Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:583/13.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRS
AJUDAS DE CUSTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I- A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação do trabalho.
II- Tais ajudas de custo não se consideram retribuição e não se encontram sujeitas a IRS na parte em que não excedam os limites legais [artigo 2º nº3 alínea e) do CIRS].
III- É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J......e R......, contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano 2008, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, formulam as seguintes conclusões:

1. Não concorda a Representação da Fazenda Pública com a, aliás, Douta Sentença, na qual se decidiu pela procedência da presente Impugnação, ordenando a anulação do ato tributário – liquidação de IRS referente ao ano de 2008 -, por ter considerado que a Administração Tributária não logrou demonstrar que as quantias pagas como ajudas de custo representavam um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal;
2. A lei não exclui do conceito de rendimentos da categoria A os rendimentos pagos pela entidade patronal que não revistam natureza de ajudas de custo e, in casu, está precisamente em discussão a qualificação dos pagamentos realizados pela sociedade C...... como ajudas de custo, pois só assim se poderá proceder à aplicação da alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS;
3. Caso se conclua que os pagamentos realizados não têm carater compensatório, mas meramente remuneratório, não há sequer que ir para aquela alínea d) do n.º 3 do artigo, pois trata-se apenas de aplicar a regra geral prevista nos n.ºs 1 e 2, dos quais se subsume que os pagamentos realizados pela entidade patronal ao seu trabalhador (independentemente da forma que revistam) se enquadram na categoria de rendimentos de trabalho. Pelo que, salvo melhor opinião, caberia sempre a quem paga os rendimentos e quem os recebe fazer prova de que os mesmos não revestem natureza remuneratória, mas antes compensatória;
4. Cabe à Administração Tributária provar o excesso dos pagamentos de carater compensatório, os quais passam a ser tributados como se revestissem natureza remuneratória, cabe, no entanto, ao sujeito passivo da relação tributária fazer prova necessária e logicamente anterior – a de que os pagamentos realizados revestem a natureza de ajudas de custo.
5. Ainda que tendo verdadeira natureza compensatória, os pagamentos, a partir de determinados limites, passam a ser tributados como se de natureza remuneratória se tratassem. Mas se os rendimentos têm natureza remuneratória ab initio são sempre tratados tendo em conta essa natureza, e portanto, tributados;
6. Por outro lado, e trata-se de diferente requisito, a alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS, aplicável apenas nas situações de pagamento de ajudas de custo, faz depender a sua tributação, não apenas do cumprimento dos limites legais, mas também da observação dos pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado;
7. Refere a Douta Sentença que valores pagos a título de ajudas de custo de forma regular não os qualifica como remuneração, e por si só assim será. No entanto, esse não foi o único argumento utilizado pela Autoridade Tributária em sede Inspetiva para fundamentar as suas correções e, por outro lado, o facto de se tratarem de pagamentos regulares muito menos os qualifica como ajudas de custo – e caberia ao contribuinte fazer essa prova.
8. Não pode também deixar de se relevar o facto de, mensalmente, os valores pagos pela empresa ao seu trabalhador e qualificados como ajudas de custo serem em montante bastante superior ao rendimento do trabalho.
9. Mais fundamenta a Douta Sentença que o Impugnante marido foi contratado para exercer funções em Amora, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas porque se deslocou para Cádis, sendo o centro da sua atividade funcional Amora. No entanto, suporta-se factualmente o Tribunal na cláusula 4 do contrato de trabalho outorgado entre o Impugnante marido e a respetiva entidade patronal, o qual faz parte integrante do Relatório inspetivo (assim como os recibos referentes ao sujeito passivo no ano de 2008), mas, com o devido respeito, o contrato de trabalho em causa não é constituído apenas por aquela cláusula, mas por outras, havendo que proceder à análise do mesmo num todo sistemático;
10. Assim, consta daquele contrato, que o Impugnante marido é contratado para as oficinas na sede da C......, mas desde logo, fica também ali fixado que, com o início da execução do contrato, exerce as suas funções nas instalações da S......, em Cádis. E todas as deslocações que ocorram dentro e fora do território nacional ficam a cargo da entidade contratadora. Não deixa de ter relevância o facto de, pela Cláusula Segunda, o contrato de trabalho ser a termo incerto, motivado por acréscimo excecional de atividade da empresa, o qual obriga a reforço do trabalho temporário;
11. E este contrato de trabalho, a termo incerto, dura por todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da atividade, tarefa, obra ou projeto cuja execução justifica a celebração – nos termos do disposto no art.º 144.º da Lei n.º 99/2003, de 27.08, na redação à data; 16 / 17
12. Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença fez errada apreciação dos factos apurados – erro de julgamento de facto - e errada aplicação do direito – erro de julgamento de Direito, tendo violado o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 2.º do CIRS e Decreto-Lei n.º 106/98, de 24.04, assim como o disposto no art.º 342.º do CC.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.

