Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:5/20.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
MORATÓRIA
SUSPENSÃO
PRINCÍPIO DA BOA FÉ
Sumário:I-Decorrido o prazo de pagamento voluntário sem que a dívida tributária liquidada seja paga, é extraída certidão da dívida, que tem a função de título executivo para efeitos de execução fiscal. A regra em direito tributário é da execução imediata dos atos tributários, ou seja, logo que recebido o título executivo, o órgão periférico local deverá instaurar a execução no prazo de 24 horas, efetuando o competente registo e ordenando a citação do executado (artigos 85.º, nº3 e 88.º ambos do CPPT);

II-Com efeito, instaurada a execução a sua suspensão apenas pode ser efetuada nos casos previstos na lei, sendo que para esse efeito importa, por um lado, que o sujeito passivo interponha o competente meio de discussão da legalidade/inexigibilidade da dívida exequenda e esteja associada uma garantia idónea ou tenha o contribuinte sido dispensado da sua prestação (169.º, 189.º, nº8 e 199.º do CPPT e 52.º, nºs 1 e 2 da LGT);

III-Na execução fiscal a suspensão tem um carácter verdadeiramente excecional, sendo que é proibida nos casos não previstos da lei e, se dolosa, pode mesmo acarretar responsabilidade subsidiária do responsável.

IV-Inexiste violação do princípio da boa fé a concretização de penhora de saldos de contas bancárias antes de dirimido o requerimento de arguição da prescrição da dívida tributária, porquanto a pendência desse requerimento não constitui, per se, facto determinante da suspensão do processo executivo e que crie legítima expetativa de paralisação de atos execução quando, inclusive, existe situação jurídica firmada há quase nove anos, por acórdão transitado em julgado e que decretou a legalidade e manutenção do ato de liquidação.

V-Para existir violação do princípio da boa fé é preciso que se possa inferir da atuação de um sujeito de direito a criação da confiança na adoção de conduta, in casu, prolação de decisão em momento temporal que preceda a concretização de atos de penhora. Não se vislumbra uma situação de confiança justificada, traduzida na convicção por parte dos Recorridos na determinação da Administração Tributária quanto à sua atuação subsequente de suspensão de todos os atos de execução, mormente, penhoras, atenta, como visto, a sua não conformidade com a lei, mormente, a indisponibilidade dos créditos tributários e insusceptibilidade de concessão de moratórias.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pela Mmª. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, através da qual julgou procedente a reclamação deduzida contra “o ato de penhora do crédito que a Reclamante M….. detém sobre a F….., lda., até ao montante de € 3.479,73” e contra os “atos de penhora dos saldos das contas bancárias n.° ….., …..e ….. que o Reclamante R….. detém junto do Banco Montepio Geral, no montante total de € 2.431,76”, tendo decretado a anulação da penhora de saldos bancários.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“CONCLUSÕES:

I. A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante e, bem assim, total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice;

II. Os Reclamantes consideram que “d. Tendo os Reclamantes invocado a prescrição da dívida subjacente ao processo de execução fiscal n.º ….., relativo à liquidação de IRS referente ao período de 1999, a Autoridade Tributária deveria abster-se de praticar quaisquer atos de cobrança coerciva – sobretudo quando teve 8 anos e meio sem o fazer e apenas “acordou” com a apresentação do requerimento por parte dos Reclamantes – enquanto não se tivesse pronunciado sobre o requerimento apresentado e, bem assim, enquanto o eventual subjacente a este tema não tivesse transitado na ordem jurídica”;

III. Conforme asseverado nos factos assentes na douta sentença na letra Z. Em 26 de Agosto de 2019, os Reclamantes apresentaram requerimento a solicitar o reconhecimento da prescrição da dívida, bem como a extinção do PEF (cf. doc. 7, junto com a p. i. a fls. 21 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 147 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

IV. No entanto não foi este facto que despoletou individualmente a análise da situação por parte do Serviço de Finanças de Oeiras 2, mas também o decorrente da Instrução de Serviço n.º …..– Série I – DSGCT – SEFWEB – Controlo Fase F100 – Suspensão do Processo. Foi remetido ao Serviço de Finanças, por e-mail proveniente da DF Lisboa - Div Gestão Dívida Executiva em 08-10-2019, a informação de que o PEF …..se mantinha indevidamente naquela fase suspensiva, quando o processo de contencioso já se encontrava extinto pelo trânsito em julgado do Acórdão ocorrido em 02-03-2011, pelo que em 22-11-2019 procedeu-se ao levantamento da suspensão processual, através da desassociação informática, por extinção, do processo de Impugnação Judicial que mantinha o processo executivo naquela fase, transitando, de imediato, os autos para a fase de Penhora.

V. Nesta sequência de acontecimentos foram informados os Reclamantes de ter deixado de existir motivo suspensivo previsto nos termos do artigo 52.º da LGT, conjugado com o artigo 169.º do CPPT e por também não se ter verificado que, tendo conhecimento da extinção do processo de contencioso pelo trânsito em julgado do Acórdão ocorrido em 02-03-2011, os ora Reclamantes tenham dado cumprimento ao disposto no n.º 8 do artigo 189.º do CPPT, requerendo no prazo de 15 dias após a notificação da decisão proferida, o pagamento em prestações ou a dação em pagamento e, encontrando-se os executados citados à mais de 30 dias, sem que tenha sido efetuado o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, foi proferido em 22-11-2019 o competente Despacho de Penhora, que determinou a prossecução da execução com a penhora de bens pertencentes ao(à) executado(a), para cobrança dos montantes em dívida, nos termos do artigo 215.º do CPPT.

