seguintes: a) A obra em Abrantes referida nos pontos Q), R) e S), do probatório, era um projecto de interesse nacional (PIN), no âmbito do qual era previsto o pagamento de verbas por parte do Estado provenientes da União Europeia; b) Na sequência da devolução de cheques entregues pela R........., referida no ponto S), do probatório, a administração da P........., como forma de pressão para que os pagamentos fossem efectuados, suspendeu a continuação da obra; c) A obra efectuada para a R........., SA, foi parada entre dois a três meses antes da insolvência da P.........; d) Na data da insolvência, existiam valores recebidos referentes a uma obra realizada no Entroncamento que iriam ser utilizados no pagamento dos impostos em dívida, o que não aconteceu, porquanto o Banco B......... não permitiu que a Administração da P......... movimentasse a respectiva conta; e) À data da insolvência, a P......... tinha pelo menos duas obras de grande dimensão em carteira, um armazém logístico para o Grupo J......... e uma fábrica para a R.........; f) Encontra-se depositada na conta bancária da massa insolvente da P........., quantia superior a €2.000.000.00 (dois milhões de euros); g) Não foi por culpa do oponente que as dívidas fiscais na origem dos presentes autos não foram pagas.

Apreciação. A alínea g) corresponde a afirmação conclusiva, pelo que não será aditado ao probatório. As demais alíneas pretendias aditar devem ser concatenadas com a matéria assente nos autos. Do probatório constam as alíneas N) a V), bem como releva a fundamentação da decisão da matéria de facto (V. supra). A matéria em apreço contende com o juízo de aferição da culpa do gerente, ora oponente, na falta de pagamento das dívidas em execução por parte da sociedade devedora originária. Não se vê que os quesitos pretendidos aditar pelo recorrente logrem modificar o quadro fáctico delineado nos autos. Os elementos identificados em a), b) e c), têm respaldo nas alíneas Q, R) e S) do probatório. Os elementos identificados em d) e e), têm correspondência com as alíneas N) e P), sendo a referência ao eventual pagamento dos impostos em dívida, conclusiva. No que respeita ao quesito f), para além do que consta do probatório, o recorrente não indica elementos idóneos à sua comprovação (prova documental, conciliada com prova testemunhal, devidamente identificada, o que não ocorre no caso em apreço). Pelo que se impõe rejeitar os aditamentos em referência.

Termos em que se julga improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.4. No que respeita ao esteio de recurso referido em (ii), o recorrente considera que a sentença incorreu em erro de julgamento no enquadramento jurídico da causa. Invoca que a falta de indicação da data da citação da sociedade devedora originária não permite aferir das diligências encetadas com vista ao cumprimento do crédito tributário; a declaração de insolvência imobilizou a vida da sociedade, impedindo-a de realizar pagamentos e recebimentos de clientes; a administração da sociedade tudo fez para obter o pagamento de dívidas de terceiros e, por esta via saldar as dívidas da sociedade.

Apreciação. A efectivação da responsabilidade tributária subsidiária por meio de reversão do processo de execução fiscal tem os seguintes pressupostos: a) Fundada insuficiência patrimonial dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários ou dos seus respectivos sucessores (…). // b) Exercício, ainda que somente de facto, de funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados; e // c) A culpa, seja na insuficiência do património (situações recondutíveis à alínea a) do artigo 24.º/1, da LGT), seja no não pagamento da prestação tributária (situações recondutíveis à alínea b) do artigo 24.º/1, da Lei Geral Tributária)»[1].O regime estabelecido no artigo 24.º, n.º 1, alíneas a) e b), da LGT é o seguinte:

a) Nas hipóteses da alínea a), «[t]tratam-se das dívidas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois, respondem patrimonialmente os administradores ou gerentes quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação»[2].

b) Nas hipóteses da alínea b), «[o]s administradores ou gerentes das empresas respondem pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, quando não prove, que não lhes foi imputável a falta de pagamento»[3].

A distinção entre a alínea a) e a alínea b) do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, no que respeita à repartição do ónus da prova, «parte da distinção fundamental entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente»[4]. Assim, o ónus da prova da culpa da insuficiência patrimonial recai sobre a AT (alínea a), enquanto que o ónus da prova da ausência de culpa no não pagamento atempado da obrigação tributária recai sobre o revertido (alínea b).

Está em causa a reversão com base no artigo 24.º/1/b), da LGT, por dívida de IRS referente ao ano de 2011, no montante de € 10.772,00, cuja data limite de pagamento ocorreu em 20/02/2011 (retenções na fonte)  (alíneas G, K), Z) do probatório).