A Recorrida contra-alegou, pugnando pela sua improcedência, com base no seguinte quadro conclusivo:

A) A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano de 2008 por vício de violação de lei consubstanciada na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo Recorrido marido a título de ajudas de custo por parte da AT.
B) O objeto de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública considera que a liquidação adicional se deverá manter atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao Recorrido marido constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente de acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do CIRS.
C) Considerou o Tribunal a quo, e bem, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT) demonstrar que as ajudas de custo não correspondem a efetivas deslocações e que os montantes pagos excediam os limites previstos na lei.
D) Ora, dos autos e tal como exaustivamente fundamentado na sentença ora recorrida, em nenhum momento a Representante da Fazenda Pública ou a AT faz a prova que lhe competia para afastar a verificação dos pressupostos legais quanto à não tributação das ajudas de custo: (i) a prova de que os montantes auferidos enquanto ajudas de custo ocorreram por inexistência de efetivas deslocações por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) de que o pagamento de quantitativo diário excedia os limites anualmente fixados para os servidores do Estado
E) Bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que considerou, na senda do Acórdão do STA de 08/11/06, recurso 01082/04, que a alínea d] do nº 3 do artigo 2º do CIRS uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou exclusão de tributação de IRS, o ónus da prova de tal excesso, bem como a verificação da falta de pressupostos de atribuição, enquanto pressuposto da norma de tributação, sempre recairia sobre a AT.
F) Na verdade, da apreciação da prova vertida nos autos, resultou claro que não foi possível qualificar, sem mais, as ajudas de custo como revestindo natureza remuneratória - antes pelo contrário, ficou provado que as deslocações do Recorrido ocorreram efetivamente para Cádis e que o local de trabalho era em Amora, Seixal.
G) De facto, nos termos do disposto na aludida norma de exclusão de incidência de IRS, apenas as ajudas de custo que excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado estão sujeitas a IRS.
H) Sendo certo que, o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, impendia sobre a AT e a Fazenda Pública não logrou fazer prova nesse sentido, "agarrando-se" a uma presunção, a um mero enquadramento legal, nem sequer considerando existir excesso para além do limite legalmente estabelecido, nem contrariando a existência de verdadeiras deslocações.
I) Provando-se que ocorreram efetivas deslocações do Recorrido marido do seu local de trabalho, sempre caberia à AT a prova do excesso do seu pagamento ou a prova da inexistência das deslocações em causa. Revelando para efeitos de tributação de ajudas de custo que o trabalhador esteja efetivamente deslocado do seu local de trabalho e que as mesmas tenham um carácter compensatório
J) Assim, a definição do regime da atribuição das ajudas de custo e sua não tributação na esfera de um trabalhador particular resulta do regime consagrado no artigo 2° do Código do IRS
K) O pagamento das ajudas de custo e sua tributação dependem, de acordo com a aludida norma legal, da verificação dos seguintes pressupostos substantivos: (i) os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efetiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) o pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
L) Neste sentido, o Acórdão do STA n° 24239 de 15/12: "De facto, (...) tudo se passa por conhecer se num montante de ajudas de custo são descortináveis os dois vetores patentes na alínea d) do n° 3 do artigo 2º do Código do IRS; ou seja, tem que se identificar a natureza legal dos pagamentos e, num segundo momento, verificar se o montante reembolsado excedeu os limites legais. Ora, esses vetores ou condições sempre se encontraram no CIRS e não, como pretendia a Administração Fiscal, no Decreto-lei n° 519-M/79. De 28 de Dezembro" (atual DL 106/98).
M) Ora, in casu, ficou mais do que provado e admitido pela própria Fazenda Pública, que ocorreram efetivas deslocações por parte do Recorrido marido para Cádis ao serviço da entidade patronal.
N) De facto, ficou provado que o Recorrido marido à data em que foi contratado para a empresa residia em Portugal bem como, havia sido contratado para o desempenho de funções nas oficinas sitas no local da sede da C.......
O) Assim, ficou determinado pelo Tribunal a quo que a liquidação adicional era ilegal, uma vez que a AT se limitou a desconsiderar as ajudas de custo nos termos em que haviam sido atribuídas pela entidade empregadora ao trabalhador, sem ponderar os limites previstos na lei quanto à sua atribuição e não sujeição a IRS.
P) Desse modo, ficou provado que, não logrou a AT, em sede de inspeção tributária, dar a conhecer ao contribuinte os fundamentos da tributação dos montantes recebidos a título de ajudas de custo, que, de acordo com os dois pressupostos substantivos para a sua determinação, passaria por demonstrar que os valores pagos constituem ajudas de custo que excedem os valores máximos legalmente estabelecidos, ou seja, as ajudas de custo atribuídas ultrapassaram os limites impostos na alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS
Ou
Q) Demonstrar que, nos termos do artigo 74º da LGT, o trabalhador não realizou as deslocações ao serviço da sua entidade patronal, nem suportou as despesas em causa.
R) Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efetuar correções às declarações dos contribuintes, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes à presente querela, o que determinou, bem, a anulação da liquidação adicional de IRS.
S) Ou seja, bem andou a sentença recorrida ao determinar que, a AT não logrou demonstrar que as ajudas de custo pagas ao Recorrido marido excederam os limites legais, nem que não ocorreram efetivas deslocações.
T) O mesmo é dizer que, não conseguiu a AT em definitivo fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu.
U) Face ao que foi vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, considerou o Tribunal a por ser evidente, que o Recorrido marido prestou serviço à sua entidade patronal com sede em Portugal, em obra sita em Cádis, encontrando-se, assim, deslocado do seu local de trabalho.
V) Portanto, sempre caberia à AT a obrigação de demonstrar/provar que as estadias do Recorrido marido Cádis não eram ocasionais, o que não aconteceu.
W) Contudo, sempre se reiterará que, ficou provado que o Recorrido marido foi contratado para exercer funções em Amora - Seixal, na sede da empresa.
X) Bem como, ficou provado ser o domicílio necessário do Recorrido em Amora, Seixal - Portugal -, e nunca Cádis.
Y) Desta forma, por cada deslocação que realizou, sempre seriam devidas ajudas de custo.
Z) Nesse sentido, atento o disposto na alínea d) do nº 3 do artigo 2.do CIRS, deveria a AT fundamentar a liquidação adicional de 1RS que teve por base as ajudas de custo consideradas enquanto rendimento de trabalho dependente, ou invocando que a sua atribuição foi excessiva face aos limites legais estabelecidos na lei ou provando a sua não ocorrência
AA) Assim, resultou claro, como provado e devidamente apreciado pelo Tribunal quo, reitere-se que a sede da C...... situa-se em Amora, pelo que, sem mais, se pode reter que o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho na Amora, podendo deslocar-se (!) para outros locais.
BB) De facto, o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho em Amora - Seixal, tratando-se a sua prestação de trabalho em quaisquer outros locais de verdadeiras deslocações, pelas quais sempre seria devido o pagamento de ajudas de custo por parte da entidade patronal.
CC) Com efeito, apesar de ter sido contratado para prestar trabalho na sede da C......, obrigou-se a aceitar as deslocações que a entidade patronal lhe pudesse impor para fora da sede da empresa, sendo que esta custearia as despesas com tais deslocações.
DD) De facto, a questão da "residência habitual1' deverá ser tida em primordial conta.
EE) Isto porque, entendem os tribunais ser legítimo o pagamento de valores a título de ajudas de custo quando exista deslocação da residência habitual.
FF) Ora, não só ficou demonstrado como provado nos presentes autos a efetiva deslocação da residência habitual, por parte do Recorrido marido, como também se conseguiu patentear a deslocação do domicílio profissional.
GG) Pelo que, bem andou a douta sentença, ao considerar que a AT interpretou de forma absolutamente errada os pressupostos da não tributação das ajudas de custo, conduzindo a um entendimento e, consequentemente, liquidação ilegal por errada aplicação das normas jurídicas.
HH) .Quanto à questão do ónus da prova e da falta de fundamentação que sempre caberia à AT veja-se, entre outras, as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C...... nos processos n.9s 289/13.5BEBJA, 344/13.1BEBJA, 176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA, 355/13.2BEBJA, 145/13.7BEBJA, 453/13.7BEBJA, 341/13.7 BEBJA, 342/13.7BEBJA, 338/13.7BEBJA, 414/13.7BEBJA, 288/13.7BEBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA, 127/13.9BEBJA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C...... nos processos nº 835/13.4BEALM, 586/13.0BEALM e pelos Tribunais Administrativos e Fiscais de Sintra e Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C...... nos processos nº 1176/13.2BESNT, 764/13.1BEPNF, respetivamente.
II) As aludidas Impugnações, que foram totalmente procedentes, apresentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Almada, Sintra e Penafiel por outros trabalhadores da mesma empresa C......, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação das liquidações de IRS do ano de 2008 na sequência da mesma ação inspetiva levada a cabo pela Direção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores.
JJ) No mesmo sentido foi, entre muitos outros, o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no âmbito do processo nº 764/13.1BEPNF, que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, teve por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 (Doc. nº 1 e se dá por integrado para todos os legais efeitos), tendo-se acordado negar provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos que V.s Ex.-s muito doutamente suprirão, com os fundamentos expostos, deve ser considerado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso apresentado, confirmando-se a sentença recorrida que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008, com as legais consequências.
Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo a de saber se incorre em erro de julgamento de facto e de direito a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, respeitante ao ano de 2008, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter comprovado, ou não, que as quantias pagas ao trabalhador a título de ajudas de custo têm caracter remuneratório.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) Em 04.01.2008, o Impugnante J......celebrou com a sociedade C...... – M......, Lda. contrato denominado “Contrato de Trabalho a Termo Incerto”, com sede na Rua dos Foros de Amora, n.º….., Amora, concelho do Seixal – cf. fls. 34 (verso) e 35 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;