VI. É neste contexto que deve ser analisado o despacho proferido pelo Diretor de Finanças de Lisboa, de 22/11/2020.

VII. Dando cumprimento com o estipulado no despacho proferido que em conformidade com o disposto no artigo 219.º do CPPT, que ordena que a penhora deve começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante em dívida, e revelando-se estes insuficientes, nos termos previstos do artigo 217.º do CPPT, deverá prosseguir sobre outros bens pertencentes ao executado, foram registadas em 23-11-2019 por aquela aplicação informática, duas ordens de penhora sobre bens detetados em nome da reclamante M….., uma sobre contas bancárias de que é titular na CAIXA ECONOMICA MONTEPIO GERAL e outra sobre Créditos-Fatura detida pela entidade F….. LDA, nas quais apenas foi reconhecida a efetivamente realizada sobre as contas bancárias.

VIII. Face ao exposto e contrariamente ao expendido na douta sentença, que vem dar procedência ao pedido dos Reclamantes, designando que na actuação da administração fiscal à preterição do principio da boa-fé, no entanto, não se vislumbra qualquer ilegalidade praticada pela AT, antes se denotando o exercício da sua actividade dentro dos limites estritos da lei.

IX. Tendo o Despacho aqui sindicado, cumprido a lei em vigor e aplicável ao caso concreto não merece o mesmo censura, pois não se encontra verificada qualquer falta de ética ou tentativa de enganar os Reclamantes ou mesmo contrariar as suas legítimas expectativas.

X. Sobre a questão de fundo que vem controvertida nos presentes autos e que importa decidir, salvo o devido respeito, a decisão padece de erro de julgamento, porquanto decorre de toda a factualidade reunida que a única falha da administração fiscal, neste caso, foi de não ter executado a garantia logo após a decisão proferida por Acórdão, ter transitado em julgado e após as correções realizadas quanto aos juros.

XI. Mas isso não obsta a que cumpra com as suas atribuições segundo as quais deve se reger pelo princípio da legalidade, que deve prevalecer sobre o princípio de boa-fé, nas suas vertentes de protecção e confiança dos cidadãos, no entanto os princípios são transversais.

XII. Aliás tendo em consideração todo o itinerário factual verifica-se que o princípio de boa-fé aqui plasmado na douta decisão, nem sequer em tido em consideração de forma recíproca, pelo que a sentença recorrida, padece de erro facto e procedeu à errónea interpretação legal, não se podendo manter vigente na ordem jurídica.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a reclamação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”


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Os Recorridos na sequência da notificação das alegações de recurso apresentaram requerimento no qual referem que “[n]otificados da interposição do recurso da sentença proferida no âmbito do presente processo por parte da Fazenda Pública e, bem assim, do teor das alegações de recurso apresentadas pela mesma, vêm, muito respeitosamente, pronunciar-se no sentido da adesão à sentença recorrida, louvando-se na mesma, em virtude de a sentença se encontrar em conformidade com as normas legalmente previstas e se afigurar a melhor solução jurídica para o caso submetido ao escrutínio judicial, não merecendo qualquer censura. A presente adesão à sentença recorrida é feita nos termos do n.º 3 do artigo 632.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.

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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se documentalmente provados, atendendo ainda à posição processual assumida pelas partes nos articulados, os factos referidos no ponto I supra e, bem assim, os seguintes factos:

A. Em 1 de Agosto de 2004, foi, no Serviço de Finanças de Oeiras 3 (Algés), instaurado contra os Reclamantes, o processo de execução fiscal (PEF) n.º ….., para cobrança coerciva de dívidas relativas a IRS do ano de 1999, no valor de € 30.851,92 (cf. fl. 1 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Em 8 de Setembro de 2004, foram os Reclamantes citados (cf. fl. 2 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. Em 8 de Outubro de 2004, vieram os Reclamantes requerer a constituição de hipoteca legal voluntária sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º 1778 da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo matricial ….., com a consequente a suspensão da execução, nos termos do artigo 169.º do CPPT, com as legais consequências (cf. fls. 3 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. Em 1 de Outubro de 2004, foi pelos Reclamantes apresentada reclamação graciosa contra o acto de liquidação subjacente ao PEF - liquidação oficiosa de IRS ..... (cf. doc. 2, junto com a p. i. a fl. 16 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fl. 7 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E. Em 14 de Outubro de 2004, por cálculo efectuado nos termos do artigo 199.º do CPPT, apurou-se o montante de € 43.483,49 de valor da dívida para efeitos de constituição de garantia, tendo sido prestada informação que concluiu pela não aceitação do imóvel oferecido, por este pertencer apenas em parte (2/8) à Reclamante, tendo um valor patrimonial total de € 1.100,25, não garantindo o valor da dívida (cf. fl. 12 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Em 19 de Janeiro de 2005, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças que indeferiu o pedido referido na letra C supra (Idem);