Importa aferir se a falta de cumprimento do crédito fiscal é (ou não) imputável ao ora oponente.

Como se sabe, «[a] responsabilidade subsidiária do recorrente resulta da alínea b) do artigo 24º da LGT, por se tratar de dívida tributária cujo prazo legal de pagamento terminou no período do exercício do cargo de gestor. Neste caso, o ónus da prova inverte-se contra o gestor, competindo-lhe provar que a falta de pagamento não lhe é imputável. Presume-se a culpa do gestor porque, terminando o prazo de pagamento do tributo durante o exercício do seu cargo, considera-se que, em princípio, não pode desconhecer a existência da dívida e, portanto, ao colocar a empresa na situação de insuficiência patrimonial está a causar danos ao Fisco. Assentando a responsabilidade subsidiária numa actuação ilícita e culposa, que se presume, cumpre ao gestor elidir tal presunção, demonstrando que à época do vencimento da obrigação tributária usou da diligência de um bónus pater familiae, não violando quaisquer regras de gestão (designadamente as do art. 32º da LGT e 64º do CSC), mas apesar disso a empresa não tinha meios financeiros para a pagar»[5].

No que respeita ao juízo de imputação da culpa pelo não pagamento das dívidas postas a pagamento, «há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância dos deveres de cuidados, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável»[6].

O recorrente pretende interromper o nexo de imputação da culpa no não pagamento da dívida exequenda com base nas asserções de que não foi concedido prazo para pagamento em prestações das dívidas da sociedade ao Fisco; que não foi permitida a mobilização de meios à disposição da sociedade com esse fim, dado que o decretamento da insolvência da mesma o impediu; que não foram ponderadas as diligências da sociedade no sentido de obter o cumprimento de créditos sobre terceiros, clientes da mesma.

Do probatório resultam os elementos de facto seguintes:
a) Está em causa dívida de IRS, retido e não entregue nos cofres do Estado, no montante de €10.772,00, cuja data limite de pagamento ocorreu em 20/02/2011 – alíneas G), e Z) do probatório.
b) À data, o oponente era o Presidente do Conselho de Administração da Sociedade – alínea D), do probatório.
c) À data do incumprimento, as dívidas da empresa a fornecedores excediam em cerca de €1.000,000,00, as dívidas de terceiros para com a empresa – alínea N), do probatório.
d) Em 18.05.2011, foi decretada a insolvência da empresa, na sequência de requerimento interposto pela sociedade “L........., SA” – alíneas E) e X), do probatório.

Em face dos elementos coligidos nos autos, verifica-se que o oponente, enquanto gerente da sociedade, não logrou realizar as diligências necessárias ao cumprimento do crédito fiscal em causa. O gerente/oponente não diligenciou no sentido da satisfação do crédito tributário, não requereu a insolvência da sociedade, não interpelou a AT no sentido de garantir uma forma de liquidação do crédito tributário, através da realização do pagamento a prestações ou outra legalmente disponível. Sejam as alegadas diligências junto de clientes devedores da sociedade, seja a alegação de que a sociedade devedora originária não terá sido atempadamente citada na execução, seja a alegação de que o decretamento da insolvência da sociedade obstou à movimentação de contas e à obtenção de receita, não logram interromper o nexo de imputação da responsabilidade ao oponente, enquanto gerente da sociedade, porquanto na data da constituição e da colocação a pagamento da dívida exequenda, a administração da sociedade nada fez no sentido do cumprimento do crédito fiscal. Ao invés, o oponente, enquanto gerente da sociedade, reteve o imposto em falta e não o entregou nos cofres do Estado, deixando protelar a situação de incumprimento das dívidas da mesma, sem requerer, em tempo oportuno, a sua insolvência, com vista ao concurso universal dos credores, entre os quais a ora exequente.

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO


Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)



 (2º. Adjunto)

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[1] José Pedro Carvalho, Reversão – Notas práticas, in I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, 2011, pp. 209/231, maxime, p. 209.
[2] Paulo Marques, Responsabilidade Tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, A reversão do processo de execução fiscal, Coimbra Editora, 2011, pp. 154/155.
[3]  Paulo Marques, Responsabilidade Tributária dos gestores…, cit., pp. 167/168.
[4] Ac. do STA, de 23.06.2010, P. 0304/10

[5] Acórdão do STA, de 20.06.2012, P. 01013/11.

[6] Acórdão do TCAS, de 06.04.2017, P. 456/13.1BELLE