B) Da cláusula 4.ª do contrato referido no ponto A. que antecede consta, além do mais, o seguinte:
“Primeira
(Objeto e funções)
A C......, que tem a atividade de trabalhos e serviços de manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas, tubagens, soldaduras, serralharia e eletricidade, instalações de gás e ar condicionado, admite ao seu serviço o 2.º Outorgante, para exercícios das funções inerentes à categoria profissional de Chefe de Equipe de Estruturas, podendo ainda desempenhar outras funções afins e compatíveis com a sua qualificação de acordo com a lei aplicável.
(…)
Quarta
(Local de trabalho, deslocações e destacamento)
1. O 2.º Outorgante é contratado para as oficinas sitas no local da sede da C......, obrigando-se, porém, a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C...... exerça ou venha a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho ora contratada.
2. No início da execução do presente contrato, o 2.º Outorgante deslocar-se-á para as instalações/obra da S......s.r.l. em CADIZ, podendo esta, a todo o tempo e nos termos previstos no número anterior, indicar outro local para a realização da prestação de trabalho.
3. O 2.º Outorgante obriga-se ainda a realizar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C.......
4. Em eventual situação de destacamento, o 2.º Outorgante receberá uma ajuda de custo mensal, de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais.” – cf. fls. 34 (verso) e 35 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;
C) Ao abrigo do contrato referido nos pontos A. e B. que antecedem, o Impugnante J......efetuou diversas deslocações a Cádis no ano de 2008 – cf. facto alegado no ponto 25. da petição inicial e não impugnado;

D) No ano de 2008, a C...... – M......, Lda. pagou ao Impugnante J......o valor de € 18.737,13 a título de ajudas de custo – cf. fls. 36 a 38 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;

E) No ano de 2008, o Impugnante J......declarou para efeitos do IRS, além do mais, rendimentos de trabalho dependente (categoria A) no valor de € 6.161,37 – cf. fls. 32 e 33 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;
F) Em 22.02.2012, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201……, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) iniciou uma ação de inspeção aos Impugnantes, em sede do IRS, relativamente ao ano de 2008 – cf. relatório de inspeção tributária (RIT) de fls. 29 a 31 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;