G. Do mesmo foram os Reclamantes notificados por Ofício de 24 de Fevereiro de 2005 (cf. fl. 13 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H. Em 8 de Março de 2005, vieram os Reclamantes requerer a substituição do imóvel recusado, oferecendo agora o imóvel sito na Rua ..... sob o artigo matricial ….. (cf. fls. 15 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I. Em 27 de Junho de 2005, os Reclamantes deduziram impugnação judicial junto deste Tribunal que correu termos sob o n.º 718/05.1BESNT (cf. doc. junto com a p. i. a fl. 17 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e consulta no SITAF);

J. Em 15 de Novembro de 2005, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças que deferiu o pedido referido na letra H supra, “uma vez que o seu valor garante o montante da execução fiscal” (cf. fls. 21 e 22 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

K. Do mesmo despacho foram os Reclamantes notificados por Ofício de 14 de Novembro de 2015 (cf. fls. 22 e 23 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

L. Por Ofício de 24 de Novembro de 2015, foram os Reclamantes notificados para proceder ao registo da hipoteca voluntária a favor da Fazenda Pública, junto da Conservatória do Registo Predial (cf. fls. 26 e 27 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

M. Em 14 de Dezembro de 2005, os Reclamantes apresentaram requerimento ao qual juntaram “cópia do talão e do pedido de registo da 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras” (cf. fls. 30 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

N. Por Ofício de 29 de Dezembro de 2005, foram os Reclamantes informados que o PEF “será suspenso com o registo definitivo da hipoteca legal a favor da Fazenda nacional, pelo que a suspensão só será averbada com a entrega de Certidão da Conservatória onde conste a respectiva inscrição” (cf. fl. 34 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

O. Em 12 de Julho de 2006, os Reclamantes apresentaram requerimento a informar que fora recusado o registo de hipoteca voluntária, porquanto a Conservadora entendeu que o acto requerido não se encontrava titulado nos documentos apresentados e que havia sido negado provimento ao recurso hierárquico interposto desse acto e a solicitar a constituição de hipoteca legal sobre o imóvel oferecido nos termos previstos no artigo 195.º do CPPT, disponibilizando-se a pagar as respectivas custas ou a oferecer o imóvel à penhora com as legais consequências (cf. fls. 35 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

P. Por despacho de 25 de Julho de 2006, foi recusada a constituição de hipoteca legal e deferido o pedido de penhora do bem oferecido (cf. fl. 51 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Q. Em 26 de Julho de 2006, foi elaborado o auto de penhora, ficando fiel depositário do imóvel o ora Reclamante (cf. doc. 4, junto com a p. i. a fl. 18 verso e fl. 54 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

R. O PEF encontra-se na fase “F100-Suspensão do Processo” desde 26 de Julho de 2006 (cf. informação a fls. 25 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

S. Em 31 de Julho de 2006, o Serviço de Finanças remeteu à 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras o pedido registo de penhora (cf. fls. 70 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

T. Foi emitido o parecer técnico a que se refere o artigo 250.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, atribuindo ao imóvel o valor de mercado de € 200.000,00 (cf. fl. 99 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

U. A penhora do imóvel a favor da Fazenda Nacional encontra-se descrita no registo predial sob o n.º …..da freguesia de …..e foi registada através da AP 2 de 7 de Agosto de 2006, pelo valor de € 42.329,46 (cf. fls. 94 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

V. Em 28 de Junho de 2010, foi proferida sentença no processo n.º 718/05.1BESNT, referido na letra I supra, que julgou improcedente a impugnação judicial, mantendo a liquidação impugnada;

W. Na sequência de recurso interposto pelos Reclamantes para o Tribunal Central Administrativo Sul, foi proferido acórdão que concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida no tocante aos juros compensatórios (cf. docs. 5 e 6, juntos com a p. i. a fl. 19 verso e 20, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos e consulta no SITAF);

X. Decisão que transitou em julgado em 2 de Março de 2011 (Idem);

Y. Em 10 de Maio de 2011, verificou-se a anulação, no valor de € 2.998,75 de juros compensatórios (cf. informação a fls. 25 e segs.);

Z. Em 26 de Agosto de 2019, os Reclamantes apresentaram requerimento a solicitar o reconhecimento da prescrição da dívida, bem como a extinção do PEF (cf. doc. 7, junto com a p. i. a fls. 21 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 147 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

AA. Em 22 de Novembro de 2019, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Encontrando-se o executado citado há mais de 30 dias, sem que tenha sido efetuado o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, deduzida oposição, requerida a dação em pagamento ou pedido o pagamento em prestações, determino a prossecução da execução com a penhora de bens pertencentes ao(à) executado(a), para cobrança dos montantes em dívida, nos termos do artigo 215.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Em conformidade com o disposto no artigo 219.º do CPPT, a penhora deve começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante em dívida, e revelando-se estes insuficientes, nos termos previstos do artigo 217.º do CPPT, deverá prosseguir sobre outros bens pertencentes ao executado” (cf. fl. 153 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

BB. Em 24 de Novembro de 2019, os Reclamantes receberam da Autoridade Tributária a seguinte mensagem de correio electrónico (cf. doc. 8, junto com a p. i. a fl. 23 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

   

CC. Constam registados no Sistema Informático das Penhoras Eletrónicas (SIPE) as seguintes ordens de penhora (OP): OP n.º …..- Pedido de Penhora de Outros Valores e Rendimentos -, despachada em 25 de Novembro de 2019, referente a créditos que a Reclamante detém junto da Caixa Económica Montepio Geral, no valor de € 3.479,73, tendo ficado penhorados os montantes de € 1.901,38, na conta bancária n.º ….., de € 90,00, na conta bancária n.º …..e de € 440,38 na conta bancária n.º ….., num total reconhecido de € 2.431,76; e OP n.º ….., despachada na mesma data, referente a créditos da Reclamante junto da sociedade F….., Lda., no valor de € 3.479,73, mas não tendo esta sociedade reconhecido a existência do crédito (cf. doc. 1 junto com a p. i. a fl. 16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, informação a fls. 25 e segs. e fls. 167 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e acordo das partes);

DD. Em 3 de Dezembro de 2019, foi proferido despacho que indeferiu o requerimento referido na letra Z supra, “uma vez que não se reconhece a prescrição da dívida em causa no PEF” (cf. fls. 157 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

EE. Por Ofício de 3 de Dezembro de 2019, recebido em 5 de Dezembro de 2019, foram os Reclamantes notificados do despacho referido na letra anterior (cf. fls. 165 e 166 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

FF. Por documento enviado para o ViaCTT em 14 de Dezembro de 2019, acedido na mesma data, foram os Reclamantes notificados da OP n.º …..- Pedido de Penhora de Outros Valores e Rendimentos –, com a data de 11 de Dezembro de 2019, pelo valor de € 2.431,76 (cf. fls. 167 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

GG. Em 17 de Dezembro de 2019, deduziram reclamação do despacho referido na letra DD) supra, a qual segue os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra presente Tribunal sob o n.º 71/20.3BESNT (cf. consulta no SITAF);

HH. Tendo a Fazenda Pública nela sido notificada para responder por Ofício deste Tribunal de 28 de Janeiro de 2020 (Idem);

II. A presente reclamação foi enviada ao Serviço de Finanças de Oeiras 2 via correio registado em 6 de Dezembro de 2019 (cf. fl. 24, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e informação a fls. 25 e segs.);

JJ. Tendo a Fazenda Pública sito notificada para responder por Ofício deste Tribunal de 9 de Janeiro de 2020 (Idem).


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De harmonia com o disposto no artigo 662.º do CPC, conjugado com o disposto artigo 249.º do Código Civil, ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT, procede-se à retificação de erros de escrita, constantes nas alíneas K) e L), relativos à identificação à data, concretamente ao ano, passando as aludidas alíneas a contemplar a seguinte redação:

K. Do mesmo despacho foram os Reclamantes notificados por Ofício de 14 de novembro de 2005 (cf. fls. 22 e 23 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

L. Por Ofício de 24 de novembro de 2005, foram os Reclamantes notificados para proceder ao registo da hipoteca voluntária a favor da Fazenda Pública, junto da Conservatória do Registo Predial (cf. fls. 26 e 27 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

KK) Em resultado da reclamação referida em GG), foi prolatada, em 16 de abril de 2020, sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou a sua improcedência, mantendo, em consequência, o ato reclamado que indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição da obrigação tributária (facto não controvertido e que se extrai da consulta à plataforma SITAF e que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções)

LL) Na sequência da notificação da decisão referida na alínea anterior, os Recorridos interpuseram recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual se encontra pendente de apreciação (facto não controvertido e que se extrai da consulta à plataforma SITAF e que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções)


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a reclamação deduzida contra “o ato de penhora do crédito que a Reclamante M….. detém sobre a F….., lda., até ao montante de € 3.479,73” e contra os “atos de penhora dos saldos das contas bancárias n.° ….., ….. e ….. que o Reclamante R….. detém junto do Banco Montepio Geral, no montante total de € 2.431,76”,

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Em termos de delimitação da presente lide recursiva, importa evidenciar, ab initio, que o presente recurso jurisdicional se cinge à apreciação do erro de julgamento quanto à ilegalidade das penhoras dos saldos das contas bancárias números ….., …..e …..da titularidade da Recorrida na Instituição Bancária Montepio Geral, no valor de €2.431,76, porquanto, por um lado, foi indeferida a ampliação do pedido quanto às penhoras realizadas em data ulterior à dedução da presente ação, e por outro lado, porque foi decretada a impossibilidade legal e originária da lide quantos aos créditos da F….., tendo os Recorridos se conformado com tais julgamentos.

De relevar, ainda neste particular, que face ao dirimido pelo Tribunal a quo e não sindicado pelos Recorridos, nos presentes autos a análise da legalidade das penhoras se encontra circunscrita ao vício próprio concatenado com a insusceptibilidade de materialização de qualquer ato de penhora na pendência de requerimento de arguição da prescrição da dívida exequenda, porquanto a questão da prescrição da obrigação tributária foi sindicada em sede própria, estando atualmente pendente de recurso no STA a decisão judicial que indeferiu o seu reconhecimento.

Assim, face ao exposto e ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre analisar se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto interpretou erroneamente a realidade fática dos autos, e com isso julgou, incorretamente, a existência de vício de violação de lei por preterição do princípio da boa fé com a inerente anulação das penhoras dos saldos das contas bancárias ….., …..e …...

Vejamos, então.