G) Em 29.10.2012, foi concluído o RIT elaborado na sequência da realização da ação de inspeção referida no ponto F. que antecede, no qual, além do mais, consta o seguinte:
“(…)
Da análise aos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.º2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações.
No presente caso, constatou-se que o local de trabalho, determinado no contrato S......em Cadiz (anexo 3), coincidia com o local onde o trabalhador prestou o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (Anexo 4).
Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respetiva remuneração e que nas pastas de documentos de suporte verificadas junto da C….. – M……, Lda. faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores.
Após análise dos documentos de suporte aos valores pagos a título de “ajudas de custo”, foram recolhidos, como exemplo, todos os boletins itinerários existentes nas empresas referentes aos meses de maio e junho de 2008. Relativamente ao presente sujeito passivo constatou-se que o boletim itinerário (anexo 5) referente ao mês de maio de 2008, para além do seu valor (3.044,44 euros) não coincidir com o recibo (3.370,63 euros), menciona que o trabalhador entre o dia 02 e 31 de maio de 2008 foi quase diariamente da Amora a Cádis (Espanha) e voltou tendo saído às 7 horas e regressado às 22 horas, pelo que não oferece credibilidade.
Refira-se ainda que relativamente ao mês de junho de 2008 não existe qualquer documento de suporte do valor que lhe foi pago a título de “ajudas de custo” neste mês.
Conclusão
Tendo presente as informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações navais, indústria de montagem de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e eletricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.
Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas. Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Ajudas de Custo e quilómetros aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimos eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respetiva compensação.
Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.º do Código do IRS.
Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção de IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n.º 2 do artigo 103.º do Código do IRS.
(…)” – cf. fls. 29 a 31 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;

H) Em 24.11.2012, a AT emitiu a liquidação adicional de IRS n.º 2012 4005073066, do ano de 2008, com o valor a pagar de € 3.643,67 – cf. fls. 40 (verso) dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;

I) Em 08.04.2013, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS referida no ponto antecedente, a qual foi indeferida por despacho de 21.05.2013, da Chefe de Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal – cf. fls. 41 a 43 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;

J) Em 18.06.2013, a petição inicial deu entrada neste Tribunal – cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos.


Quanto a factos não provados, a sentença exarou o seguinte:

Não se vislumbram outros factos alegados cuja não prova seja relevante para a decisão da causa.

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consigna:

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT, conforme referido em cada um dos pontos do “probatório”.


II.2 Do Direito

Alega a Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2008, incorreu em erro na de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reunido indícios a seu ver suficientes para se concluir que os montantes pagos pela entidade patronal ao trabalhador a título de ajudas de custo, constituíam antes verdadeiras remunerações do trabalho prestado.

A questão que está aqui em causa é, pois, a de se saber se as importâncias pagas ao Recorrido marido, a título de ajudas de custo, devem ou não ser consideradas como rendimento de trabalho dependente, nos termos da alínea d) do n.º 10 do artigo 2.º do CIRS, como entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, e, como tal, tributada em sede de IRS.

Dizia o artigo 2/3.d) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), na redação em vigor à data dos factos, que estavam sujeitas a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares as ajudas de custo a as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício: os limites legais eram os anualmente fixados para os servidores do Estado (n.º 14 do mesmo artigo).

Anote-se, desde já, e como referem os Recorridos nas suas alegações, que as questões suscitadas pelo presente recurso e referente à mesma entidade patronal, mesmo ano, com matéria factual semelhante e idênticas alegações e conclusões de recurso, apenas relativo a diferentes trabalhadores/Impugnantes, pronunciou-se esta Secção do Tribunal Central Administrativo Sul, nomeadamente nos Acórdãos de 2017.09.28, 20018.05.17, 2019.05.18, 2020.02.20, 2020.06.25, 2020.09.30 e 2020.09.30, proferidos nos processos nº 578/13.9BEALM e 696/13.3BEALM, 581/13.9BEALM, 555/13.0BEALM, 1176/13.2BESNT, 766/13.8BEALM e 430/13.8BEALM, respetivamente, e que, por sua vez, haviam já seguido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 2016.11.10, proferido no processo nº 00764/13.1BEPNF, a cuja fundamentação aderimos sem qualquer reserva.