A Recorrente defende que não obstante os Recorridos terem apresentado, em 26 de agosto de 2019, requerimento a solicitar o reconhecimento da prescrição da dívida, bem como a extinção do processo executivo, a verdade é que não foi, por si só, esse facto que despoletou individualmente a análise da situação por parte do Serviço de Finanças de Oeiras 2, mas também o decorrente da Instrução de Serviço n.º ….., na qual se evidenciava que o processo executivo nº ….. se mantinha indevidamente na fase suspensiva, porquanto o processo de contencioso já se encontrava extinto pelo trânsito em julgado do Acórdão ocorrido em 02 de março de 2011.

Razão pela qual, em 22 de novembro de 2019, procedeu-se ao levantamento da suspensão processual, através da desassociação informática, por extinção do processo de Impugnação Judicial que mantinha o processo executivo naquela fase, transitando, de imediato, os autos para a fase de Penhora.

Tendo, em consequência, os Reclamantes sido informados da inexistência de motivo suspensivo previsto nos termos do artigo 52.º da LGT, conjugado com o artigo 169.º do CPPT e por também não se ter verificado que, tendo conhecimento da extinção do processo de contencioso pelo trânsito em julgado do acórdão ocorrido em 02 de março de 2011, os ora Recorridos tenham dado cumprimento ao disposto no n.º 8 do artigo 189.º do CPPT, motivando, assim, a prolação, em 22 de novembro de 2019, do despacho de penhora que determinou a prossecução da execução com a penhora de bens pertencentes ao executado, para cobrança dos montantes em dívida, nos termos do artigo 215.º do CPPT, e em cumprimento do artigo 219.º do mesmo diploma legal.

Pelo que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, inexiste na atuação da Administração Tributária qualquer preterição do princípio da boa-fé, não se vislumbrando, outrossim, qualquer ilegalidade praticada pela Autoridade Tributária antes se denotando o exercício da sua atividade dentro dos limites estritos da lei.

Com efeito, atentando na factualidade dos autos, resulta, tão-somente, que a única falha da Administração Tributária, foi a de não ter cobrado coercivamente a dívida logo após a decisão proferida por Acórdão, transitado em julgado e após as correções realizadas quanto aos juros, sendo certo que tal não obsta a que cumpra com as suas atribuições segundo as quais deve se reger pelo princípio da legalidade, que deve prevalecer sobre o princípio de boa-fé, nas suas vertentes de proteção e confiança dos cidadãos, no entanto os princípios são transversais.

Apreciando.

Comecemos por convocar a fundamentação jurídica em que se ancorou a decisão recorrida.

“A actuação da Administração Tributária com os contornos temporais descritos no probatório (cf. letras Z a DD) deve ter-se como violadora do princípio da boa-fé que preside à actividade administrativa (cf. artigos 266.º da CRP, 10.º do CPA e 59.º, n.º 2, da LGT), porque frustra a legítima expectativa de apreciação da pretensão apresentada pelos Reclamantes, ancorada no princípio da decisão.

(…) A este princípio da boa-fé se refere, ainda, o art. 6º-A do CPA, cujo n° 2 «esclarece factores a atender na apreciação do cumprimento das regras da boa-fé, prescrevendo que devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa e o objectivo a alcançar com a actuação empreendida. Esta exigência tem um conteúdo de carácter ético, impondo aos intervenientes no procedimento tributário que actuem com lealdade e sinceridade recíprocas no decurso do procedimento tributário, abstendo-se de actuações que possam enganar o outro interveniente, ou ocultando-lhe elementos que possam ter proveito para a defesa das suas posições» (ob. cit., pag. 278).

Daí que o nº 1 do art. 48º do CPPT, concretizando os deveres de colaboração da AT com os contribuintes, estabeleça que aquela «… esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correcção dos erros ou omissões manifestas que se observem.» e que o nº 2 do mesmo artigo estabeleça que «O contribuinte cooperará de boa-fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso», sendo que a violação, por parte da AT, dos deveres procedimentais de colaboração e de actuação segundo as regras da boa fé, pode consistir em vício autónomo de violação de lei (cfr. Jorge de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, anotação 7 ao art. 48º, p. 413).

E embora a jurisprudência do STA acentuasse a impossibilidade de o princípio da boa-fé ser aplicável em caso de actos praticados no exercício de poderes vinculados (pois que, nessa circunstância, o princípio da legalidade se sobrepõe a quaisquer outros princípios, que, por isso, só poderão gerar vício autónomo de violação de lei no domínio do exercício de poderes discricionários – cfr. por exemplo, o ac. de 26/10/94, rec. nº 17626, in Ap. DR de 20/1/97, pp. 2395 e ss), a relevância deste princípio não se esgota nos actos praticados no exercício de poderes discricionários, tendo vindo a ser colocada a possibilidade da sua aplicação em caso de actos praticados também no exercício de poderes vinculados.

(…) Trata-se da aplicação dos chamados princípios da juridicidade substancial, que estão explicitados na lei e na Constituição (cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., Almedina, 2006, pag. 469)”.

E, assim, deve ter-se por ilegal, por violação do princípio da boa-fé, a actuação da Administração Tributária que, sabendo que os Reclamantes apresentaram requerimento a solicitar o reconhecimento da prescrição da dívida, bem como a extinção do PEF, ordena e realiza a penhora de saldos de contas bancárias reclamada.”

Vejamos, então.

Atentemos, desde já, no quadro normativo que releva para o caso dos autos.

Dispõe o artigo 85.º, nº3 do CPPT relativamente à proibição da moratória e da suspensão da execução fiscal que:
“3 - A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.”

Preceituando, por seu turno, o artigo 88.º, nº1, do mesmo diploma legal sob a epígrafe de “extração das certidões de dívida” que:
“Findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, será extraída pelos serviços competentes certidão de dívida com base nos elementos que tiverem ao seu dispor.”

No concernente à regulamentação da suspensão da execução fiscal, dispõe o artigo 169.º, do CPPT que:
“1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.
2 - A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.
3 - O requerimento a que se refere o número anterior dá início a um procedimento, que é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução.
4 - Extinto o procedimento referido no número anterior, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 200.º
5 - A execução fica ainda suspensa até à decisão que venha a ser proferida no âmbito dos procedimentos a que se referem os artigos 90.º e 90.º-A.
6 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efetiva prestação.
7 - Caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reação previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora.
8 - Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução.
9- O executado que não der conhecimento da existência de processo que justifique a suspensão da execução responderá pelas custas relativas ao processado posterior à penhora.
10 - Se for apresentada oposição à execução, aplica-se o disposto nos n.os 1 a 7.
11 – O disposto no presente artigo não se aplica às dívidas de recursos próprios comunitários.
12 - Considera-se que têm a situação tributária regularizada os contribuintes que obtenham a suspensão do processo de execução fiscal nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto quanto à dispensa de garantia.
13 - O valor da garantia é o que consta da citação, nos casos em que seja apresentada nos 30 dias posteriores à citação.”

De convocar, outrossim, o artigo 199.º do CPPT o qual estatui que:
“4 - Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efetuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7.”

Dispondo, ainda neste particular, o artigo 52.º, nºs 1 e 2 da LGT, relativamente à garantia da cobrança da prestação tributária que:
“1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.”

Mais consignando o artigo 189.º, nº 8 do CPPT, que:
“Nos casos de suspensão da instância, pela pendência de reclamação graciosa, impugnação, recurso judicial ou oposição sobre o objeto da dívida exequenda, pode o executado, no prazo de 15 dias após a notificação da decisão neles proferida, requerer o pagamento em prestações ou solicitar a dação em pagamento.”

No âmbito das penhoras, importa ainda reter que findo o prazo posterior à citação sem ter sido efetuado o pagamento, procede -se à penhora (cfr.artigo 215.º nºs 1 do CPPT), devendo a mesma materializar-se nos bens previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, sendo certo que quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para pagamento da execução, esta prossegue em outros bens. (cfr. artigo 217.º do CPPT).

De convocar, in fine, o artigo 223.º, nº 1 do CPPT, o qual relativamente à “formalidade da penhora de dinheiro ou de valores depositados”, regulamenta que a penhora de dinheiro ou de outros valores depositados será precedida de informação do funcionário competente sobre a identidade do depositário, a quantia ou os objetos depositados e o valor presumível destes.

Ora, da conjugação dos citados normativos legais resulta que decorrido o prazo de pagamento voluntário sem que a dívida tributária liquidada seja paga, é extraída certidão da dívida, que tem a função de título executivo para efeitos de execução fiscal, sendo, portanto, a regra em direito tributário da execução imediata dos atos tributários, ou seja, logo que recebido o título executivo, o órgão periférico local deverá instaurar a execução no prazo de 24 horas, efetuando o competente registo e ordenando a citação do executado.

Com efeito, instaurada a execução a sua suspensão apenas pode ser efetuada nos casos previstos na lei, sendo que para esse efeito importa, por um lado, que o sujeito passivo interponha o competente meio de discussão da legalidade/inexigibilidade da dívida exequenda e esteja associada uma garantia idónea ou tenha o contribuinte sido dispensado da sua prestação.

Visto o direito que releva para o caso dos autos, vejamos, então, o que resulta do recorte probatório dos autos:
Ø Em 1 de agosto de 2004, foi instaurado contra os Reclamantes, o processo de execução fiscal n.º ….., para cobrança coerciva de dívidas relativas a IRS do ano de 1999, no valor de €30.851,92, tendo os mesmos sido devidamente citados em 8 de setembro de 2004;
Ø Por não se conformarem com a aludida dívida tributária apresentaram reclamação graciosa e ulteriormente impugnação judicial contra o ato de liquidação invocando a sua ilegalidade, a qual veio a ser julgada improcedente em 28 de junho de 2010, tendo merecido revogação parcial mediante prolação de Acórdão deste Tribunal, que transitou em julgado a 2 de março de 2011 e que revogou a sentença recorrida no tocante aos juros compensatórios;
Ø Em resultado do aludido trânsito e em execução do Aresto supra evidenciado, a 10 de maio de 2011, materializou-se a anulação decretada judicialmente, no valor de € 2.998,75 referente aos juros compensatórios;
Ø Mais resultando da factualidade assente, que a 26 de julho de 2006, e após um conjunto de vicissitudes fáticas melhor evidenciadas nas alíneas C), H), L) a R) do probatório, foi decretada a suspensão do processo de execução visado mediante penhora do imóvel descrito em H);
Ø Dimanando, outrossim, provado que a 26 de agosto de 2019, os Reclamantes, ora Recorridos, apresentaram requerimento a solicitar o reconhecimento da prescrição da dívida, bem como a extinção do respetivo processo executivo, o qual mereceu indeferimento mediante a prolação de despacho por parte do Chefe do Serviço de Finanças, datado de 3 de dezembro de 2019, e notificado a 5 de dezembro de 2019, o qual motivou a interposição, a 17 de dezembro de 2019, de reclamação julgada improcedente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e atualmente pendente de decisão junto do STA;
Ø Sendo ainda de relevar e sublinhar, neste particular, que a 22 de novembro de 2019, foi proferido despacho pelo órgão da execução fiscal a determinar a prossecução da execução com a penhora de bens pertencentes aos executados, tendentes à cobrança dos montantes em dívida no âmbito do processo de execução fiscal nº ….., as quais foram, efetivamente, materializadas em 25 de novembro de 2019.