Nas conclusões 9, 10 e 11 das alegações de recurso, a Fazenda Pública invoca erro de julgamento de facto pela circunstância de a sentença recorrida não ter fixado no probatório todos os factos que, em seu entender, se deviam extrair do contrato de trabalho celebrado entre o Impugnante, ora Recorrido, e a entidade patronal, e que seriam, em suma: (i) tratar-se de contrato de trabalho a termo incerto, motivado por acréscimo excecional de atividade da empresa, o qual obriga a reforço do trabalho temporário (…) que dura por todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da atividade, tarefa, obra ou projeto cuja execução justifica a celebração; (ii) e que apesar de o contrato referir que foi contratado para exercer funções em Amora, desde o início se estipula que irá exercer as suas funções nas instalações da S......, em Cádis; (iii) que as despesas com as deslocações que ocorram dentro e fora do território nacional ficam a cargo da entidade contratadora.

Ora, na alínea A) da fundamentação de facto da sentença o conteúdo do contrato de trabalho foi dado por integralmente reproduzido, na alínea B) foi transcrita a clausula 4ª do mesmo contrato e na alínea C) foi consignado que o Impugnante efetuou diversas deslocações a Cádis no ano de 2008, facto, aliás, não controvertido.

Da referida cláusula quarta consta que o Impugnante: é contratado para as oficinas sitas no local da sede da C......, obrigando-se, porém, a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C...... exerça ou venha a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho ora contratada.

Assim, e embora no ponto 2 da mesma cláusula 4ª referir que no início da execução do contrato o trabalhador se deslocará para as instalações da obra a decorrer em Cádis, podendo a entidade patronal indicar, a todo o tempo, um outro local para a prestação do trabalho, é fora de dúvida que o local de trabalho determinado no contrato é o da sede da empresa, sito em Amora, Seixal, não se podendo concluir, como pretende a Recorrente, que o Impugnante marido foi contratado para exercer funções em Espanha.

A sentença recorrida, depois de transcrever parte do relatório de inspeção tributária diz:

Ora, compulsado o contrato de trabalho celebrado entre o Impugnante marido e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.ª, que foi contratado para trabalhar no local da sede da C...... – M......, Lda., obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que esta exerça ou venha a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada (cf. pontos. A. e B. dos factos provados).
Resulta também dos factos provados que a C...... – M......, Lda. tem sede na Amora, concelho do Seixal (cf. pontos A. e B. dos factos provados). Assim, embora o ponto 2 da cláusula 4.ª refira que no início da execução do contrato o Impugnante marido se deslocará para as instalações da obra da S......s.r.l., em Cádis (Espanha), podendo a entidade empregadora a todo o tempo indicar outro local para a realização da prestação do trabalho, o certo é que o Impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da C...... – M......, Lda., na Amora, concelho do Seixal, obrigando-se, todavia, a efetuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C...... – M......, Lda. – cf. cláusula 4.ª do contrato. Logo, da leitura do contrato não podemos concluir que o Impugnante marido foi contratado para exercer funções fora de Portugal.

Do exposto e do excerto da sentença transcrito, verifica-se, pois, que não tem razão a Recorrente, porquanto, reitera-se, da leitura do contrato não se pode concluir como pretende, que o trabalhador foi contratado para prestar trabalho fora do território nacional.

Assim, e sem necessidade de mais considerações, julga-se improcedente o invocado erro de julgamento da matéria de facto.


Mais além, nas conclusões 3 e 4, alega a Fazenda Pública que cabia aos Impugnantes, ora Recorridos, a prova de que os rendimentos em causa não revestem natureza remuneratória, e só depois à Autoridade Tributária e Aduaneira a prova do excesso dos pagamentos efetuados.

Desde já adiantaremos que não tem razão.

É consabido que em sede do procedimento administrativo tributário de liquidação, recai sobre a administração fiscal indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, e tal procedimento só pode culminar com a liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos constantes do processo administrativo, estiver adquirida a convicção da existência e conteúdo do ato tributário, de acordo com os artigos 55° e 74° da Lei Geral Tributaria. Cabe, assim, à Autoridade tributária e Aduaneira o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito.