Ora, do teor da factualidade supra expendida, resulta, efetivamente, que a partir do momento em que o acórdão transitou em julgado, e uma vez materializada a anulação decretada judicialmente, não procedendo o contribuinte ao pagamento da dívida exequenda no prazo legal, o órgão da execução fiscal estava legitimado a cobrar coercivamente a dívida exequenda.

É certo que o Tribunal ad quem não descura que só após a apresentação do requerimento de arguição da prescrição da dívida exequenda a Administração Tributária ordena a realização de penhoras até ao montante da quantia exequenda, e é, igualmente, certo que entre a efetivação das penhoras em discussão nos presentes autos e o trânsito em julgado do Acórdão decorreram cerca de oito anos e oito meses, mas a verdade é que não podemos concordar com o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo no sentido de que a atuação da Administração Tributária viola o princípio da boa fé.

E isto porque, a letra da lei não confere qualquer efeito suspensivo ao requerimento de arguição de prescrição da dívida exequenda, donde não se poderá defender que a materialização de uma penhora em período temporal anterior à prolação de decisão sobre a prescrição da dívida exequenda viole o princípio da boa fé.

Note-se que esta é a interpretação que se compatibiliza com o teor do citado artigo 85.º, nº 3 do CPPT o qual estabelece, de forma expressa e inequívoca, que não é possível a concessão de moratórias ou suspensão da execução fora dos casos previstos na lei.

Com efeito, como doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 01377/13, datado de 25 de setembro de 2013:
“[t]ão logo finde o prazo para o pagamento voluntário, é extraída pelos serviços competentes a certidão de dívida e remetida ao órgão periférico local competente, o qual, com base nessa certidão, instaura e promove a tramitação da execução fiscal, sendo considerado órgão de execução fiscal (arts. 88.º, n.ºs 1 e 4, 148.º, n.º 1, alínea a), 149.º, 150.º, n.º 1, e 152.º, n.º 1, do CPPT).
A execução fiscal, como decorre do n.º 3 do art. 36.º da LGT (A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei».) e está previsto no n.º 3 do art. 85.º do CPPT («A concessão de moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamentos de responsabilidade tributária subsidiária».), não pode ser suspensa, a não ser nas situações em que a lei expressamente o permite (Esta proibição de suspensão da execução fiscal é «um afloramento do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, genericamente enunciado no art. 30.º da LGT, que proíbe à administração tributária, fora de casos especialmente previstos, retardar a cobrança dos tributos» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 3 ao art. 85.º, págs. 694/695)”

De relevar, neste particular, que esta situação não colide com a Jurisprudência convocada pelo Tribunal a quo (Acórdão do STA, proferido no processo nº 0589/11, de 06 de julho de 2011)-com a qual de resto se concorda- porquanto se entende que a mesma não é transponível para o caso vertente. Com efeito, no caso retratado no aludido Aresto, encontrávamo-nos perante um ato de compensação da dívida exequenda operado pela Administração Tributária, ao abrigo do disposto no artigo 89.º do CPPT, na pendência de impugnação, após a garantia prestada ter caducado, mas sem que, dadas as circunstâncias concretas, tivesse anteriormente sido ordenada a notificação da Recorrente para, querendo, prestar nova garantia.

Ora, como evidenciado anteriormente, situação fática-jurídica díspar, donde, não transponível para o caso vertente, e isto porque a pendência de requerimento de arguição da prescrição da dívida exequenda não constitui, per se, facto determinante da suspensão do processo executivo e que crie legítima expetativa de paralisação de atos execução quando, de resto, a situação jurídica se encontra firmada há quase nove anos. Ademais, como visto, na execução fiscal a suspensão tem um carácter verdadeiramente excecional, sendo que é proibida nos casos não previstos da lei e, se dolosa, pode mesmo acarretar responsabilidade subsidiária do responsável.

Entende-se que, contrariamente à situação descrita no Aresto convocado pelo Tribunal a quo, não se verificam circunstâncias que, no caso concreto, permitam indiciar, nos termos expostos, violação do princípio da boa fé, porquanto não se infere uma atuação de um sujeito de direito que crie a confiança na adoção de conduta, in casu, prolação de decisão em momento temporal que preceda a concretização de atos de penhora, face, desde logo, à legitimação fundada desde março de 2011.

Noutra formulação, não se vislumbra uma situação de confiança justificada, traduzida na convicção por parte dos Recorridos na determinação da Administração Tributária quanto à sua atuação subsequente de suspensão de todos os atos de execução, mormente, penhoras, atenta, como visto, a sua não conformidade com a lei, mormente, a indisponibilidade dos créditos tributários e insusceptibilidade de concessão de moratórias.