Por todos e como decidido no citado aresto do TCA Sul Proc nº 581/13.9BEALM, o (…) o ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo suscetíveis de tributação, compete à Administração Fiscal, contrariamente ao defendido pelo apelante (cfr. artº.342, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.Tributária; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/5/2004, proc.832/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/11/2006, proc.1099/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/1/2009, proc.2690/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6450/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/11/2017, proc. 712/13.9BEALM).

Nestes termos e tendo sido aceite pela Fazenda Pública a efetividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica naturalmente a criação de gastos acrescidos, incumbia-lhe demonstrar que os montantes auferidos pelo Impugnante a título de ajudas de custo não tinha qualquer relação com as deslocações e despesas suportadas, representando um ganho real para o trabalhador e ainda que esses montantes auferidos excediam as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal, o que não logrou fazer.

Ora, tal como nos processos que temos referido, nos presentes autos a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez qualquer prova nesse sentido nem invoca haver excesso para além do limite legalmente estabelecido.

Depois, e como se refere nos Acórdão deste TCAS, citados, nomeadamente os proferidos nos Proc. nº 712/13.9BEALM e Proc. nº 578/13.9 BEALM, de 2017.11.0 e 2018.09.28, em casos idênticos ao presente, o facto de os valores serem pagos ao trabalhador a título de ajudas de custo de forma fixa e regular não implica, necessária e automaticamente, que se esteja perante uma retribuição
Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.

No mesmo sentido concluiu a sentença recorrida, citando e seguindo a citada jurisprudência sobre a matéria aqui em causa, como se pode constatar no excerto que se transcreve:

Em eventual situação de destacamento, o contrato de trabalho estabelece ainda que o Impugnante marido receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais – cf. ponto 4 da cláusula 4.ª (cf. pontos A. e B. dos factos provados).
Notamos que do facto de a quantia paga ao trabalhador a título de “ajuda de custo” ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade em estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente às despesas que presumivelmente irão suportar.

Para concluir:

O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o Impugnante marido prestou serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obra sita Espanha, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efetivamente, mostra-se provado nos autos que o Impugnante celebrou contrato de trabalho com a C...... – M......, Lda., para exercer a sua atividade profissional, tendo, no âmbito desse contrato, exercido funções em várias obras, nomeadamente em Cádis (Espanha). Portanto, independentemente das eventuais insuficiências dos boletins itinerários, o que releva é que as despesas foram efetuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no Código do IRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.

Em conclusão, aceite que estava pela AT a efetividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciários) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal.
O que a AT não fez.
Notamos que o Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 28.09.2017, proferido no processo n.º 578/13.9BEALM, disponível em www.dgsi.pt, apreciou uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos, no qual foi sumariado, além do mais, o seguinte:
“V – É, portanto, sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
VI - Consignando-se no contrato de trabalho que o local de trabalho era na sede da entidade patronal, em Portugal, as verbas pagas, por força das despesas com alojamento, alimentação e deslocação por exercício de funções em obras da entidade patronal localizadas no estrangeiro, poderão ser consideradas ajudas de custo para os efeitos atrás referidos, já que visarão compensar o trabalhador por despesas por si realizadas ao serviço da entidade patronal por motivo de deslocação do lugar habitual de trabalho.
VII - A lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações, sendo admissível qualquer meio de prova em conformidade com o preceituado nos artigos 72.º da LGT e 115.º do CPPT.”Assim sendo, tudo visto e ponderado, verificamos que procedem estas alegações dos Impugnantes, razão pela qual a liquidação impugnada não pode ser mantida na ordem jurídica.

A sentença recorrida não merece, pois, a censura que lhe foi feita e fez uma correta apreciação dos factos e do direito, para julgar procedente a impugnação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008.

Improcede, pois, o recurso.


Sumário/Conclusões:

I- A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação do trabalho.
II- Tais ajudas de custo não se consideram retribuição e não se encontram sujeitas a IRS na parte em que não excedam os limites legais [artigo 2º nº3 alínea e) do CIRS].
III- É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 14 de janeiro de 2021
Susana Barreto