De relevar, neste particular, que “a boa fé em sentido jurídico corresponde a uma válida fé, ou seja, a uma confiança válida aos olhos do direito. Incorpora, pois, o valor ético social da confiança. No entanto, apenas quando se trata de uma confiança legítima poderemos reconduzir a tutela da confiança a um corolário da boa fé.[1]

Ainda que nos surpreenda uma “inação” da Administração Tributária por um período tão longo de tempo, a verdade é que não podemos descurar que a dívida exequenda foi julgada legal, donde exigível, nessa medida os Recorridos estavam cientes que estavam em incumprimento, por conseguinte, podiam/deviam ter procedido à regularização da situação tributária.

Com efeito, tendo os Recorridos discutido a legalidade do ato de liquidação de IRS do ano de 1999, objeto de cobrança coerciva no visado processo executivo, e só em parte obtido ganho de causa, tal significa que a partir do trânsito em julgado do Acórdão e inexistindo regularização da dívida tal ocasionou uma situação de inexecução, constituindo-se em mora e consequentemente com tal inexecução preencheu os pressupostos legais para a Administração Tributária no exercício do seu poder/dever, de poder acionar a cobrança coerciva.

Ademais, como propugnado pelo STA, “[r]efuta-se a ideia de que à Administração Fiscal cabe o dever de notificar sempre o contribuinte do montante exacto da dívida ainda em execução. E, que só após tal notificação, o prazo referido no artigo 189°, n° 8 do CPPT, começará a correr. É que esse dever não se encontra definido na lei antes consagrando esta, um direito do contribuinte que este exercerá ou não conforme for do seu livre arbítrio e interesse[2].”

Note-se que se ajuíza, em sentido consonante com a decisão recorrida que, em sede de atividade administrativa tributária, é inquestionável a aplicação do princípio da boa fé, pois não obstante não se encontrar expressamente previsto no artigo 55.º da LGT a sua aplicabilidade resulta, em primeira linha, do disposto no artigo 266.º da CRP, e bem assim no artigo 6.º do CPA

Contudo, o que se entende é que no caso vertente a prolação de decisão em momento temporal posterior à penhora não coarta qualquer direito, não frustrando qualquer legítima expetativa de apreciação desse pedido em momento ex ante das penhoras, cuja legitimidade se encontrava suportada desde março de 2011.

Neste âmbito importa chamar à colação o Aresto do STA, proferido no processo nº 01188/02, de 18 de junho de 2003, extratando-se o seu sumário, na parte que para os autos releva, como se transcreve:
“III-O princípio da boa fé assume-se como um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico.
IV - Tal princípio apresenta-se como um dos limites da actividade discricionária da Administração.
V - Um dos corolários do principio da boa-fé consiste no principio da protecção da confiança legitima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.
VI - A exigência da protecção da confiança é também uma decorrência do principio da segurança jurídica, imanente ao principio do Estado de Direito.
VII - Contudo, a aplicação do principio da protecção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança "legítima" o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade perceptível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido principio.
VIII - Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal principio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas, na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança.
IX - As meras expectativas fácticas não são juridicamente tuteladas.
X - O cuidado e as precauções a exigir da parte que reivindica a protecção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos feitos com base na confiança, já que se não pretende tutelar o "excesso de confiança". (destaques e sublinhados nossos).

Conclui-se, assim, que inexiste uma qualquer vinculatividade jurídico-administrativa das referidas expetativas, tudo se reconduzindo a meras expetativas fáticas, sendo que estas não são juridicamente tuteladas.

De relevar, in fine, que não se vislumbra que a prolação de decisão em momento posterior à penhora possa “esvaziar” de conteúdo útil a sindicância da prescrição da obrigação tributária, como sucede nas situações em que estão pendentes, designadamente, requerimentos tendentes à apreciação da idoneidade, suficiência ou dispensa de prestação de garantia e a Administração Tributária procede, designadamente, à compensação de créditos sem prévia análise desses mesmos requerimentos.

Ademais, a defender-se posição contrária tal poderia acarretar um adiar ad aeternum da execução de uma decisão judicial, bastando para o efeito a apresentação de um pedido de reconhecimento de prescrição da dívida exequenda, para conseguir obviar à normal tramitação do processo pelo órgão da execução fiscal, o que não se vislumbra, de todo, que tenha sido a intenção do legislador, atenta, desde logo, a natureza da execução fiscal (artigo 148.º do CPPT)

Face a todo o exposto, inexistindo quaisquer outras questões por apreciar -não obstante a decisão recorrida, certamente por lapso, ter introduzido a menção genérica das questões prejudicadas- e sem necessidade de outros considerandos, assiste razão à Recorrente, procedendo, assim, o recurso interposto pela Fazenda Pública, revogando-se a decisão recorrida com a consequente manutenção das penhoras das contas bancárias visadas nos presentes autos, e conforme se decretará no dispositivo do presente Acórdão.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, revogar a sentença recorrida e julgar, consequentemente, improcedente a reclamação, mantendo-se o ato reclamado e as penhoras visadas na presente lide recursiva.

Custas pelos Recorridos.

Registe e notifique.


Lisboa, 17 de setembro de 2020

 (Patrícia Manuel Pires)

(Susana Barreto)

(Vital Lopes)


_______________________
[1] Rita Maria Martins Ferraz A Proteção da Confiança: elemento constitutivo do Estado de Direito-FDUP,p.31
[2] Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 0789/11, de 12 de outubro de 2011.